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DOI: https://doi.org/10.20396/csr.v19i27.12498
Resumo: A sociedade secularizada moderna cria novas oportunidades para os especialistas religiosos e suas organizações que desejem relacionar interesses religiosos a distintos interesses sociais, a fim de buscar, através da religião, satisfação para suas demandas e necessidades. Este artigo pretende discutir a relação entre religião e sociedade secularizada, bem como observar as estratégias, oportunidades e desafios de um pastor pentecostal autônomo, a saber, Romilton Oliveira na tentativa de viver para a religião e da religião nesta sociedade. Através da análise de sua origem familiar, conversão e carreira eclesiástica, busca-se examinar a carreira religiosa deste pastor pentecostal. Ademais, analisando a organização religiosa pentecostal fundada pelo pastor Romilton, pretende-se examinar as funções primárias e não-primárias exercidas pela organização religiosa a fim de sobreviver e influenciar os indivíduos, demonstrando, desta forma, como a religião influencia e é influenciada pelas demais esferas sociais.
Palavras-Chave: Religião, Pentecostalismo, Secularização, Modernidade.
Abstract: The modern secularized society creates new opportunities to religious specialists and their religious organizations who wish to relate religious interests to distinct social interests, in order to seek, through religion, satisfaction to their demands and needs. This article intends to discuss the relationship between religion and secularized society, as well as observe the strategies, opportunities and challenges of an independent Pentecostal pastor, i.e., Romilton Oliveira while trying to live for and off religion in this society. Analyzing his family origin, conversion and ecclesiastic career, I intend to exam the religious career of this Pentecostal pastor. Moreover, analyzing the Pentecostal religious organization created by Romilton, I seek to exam the primary and non-primary functions developed by the religious organization in order to survive and influence the individuals, demonstrating, in this way, how religion influences and is influenced by other social spheres.
Key-Words: Religion, Pentecostalism, Secularization, Modernity.
Introdução
Ainda que a religião demande do indivíduo ações individuais ante ao transcendente, tais como orações, louvores e ofertas, ela também ultrapassa os limites individuais e organiza ações coletivas. Mesmo que a experiência pessoal seja uma demanda da fé, a mesma fé extrapola as fronteiras da psique, atingindo desde as formas mais simples de organização coletiva, como a família, até sendo determinante para a unificação de um povo.
Reforçando seus significados para outras esferas sociais, a religião possui uma importância para problemas do presente cotidiano dos indivíduos, não se esgotando em promessas de salvação no futuro (soteriologia). Por isso, Weber afirma que mesmo que a mensagem de determinada religião possua um viés soteriológico, qualquer religião propõe uma mensagem salvífica que objetiva a salvação no mundo aqui e agora (1982:320). Mesmo que a mensagem profética ou sacerdotal seja sobre o porvir, o mundo além, as disposições e ações práticas são para o hoje. Por isso, a salvação é sempre a salvação de algo (1982:356). Ou seja, o processo salvífico, mesmo quando voltando para um horizonte temporal distante, objetiva libertar o indivíduo de seus dramas e anseios presentes, mostrando uma nova possibilidade de enfrentamento do mundo para o aqui e agora.
É central na sociologia das religiões de Weber (1922) o fato de a criação e o desenvolvimento de uma religião estarem ligados aos anseios e estilo de vida de grupos sociais. Por exemplo, através de sua análise, Weber conclui que até mesmo o desenvolvimento do monoteísmo judaico, principal influência no Cristianismo e Islamismo modernos, está ligado à necessidade de unificação de uma nação sob a tutela de um deus. Na mesma linha, ao desenvolver sua tese sobre o espírito do capitalismo, Weber (2013) observa a aproximação entre grupos sociais e vertentes religiosas. Por exemplo, a burguesia tenderia mais ao racionalismo e ascetismo calvinistas em contradição com o apego ao catolicismo mágico dos camponeses.
Assim, diretamente ligado ao sucesso de uma religião, está a capacidade desta ser organizada para atender demandas de grupos. E tal organização religiosa é realizada por especialistas religiosos, ou seja, indivíduos capazes de perceber demandas, administrar interesses e organizar a relação com o divino no intuito de atender estas demandas percebidas.
O clamor dos grupos que constituem o público real ou potencial de fiéis faz com que estes especialistas religiosos adaptem suas mensagens e exigências às necessidades e desejos de seus membros e daqueles aos quais tais líderes desejam impactar. Desta forma, este especialista torna-se uma representação corpórea dos anseios do grupo, condensando em si as demandas eclesiais e grupais. Além de condensar as demandas, o líder eclesiástico externaliza o entendimento de sucesso de determinado grupo, sendo ele o exemplo das benesses advindas da crença em determinada profecia. Afinal, o grupo crê no especialista porque reconhece neste a expressão prática da mensagem pregada.
Assim, uma vez vocacionado para o trabalho religioso, este especialista cumpre a função primária de intermediar a relação entre o divino e os indivíduos do grupo que representa. Entretanto, enquanto parte de uma sociedade secularizada, este especialista precisa estar atento às regras desta sociedade, regras não-religiosas que afetam a vivência diária dos indivíduos e que precisam ser consideradas por ele/si. Isto é, o especialista além de cumprir sua função primária de intermediar e organizar a relação entre os indivíduos que o seguem e seguem o transcendente, não pode ignorar normas sociais, políticas e econômicas que afetam não só a vida de seus seguidores, como também sua carreira religiosa.
Fruto de uma sociedade imersa em um processo de secularização, pluralismo e competição religiosa, o pastor Romilton Oliveira, 56 anos, nascido e morador da cidade de Campos dos Goytacazes, norte do estado do Rio de Janeiro, antes evangelista da Igreja Metodista do Brasil, desligou-se desta para fundar sua própria igreja, a Igreja Evangélica Aliança e Vida (IEAV), igreja pentecostal autônoma, possuindo uma membresia formada por cerca de 200 indivíduos, que participam de 5 cultos semanais.
Sendo uma igreja nova, fundada em 2011, a Igreja Evangélica Aliança e Vida busca espaço em um mercado religioso competitivo e heterogêneo, lidando com questões religiosas e nãoreligiosas para não apenas converter fiéis, mas fidelizar estes membros possuindo importância em suas relações com as demais esferas.
A escolha da Igreja Evangélica Aliança e Vida não se dá de forma aleatória. Primeiramente, a IEAV localiza-se na entrada da maior favela da cidade de Campos dos Goytacazes, a favela Tira Gosto, onde há apenas uma outra igreja evangélica, a Igreja Metodista, que era anteriormente liderada pelo próprio pastor Romilton. Ademais, a IEVA, em menos de cinco anos de existência, possui mais do que quatro vezes o número de membros do que a Igreja Metodista, que, em mais de trinta anos de presença nesta favela, possui cerca de quarenta membros.
Assim, seu rápido crescimento e crescente importância em um local onde apenas uma outra organização religiosa conseguiu permanecer, faz a análise não só relevante, como também necessária.
Desta forma, este artigo objetiva analisar a carreira religiosa do pastor Romilton Oliveira, observando as estratégias adotadas por ele para não apenas fundar sua própria organização religiosa, mas também alcançar o que ele mesmo entende como “sucesso religioso” (2016c). Ademais, pretende-se analisar como a IEAV busca se diferenciar das demais organizações religiosas em uma sociedade religiosamente competitiva, bem como as estratégias desta organização para sobreviver economicamente e estrutura-se internamente para promover não só a adesão de indivíduos à membresia, mas também a fidelizar tais membros.
Para isto, realizou-se, entre Junho e Dezembro de 2016 um acompanhamento semanal das reuniões, cultos e congressos a fim de analisar a pregação e a adaptação das mensagens, promessas e demandas religiosas. Além disso, foram realizadas entrevistas mensais com o pastor Romilton, com a liderança organizacional e com os membros com o intuito de entender a carreira religiosa, as estratégias de diferenciação e as estratégias de relação entre os interesses sociais e religiosos realizadas pelo pastor Romilton e sua organização.
Baseado, assim, na análise entre sociedade secularizada e religião, bem como no trabalho de campo desenvolvido, busca-se auxiliar na compreensão da mútua influência ocorrida entre a esfera religiosa e as demais esferas sociais em um mundo secularizado e secularizante.
Sociedade Secularizada e Religião
A discussão da religião pelo viés sociológico só se faz relevante se for amparada por uma sociologia da modernidade religiosa, uma vez que o desenvolvimento da modernidade ocidental está diretamente ligado ao papel da religião nesta sociedade. Para discutir tal conceito (modernidade), José Casanova (1994) destaca três pilares os quais afirma serem centrais no desenvolvimento da modernidade ocidental: 1) a crescente diferenciação estrutural dos espaços sociais; 2) a privatização da religião e 3) a importância social reduzida da religião.
Analisando as hipóteses levantadas por Casanova (1994), Pierucci afirma que o primeiro ponto (diferenciação dos espaços sociais) resultaria acima de tudo na separação entre religião e esfera política, ou seja, entre o pertencimento à comunidade política e o pertencimento a uma religião. Já a privatização da religião levaria à garantia e proteção do Estado quanto à liberdade de formatar “conteúdos de consciência” (2008:2), legitimando o pluralismo religioso. Por fim, o terceiro ponto (importância social reduzida da religião) diz respeito à perda de relevância não só das autoridades religiosas como também da própria crença enquanto instrumento de dominação e submissão.
Tendo como base estes pontos acima demonstrados, Pierucci afirma que a modernidade religiosa é presente e potente no Brasil. Para ele, a diferenciação estrutural dos espaços sociais foi o “evento de lançamento das bases jurídico-políticas de um processo civilizador que é emancipador para os dois lados, Estado e religião” (2008:5). Tal secularização do aparato jurídico-político constitui, de acordo com Mariano (2003), o processo histórico decisivo na formação das sociedades modernas ocidentais.
Posteriormente, Dutra (2016), ao analisar o processo de secularização, observa que tal processo não se trata apenas da relação entre Igreja e Estado, mas afeta também outras esferas da sociedade:
Não se trata apenas da relação entre Igreja e Estado, mas também da relação com outras esferas não religiosas como a educação, os meios de comunicação de massa, a economia e a família. A fórmula mais abstrata é a seguinte: toda e qualquer religião é obrigada a se relacionar com a diferença entre religioso e não religioso enquanto traço incontornável da sociedade mundial ( DUTRA, 2016:25)
Desta forma, pode-se afirmar que o processo de secularização inaugura uma nova forma pela qual a religião precisa se relacionar com as demais esferas sociais. Há um rompimento com a concepção de mundo pré-moderno. Ou seja, ocorre um rompimento com o domínio religioso sobre as esferas individuais e sociais, fazendo com que todas as esferas sociais sejam parte do jogo da construção social.
Charles Taylor (2007) afirma que a condição secular emerge a partir de uma desconstrução de três noções de mundo: 1) o mundo natural passa a ser entendido como um universo regido por leis impessoais; 2) o mundo subjetivo não estaria aberto às forças sobrenaturais e 3) o mundo social passa a ser imaginado como uma sociedade com um futuro em aberto e não-determinado por forças sobrenaturais.
A mudança para o secularismo consiste, neste sentido, entre outras coisas, em uma mudança onde crer em Deus é inquestionável e, de fato, não-problemático, para uma onde é visto como uma opinião entre outras, e frequentemente não a mais fácil de aceitar. ( TAYLOR, 2007:6, tradução nossa)
Para Taylor, na pré-modernidade o mundo natural era entendido como criação divina, o mundo subjetivo estava aberto às intervenções sobrenaturais e o mundo social era baseado em uma ordem e hierarquia estabelecidas pelo transcendente. Portanto, na pré-modernidade a religião atuava como principal esfera social impedindo a diferenciação de outras esferas, tais como, a economia, política, artes e a ciência ( LUHMANN, 2002; DOBBELAERE, 2002).
Nesta assertiva acima se baseia o conceito de secularização aqui defendido. Como resultado do processo de secularização, a religião busca se realocar em um ambiente social onde as esferas existentes não seguem valores religiosos, mas sim valores próprios, característica central da era secular, como aponta Taylor (2007). A religião não é mais a esfera central, mas sim divide espaço com as demais, sendo influenciada e buscando influenciá-las. A busca por relevância afeta também a esfera religiosa ( TAYLOR, 2007; BERGER, 2013; LUCKMANN, 1967; LUHMANN, 2002; PARSONS, 1971).
Dado o fim do domínio religioso sobre as demais esferas sociais, a modernidade é caracterizada, assim, como aponta Luhmann (1977; 1996) pela diferenciação funcional, uma vez que a sociedade moderna é formada por distintas instituições encarregadas de cumprir funções especializadas.
A religião se encontra hoje em uma sociedade cujas estruturas foram substituídas pela diferenciação funcional. Daí não decorre problema algum no fato de que também a religião encontra seu lugar como um sistema funcional entre os outros ( LUHMANN, 2002:209).
Assim, a tese iluminista do declínio da religião se torna obsoleta. O mundo moderno não é, portanto, um mundo anti-religioso, mas sim um mundo onde a religião precisa disputar espaço com outros discursos não religiosos, dada a possibilidade real de participar da vida social sem a influência religiosa. Logo, o engajamento religioso se torna algo voluntário e contingente, ou seja, torna-se uma opção ao indivíduo (WEBER, 2009; LUHMANN, 2002; TAYLOR, 2007; DUTRA, 2016). Este processo gera novos espaços para que não só novas religiões, como também novas organizações religiosas busquem espaço e concorram pela fidelização religiosa dos indivíduos ( FINKE, 1997; STARK, 1997; BERGER, 1967; COLLINS, 1993)
Com o fim do monopólio religioso e, consequentemente, a abertura para novas organizações religiosas, possibilita-se a formulação de distintos interesses religiosos e, portanto, a atenção a distintos interesses sociais. A religião, à medida que vai se autonomizando enquanto esfera social com lógica própria, atua como elaboradora dos interesses religiosos a partir da matéria-prima dos interesses sociais dos distintos grupos, permitindo, por exemplo, que distintos interesses sociais estejam ligados a um mesmo interesse religioso. Uma vez que organizações consigam elaborar interesses religiosos comuns capazes de transcender, em certa medida, as fronteiras dos interesses sociais - embora sem nunca lograr uma completa desvinculação destes interesses - torna-se provável a adesão de distintos grupos sociais a estas organizações e especialistas a fim de realizar estes interesses religiosos ( WEBER, 2013; BOURDIEU, 2003; BOECHAT, 2017).
Percebe-se, assim como aponta Dobbelaere (2002), que a relação entre religião e sociedade secularizada não ocorre em uma única dimensão, mas é, de fato, “multidimensional” ( DOBBELAERE, 2002:19). Desta forma, a relação entre religião e sociedade é afetada em uma dimensão macro, isto é, uma diferenciação funcional das esferas, afetando a estrutura da relação da religião com as demais esferas sociais, tais como arte, ciência, política e economia ( BERGER e LUCKMANN, 2016; LUHMANN, 2002; DOBBELAERE, 2002). Ademais, a dimensão individual, ou micro também é influenciada ( WEBER, 2013), significando que “as autoridades religiosas perderam o controle sobre as crenças, práticas e princípios morais dos indivíduos” ( DOBBELAERE, 2007:139, tradução nossa). Por fim, esta tensão entre religião e sociedade ocorre também no nível intermediário, ou meso, ou seja, uma “secularização organizacional” ( DOBBELAERE, 2002: 21), impactando as organizações religiosas. Isto significa que os desafios para a condução da vida no dia-a-dia não afetam apenas as escolhas e decisões individuais, mas desafiam as organizações religiosas a considerarem as exigências estruturais das diversas esferas sociais, tais como economia, política, direito e mídia ( LUCKMANN, 1967; LUHMANN, 2002; DUTRA, 2016). Envolto neste processo de secularização organizacional, os indivíduos não mais compartilham fé ou afiliações religiosas de forma obrigatória ou inquestionável. Todavia,
Na sociedade moderna, compartilhar convicções é um fenômeno excepcional, uma experiência que se destaca, agradável, e que pode levar os indivíduos a se juntarem a um grupo no qual se pode contar com a reedição desta experiência ( Luhmann, 2002: 295-296, tradução nossa).
As organizações religiosas modernas são, portanto, fruto de uma sociedade imersa em um processo de secularização, de diferenciação funcional, que permite que distintos interesses sociais sejam contemplados por distintas organizações religiosas ( HERVIEU-LÉGER, 2008; BERGER, 2016; LUHMANN, 2002; DUTRA, 2016). São, também, mantenedoras deste processo de secularização. Afinal, na tentativa de se diferenciarem e concorrerem na conversão e fidelização dos indivíduos mantem ativo o processo de secularização organizacional ( DOBBELAERE, 2002)
Desta forma, ainda que toda organização privilegie uma função especializada, estas organizações possuem diversas outras orientações funcionais ( LUHMANN, 2002; ABRUTYN, 2014; DOBBELAERE, 2002; MARIANO, 2003). Por exemplo, a organização religiosa tem como função especializada intermediar a comunicação entre a mensagem divina e o indivíduo receptor, atuando como local de encontro entre o transcendente e o humano. Todavia, como precisa obedecer às leis ou ainda pagar os empregados, a organização religiosa necessita se orientar por considerações jurídicas e econômicas. Nesta sociedade secularizada marcada pela autonomia das esferas sociais, a religião se apresenta como uma das diversas esferas sociais, buscando influenciar as demais através da construção de éticas religiosas, porém sem ser, obrigatoriamente, a esfera central de interpretação do mundo. Assim, a relação religião e sociedade não mais se dá de forma hierárquica, onde a religião influencia diretamente a diferenciação das demais esferas sociais, como a educação, ciência e política.
Portanto, nesta sociedade secularizada, especialistas religiosos e organizações religiosas buscam influenciar os indivíduos não apenas na esfera religiosa, mas nas demais esferas sociais, tais como família, economia e política; enquanto estes mesmos especialistas e organizações são influenciados por estas diversas esferas, precisando considerar as diversas exigências estruturais, bem como as distintas demandas e interesses dos indivíduos ( WEBER, 1982; BOURDIEU, 2003; FINKE, 1997; HERVIEU-LÉGER, 2008; MAFRA, 2002; ARENARI, 2013).
O viver para a Religião do pastor pentecostal
Um importante método de observação e investigação da relação entre religião e sociedade se baseia na análise dos especialistas religiosos, especialmente no que se refere à sua formação, desenvolvimento e práticas. As necessidades do grupo podem ser observadas, também, através da análise do especialista religioso presente nas comunidades eclesiásticas. Há a tendência do líder de comunidade eclesiástica concentrar sobre sua trajetória de vida e sua mensagem as ansiedades e expectativas daquele grupo que vê nele autoridade divina para liderar ( BOURDIEU, 2003; SAUTU, 1999; ARENARI, 2013). A fim de atingir o grupo pretendido, o especialista necessita adaptar sua mensagem e exigências à realidade e às necessidades daquele grupo, pois se o grupo não enxergar neste especialista um enviado de Deus para falar ao povo, haverá a busca por outro especialista que seja visto como detentor da autoridade divina ( BOECHAT, 2017). Assim, Weber afirma que:
Mas, tenha a profecia um caráter mais ético ou mais exemplar, a revelação profética significa sempre - e isso é o que todas têm em comum - primeiro para o próprio profeta e, em seguida, para seus acólitos: uma visão homogênea da vida, considerando-se esta conscientemente de um ponto de vista que lhe atribui um sentido homogêneo. A vida e o mundo, os acontecimentos sociais e os cósmicos, têm para o profeta determinado sentido, sistematicamente homogêneo, e o comportamento dos homens, para lhes trazer salvação, tem de se orientar por ele, e sobre esta base, assumir forma coerente e plena de significado. A estrutura desse sentido pode ser muito diversa e agregar numa unidade motivos que parecem logicamente heterogêneos, pois o que domina toda a concepção não é, em primeiro lugar, a consequência lógica, mas valorações práticas. (2009:310)
O especialista religioso busca fazer-se relevante em diversos âmbitos, visto que as relações ocorridas dentro das organizações religiosas produzem efeitos decisivos para a atuação prática dos membros, influenciando diretamente as escolhas de consumo material e cultural dos indivíduos (CAMPOS, 2011; MARIZ, 2003; MARIANO, 2011; PY e REIS, 2016). Os sermões pastorais, as relações entre “irmãos”, as doutrinas e, principalmente, as “células” produzem disposições para determinadas escolhas, produzem (novo) significado para sua relação com o mundo e criam um grupo relacional dentro da própria organização ( SOUZA, 2010).
Caso o especialista religioso deseje que sua comunidade obtenha êxito religioso, cresça no número de fiéis, ele precisa observar as necessidades de seu “público alvo” e fazer suas demandas acessíveis a estes, a fim de que participem da vida comunitária, depositando sua fé naquilo que creem estar relacionado com seu dia-a-dia. Desta forma, cada grupo de fiéis é, majoritariamente - ainda que não exclusivamente - composto por indivíduos que compartilhem interesses semelhantes ( WEBER, 2013; BOURDIEU, 2003).
Nesse sentido, assevera-se que os especialistas religiosos se adaptam às necessidades de seu grupo e assumem as características de sucesso deste mesmo grupo, adaptando a mensagem religiosa às necessidades de seu grupo, tornando-se representantes deste e exemplo para este ( BOURDIEU, 2003).
Todo especialista religioso é, fundamentalmente, um mediador das relações com o divino. Uma vez que a religião é estruturada, o especialista surge a fim de reinterpretar a mensagem religiosa e adaptar tal mensagem religiosa a demandas específicas, respondendo aos anseios de um grupo determinado. Bourdieu (2003) crê ser a religião o produto de grupos bem definidos, havendo uma relação intrínseca entre quem produz e quem consome. Assim, como não existe religião sem transcendência, não existe religião estruturada sem especialista religioso.
A importância do especialista religioso vai além da responsabilidade pela adaptação da mensagem religiosa aos anseios de determinado grupo. Enquanto autoridade religiosa, isto é, indivíduo reconhecidamente habilitado, seja pela capacidade em coagir demônios ou pela habilitação institucional, o especialista religioso representa mais do que um mediador das relações com o divino. Este representa, igualmente, um exemplo de sucesso junto ao grupo que o representa.
Profissionalmente, os mediadores são indivíduos “entre deuses e homens”, isto é, “homens perfeitos e perfeitamente habilitados para toda obra”, que são superiores aos homens comuns ( BOECHAT, 2017). Assim, o especialista religioso é duplamente aprovado para o serviço: 1) aprovado (vocacionado) pelo deus para cumprir o serviço; 2) reconhecido entre os homens como escolhido pelo deus.
Enquanto aprovado pelo deus, o especialista é destacado entre os homens. Independentemente do motivo pelo qual este é destacado, uma vez que nem sempre a escolha é baseada em critérios “humanos” de honra e prestígio, a seleção divina faz deste homem “mais honrado”, o escolhido pelo divino para o trabalho religioso possui legitimidade de dominação sobre o povo que o segue e promete obediência àquele determinado deus. Portanto, a obediência prestada ao escolhido do deus é condição sine qua non para a real devoção. O ponto central da autoridade do especialista, é o seguinte: “o capital de autoridade depende da força material e simbólica dos grupos que ele pode mobilizar oferecendo-lhes bens e serviços capazes de satisfazer seus interesses religiosos” ( BOURDIEU, 2003:58).
Logo, o chamado divino passa por reconhecimento terreno. Não contam apenas a ordem divina e a certeza individual da vocação, o especialista religioso precisa de aprovação do grupo que pretende atingir para ter sucesso em seu trabalho. Quanto menos racional a religião, mais “simples” a possibilidade de comprovação de seu chamado. Por outro lado, quanto mais racional a religião, mais próxima a relação entre comprovação do chamado e demandas lógicas e racionais de aprovação. No mundo contemporâneo, o reconhecimento do especialista religioso está diretamente ligado à sua capacidade em prover: 1) significado à existência e 2) solução para os dramas sociais.
Ante a tais expectativas, este especialista deve adaptar sua mensagem à realidade daquele grupo que deseja influenciar. Deste modo, seu trabalho é reinterpretar a mensagem religiosa e fazêla compreensível e experimentável aos indivíduos, respondendo, assim, às demandas de determinado grupo. Seu interesse pode até ser universalizar a mensagem religiosa, mas, uma vez que a sociedade é formada por diferentes grupos que apresentam diferentes demandas, anseios e necessidades, o especialista deve estruturar e organizar as crenças de tal forma que os interesses religiosos sejam compatíveis com os interesses do grupo ( HERVIEU-LÉGER, 2008; BERGER, 2016:56-58). Desta forma, seu sucesso estará diretamente relacionado com a capacidade de relacionar os sistemas simbólicos de crença e ética religiosas aos demais sistemas simbólicos e econômicos do indivíduo. Por isso, Bourdieu (2003) afirma que a religião é um produto de grupos bem definidos, uma relação entre quem produz e quem consome os bens de salvação.
Além de ser um adaptador da mensagem religiosa aos distintos interesses sociais, ou seja, um propagador das demandas e anseios de diferentes grupos sociais, o especialista religioso também é um exemplo de sucesso para aquele grupo. Isto porque um líder religioso não é um narrador das demandas divinas, mas um mediador das relações com o divino, isto é, um indivíduo “entre deuses e homens” que é o homem perfeito para o deus e o exemplo para os demais. Assim, o especialista religioso é, em primeira instância, responsável por responder às demandas de determinada associação, através da estruturação da mensagem religiosa, tendo em vista os anseios desta. E, em segunda, é o representante dos anseios deste mesmo conjunto, uma vez que se vê nele o exemplo de sucesso de tal grupo.
Romilton Oliveira é fruto de uma sociedade que, influenciada por um contínuo processo de secularização, abre novas oportunidades para indivíduos que desejem seguir a carreira religiosa, seja ligado a uma igreja evangélica de missão ou iniciando sua própria organização religiosa, relacionando, assim, diferentes interesses religiosos com diferentes interesses sociais. A trajetória do pastor Romilton, demonstra as oportunidades e desafios que permitem ou atrapalham o vocacionado a cumprir seu objetivo de desenvolver uma carreira como especialista religioso.
Romilton é natural da cidade de Campos dos Goytacazes, nascido em um bairro de classe baixa, filho de pai pedreiro e mãe dona-de-casa. Desde sua infância, Romilton viveu próximo à maior favela da cidade, onde hoje está a Igreja Evangélica Aliança e Vida.
Eu sou nascido e criado na cidade de Campos, no Bairro da Lapa. Meu pai era pedreiro e a minha mãe doméstica; era cuidado pela minha mãe, muito bem cuidado por eles. Meu pai sempre saiu muito cedo para trabalhar e voltava tarde da noite, a gente se via mais no fim de semana, que era quando ele ‘tava’ sempre fazendo alguma coisa na casa, arrumando os defeitos, ajeitando as falhas. Era um homem muito trabalhador (2016a)1
O que Romilton revela com sua fala é um o drama das classes populares na sociedade brasileira. Como sua família não tinha condições de “comprar seu tempo” ( SOUZA, 2009), isto é, priorizar o uso de seu tempo para os estudos, ainda que seus pais desejassem que Romilton investisse tempo nos estudos, o mesmo precisou trabalhar desde cedo.
Com 10 anos, o meu pai começou a mexer na nossa casa que era de telha francesa. Eu comecei a ter gosto de trabalhar, vendo o meu pai mexendo na nossa casa. Ele batia a masseira e eu tentava puxar. Só que com 10 anos, você não tem força para puxar, masseira era grande, tirar telhado, assentar tijolo, fazer sozinho não tinha ninguém para ajudar. Eu peguei gosto. Deus me abençoou de aprender a profissão, eu já passei a ser mestre de obra com 20 anos de idade. Com 10 anos, eu já fazia alguma coisa; com 20 anos, eu já era mestre de obras, mas com 15 anos já era ajudante de pedreiro (2016a).
Pastor Romilton sabia da necessidade de trabalho para ajudar nas despesas do lar e mostra que “aprendeu” o trabalho no dia-a-dia, sem treinamento, nem estudo para isso. Por conta dessa necessidade, Romilton não teve tempo de investir nos estudos: “Estudei só o primário, na escola pública de manhã, depois no CEEM onde eu terminei o meu estudo, mas aí eu já era adulto, mais de 40 anos” (2016a).
A família de Romilton é caracterizada, pelo próprio pastor, como um pai trabalhando por longas horas, e uma mãe sendo, primariamente responsável pela educação dos filhos e manutenção da casa. Apesar de afirmar que “nunca passamos fome”, pastor Romilton reconhece a constante ameaça da miséria e ansiedade pelo próximo emprego do pai, uma vez que este não trabalhava com carteira assinada e, ao encerrar uma obra, precisava procurar uma nova para conseguir retirar seu sustento: “Já passamos anos que não pudemos comprar uma peça de roupa porque meu pai tava sem obra pra fazer. Mas, ele nunca deixou faltar comida” (2016a).
Apesar de afirmar que sua conversão religiosa aconteceu já em sua vida adulta, Romilton conviveu em uma família de constante ação religiosa, “principalmente por parte da minha mãe” (2016c).
Hoje minha mãe é crente, pra glória de Deus, mas lá em casa sempre fomos muito religiosos. Toda manhã, minha mãe colocava um copo d’água em frente a uma imagem de Jesus e de Maria, rezava pelo meu pai, por mim e por meus irmãos e pela nossa família. Ela ia todo Domingo à missa, e pelo menos uma vez por mês, levava a gente na igreja. Meu pai nem tanto... meu pai passava o domingo à noite no bar. Mas, quando tava faltando trabalho... aí ele ia bastante na igreja! [...] Pra você ver né... mesmo minha mãe orando errado, Deus abençoava (2016c).
O abandono dos estudos desde muito novo expressa uma realidade das classes populares, a saber: a obrigação de satisfazer as necessidades imediatas, urgentes, de sobrevivência faz com que o investimento em diferentes instituições sociais, tais como escola e família, seja colocado de lado, pois questões de sobrevivência tomam maior parte do tempo e esforço do indivíduo. A relação com a dimensão temporal é pautada no “presente emergencial” ( SOUZA, 2009), questões que estão ligadas à satisfação de demandas urgentes são priorizadas em detrimento de questões que exigem um planejamento futuro, tais como o investimento nos estudos ou produção de uma ética religiosa. E esta realidade do “presente emergencial” atinge até mesmo sua formação enquanto especialista:
Meu filho, você precisa entender que eu não tenho tempo para sair da minha cidade e fazer um curso de teologia, que sinceramente só serve para dar aos pastores a falsa impressão de conhecimento. A sabedoria vem com a prática. Deus tem urgência! O diabo não vai esperar eu acabar o seminário pra oprimir o povo. O povo clama, e se eu não responder ao clamor, Deus vai cobrar o sangue deles sobre minha cabeça (2016c).
Contudo, Romilton se considera um homem de sucesso. Não somente isso, entende, ainda, que a “virada” significativa para o sucesso se deu em sua conversão. Aqui, a religião atua como fenômeno estimulador para a mudança. O “livramento” que Romilton recebeu de seus vícios e dificuldades veio através da experiência religiosa, e este “livramento” foi fundamental para destacar a vida do pastor dos demais indivíduos, para se tornar um exemplo de sucesso para seu grupo.
Eu andava no mundo e andava com uma porção de pessoas erradas, até que um dia Deus começou a me dar outra visão de vida, e a visão de vida que Deus estava me dando, não era compatível com a vida que eu estava levando. Eu comecei a pedir a Deus: - Me mostra um caminho, eu sei que eu tenho que sair desse caminho que eu estou, tenho que mudar, mas não sei para onde ir. Meu pai andava com uma igreja, caminhava, um tempo. Ele parou, porque os filhos não queriam ir. Eu era novo, criança e era levado à força. Nada na força dá certo. Nem por força, nem com violência. Quando eu comecei a amadurecer, Deus começou a me mostrar um caminho. Eu comecei orando da minha maneira, pedindo a Deus. Um dia de sábado, eu estava trabalhando, eu terminei o serviço a uma hora da tarde. O dono da casa chega para mim, eu estava fazendo um telhado para ele: - Hoje é sábado, 1º de maio, feriado. Você está até agora aqui trabalhando. - É, eu tinha que terminar o serviço. Aí ele falou assim: - Você já terminou? Então vem cá. Ele veio, me deu o dinheiro e falou assim: - Vai para casa. Vai aproveitar o restante do seu feriado. Vai tomar sua cerveja. Aí eu falei: - Eu parei de beber. Não estou bebendo mais, não. Sabe aquela pessoa que diz uma coisa e sai e faz tudo errado? Eu vim para casa e vi que estava tendo futebol. Fui para o campo, finalzinho do torneio, que é a hora pior. Para quê que eu fui. Comecei bebendo 11 horas da noite. Eu estava bebendo com a turma ainda lá na comunidade, lá na favela. Aí passou um rapaz da igreja, eu fui e chamei ele. - Rapaz, eu estou querendo ir embora desde cedo e não estou conseguindo sair daqui. Ele me disse: - Você vai conseguir sair daqui sim. - Pode ficar tranquilo, eu estou indo embora, mas você não vai ficar aí não. Saiu andando foi embora. Eu entrei de novo no bar. Quando eu sentei no bar comecei a sentir algo diferente. Me deu mesmo aquela vontade de ir embora. Eu saí daquele bar. Eu tinha que atravessar a favela. A minha bicicleta tinha ficado num outro canto, num outro bar. Eu fui para o outro bar. Quando eu peguei a bicicleta para ir embora, um rapaz encostou do meu lado. - O que está havendo, ele disse. - Vem cá.
Uma pessoa que sempre eu pagava as coisas para ele, e, nesse dia que eu estava decidido a ir embora, ele resolveu pagar tudo para mim. Me trouxe, me deu dinheiro, me deu cerveja e saiu. Quando ele saiu, eu fiquei olhando para as pessoas. Eu não sabia o que eu estava fazendo ali. O que era pra fazer, eu sabia: dinheiro na mão, cerveja na mesa. Enquanto esperava o meu amigo, chamei a dona do bar e disse: - Quando o fulano chegar, a senhora entrega esse dinheiro a ele. Coloca essa cerveja na geladeira, ou dá pra alguém, porque eu estou indo embora. Pequei a minha bicicleta e fui para casa. Cheguei em casa, eu me ajoelhei. Eu não sabia orar, mas hoje eu sei. É uma conversa com Deus. Comecei orando, orando e pedindo a Deus: - Eu sei que preciso mudar de caminho, mas eu não sei como. Se não tem jeito de sair dessa vida que eu estou, então, eu não quero levantar daqui. A minha casa tem dois andares e eu estava ajoelhado num local que eu colocava a minha filha para dormir na parte da tarde. Eu deitava com ela e ficava vendo televisão com ela. Meia noite, eu estava ajoelhado orando. - O Senhor pode tirar a minha vida, agora, porque eu não quero continuar nessa vida que eu estou. Não quero continuar do jeito que eu estou. Se não tem jeito para mim, o Senhor pode tirar a minha vida. Deus não olhou se eu estava drogado ou estava bêbado. O Espirito Santo entrou na minha vida. O negócio foi tão forte, que eu comecei a gritar, a gritar, pedindo perdão a Deus. Eu gritava tão alto, pedindo perdão a Deus, que os vizinhos começaram a vir, ver o que estava acontecendo. Lá em casa nunca teve grito. Essa foi a única vez, porque Deus havia tocado em mim e ninguém entendeu (2016a).
O especialista religioso do pentecostalismo contemporâneo é caraterizado pela autoridade religiosa concedida através de uma experiência direta com o divino, enquanto em igrejas ligadas ao protestantismo de missão, como a igreja Batista, ou igreja Metodista, ou ainda igrejas do pentecostalismo clássico, como a Assembleia de Deus, ainda exigem conhecimento formal e formação acadêmica, como graduação em teologia ( BOECHAT, 2017). As igrejas do pentecostalismo autônomo baseiam a autoridade da liderança na capacidade de ser atendido pelo divino em suas orações ou ainda conjurar espíritos e exorcizar demônios ( MARIANO, 1999; ARENARI, 2013). Assim, o que define a autoridade religiosa do pastor Romilton é a experiência de libertação proveniente de um contato direto com o divino, que o habilita a transferir esta experiência a outros.
A intervenção divina foi fundamental para que Romilton pudesse se livrar dos vícios tão característicos na vida de indivíduos das classes populares. Esta fronteira com a “morte social” experimentada por Romilton só foi solucionada com o auxílio divino, uma vez que ele não via, seja pela intervenção do Estado ou de outras esferas sociais, outra possibilidade de livramento.
Romilton “converteu-se” com 32 anos, já trabalhava como mestre de obras, era casado e tinha uma filha de pouco mais de um ano. Desde sua conversão, Romilton afirma que estava sendo preparado para o serviço religioso. Para ele, sua conversão correspondeu, igualmente, ao seu chamado: “O meu chamado pastoral começou desde o dia em que eu aceitei a Jesus como o meu Senhor e meu Salvador”. E, por meio do relacionamento com o divino, Romilton crê ter conseguido alcançar o sucesso religioso, isto é, o necessário para guiar outros no uso do poder divino para resolução de questões diárias.
Antes, porém, de ser o pastor fundador e presidente da Igreja Evangélica Aliança e Vida, Romilton foi membro e evangelista da Igreja Metodista. Assim que se converteu, Romilton procurou uma igreja para se filiar.
Minha mãe, nessa época ainda era Católica, e eu, depois que me converti, procurei um lugar para eu fazer parte do corpo. A Igreja Metodista tinha uma igrejinha aqui perto de casa, mas não era nesse lugar que é hoje não. A de hoje... essa foi eu que fundei. Era uma menor, que funcionava em uma casa ali na entrada da favela. Como era perto da minha casa e eu já tinha ouvido os cultos, visitei e acabei gostando. Na época o pastor José Ricardo me recebeu muito bem. [...] Com 3 anos de igreja, eu já fui ungido evangelista. O pastor perguntou se eu cria no chamado de Deus pra minha vida, eu disse que tinha certeza! Ele me ungiu evangelista e me colocou responsável pela congregação da favela Tira Gosto aqui. [...] Eu cheguei a fazer o curso pré-teológico, pra me preparar para o pastorado. Mas, o dinheiro que eu ganhava da igreja na época não dava pra eu parar de trabalhar, e não pude ir pra faculdade... Fiquei uns 15 anos como evangelista responsável pela congregação aqui. Foi um tempo muito importante para eu amadurecer, aprender, crescer e desenvolver meus dons. Mas, eu sabia que Deus tinha mais pra mim do que aquilo (2016b).
Afirmando ser contra a “divisão do corpo de Cristo”, pois “Deus fez uma só Igreja”, Romilton não desejou sair da Igreja Metodista. Problemas internos fizeram com que deixasse a organização religiosa ligada ao protestantismo de missão para começar sua própria.
Eu saí porque vi muita coisa errada. Eu debati e falei que estava errado. O pastor não gostou, mas isso está errado, não pode fazer isso. Procurei entrar em contado com outras pessoas, advogados da própria igreja para saber se a atitude que eu estava vendo, estava errada. Ele tomou uma atitude errada. Esse foi um dos motivos (2016b).
Contudo, Romilton crê que sua saída não ocorreu por causa de uma escolha pessoal sua. Em sua narrativa, Romilton afirma que a Igreja Evangélica Aliança e Vida só se tornou realidade graças à vontade divina que requereu sua separação e à ação divina que realizou tal fato.
Antes de tudo isso acontecer, de eu ter os problemas com o pastor, há 7 anos atrás, um pastor da assembleia de Deus chegou na igreja e não falou com ninguém. Só sentou num canto. Eu não sabia que ele era pastor. Era um rapaz magrinho, novo, ficou sentado num canto lá. O culto estava acontecendo e Deus bradando [...] Terminou o culto e depois que todos foram embora, ele veio e se apresentou. Eu o cumprimentei e dei um abraço nele. Ele me disse: - Pastor, Deus não te quer nessa posição aí. O senhor está numa posição que Deus não está satisfeito. O senhor está querendo fazer as coisas e o estão impedindo. Deus não está satisfeito com isso. Deus quer que você vá muito além. Deus manda dizer que Ele o quer muito à frente de um trabalho. O chamado não é da maneira que o senhor está. Ele quer que o senhor esteja na frente de um trabalho, porque ele conhece o seu coração. O senhor não está conseguindo fazer a obra, como o senhor gostaria de fazer, porque as pessoas não estão deixando (2016b).
Mesmo depois de ter recebido a “revelação” para o início da nova organização religiosa, Romilton afirma que a separação final ocorreu por uma ação do pastor presidente da igreja Metodista.
Num dia de segunda-feira, nós estávamos orando no monte, pelo culto da terçafeira. Deus me mostrou uma árvore enorme, com muitas folhas. Deus mostrou que ela estava sendo arrancada da terra. Uma luz elevando essa árvore até ao alto. Ela ficou tão alta e muita luz debaixo das raízes da árvore. [...] Na terça-feira, eu estava na igreja com 4 pastores da Assembleia de Deus e o meu Pastor presidente chegou. Chamei ele para o altar junto com a gente. Quando terminou o culto, ele, sem mais sem menos, me tirou do ministério. Foi assim que eu saí do ministério que eu estava. [...] A visão da árvore sendo arrancada e sendo elevada, era eu, sendo tirado do meu ministério (2016c).
O discurso do pastor Romilton ao defender uma separação necessária e divinamente desejada, atua como justificativa legitimadora da existência de sua própria organização, ou seja, o motivo que levou o pastor a fundar a IEAV foi a necessidade de retornar “aos ensinos aprovados por Deus”, ao “evangelho puro e simples” e ao “cristianismo verdadeiro” (2016b). Como sua antiga igreja estava, em seu entendimento, “desviando-se dos caminhos do Senhor”, fazendo com que “o povo também errasse” (2016b), a fundação da IEAV foi fundamental para “dar ao povo a oportunidade de seguir o caminho da verdade” (2016b). Portanto, ainda que o pastor critique a abertura de novas organizações religiosas, ele entende que tal crítica não cabe a sua própria organização, pois a razão que o fez fundar a Igreja Evangélica Aliança e Vida foi a “falta de uma outra igreja aqui no bairro que pudesse ensinar o verdadeiro caminho que leva a Deus” (2016b), isto é, a abertura da IEAV deu-se, para o pastor, por um desígnio divino e não a vontade do ser humano (2016b).
Após ser “retirado do ministério”, Romilton entende que também de Deus recebeu a ordenança de fundar sua própria organização religiosa, a Igreja Evangélica Aliança e Vida.
Naquela mesma terça à noite, depois de eu ter sido retirado, fui ao monte orar. Não passou nem cinco minutos, parou um carro do meu lado, desceu um rapaz que eu conhecia e disse assim: “Pastor, eu não estou entendendo porque Deus tá falando isso, mas Ele manda te dizer que ‘A hora é essa e é hora de decisão’”. [...] Não deu nem mais dez minutos, parou um pastor do meu lado e falou: “O ministério que Deus tem para você é profundo. Tanto para o senhor, quanto para sua esposa. Por isso, Deus está ungindo você hoje”. Eu tomei posse. Deus estava me ungindo, para pastorear suas ovelhas e desde então, eu tenho feito a Sua obra. Comecei tudo, estaca zero (2016b).
Assim, Romilton crê que sua função social enquanto líder religioso é atuar na libertação da vida dos indivíduos. Quando perguntado sobre sua função na sociedade, responde:
Sendo direto, eu acho que estou fazendo um bom trabalho para a sociedade hoje, porque como eu falei, estou com mais três pessoas que estão saindo das drogas. Quem ganha com isso? É a sociedade! São três pessoas que estavam com as famílias destruídas e que Deus está restituindo. São mais três viciados que estão fora da rua, eu tenho vários aqui, eu sou um deles. O policial vai parar eles. E se parar eles, não vão olhar o viciado como bandido. Mas vão olhar eles como cidadãos, como homem que merece respeito. E eles vão começar a ter respeito através do testemunho que eles vão dar. Daí para frente, as pessoas e o policial vão reconhecer a eles e saber que viviam dando conselhos a eles. E eles sempre naquela vida de drogas, dando muito trabalho aos pais. E ele começou vindo aqui na igreja e Deus começou a mudar a vida dele (2016d).
O pastor entende, ainda que de forma pré-reflexiva, a urgência das demandas de indivíduos que tem na religião, pautada na incapacidade de encontrar em outras instituições sociais, solução para dramas e anseios ordinários. A religião se torna, pois, instrumento para a solução dos problemas do dia-a-dia (BERGER, 2016; LUCKMANN, 1967; HERVIEU-LEGER, 2008), e em sua mensagem e ações, o pastor Romilton demonstra estes anseios, e com sua história e trajetória de vida, Romilton incorpora o significado de sucesso para um grupo que apresenta anseios semelhantes.
A Igreja tem feito um grande trabalho nesse mundo. A Igreja ajuda muito, trabalhando o lado espiritual das pessoas, aconselhando, pregando e mostrando a eles a verdade. [...] Nós temos pessoas aqui, que vieram por causa de um abraço. Chegou à igreja... estava em outros lugares. Na chegada da igreja, recebeu um abraço e nunca mais saiu da igreja. [...] As pessoas estão vindo para a igreja, não é porque elas estão curadas. É porque estão doentes. Um irmão, quando chegou na igreja, a filha dele vivia no médico direto, toda semana. A menina ia duas ou três vezes ao médico e não resolvia o problema. Eu fui à casa dele e ele não estava em casa. Eu avisei a esposa dele: - o problema da sua filha é espiritual. Não vai adiantar vocês procurarem só médico, não. Procurem uma igreja. Se ficar dizendo que não vai conseguir... quem ajuda é a igreja! Vai para a igreja, vai orar a Deus, vai buscar o Senhor. O adversário está enganando as pessoas, achando que em casa também ele sente a presença de Deus. Não é isso não. Você até sente, mas onde fica a salvação? (2016d)
O viver para a religião deste pastor pentecostal revela os anseios e as expectativas dos indivíduos das classes populares. Romilton vivencia e está em constante contato com a luta de pessoas que buscam ascender socialmente. Nesta luta, a religião se torna um caminho possível e o especialista se torna um intermediário entre o indivíduo e a melhora de vida, pois este não só viveu e venceu, mas conhece a forma de solucionar os diversos anseios, através do acesso ao poder divino.
Viver da Religião: adaptações e desafios sociais
Ao desenvolver sua sociologia dos tipos de especialistas religiosos, a saber, o mago, o profeta e o sacerdote, Weber observa que quando um profissional religioso é bem-sucedido, este atrai discípulos (1982:310). Os discípulos que seguem tais especialistas o fazem não só porque confiam em sua palavra, mas também porque encontram na mensagem ou na conduta exemplar trazida por tal especialista, um meio de satisfação dos seus interesses e anseios sociais ( WEBER, 1982; BOURDIEU, 2003). Portanto, crer em um especialista, em sua mensagem e conduta exemplares, significa enxergar neste a possibilidade de satisfação dos seus próprios interesses e anseios.
No entanto, tanto em Weber como em Bourdieu, os interesses religiosos desenvolvidos e realizados por organizações e especialistas religiosos não são meras extensões dos interesses sociais. A religião, à medida que vai se autonomizando enquanto esfera social com lógica própria, atua como elaboradora dos interesses religiosos a partir da matéria-prima dos interesses sociais dos distintos grupos, permitindo, por exemplo, que distintos interesses sociais estejam ligados a um mesmo interesse religioso ( BOURDIEU, 2003; BURITY, 2009; MARIANO, 1999). Uma vez que organizações e/ou especialistas religiosos consigam elaborar interesses religiosos comuns capazes de transcender, em certa medida, as fronteiras dos interesses sociais, embora sem nunca lograr uma completa desvinculação destes interesses, torna-se provável a adesão de distintos grupos sociais a estas organizações e especialistas a fim de realizar estes interesses religiosos ( WEBER, 1982; BOURDIEU, 2003; HERVIEU-LÉGER, 2008; MAFRA, 2002; ARENARI, 2013).
Uma vez que a pré-modernidade era caracterizada pela influência religiosa sobre as noções de mundo natural, subjetivo e social, a modernidade rompe com tal imaginário, desconstruindo estas três noções de mundo. Diante desta nova realidade social, a diferenciação entre sociedade e religião exige novas estratégias religiosas a fim de retomar a integração com a sociedade, participando da vida social moderna ( DOBBELAERE, 2002; HERVIEU-LÉGER, 2008; BERGER, 2016; LUHMANN, 2002).
Uma organização religiosa não só influencia a sobrevivência das funções religiosas na sociedade secularizada, como também detém capacidade para influenciar outras esferas sociais. A secularização não significa, necessariamente, a retirada da religião da esfera pública; mas apenas que a influência da religião sobre outras esferas não é direta, precisando ser elaborada de acordo com a lógica da cada esfera social. Por exemplo, nas últimas décadas uma diversidade de trabalhos foi produzida atestando a influência religiosa no campo político ( BURITY, 1999; MACHADO, 2012; MACHADO, 2015; MARIANO, 2013; ORO, 2003). Esses autores observam como o poder político das organizações religiosas vai além da capacidade destas organizações em elegerem candidatos. A própria agenda pública que trazem, privilegiando questões morais, faz da religião uma força política que não pode ser ignorada também no espaço dos debates e controvérsias públicas.
Portanto, uma organização religiosa é a expressão material (templos) e imaterial (doutrinas, teologias) da busca da religião em participar de uma sociedade que não mais se baseia exclusivamente em valores religiosos. Assim, a organização religiosa é uma organização moderna, pois é afetada pelas demais esferas sociais (política, direito, economia, mídia), cumprindo uma função religiosa especializada na sociedade, mas sem poder ignorar outras funções sociais não religiosas ( BERGER e LUCKMANN, 2016; LUHMANN, 2002; DOBBELAERE, 2002). Vale enfatizar o seguinte: a organização religiosa cumpre por um lado uma função especializada, a saber, intermediar a relação entre a mensagem divinamente inspirada (trazida pelo especialista religioso) e os indivíduos, sendo o local de troca entre o ser humano (louvor, orações, ofertas) e o divino (mensagem ética, promessas, milagres). E atua, por outro lado, como viabilizadora da interação entre função religiosa e outras funções, como a econômica e a política.
Neste contexto, a abertura de novas organizações religiosas permite que distintos interesses religiosos e sociais sejam considerados, enquanto dá a especialistas religiosos a opção de buscarem influenciar, através da esfera religiosa, a prática do grupo que vê nele o escolhido por Deus para auxiliar na satisfação de diferentes necessidades ( BOURDIEU, 2003; DOBBELAERE, 2002). Desta forma, é justamente a busca por influenciar a relação dos indivíduos com as distintas esferas sociais que levou o pastor Romilton Oliveira a fundar a Igreja Evangélica Aliança e Vida.
A Igreja Evangélica Aliança e Vida foi fundada pelo pastor Romilton Oliveira no ano de 2011 após se separar da Igreja Metodista central em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.
Romilton não exerceu função formal de pastor na Igreja Metodista, possuindo apenas o título de “evangelista”. Entretanto, Romilton exercia funções pastorais em uma das congregações desta igreja, realizando sacramentos, matrimônios, batismos e sendo o responsável pela administração desta congregação, respondendo à liderança da Igreja Metodista Central. Apesar de ser reconhecido como pastor, a falta de estudo formal, impossibilitava-o de pleitear o título pastoral, e, portanto, assumir formalmente a liderança eclesiástica de uma congregação ou igreja Metodista.
Após deixar a Igreja Metodista por conflitos com a liderança, Romilton aluga uma casa a 500 metros da congregação que pastoreava anteriormente. A nova igreja tem início com cerca de 30 membros, todos advindos da antiga congregação Metodista. Todavia, o novo status da organização liderada por Romilton, isto é, a liderança de uma congregação ligada a uma organização religiosa matriz, dá lugar à liderança de uma organização religiosa independente que possui novas oportunidades, tais como a abertura teológica, formação de novas doutrinas e práticas, mas também novos desafios e responsabilidades, tais como sobrevivência financeira, competição com outras organizações religiosas, incluindo a própria Igreja Metodista, e estruturação das carreiras e títulos desta nova organização.
Sofrendo as consequências da sociedade secularizada, não basta à organização religiosa cumprir sua função especializada. Esta tem de estar atenta às oportunidades e desafios de uma sociedade diferenciada e marcada por competição em diferentes esferas, incluindo a esfera religiosa. Dizendo de outra forma, se a competição e a busca por afirmação de uma organização na esfera religiosa a vincula obrigatoriamente a objetivos religiosos, isto também a obriga a levar em consideração outras variáveis, algumas externas à religião ( HERVIEU-LÉGER, 2008; BERGER, 2016; LUHMANN, 2002; DUTRA, 2016). Destacam-se, aqui, três variáveis: 1) a relação do especialista com a própria organização religiosa, 2) a competição externa com outras organizações (religiosas e seculares) e 3) a sobrevivência econômica da organização.
Toda organização religiosa não é apenas uma simples extensão dos interesses do especialista religioso que a lidera. Há uma influência mútua na formação de interesses, objetivos e normas. Abrutyn (2014) observa que os “empreendedores ( enterpreneurs) são responsáveis por esculpir as esferas institucionais, produzindo e distribuindo bens culturais e visões da realidade, e, ainda mais importante, protegendo sua integridade central” (2014:116, tradução nossa). E tal responsabilidade recai, também, sobre o empresário religioso, ou melhor, o especialista religioso ( BERGER, 1966; CAMPOS, 1996; FINKE, 1997; MARIANO, 2003).
Todavia, os processos de secularização e diferenciação funcional apresentam um desafio para o especialista religioso, pois além da necessidade de sobreviver economicamente, o especialista precisa lidar com a concorrência religiosa disputando os mesmos indivíduos. Assim, especialistas religiosos e organizações religiosas estão intimamente ligados pelo processo de secularização e diferenciação funcional. A organização religiosa assegura algum grau de independência estrutural e simbólica ao especialista religioso, permitindo-lhe reconfigurar e adaptar sua mensagem e doutrina às demandas do grupo que deseja influenciar, enquanto lhe traz a possibilidade de influenciar indivíduos além de sua membresia inicial. Ou seja, a relação especialista e organização religiosa garante a existência e reprodução da profecia religiosa na sociedade. Mesmo não sendo o único componente do sistema religiosos, a organização religiosa, como afirma Dobbelaere (2002:22), é “decisiva para a sobrevivência e importância da esfera religiosa na sociedade secularizada”.
Por outro lado, a organização religiosa requer do especialista religioso uma responda às demandas e aos anseios de seus membros ( BOURDIEU, 2003; BERGER, 2013; FINKE, 1997; BARNES, 2013). Como dito anteriormente, se os componentes da organização não enxergam neste especialista a capacidade de satisfazer suas demandas, buscarão em outro especialista a resposta a tais anseios.
But regardless of the variety of personal styles, the teachings of a religious, charismatic leader must deal with the ultimate concerns of a group of people. Clifford Geertz (1966) states that meaning, morality, and suffering are three points where chaos threatens to break upon man, and any religion which hopes to persist must cope with these problems. Likewise, any religious, charismatic leaders who wish to maintain their authority over a following must also espouse an ideology to cope with these three basic points where chaos threatens to impinge on the consciousness of man (BARNES, 2013:3).
Ademais, a organização precisa coordenar a relação entre o especialista e os demais funcionários da organização, ou seja, gerir a estrutura das carreiras na organização religiosa. De acordo com as previsões weberianas (1982), a administração burocrática, fundada na coordenação impessoal, seria a regra presente nas esferas sociais. Apesar de a administração burocrática interferir na organização religiosa, a dominação carismática intra-organizacional corresponde à principal forma de tomada de decisão, isto é, recai sobre o especialista religioso a autoridade para ordenar obreiros, pastores, missionários, etc.; bem como decidir sobre “promoções” e “demissões”.
A autoridade do especialista na IEAV pode ser exemplifica pela fala do pastor Romilton Oliveira:
Eu sou o dono da visão. Eu recebi de Deus a visão de como a igreja deveria ser e sobre isso está minha autoridade. Ninguém aqui tem mais autoridade que eu pra tomar decisões ou escolher pastores. Por isso, eu não abro congregações ou pontos missionários. Se alguém vier aqui e me pedir para usar o nome “Aliança e Vida”, eu vou abençoar, mas não vou ser o pastor da igreja dele. Aquela é a visão que Deus deu pra ele. Tenho que respeitar a visão que Deus me deu e fazer o possível para fazer dela sucesso (2016b).
Mesmo que seja o “dono da visão”, Romilton entende que sua mensagem e demanda precisam estar em concordância com os interesses e necessidades dos indivíduos que compõem sua organização, bem como àqueles que deseja influenciar.
Uma das habilidades exigidas de um pastor que quer sucesso em seu ministério é conhecer a necessidade do povo. Deus conhece a necessidade do povo e é ela que Ele responde. No deserto, o povo precisava de água, Deus deu água, não CocaCola. Então, se eu conheço o que o povo precisa, eu posso orar, buscar e pedir a Deus para dar a vitória (2016b)
Esta necessidade de responder às demandas dos indivíduos que compõem a organização, requer do especialista uma ordenação interna a fim de aumentar o grau de participação de sua membresia, colaborando para a fidelização dos membros. Assim, a distribuição de cargos e títulos é uma estratégia relevante que contribui para maior participação dos membros, uma vez que sentir-se valorizado pela organização religiosa aumenta o grau de pertencimento do indivíduo para com a organização, dificultando o rompimento ou até mesmo a criação de uma nova organização religiosa concorrente.
De acordo com o pastor Romilton, a escolha dos auxiliares é baseada em um critério pessoal de avaliação. Mas, é necessária a comprovação de “valores espirituais”, tais como “obediência à liderança”, saber “orar”, interceder e ser capaz de participar das sessões de exorcismo. De fato, quem escolhe o obreiro é o próprio pastor titular e não é necessária nenhuma educação teológica, uma vez que “Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos” (2016d).
Na IEAV há, além do pastor fundador e presidente Romilton Oliveira, outros 5 auxiliares que são responsáveis por questões administrativas, cerimoniais e litúrgicas durante os cultos. Há 2 evangelistas, 2 presbíteros e 1 missionária. Os evangelistas e a missionária são responsáveis pela condição do culto, caso pastor Romilton se ausente, intercessão durante os cultos, auxílio durante as orações de cura e libertação, e pregação em cultos designados. Não há diferença hierárquica entre “evangelistas” e “missionárias”, a diferença se refere ao gênero, evangelistas são do sexo masculino, missionárias do feminino. Já os presbíteros são hierarquicamente inferiores aos evangelistas e missionárias, cabe a eles uma função administrativa e litúrgica, como preparar a Santa Ceia, águas para batismo, preparar o recolhimento do dízimo, abrir e fechar o templo da igreja. Nenhum dos auxiliares é assalariado ou recebe qualquer tipo de auxílio financeiro, trabalhando todos voluntariamente. Todavia, o título religioso e o relacionamento próximo com o pastor presidente diferenciam os auxiliares dos demais indivíduos da organização, dando a estes maior autoridade e importância religiosa.
Romilton crê que parte do plano de Deus para sua vida se baseia na capacidade de viver financeiramente com o adquirido na função pastoral. Hoje, o adquirido com os dízimos e as “campanhas” é suficiente apenas para a manutenção do templo e sobrevivência própria.
A igreja existe desde 2011, mas eu só consegui deixar meu emprego e ser pastor em tempo integral há cerca de 6 meses, em 2016! Esses primeiros cinco anos, todo o dinheiro era para manter a igreja de pé. E também construímos o novo templo, que inauguramos ano passado. Pro futuro, meu objetivo é conseguir ajudar os evangelistas e presbíteros também. Se continuar assim, creio que ainda este ano vou poder atingir esse objetivo (2016d).
Além da estruturação interna da organização, outro aspecto de influência da sociedade secularizada sobre a esfera religiosa, diz respeito à disputa por membros no mercado religioso ( FINKE, 1997; CAMPOS, 1996; MARIANO, 2003; PIERUCCI, 1996). Assim, uma vez que a sociedade secularizada atua no nível mesossocietal ( LUHMANN, 2002; DOBBELAERE, 2002), influenciando diretamente as organizações religiosas, diversas organizações disputam a fidelidade religiosa dos mesmos indivíduos. Desta forma, há um leque de igrejas na sociedade e todas afirmam ser detentoras da mensagem “verdadeira” de salvação para o aqui e para o porvir. Por isso, a competição religiosa é um relevante, possivelmente o principal, aspecto responsável pela aproximação de interesses religiosos e sociais.
Com a secularização do Estado, o fim do monopólio e a garantia estatal da liberdade e tolerância religiosas, ocorrem o aumento do número de agentes e grupos religiosos e a diversificação da oferta de produtos e serviços religiosos. Neste contexto pluralista, as agremiações religiosas, para sobreviver e crescer, são compelidas a concorrer, disputar mercado. Para tanto, muitas organizações religiosas, além de reforçar seu proselitismo, estimulando o ativismo do clero e a militância dos leigos, procuram, como forma de atrair clientela e recrutar novos adeptos, conquistar novos nichos de mercado, especializando-se na oferta de produtos e serviços adaptados aos interesses e preferências específicos de determinados estratos sociais ( MARIANO, 2003:4).
O contexto pluralista, resultante da secularização, aumenta a possibilidade de que diferentes interesses sociais dos mais distintos grupos sejam atendidos ( HERVIEU-LÉGER, 2008; BERGER, 2016). Por exemplo, o interesse religioso de ser abençoado para se viver bem e longamente sobre a Terra tende a ser perseguido por indivíduos de distintas classes sociais. Contudo, o significado de “viver bem” varia de acordo com diversas questões, inclusive condição social, podendo, obviamente, assumir um caráter até anti-religioso. Enquanto para um indivíduo o “viver bem” está relacionado com questões básicas como o pagamento da conta de água no fim do mês, para outro “viver bem” significa ter mais tempo de folga com a família. Portanto, em uma sociedade com ampla oferta de organizações religiosas, espera-se que o indivíduo busque participar de uma organização que melhor relacione seus interesses sociais com a mensagem, doutrina e conduta exemplar pregadas.
Cabe, portanto, à organização religiosa aproximar a profecia do especialista com os interesses dos indivíduos que a compõe. Pois, se o indivíduo não encontra em uma organização a satisfação de seus interesses, buscará em outra tal satisfação.
As igrejas que nasceram na denominada terceira onda do pentecostalismo ( MARIANO, 1999) possuem crescimento considerável no país ainda hoje, mesmo depois de uma desaceleração no crescimento pentecostal na última década. O Censo das últimas três décadas mostrou que o pentecostalismo cresceu cerca de 114%, sendo o principal responsável pelo fato de 22,2% da população brasileira ser, atualmente, evangélica.
Devido à sua força e impacto sociais, principalmente no que diz respeito à conversão de católicos e adeptos de outras igrejas pentecostais, diversos trabalhos têm sido desenvolvidos a fim de mostrar as características das igrejas deste movimento ( PIERUCCI, 1996; PRANDI, 1996; MARIANO, 1999; FRESTON, 2010; BITUN 2010). A pesquisa publicada em 2011 pela FGV, sob a coordenação de Neri, aponta que 58% dos convertidos ao pentecostalismo já passaram pela fé católica, enquanto 40% dos que estão em alguma igreja pentecostal, vieram de outra igreja pentecostal ( NERI, 2011).
A igreja de maior sucesso nas últimas décadas no Brasil é a IURD - Igreja Universal do Reino de Deus fundada em 1977 pelo bispo Edir Macedo, sendo a quarta maior denominação evangélica do Brasil, com mais de 1 milhão e 800 mil membros de acordo com os dados do Censo de 2010. Devido ao seu intenso crescimento desde sua fundação, a IURD tem concentrado também boa parte dos estudos sobre as igrejas pentecostais ( ABUMANSSUR, 2011; JUNGBLUT, 2005; MARIANO, 2004).
Todavia, o impacto do pentecostalismo não se concentra no sucesso de apenas uma organização religiosa. Com o imenso crescimento do pentecostalismo, cresceram também as novas organizações religiosas. Os números da Servindo Pastores e Líderes (Sepal) indicam que, em 1970, havia 26.125 igrejas evangélicas no país; três décadas depois, o número de igrejas passava dos 141.540, número que chegou a 289.701 em 2010 2 .
Isto não significa que todas as igrejas abertas desde o fim da década de 1970 eram pentecostais, mas o impacto desta “onda” não pode ser ignorado. Afinal, o crescimento das igrejas coincide com o crescimento da membresia pentecostal na sociedade brasileira. A IEAV é exemplo de tal impacto. Enquanto evangelista metodista, Romilton precisava limitar sua mensagem, doutrina e demandas religiosas à teologia, doutrina e práticas metodistas, prestando obediência aos fundamentos e liderança desta igreja de missão, seja teológica ou eclesiasticamente. Inaugurando sua própria organização religiosa, Romilton pode decidir as práticas e doutrinas da organização, bem como as demandas religiosas requerida de seus membros.
Com o intuito de competir em um mercado religioso competitivo, a Igreja Evangélica Aliança e Vida tem três estratégias de diferenciação: 1) localização estratégica; 2) vasta oferta de cultos e serviços religiosos; 3) resolução de problemas urgentes com atuação imediata do divino.
Inicialmente, é importante destacar que Romilton optou por abrir sua igreja próximo à entrada da maior comunidade da cidade, favela Tira Gosto, tendo por “concorrente” apenas a congregação da Igreja Metodista que liderava anteriormente. A boa relação de Romilton com os líderes da favela possibilitou que abrisse a IEAV sem dificuldades, tendo acesso a um grande número de indivíduos que transitam diariamente pela região, isto é, uma membresia potencial, sem outras organizações próximas para disputar a fidelização destes.
Ademais, A IEAV utiliza uma estratégia desenvolvida com sucesso pela IURD. Durante a semana há uma gama de cultos religiosos com o enfoque em um tipo de demanda a ser atendida pelo divino. Atualmente, a IEAV cultua aos Domingos, pela manhã e noite com Culto de Adoração, às Segundas-feiras, com foco em Cura e Libertação, às Terças-feiras, focando em Milagre Urgente, às Quintas-feiras com Intercessão e Batalha Espiritual. Às Quartas-feiras o pastor e seus obreiros vão ao monte “clamar pela vida e necessidade dos fiéis”. E, a cada dois Sábados, há o Culto Profético, onde “revelações e promessas da parte de Deus são feitas aos presentes”. De acordo com o pastor Romilton:
Meu desejo é um dia ser capaz de ter a igreja aberta 24 horas por dia, atendendo a todos os que precisarem a qualquer momento. Hoje, isso é impossível porque sou o único pastor da igreja. Mas, em breve, vamos poder ter mais reuniões, cultos e vigílias. [...] Estou treinando os obreiros para assumirem os cultos, quero começar mais duas reuniões durante a semana nos próximos meses (2016b).
Tal estratégia contrasta com o oferecido pela Igreja Metodista vizinha que possui apenas cultos de Estudo Bíblico às Terças-feiras, Cura e Libertação às Quintas, e Culto de Adoração Domingo à noite. Como é parte de um mercado concorrido, a necessidade pela fidelização dos membros, ainda que seja essencial para a sobrevivência da organização, precisa dar espaço ao fluxo constante de indivíduos que, mesmo sendo membros formais de outra organização religiosa, participam dos cultos e campanhas, sendo potenciais membros ou apenas participantes informais, mas que contribuem para o crescimento da igreja. Além disso, a ênfase das reuniões da IEAV está na resolução de problemas emergenciais como a cura de uma doença, aquisição de um bem, ganho de causa na justiça e libertação de males psicológicos, vícios e traumas. Para isso, a IEAV investe na guerra espiritual e em “campanhas de vitória” que duram diversas semanas, tendo símbolos cotidianos sacralizados como objetos da ação divina, desde toalhas até travesseiros e chaves. Ou seja, a magia é o método através do qual os anseios são atendidos ou processados, transformando interesses e anseios socais em uma forma específica de interesse religioso: o interesse na salvação mágica dos problemas emergenciais da vida.
Assim, através de uma localização estratégica distante de outras igrejas pentecostais, a oferta de cultos (quase) diários e a ênfase em resolução de problemas emergenciais cotidianos, a IEAV busca se diferenciar e participar com sucesso em um mercado religioso competitivo.
Por fim, outra variável exigida para se viver da religião em uma sociedade secularizada, diz respeito à necessidade de sobrevivência econômica da organização. Uma organização religiosa que, no contexto da competição e do pluralismo que marcam a modernidade religiosa, se disponha a cumprir sua função de “ligar” o homem ao divino necessita arcar com custos econômicos variados, desde a remuneração do especialista religioso, à remuneração dos demais empregados, compra e manutenção de aparelhos eletrônicos, até às contas mensais regulares, tais como luz e água. A necessidade de arcar com os gastos não é sua função especializada. É, todavia, parte da “boa gestão” da organização religiosa, necessária para o sucesso desta. Dutra afirma que uma “'boa gestão’ é aquela que melhor cumpre a função de coordenar o tipo de trabalho voltado a reproduzir a referência funcional predominante nessa organização” (2013:12). Portanto, o cumprimento pleno da função especializada exige o cumprimento de funções secundárias pela organização religiosa. Certamente, se o critério econômico passa a ser o principal para a coordenação da organização, a boa gestão é comprometida. Por outro lado, não se pode ignorar a necessidade de sobrevivência econômica da organização, uma vez que, na sociedade moderna, a organização religiosa precisa arcar com os gastos econômicos como as demais organizações. Portanto, a organização religiosa tem como função não-especializada a coordenação econômica.
Mariano (2003) afirma que a consolidação da situação pluralista moderna influencia as organizações religiosas fazendo com que a lógica de mercado oriente as ações organizacionais, religiosas e proselitistas de vários grupos religiosos, destacando-se as organizações pentecostais. Estas organizações têm priorizado um modelo de organização e gestão denominacional de molde empresarial, “cujo efeito é acentuar ainda mais a concentração e verticalização do poder eclesiástico e a centralização administrativa e financeira” (2003:5).
A IEAV tem no recolhimento do dízimo a estratégia segura de sobrevivência. Em todos os cultos e reuniões, pastor Romilton prepara uma pregação de cerca de 15 minutos para incentivar os membros e presentes a colaborarem com a manutenção da “obra de Deus”. Como afirma o pastor:
[a prosperidade é fruto de] Primeiramente, fidelidade a Deus, vida com Deus. A bíblia ensina que é fé, não tento te explicar porque não existe explicação. Fé não se explica, ou você crê ou não. Então, Deus honra quem é fiel a Ele. Isso é o lado espiritual da prosperidade, que é antes do material. A bíblia diz que tudo que o homem semear ele vai colher, vai ceifar, quando a pessoa se torna fiel, Deus honra de alguma forma, Deus vai abençoar. Deus vai fazer o que tem que acontecer (2016d).
Contudo, ciente da baixa renda de grande parte de sua membresia e visitantes, Romilton tem nas Campanhas Semanais a principal forma de arrecadação para sobrevivência da organização.
O povo gosta de ajudar, mas o povo que vem aqui é pobre. Tem gente aqui que não tem renda fixa, que vive com menos de R$ 100,00 por mês. Tem gente aqui que o dízimo não paga nem o almoço em um restaurante normal, mas pra eles é a diferença entre a comida do fim do mês e o passar fome. [...] Então, a gente orou muito e Deus deu uma graça pra gente. As campanhas vieram pra abençoar o povo de forma plena, abençoar o povo e permitir que eles participem da obra de Deus (2016c).
Toda semana, especialmente nos cultos de Terça-Feira, há alguma campanha, isto é, cultos focando pedidos específicos a Deus que duram semanas. Em cada campanha, há algum objeto santificado que representa o objetivo da campanha, desde travesseiros, óleos ungidos e chaves, cada objeto representa a área que o indivíduo busca na interferência divina. Para ter tal objeto e participar da campanha, recebendo as “bênçãos divinas” semanais, e a “bênção completa” ao fim da campanha, o participante colabora ofertando algum valor, requerido pelo pastor. Por exemplo, de acordo com o pastor Romilton, desde a abertura da igreja, a campanha que obteve maior sucesso e participação da comunidade foi a “Campanha da Vida Abundante”:
Durante 7 semanas, oramos a Deus por cada “vida” que a pessoa tem: vida espiritual, vida familiar, vida amorosa, vida financeira, vida física (saúde), vida liberta (exorcismo), vida plena. Tivemos um candelabro pequeno e de plástico, com 7 velas, que podia ser adquirido pela oferta. Cada semana enchíamos uma vela com óleo simbolizando uma área da vida que ele tinha participado. Houve uma participação bem boa, ficamos conhecidos aqui na região e vimos muita gente prosperar (2016c).
Assim, o viver da religião em uma sociedade secularizada exige dos especialistas e da organização religiosa adaptações e estratégias que considerem demandas e interesses não-religiosos, influenciando suas práticas, mensagens e demandas. Fruto da religião em uma sociedade secularizada, a IEAV desenvolve a função primária de intermediar a relação dos indivíduos com o divino. Porém, precisa cumprir funções secundárias, tais como a estrutura de carreiras internas, competição com outras organizações e sua sobrevivência econômica ( HERVIEU-LÉGER, 2008; BERGER, 2016). sociedade.
Considerações Finais
A relação entre sociedade secularizada e religião não ocorre apenas em um nível ou de apenas uma forma. De fato, diferentes dimensões são afetadas. Assim, a influência da secularização sobre a religião ocorre em um nível macro, afetando diretamente a estrutura relacional da esfera religiosa com as demais esferas sociais. Ademais, a secularização atua em um nível mesossocietal, alterando como as organizações religiosas se relacionam com as esferas sociais e como contemplam distintos interesses e demandas. E, por fim, a secularização atua em nível microssocietal, lidando com a forma pela qual o indivíduo crê, bem como sua integração com o grupo religioso ( LUHMANN, 2002; DOBBELAERE, 2002; DUTRA, 2016).
Este artigo enfatizou a “segunda dimensão da secularização”, como afirma Dobbelaere (2002:21), entendendo que o impacto secular sobre a religião não traz apenas desafios para a sobrevivência e diferenciação das organizações e especialistas religiosos, mas gera também oportunidades para a criação de novas organizações, para o surgimento de novos especialistas religiosos e atenção a novos interesses sociais.
A partir deste ponto de análise, a trajetória do pastor pentecostal Romilton Oliveira e de sua organização religiosa, a Igreja Evangélica Aliança e Vida, permite compreender alguns pontos relevantes na relação entre secularização mesossociaetal e organizações e especialistas religiosos. Primeiramente, na visão do pastor Romilton, sua trajetória de vida é exemplo de como a ação divina pode influenciar diretamente no sucesso social do indivíduo, não apenas na esfera religiosa, mas também nas demais, como família, educação e economia. Através do “sucesso” que experimenta graças a sua relação com o divino, Romilton é capaz de intermediar a relação de Deus com os homens, não apenas ensinando o que deve ser feito, mas também sendo ele mesmo o canal transmissor da ação divina. Assim, Romilton adapta a mensagem e as demandas religiosas aos anseios de um grupo que compartilha necessidades semelhantes, ou seja, anseios urgentes e imediatos, fazendo da relação com o divino um meio possível, e por vezes o principal, de satisfação de necessidades em diversas áreas da vida.
Por fim, buscou-se analisar algumas influências da sociedade secularizada sobre a Igreja Evangélica Aliança e Vida, a fim de compreender as estratégias adotadas para cumprir sua função primária de intermediar a relação dos homens com o divino, enquanto compete no competitivo mercado religioso, sobrevive economicamente e estrutura-se internamente na tentativa de influenciar a relação de seus membros não apenas com Deus, mas também com as demais esferas sociais.
Assim, estudar organizações e especialistas religiosos possibilita à sociologia da religião analisar a mútua influência entre religião e sociedade em diferentes níveis e dimensões, colaborando para uma melhor compreensão das demandas sociais reveladas por estas organizações e estes especialistas, bem como as soluções propostas que atuam diretamente na esfera religiosa e nas demais esferas sociais.
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Notas