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A ATUAÇÃO DA BANCADA RELIGIOSA NA CONTROVERSIA EM TORNO DAS QUESTÕES DE GÊNERO NO PLANO MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO (PME) EM BLUMENAU DE 2015
THE PERFORMANCE OF THE RELIGIOUS BENCH IN THE CONTROVERSY AROUND GENDER ISSUES IN THE MUNICIPAL EDUCATION PLAN (PME) IN BLUMENAU IN 2015
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 20, núm. 28, pp. 47-62, 2018
Universidade Estadual de Campinas

Article


DOI: https://doi.org/10.20396/csr.v20i28.12388

Resumo: A controvérsia em torno da temática do gênero nos PMEs, no Brasil, se origina na interface entre as esferas política e religiosa. Por isso objetiva-se desvendar as relações políticas e religiosas em torno do PME da cidade de Blumenau - um espaço municipal/local de disputa e interações sociais que refletiu a articulação nacional entre evangélicos e católicos. Para tanto, recorreu-se à pesquisa documental e bibliográfica acerca do ativismo político religioso no Brasil e ao estudo de caso do projeto de Lei Complementar nº 1.463. Os resultados obtidos demonstram que houve articulação dos ativistas político-religiosos em níveis federal, estadual e municipal em prol da retirada dos conceitos gênero e diversidade do PME. O ensejo dessa retirada de noções dos documentos da educação, pela bancada religiosa, é uma forma de defender suas “bandeiras políticas”, legitimar seu eleitorado e deslegitimar bandeiras alternativas. Com isso, conclui-se que a “luta” contra a suposta “ideologia de gênero” repete a mesma mobilização contra o “perigo comunista” do período da constituição de 1988 e da eleição presidencial de 1989.

Palavras-chave: Plano Municipal de Educação, Gênero, Ativismo político-religioso, Esferas política e religiosa.

Abstract: The controversy around the theme of the gender in MPE’s, in Brazil, is originate in the interface between the political and religious spheres. There, the objective is to uncover the political and religious relations around the MPE of the Blumenau city - a municipal/local space of dispute and social interactions that reflected the national articulation between evangelicals and catholics. To do so, we resorted to documentary and bibliographic research on religious political activism in Brazil and to the case study of Complementary Law nº 1.463. The results show that there was an organization of political-religious activists at the federal, state and municipal levels to remove all the notions of gender and diversity of the MPE. The purpose of withdrawing notions from education documents, by religious bench, is a way to defend their “political flags”, to legitimize their electorate and to delegitimize alternative flags. With that, we concluded that the “struggle” against the so-called "gender ideology" repeats the same mobilization against the "communist peril" of the 1988 constitutional period and the 1989 presidential election.

Key-words: Municipal Education Plan, Gender, Political-religious activism, Political and religious spheres.

1. Introdução

Nos últimos anos é perceptível, no Brasil, o frequente protagonismo do ativismo político religioso. A presença dos pentecostais na esfera política brasileira é registrada pelo menos desde os anos 50 1. O grupo ganha força e protagonismo no cenário da Constituição de 1988, quando passa a atuar forma articulada de modo a fazer surgir a “Bancada Evangélica”. Segundo Rudi (2009), essa era uma bancada que tinha como característica a crença de uma predisposição divina para seus atos e discursos. Na eleição de 1989, segundo a literatura consultada, a participação dos pentecostais foi decisiva na derrota de Lula. O candidato petista representava, no ideário dos pentecostais, um risco para a liberdade religiosa. Seja pelo risco de implantar um regime comunista que, na leitura dos líderes pentecostais o PT representava, ou pela aproximação histórica de alguns setores da Igreja Católica com o Partido dos Trabalhadores ( MARIANO, 1999).

Um ressente capítulo dessa história foi a articulação entre as bancadas religiosas em seus diversos níveis (nacional, estadual e municipal) na construção dos Planos Municipais de Educação (PME’s). Tal articulação levou diversos estados e cidades do Brasil - dentre elas, Blumenau - a retirar as noções de gênero e diversidade dos seus respectivos documentos normativos de educação. Nesse cenário, desvendar as relações políticas e religiosas em torno do PME da cidade de Blumenau (uma entidade local/municipal) auxilia a compreender um amplo movimento nacional de retirada da discussão de gênero em documentos educacionais. Todavia, vale dizer, a construção de um PME é normatizada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e pela lei do respectivo sistema de ensino. No caso do PME de Blumenau (2015), a construção foi orientada pelo PNE (2014) e pela Lei nº 44 (1992) de Blumenau. E, em ambos documentos, não há menção às noções de gênero e diversidade.

No que diz respeito ao processo de construção do PME (2015) de Blumenau, dois vereadores foram protagonistas: Marcos da Rosa (DEM) e o então presidente da Câmara, Mario Hildebrandt (PSD). O que os une é o fato de que ambos têm como base eleitoral as igrejas e grupos religiosos. Marcos da Rosa foi o candidato a vereador mais votado (totalizando 5.588). Uma votação surpreendente, inclusive, visto que foi a primeira vez que se candidatou a um cargo público. Antes de ser eleito atuou como presbítero da Igreja Evangélica Assembleia de Deus e como apresentador de programas religiosos de televisão. (CÂMARA MUNICIPAL DE BLUMENAU, [s.d.]). Já Mario Hildebrandt, é luterano - religião bastante expressiva no município - ligado à Missão União Cristã. Iniciou na vida pública como voluntário em um Centro de Recuperação de Usuários de substancias psicoativas ( HILDEBRANDT, [s.d.]). Sua atuação na Câmara de Vereadores foi ligada a entidades filantrópicas de cunho religioso. A saber, o vereador tinha como hábito pedir as bênçãos de Deus sobre os ouvintes em seus pronunciamentos na Câmara de Vereadores.

O fato em tela ilustra, de maneira concisa, não somente os entraves entre as esferas política, religiosa e educacional no que diz respeito à elaboração de políticas públicas, mas também os conflitos existentes entre a esfera religiosa e a esfera política. Por isso, a partir da análise documental do projeto de Lei Complementar nº 1.463 (2015), procura-se desvendar as relações políticas e religiosas realizadas no processo de discussão da principal legislação de ensino de Blumenau. Além disso, objetiva-se apontar as principais alterações feitas nesse documento. Para tanto, se utilizará como caminho investigativo teorias da Antropologia e da Sociologia da Religião.

Na primeira parte, faz-se a revisão bibliográfica sobre os conflitos entre a esfera religiosa e a esfera política e sobre a identidade de gênero e a construção da cultura dos papéis de gênero. Evidenciar a conexão entre esfera religiosa, esfera política e relações de gênero é importante pois o mote central do discurso e da atuação da bancada religiosa, na esfera educacional, é a subversão da noção de gênero em ideologia de gênero. Dito de outra forma, a bancada religiosa organizada, por meio de seu discurso e atuação na alteração da legislação, intenta institucionalizar uma forma particular e específica de organização social da relação entre os sexos.

Na segunda parte, discute-se o método de pesquisa. Na terceira parte, apresenta-se e discute-se os dados alcançados a partir da análise documental do PME (2015) de Blumenau. Por fim, na quarta e última parte, apresenta-se as conclusões preliminares de uma consideração final. Esse percurso de análise se justifica na medida em que há um número significativo de pesquisas voltadas à compreensão do ativismo político religioso, todavia, poucas são as publicações que visam, especificamente, a análise do impacto de tal ativismo sob o campo educacional 2.

2. Referencial teórico

2.1 Os conflitos entre a esfera religiosa e a esfera política

De acordo com o texto “Rejeições religiosas do mundo e suas direções” (1997) de Max Weber, os conflitos entre a política e a religião de massa têm sua gênese dentro da esfera religiosa. Isso porque essa esfera é a única universalmente e fraternamente coerente. As religiosidades mágicas e as religiões tribais estão em contraposição à essa relação. Afinal, sob a concepção dessas crenças, os deuses garantiam não somente a organização legal do grupo como também protegiam a tribo e guerreavam nas lutas com elas.

Com o aparato burocrático estatal, as religiões de massa acabam com os sentimentos de associação, e, por isso, passam a competir entre si na promoção de sentido da vida e da morte do indivíduo. Para Weber (1997), a mística religiosa foi sempre apolítica ou anti-política. Já o luteranismo, por exemplo, “aceitou a obediência à autoridade secular mesmo quando essa tenha dado a ordem de guerra, porque a decisão cabe a ela e não ao indivíduo” ( WEBER, 1997, p. 169). Isso se dá pelo caráter ascético intramundano do luteranismo que transforma em dever religioso o cumprimento de ordens e regras mundanas. Porém o sociólogo alemão chama a atenção que historicamente quando há a mistura entre religião e política, a religião é utilizada para a domesticação das massas e de legitimidade política.

Nas palavras do autor:

As variadas posições empíricas que as religiões históricas têm tomado diante da ação política foram determinadas pela mistura das organizações religiosas com interesses de poder e as lutas pelo poder, pelo colapso sempre inevitável até mesmo dos mais altos estados de tensão com o mundo, em favor de tensões e relatividades, pela utilidade e uso das organizações religiosas para a domesticação política das massas e, especialmente, pela necessidade que as pretensa potencias tem da consagração religiosa em de sua legitimidade ( WEBER, 1997, p. 170 [sic]).

A religião atuaria, então, não só como um processo de justificação na participação política, como também de motivação, uma vez que, em Weber, a participação política do religioso é, assim como a ética do trabalho, justificativa para a atuação política.

2.2 Gênero, identidade de gênero e papéis de gênero

Já no início do século XX, no momento em que Weber (1997) se dedica a organizar os Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião, o autor percebe que, quando a religião e a política se interpolam, a religião é utilizada como instrumento para a dominação das massas e para a legitimação política. Na contemporaneidade essa relação instrumentalista permanece, com algumas modificações. Conforme se argumenta ao longo deste texto, no caso da atuação da bancada religiosa de Blumenau, além da utilização dos princípios religiosos para se legitimar na esfera política, os vereadores se valem dos princípios religiosos para legislar na esfera educacional. Para tanto, subvertem a noção gênero em ideologia de gênero e desconsideram a discussão científica acerca da identidade de gênero.

Compreendemos que seria necessário fazer um extenso estudo sobre a bibliografia especializada de gênero, produzida há mais de meio século, para entender como se configurou o debate sobre o gênero ao longo da história - algo que Linda Nicholson (2000), por exemplo, faz com maestria em Interpretando Gênero. Mas, para fins de análise, a fim de categorizar sucintamente as noções de gênero, identidade de gênero e papel de gênero, nos detivemos aos textos de autores centrais da área, tanto brasileiros quanto estrangeiros.

A saber, de acordo com Scott (1989) as discussões sobre gênero iniciaram recentemente (no século XX), com feministas americanas. Em linhas gerais, essas estudiosas usam o termo gênero para indicar a organização social da relação entre os sexos. Logo, sob essa perspectiva, gênero significa a rejeição de argumentos biológicos para explicar as diferenças entre os sexos. Segundo Machado (1998), Nicholson (2000) e Scott (1989), essa era uma proposta de desnaturalização biológica das categorias de homem e mulher.

Há outro grupo de estudiosos, majoritariamente historiadores, que utilizam o termo gênero como sinônimo de mulher. Sob essa lógica, a informação a respeito das mulheres é, necessariamente, uma informação a respeito dos homens. O estudo de uma dessas categorias (homem ou mulher) implica o estudo da outra. Consoante a Scott (1989), o que há de consenso, em ambas perspectivas, é que gênero indica a construção social em torno dos sexos.

Apesar da segunda noção gênero ter predominado no discurso feminista, "a herança do primeiro sobrevive: o ‘sexo’ permanece na teoria feminista [...] sempre a enquadrar a diferença masculino/feminino" ( NICHOLSON, 2000, p. 02). Tal apego dualista, de oposição entre sexo e gênero, se tornou uma via de mão dupla à discussão do gênero. Ao mesmo tempo, o discurso da distinção entre sexo e gênero permitiu às feministas se desvencilhar do determinismo biológico e enfatizar diferenças binárias entre homens e mulheres. O empecilho dessa abordagem consiste no fato de que o marco binário não permite compreender os desvios das normas de gênero.

Machado (1998) vai além dessa divisão entre duas correntes de estudos de gênero e lança a proposta de que há uma diferença paradigmática entre os estudos de gênero (compreendidos como a organização social da relação entre os sexos) e os estudos sobre mulheres. Sua tese argumenta-se em três linhas. Primeiramente, porque as discussões de gênero fazem um rompimento entre com a noção biológica de sexo e a noção social de gênero. Em segundo lugar, porque as discussões de gênero privilegiam a compreensão das relações de gênero e não das relações entre homens e mulheres. Em terceiro lugar, porque o gênero é uma noção transversal que perpassa diferentes áreas.

Scott (1989), por sua vez, define gênero como a categoria analítica responsável por conferir sentido à diferença de sexos. Para além de uma categoria que confere sentido às diferenças de sexos, Miriam Grossi (1998) compreende gênero como um conceito em constante ressignificação. Tendo em vista as constantes transformações das interações sociais entre indivíduos do sexo feminino e masculino, gênero é uma categoria mutável. “O conceito de gênero permitiu passar de uma análise da situação da mulher baseada no aspecto biológico para uma compreensão das relações entre homens e mulheres como produto de padrões determinados social e culturalmente, e portanto passíveis de modificação” ( INSTITUTO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, 1995, p. 149).

Adota-se, para este estudo, a corrente que discute gênero como uma rejeição de argumentos biológicos para explicar as diferenças entre os sexos. Mesmo aceitando-se a perspectiva (alvo de crítica 3!) de que o sexo é binário em sua morfologia e constituição, conforme afirmaram Money e Ehrhardt (1972) na década de 1970, não há sentido supor que os gêneros também são binários. Não há uma relação causal entre sexo e gênero, logo, o gênero não é determinado pelo sexo. Por isso, sob essa perspectiva, conforme aponta Judith Butler (1990), deve-se assumir a cisão radical entre os corpos sexuados e os gêneros culturalmente construídos.

As definições feministas [da década de 1970] de sexo e gênero deixavam aberta a possibilidade de que as diferenças masculino/feminino em funções cognitivas e comportamento podiam resultar de diferenças sexuais e, assim, em certos círculos, a questão de sexo versus gênero se tornou um debate sobre quanto a inteligência e alguns comportamentos estão embutidos nas conexões no cérebro, enquanto em outros casos não há remédio senão ignorar muitas das descobertas da neurobiologia contemporânea. Ao renunciar ao território do sexo físico, as feministas ficaram expostas a ataques renovados com base na diferença biológica ( FAUSTO-STERLING, 2001, p. 170).

Uma abordagem como a de Simone de Beauvoir (1949) vai nesse sentido. A autora, que parte da consideração de uma relação biológica, advoga pelo reconhecimento social da categoria de mulher. Atualmente os estudos de gênero se distanciam da utilização da categoria de "homem" e "mulher" a ponto de defender a completa ausência de causalidade entre gênero e sexo ( MACHADO, 1998). Mas, vale dizer, isso não diminui a qualidade da discussão de Beauvoir. Afinal, ela possui contribuições fundamentais para a crítica feminista.

A discussão sobre o papel de gênero justamente parte de uma premissa de determinismo biológico. O papel de gênero diz respeito à função socialmente atribuída ao sexo biológico fêmea ou macho. Dito de outra forma, papel de gênero refere-se a o que o portador de um determinado aparato sexual deveria ser ou como espera-se que se porte/aja, sob a lógica de cada cultura específica. Money e Ehrhardt (1972, p. 4 apud Fausto-Sterling, 2001) definem “papel de gênero” como “tudo aquilo que uma pessoa diz e faz para indicar aos outros ou a si mesma o quanto é masculina, feminina ou ambivalente”.

O célebre estudo de campo de Margareth Mead (1999) realizado na Nova Guiné com os povos Arapesh, Mundugumor e Tchambuli evidencia os diferentes papéis de gênero atribuídos às figuras femininas e masculinas em cada uma das três tribos. Com base nesse estudo, diversos outros foram desenvolvidos e apontaram para a mesma tese: os papéis de gênero são construções sociais ( GROSSI, 1998). A “religião” nesse contexto, afirma Musskopf (2013b) existe e interfere na forma como nossas relações (inclusive as de “gênero”) são construídas e experimentadas no cotidiano.

Já a identidade de gênero significa a auto identificação do seu próprio gênero, independente do seu sexo biológico. Essa noção não está ligada, somente, à sexualidade, mas à compreensão subjetiva do seu gênero ( GROSSI, 1998). Há, inclusive, pesquisas de psicólogos - como a de Robert Stoller (1993) - que apontam para o fato de que todo indivíduo possui em sua psique um conjunto de ideias sobre o que é masculino e feminino. Esse conjunto de ideias é formado até os três anos e está ligado à concepção subjetiva da identidade de gênero.

Money e Ehrhardt (1972, p. 4 apud Fausto-Sterling, 2001) definem a “identidade de gênero” como “a unidade e persistência da individualidade como masculina, feminina ou ambivalente... A identidade de gênero é a experiência privada do papel de gênero, e o papel de gênero é a experiência pública da identidade de gênero”. De acordo com Musskopf (2013a), tem-se caminhado, tanto das discussões acadêmicas quanto na atuação de movimentos sociais, para o reconhecimento da livre orientação sexual e da identidade de gênero.

A saber, a substituição do termo "homossexualismo" (associado a uma patologia) pelo termo "homossexualidade" (associado a uma orientação sexual), nas décadas de 1960/1970, indica um dos avanços em direção ao conhecimento da livre identidade de gênero. Ainda, a fundação de um Movimento de Libertação Gay e a consolidação das áreas acadêmicas de "Estudos Gays e Lésbicos" e "Estudos Queer" se relacionam a tais avanços. Com isso, foi possível deslocar o tema do âmbito da patologização e da medicalização para o âmbito da diversidade sexual.

Mas, ao mesmo tempo, a disputa e a perseguição religiosas e culturais também sempre fizeram parte do cenário social brasileiro. Mesmo tendo em vista que a homogeneização religiosa e cultural jamais existiu no Brasil. As religiões protestantes, afro e católica (para citar algumas) compõem esse espectro plural. No contexto atual, figuras religiosas aderem a discursos e práticas moralizantes a fim de perfazer os seus ideais religiosos particulares uma norma para a sociedade. Conforme explicita Musskopf (2013a, p. 160):

Essas perseguições, algumas vezes no interior dos próprios grupos e instituições religiosas e muitas vezes disfarçando-se de afirmação da ortodoxia e prática verdadeira, não raro aparelharam o Estado para a efetivação de suas concepções e práticas na esfera pública. [...] Isso serve de justificativa para que agentes do poder público favoreçam ou tomem decisões que implicam a sociedade como um todo a partir de interesses de grupos e/ou instituições específicas.

Mas, no que diz respeito às discussões de gênero, não há contradição, ainda que parece aparente, entre o direito à liberdade religiosa e o direito à livre orientação sexual e identidade de gênero. O conflito entre ambas as perspectivas (da liberdade religiosa e da liberdade de gênero) reside na utilização de argumentos bíblicos ou patológicos como instrumentos normativos. Tais premissas científico-patológicos, vale dizer, se debruçam sobre estudos do século XIX, amplamente criticados ao longo dos séculos XX e XXI ( MUSSKOPF, 2013a).

3. Método de pesquisa

Utilizou-se como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica e documental. Bibliográfica já que foi necessário recorrer à literatura especializada a fim de compreender dois fenômenos que dão sustentação ao ativismo político religioso no âmbito da educação: (1) os conflitos entre a esfera política e a esfera religiosa e (2) a problemática dos papeis de gênero. Para a revisão bibliográfica do primeiro fenômeno, recorreu-se aos estudos da sociologia da weberiana religião. Para a revisão bibliográfica do segundo fenômeno, recorreu-se aos estudos da antropologia ( GROSSI, 1998; SCOTT, 1989).

Documental já que foi necessário recorrer às legislações regulamentam os documentos normativos da educação ( BLUMENAU, 1992; BRASIL, 2001 e 2014; CAMARA MUNICIPAL DE BLUMENAU, 2015; MEC, 2015ª e 2015b; SED 2015). Além disso, utilizou-se documentos legais e notícias que versam ou sobre a diversidade de gênero ou sobre o ativismo político religioso (IIDD, 1995; CNJ 2013; PAPA BENTO XVI, 2012; PIETRZACKA, 2012; REDAÇÃO PRAGMATISMO POLÍTICO, 2015).

4. Apresentação e discussão dos resultados

4.1 O ativismo político religioso: a articulação nacional entre evangélicos e católicos no município

O ativismo político-religioso é um fenômeno que ganhou força no Brasil com a Constituição de Federal de 1988. Após esse acontecimento, os pentecostais se inseriram definitivamente na esfera política, fazendo surgir a “Bancada Evangélica”. Segundo Rudi (2009), a banca de 1988 tinha como característica a crença de uma predisposição divina para seus atos e discursos. De acordo com Souza (2016), uma das características das atuais bancadas religiosas é a utilização do carisma religioso para a atuação na esfera política 4.

Dito de outra forma, o voto “pentecostal” opera como uma verdadeira legitimação carismática - aos moldes weberianos (2015) - uma vez que a dominação política é dependente do carisma por obediência ou por convicção no divino. Nessa forma de dominação, diferente da dominação legal na qual há crença na norma ou nas regras, a crença está no chamado divino do candidato ou na tradição religiosa. Nesse sentido, a figura do pastor político é construída na esfera religiosa e perpassa pelo crença no poder divino e privilégio do carisma do indicado.

A estratégia de dominação carismática dos candidatos ativistas político-religiosos no pleito municipal de 2012 5 da Câmara de Vereadores de Blumenau foi interessante. As Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus (IEAD), nesta campanha, passaram a distribuir materiais nas portas e a enviar cartas para as residências dos membros da instituição. Vale ressaltar, nas cartas enviadas havia uma declaração assinada pelo Pastor Presidente da Igreja informando que o candidato a vereador era apoiado pela denominação ( SOUZA, 2016).

Outra característica da eleição de Blumenau foi a presença de um candidato na corrida eleitoral majoritária: Jovino Cardoso Neto (DEM). Embalado pelos 57 mil votos conseguidos na candidatura a Deputado Federal, concorreu à vaga de vice-prefeito. Durante a campanha o candidato apresentava-se como diácono da IEAD e na eleição representava este segmento religioso ( CARDOSO, 2012). Durante o pleito, a IEAD de Blumenau ficou em evidência na imprensa local, sendo, inclusive, notícia de que fora palco de reuniões políticas que selou alianças eleitorais (PIETRZACKA, 2011) 6.

Durante o processo legislativo do PME (2015) ficou evidente que, além da articulação da IEAD, houve organização de outras entidades religiosas. No projeto de lei, há documentos anexados que propagam o medo da “ideologia de gênero”. Documentos oriundos (1) do Cardeal Católico Dom Orani Tempesta, que apela para a suposta ameaça da “ideologia de gênero”; (2) do Deputado Federal Eros Biondini, do PTB/MG, apresentador de programa na TV Canção Nova, cantor gospel, ligado à Renovação Carismática Católica e membro da Comissão do Estatuto da Família; (3) do Vereador de Curitiba Cristiano Santos, apresentador de TV e militante pela presença das Polícias Civil e Militar nas escolas e pela criminalização das drogas.

Além dessas articulações a nível nacional e estadual, houve articulações municipais que intentavam propagar o suposto perigo da “ideologia de gênero” nas escolas. Parte disso ficou explícito na Audiência Pública de discussão do PME de Blumenau, que foi solicitada pelos vereadores Mário Hildebrandt e Marcos da Rosa. Dentre os 11 convidados para compor a mesa da noite, 4 representavam, oficialmente, movimentos religiosos 7. E dentre os 16 movimentos sociais convidados a presenciar a Audiência Pública, 7 eram oficialmente de cunho religioso 8 . Em síntese, 44% dos convidados representavam alguma instituição religiosa.

4.2 O medo da “ideologia de gênero”

Gênero como uma “ideologia”, sob a concepção dos religiosos, seria um sistema de ideias que sustenta concepções alternativas do mundo (como da população LGBT, por exemplo). Essas são ideias que confrontam a noção de “família tradicional” pois levam em consideração a identidade de gênero. O texto escrito pelo Cardeal Orani João Tempesta, anexado ao PME (2015, p. 194) relata esse confronto sob a ótica religiosa:

Ora, essa ideia, que vem sendo difundida como palavra de ordem nos últimos tempos, apareceu no Plano Nacional de Educação (PNE), mas, graças à mobilização das forças vivas e atuantes do Brasil, contanto, inclusive, com alguns Bispos, foi banida. Agora, porém, volta ao Plano Municipal de Educação (PME). No mínimo isso é uma incoerência: colocar no plano municipal o que não consta no federal! Cada município ficará, pois, por meio de seus vereadores, responsável, diante de Deus e de seus munícipes, de excluir (se, obviamente, já estiver no texto), até o fim de junho, a revolucionária ideologia de gênero para as crianças e adolescentes em fase escolar atendidas pela rede municipal de ensino. Arbitrariamente, algumas atitudes federais já inserem alguns tipos dessa ideologia em nossas escolas, mesmo através de livros e outras decisões por decreto. Querem transferir para a orientação da escola aquilo que as famílias são chamadas a passar aos seus filhos.

Parte da capacidade de mobilização do carisma religioso dos atores políticos-religiosos contemporâneos está relacionada a uma espécie de medo da “ideologia de gênero”. Porém, esse mecanismo não foi operado sempre assim. Na eleição de Fernando Collor de Melo para presidente, a participação dos pentecostais foi decisiva na disputa eleitoral com Lula. O candidato petista representava, no ideário dos pentecostais, um risco para a liberdade religiosa. Seja pelo risco de implantar um regime comunista, que na leitura dos líderes pentecostais o Partido dos Trabalhadores (PT) representava, ou pela aproximação histórica de alguns setores da Igreja Católica com PT ( MARIANO, 1999).

Vale ressaltar, na eleição de 1994, a IEAD apoiou Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na campanha para presidente 9. Segundo a professora Beatriz Muniz de Souza integrante do grupo de pesquisadores do CEBRAP, o candidato do PSDB ouvia os conselhos de Manoel de Melo a respeito de como deveria pedir votos dos “crentes”. “Era possível o voto dos crentes desde que as propostas não tangenciassem as ideias dos comunistas” ( BOBSIN, 2011).

Na atualidade, a principal bandeira dos políticos evangélicos no Congresso Nacional é o combate ao Projeto de Lei 122 - projeto que tem como objetivo criminalizar a prática de homofobia.

Segundo a “Bancada Religiosa”, esse projeto coloca em risco a liberdade religiosa e cria no país uma “ditadura gay”. Em uma entrevista ao site Congresso em Foco, o atual coordenador da Bancada Evangélica (o deputado Ronaldo Fonseca: integrante do Partido da Republica (PR) do Distrito Federal, pastor da IEAD e presidente do Conselho Político da CGADB) defendeu o posicionamento da bancada:

Qual o problema? O Código Penal disciplina isso, você tem os agravantes. Eles querem ser especiais aonde? A homofobia como eles dizem, não existe. Isso é uma ficção. A homofobia, para eles, é quem é contra a pratica deles. Eles me chamam de homofóbico. Devo ser um dos maiores homofóbicos do Brasil hoje, para eles. Mas tenho familiar que é gay e que me respeita pra caramba. E vice-versa. Na igreja tenho fieis gays. Como sou homofóbico? Não uso de violência nem de preconceito. Querem tipificar a homofobia? Vamos tipificar. Mas o que é homofobia? É você, por medo do outro, agir de violência e preconceito. Ai é homofobia. Só digo que não concordo com a pratica dele, porque, para mim, por questão de fé, é pecado como a prostituição e o adultério. É pecado e eu não aceito. Aí dizem: você é homofóbico. Isso não é homofobia. Não pode incitar violência. Mas isso o Código Penal já disciplina. É burrice, besteira. Querem transformar isso em crime inafiançável, querem me tirar o direito de opinião. Não posso, publicamente, dizer que homossexualismo é pecado, que não aceito nem quero para a sociedade o homossexualismo. Essa é a sociedade que eu vivo. Eles não aceitam ( SARDINHA, 2013).

A intensa mobilização em torno dos PME’s remonta à disputa do deputado e pastor da IEAD, Marcos Feliciano (PSC), pela presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias (CDH) da Câmara dos Deputados. Feliciano, até a sua eleição para a CDH, exercia seu mandato sem chamar a atenção. Mas a ascensão à presidência da comissão colocou o deputado em rota de choque com militantes e movimentos sociais. Por isso, a Anistia Internacional solicitou a saída do deputado da presidência da comissão ( COELHO, 2013b).

Inclusive, em 2011, através do Twitter, o deputado declarou que os negros são amaldiçoados por serem descendentes de Noé. No mesmo ano, em outra declaração polêmica pela mesma rede social, o deputado declarou que o sentimento homoafetivo leva o ódio e ao crime e a rejeição ( COELHO, 2013a). Ainda, em um discurso na Câmara dos Deputados o pastor defendeu a limitação de apenas um divórcio por pessoa, pois essa medida supostamente seria uma forma de previnir sequelas na família.

Durante as seções da CDH, quando permitido pelo presidente, militantes favoráveis a permanência do Pastor Feliciano na presidência da comissão digladiavam palavras de ordem com os contrários. Os manifestantes pró-Feliciano alertavam para a prática de “cristofobia” e de perseguição religiosa. A presença deste grupo de militantes da “causa evangélica” denuncia a transformação ocorrida no interior do grupo religioso no que se refere à participação política. Se antes os pentecostais eram contrários à participação política, agora a política é lugar de “crente”.

O fato lembra mais uma vez os ensinamentos do sociólogo alemão Max Weber no que se referem aos conflitos entre a esfera política e a esfera religiosa. Para o autor, a participação política para religiosos, independente se essa religião seja de afirmação ou de negação do mundo, sempre será conflituosa. Sobretudo porque ambas as esferas (política e religiosa) possuem racionalidades díspares. A saber, para os puritanos só era consentido a militância política (a guerra) se a prática fosse em nome a causa divina.

O puritanismo, com o seu particularismo da graça e seu ascetismo vocacional, acredita nos mandamentos fixo e revelados de um Deus que, sob outros aspectos, é incompreensível. Interpreta a vontade de Deus como significado que esses mandamentos devem ser impostos ao mundo das criaturas pelos meios deste mundo, ou seja, a violência e ao barbarismo ético. E isto significa, pelo menos, barreiras que resistem à obrigação de fraternidade de interesse da “causa” de Deus ( WEBER, 1997 p. 168).

Percebe-se, com essa citação, que o medo da “ideologia” de gênero consiste no fato de que o gênero desconstrói a ideia de família tradicional e de Deus enquanto criador de um “homem” e uma “mulher” 10. Ambas premissas são alicerces das religiosidades católica e protestante. Inclusive, o Papa Bento XVI (2012), em seu discurso à cúria romana na apresentação de votos natalícios, afirmou que a tese de Beauvoir (1980, p. 09) - de que “não se nasce mulher; torna-se mulher” - é um aforismo e que o vocábulo “gênero” transgrida a natureza biológica humana.

Ainda, no que tange à frase supracitada de Simone Beauvoir, a qual constou numa questão do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2015, os deputados da bancada evangélica da Câmara de Deputados Marco Feliciano (PSC/SP) e Jair Bolsonaro (PP/RJ) afirmaram, em postagens nas redes sociais, que é “doutrinação ideológica” imposta pelo PT e MEC ( REDAÇÃO PRAGMATISMO POLÍTICO, 2015). Nesse ponto de vista, percebe-se a preocupação para com o poderio Estatal sobre o ensino de possíveis ideologias aos jovens e crianças. Ao passo em que o governo se tornou o responsável integral pela educação, a família perdeu o espaço de decisão política nesse âmbito.

A discussão sobre gênero era prevista no PNE (2001), mais especificamente na diretriz que previa a superação das desigualdades educacionais (inciso III do art. 2º do substitutivo da Câmara).

Todavia, com as alterações feitas no PNE (2014), a expressão “igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” foi substituída por “cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. Com isso, esclarece-se a estratégia de retirada dos documentos normativos da educação as noções de gênero.

Enquanto há órgãos de calão mundial objetivando erradicar a discriminação de gênero por meio da implantação da ideologia de gênero 11, no Brasil, a pressão de alguns grupos religiosos consiste em retirar do sistema educacional qualquer noção de gênero. A saber, em 2009, o presidente Lula assinou o Decreto 7037/2009 que aprovou o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Um das metas desse documento (parte do eixo orientador III, diretriz 10, objetivo estratégico V, ação programática d) visa legalizar a situação de famílias lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Todavia, concomitante, a bancada religiosa se articulava na elaboração de projetos e manifestações contra o “Kit Gay” 12, que viria circular no país em 2011.

Em contraposição a isso, o Conselho Nacional de Educação (CNE) divulgou uma nota pública ( 2015a) destinada às Assembleias Legislativas, à Câmara Legislativa do DF, às Câmaras de Vereadores, aos Conselhos Estaduais, Distrital e Municipais de Educação e à Sociedade Brasileira. Nesse documento, o CNE defendeu a revisão dos PMEs e Planos Estaduais de Educação (PEE) a fim de combaterem a discriminação e a desigualdade de gênero. O Ministério da Educação (MEC), num ensejo semelhante ao do CNE, tornou pública a Nota Técnica nº 24 ( 2015b). Esse arquivo elenca argumentos científicos que sustentam a importância de conter, nos documentos normativos da educação, as noções de gênero e diversidade.

4.3 O resultado do processo de construção do plano municipal de educação

Do total de 117 propostas de emendas, 14 foram aprovadas. Dentre essas, 5 (aproximadamente 36%) dizem respeito à retirada das noções de gênero e diversidade ou à inclusão da ideia de “família tradicional”. Há também 5 propostas aprovadas que conferem legitimidade a convênios com instituições não governamentais ou filantrópicas para o ensino regular ou para o ensino de alunos especiais. As demais propostas (total de 4) abordam a alimentação escolar, número total de alunos por sala, organização da educação infantil no município e a elaboração dos documentos oficiais das escolas.


Figura 1
Temática das emendas aprovadas no PME de Blumenau de 2015
Fonte: Elaboração própria com base no Projeto de Lei complementar nº 1463.

A emenda 71 suprime, no Anexo Único, Meta 2, a estratégia 2.22, que afirmava “garantir a implementação da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina para as unidades vinculadas ao sistema estadual de ensino, de maneira a assegurar a formação básica comum, respeitando os valores culturais e artísticos, nas diferentes etapas e modalidades da educação”. Isso porque a Proposta Curricular de Santa Catarina de 2014 possui a diversidade como princípio normativo e como elemento fundante da atualização escolar “esta noção nos remete à ideia de diferenças de identidades constitutivas dos seres humanos, das suas organizações sociais, etnias, nacionalidades, gêneros, orientação sexual, religiosidades” (SANTA CATARINA, 2014).

Percebe-se, com isso, que foi utilizada a estratégia de desconsideração de preceitos normativos legais constantes em documentos educacionais superiores ao Plano Municipal de Educação. Houve a opção de retirar, no PME de Blumenau, o trecho que garantia a implementação da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina já que esse documento visa a educação da alteridade. Isso evidencia a tomada de posição dos legisladores no debate acerca da formação para a alteridade e para a diversidade. Em tese, a supressão de um trecho da emenda 71 revela o espaço local/municipal como um local de disputas e tensões com o espaço estadual.

Algo semelhante foi feito na emenda 5, que altera, no Anexo Único, na Meta 1, a Estratégia do item 1.16. No texto original constava “assegurar a manutenção e qualidade dos espaços externos e internos, brinquedos estruturados e não estruturados, das instituições de educação infantil, considerando a diversidade étnica, de gênero e sociocultural” e foi modificado para “assegurar a manutenção e qualidade dos espaços externos e internos, brinquedos estruturados e não estruturados, das instituições de educação infantil”. Ou seja, houve a subtração do trecho “considerando a diversidade étnica, de gênero e sociocultural”.

Ainda, outra emenda (emenda 102) elimina o trecho “à diversidade” da redação do inciso X do artigo 5º, ficando nos seguintes termos: “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos e a sustentabilidade socioambiental”. Com esse conjunto de supressões de ideias de diversidade e gênero existentes nas emendas aprovadas pode-se perceber o medo da “ideologia de gênero” propagado no processo de elaboração do PME de Blumenau.

Já a emenda 54 acrescenta, no Anexo Único, na Meta 1, na estratégia 1.24, a seguinte redação: “estimular a participação dos pais e da família nas unidades de atendimento de educação infantil ou pré-escola, através da comemoração de datas como o Dia das Mães, Dia dos Pais, Páscoa, Natal e Dia da Família”. E a emenda 99 acrescenta, no artigo 10, o § 5º, com a seguinte redação: “é vedada a inclusão ou manutenção das expressões ‘Gênero, ideologia de gênero, orientação de gênero’ em qualquer documento complementar ao Plano Municipal de Educação, bem como nas Diretrizes Curriculares”.

Entretanto, a escola possui autonomia para a criação de documentos complementares - como o Projeto Político Pedagógico. A saber, esses documentos devem considerar as leis de caráter mandatório (LDB e Diretrizes Curriculares Nacionais) e, concomitantemente, levar em consideração o círculo cultural ao qual a escola está inserida. Nesse sentido, é necessário garantir a identidade escolar, contexto e peculiaridades da realidade inerente à escola ( VEIGA e RESENDE, 2001).

É importante ressaltar, aqui, também, as tensões existentes entre o espaço local/municipal, ilustrado pela Câmara de Vereadores de Blumenau, e o espaço federal. Em meados de junho de 2017 foi noticiado em inúmeros sites de notícias de circulação municipal, estadual ( ALINE CAMARGO, 2017) e federal (ANDRÉ DE SOUZA, 2017) que a Procuradoria Geral da República havia ajuizado o Supremo Tribunal Federal, nas pessoas dos ministros Luiz Fux, Roberto Barroso e Edson Fachin, acerca dos dispositivos de leis referentes a Planos Municipais de Educação que vedavam a discussão de gênero. As limiares iniciais tinham como alvo as leis municipais, todas do ano de 2015, de Paranaguá (PR), Cascavel (PR) e Blumenau (SC).

Na petição inicial da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 461, referente à lei do ensino municipal de Paranaguá, Rodrigo Janot afirma que:

A Lei 3.468/2015 utiliza indevidamente a expressão "ideologia de gênero" (cujo conteúdo é incerto e constitui, ela própria, uma manifestação ideológica) e não "estudos" ou "teoria de gênero", para legitimar fusão artificial entre gênero e interesses, e afastar a temática do campo dos direitos e do processo educativo. Ao proibir o uso e a veiculação de material didático que contenha "ideologia de gênero", a lei tenta driblar a discriminação latente da população (LUIZ ORLANDO CARNEIRO, 2017).

O caso de Blumenau, no que diz respeito à utilização da noção (ideológica) de "ideologia de gênero", não difere de Paranaguá. Em ambas as cidades, dada a articulação de político e religiosos e/ou político religiosos, houve a supressão da obrigatoriedade da formação educacional para e na alteridade. Isso ilustra que o caso em tela (PME de Blumenau, um espaço local/municipal) se assemelha a diversos outros casos municipais, palcos de tensões e disputas estaduais e federais.

Os argumentos dos religiosos é que a efetivação dos direitos civis dos homossexuais levará a proibição de pregações sobre a vida sexual dos membros, bem como a obrigatoriedade das Igrejas realizarem cerimônias de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Assim, se na redemocratização o inimigo era vermelho, agora ele usa as cores do arco-íris.

5. Considerações finais

A controvérsia em torno da presença/ausência da temática de gênero nos PME’s no Brasil se originam na interface entre as esferas política e religiosas. O que temos em tela são atores dessas duas esferas, que, por conta do processo de modernização/individualização da sociedade, vêem-se determinados a disputar interesses fundamentes da sociedade moderna - como, por exemplo, a liberdade do corpo e a liberdade religiosa. Os atores políticos religiosos, nesse sentido, atuam na pauta da diversidade de gênero com a motivação de reforçar a legitimação religiosa perante seus eleitores/fiéis. O resultado dessa ação pode ser múltiplo e não necessariamente os mesmos desejados pelos atores. Isso porque retirar conceitos (como o de gênero e diversidade) e incluir outros conceitos (como o de “família”) nos documentos normativos da educação não é, necessariamente, retirar a discussão de tais noções das salas de aula e da escola.

Para que essa retirada de conceitos se efetivasse, na prática, foi necessário a organização em múltiplos níveis da sociedade. No caso desse estudo, se analisou a organização em nível federal e municipal. Vale ressaltar, em ambos os níveis os atores sociais eram, concomitantemente, políticos e religiosos. Os atores federais (Cardeal Católico Dom Orani Tempesta e Deputado Federal Eros Biondini) agiram por meio do envio de textos que explicitassem o suposto perigo da “ideologia de gênero”. Já os atores municipais (Vereadores Marcos da Rosa e Mário Hildebrandt) agiram, dentre outras formas, por meio da convocação de representantes de entidades religiosas para fazer falas na Audiência Pública de discussão do PME.

É preciso compreender que a “luta” bancada religiosa em relação aos direitos sexuais reedita a mesma mobilização contra o perigo comunista do período da constituição de 1988 e da eleição de 1989 - na qual os fiéis eram mobilizados para o ativismo político contra o perigo da perda da liberdade religiosa. Assim, se na redemocratização o inimigo era vermelho, agora ele usa as cores do arco-íris. O que se faz com isso, na verdade, é inverter, nos documentos normativos, a noção de gênero para uma noção de ideologia de gênero. Na prática, a luta por essa retirada de conceitos é uma forma de (1) defender suas “bandeiras políticas”, (2) converter o capital religioso em capital político e (3) deslegitimar candidatos com bandeiras alternativas.

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Notas

1 Segundo Bobsin (2011), Manoel de Melo, fundador Igreja Brasil para Cristo (IBC), aproximou-se de Ademar de Barros a fim de buscar financiamento para a construção de um templo. Mais tarde, Manoel de Melo elegeu-se deputado estadual paulista pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
2 Nas bases de dados nacionais consultadas (SCIELO, BDTD Nacional, Portal de Periódicos CAPES) se encontrou somente um estudo que tenha em seu corpo textual ambas as noções: "ativismo político religioso" e "educação". Esse estudo é a tese de Denise Maria Mantovani, intitulada "Quem agenda a mídia: um estudo de agenda-setting a partir da tematização do aborto nas eleições de 2010". O estudo de Mantovani segue uma proposta diferente do presente estudo pois não objetiva investigar as interpolações entre a esfera política e educacional. Vale ressaltar que há estudos como os desenvolvido por Musskopf (2013a; 2013b) que analisam a atividade política de religiosos ou de religiões. Todavia, ainda assim, não são estudos que se propõem a compreender as consequencias de tais atividades sobre a esfera educacional. Justamente por isso o presente estudo possui contribuições para pensar o ativismo político-religioso na esfera educacional.
3 As críticas à utilização da noção de "sexo" de maneira binária assentam-se complexidade de tal conceito. Fausto-Sterling (2001, p. 15) advoga que, no que diz respeito a um corpo, não existe isso ou aquilo, "antes, existem nuances de diferença, [...] rotular alguém homem ou mulher é uma decisão social".
4 A atuação da bancada evangélia no congresso tem sido objeto de inúmeros estudos. Destacamos o trabalho de Reginaldo Prandi e Renan William dos Santos intitulado Quem tem medo da bancada evangélica? Posições sobre moralidade e política no eleitorado brasileiro, no Congresso Nacional e na Frente Parlamentar Evangélica (2017).
5 Nas eleições de 2012, Assembleias de Deus no Brasil tinham como meta eleger 5.600 mil vereadores em todo o Brasil ( BRISOLLA e MENCHEN, 2012). Cerca de um vereador por município.
6 Amizade e diplomacia. Foram as palavras usadas para caracterizar o encontro entre os deputados estaduais Ana Paula Lima (PT) e Ismael dos Santos (PSD) e o federal Décio Lima (PT). O almoço foi domingo, com integrantes da Igreja Assembleia de Deus. Ventilou-se a possibilidade de apoio entre os dois partidos em um eventual segundo turno. Décio e Kleinübing no mesmo palanque, já pensou?” (PIETRZACKA, 2011).
7 Leonardo Silva, Ordem dos Ministros Evangélicos de Blumenau; Sérgio Carvalho, Presidente Associação Educacional Shalom; Marciano Tribess, Cruz Azul de Blumenau; João Maria Masimann, Vice-Presidente da Caritas Diocesana de Blumenau.
8 Werner Kroker, Pastor IEL Blumenau; Celestina Maass, Diretora da União Cristã Bom Amigo; Castilho Aubuquerque e Eliane Albuquerque, Pastores da Igreja Batista; André Luiz M. Goll, 1º Secretário do PIB - Primeira Igreja Batista de Blumenau; Adriana Moreira, Gestora do Colégio Shalom; Movimento “Equipe de Nossa Senhora”.
9 Segundo Rudi (2006), a militância contou até com o engajamento pessoal do presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil (CGADB), José Wellington Bezerra da Costa. Nos cultos da Assembleia de Deus no Belenzinho (SP) o sacerdote pentecostal fazia questão de frisar que nas eleições os fiéis deveriam estar atentos para saber diferenciar a esquerda e a direita. Em tom de brincadeira, enquanto falava, levantava a mão esquerda e a direita para reforçar suas instruções. A campanha das lideranças mostrou-se eficaz quando constatou-se, mais tarde, que o candidato petista, Luiz Inácio da Silva, foi o menos votado pelos pentecostais.
10 “Homem” e “mulher” como seres pré destinados a um comportamento social tendo em vista seu aparato sexual.
11 Como os Institutos Internacionais de Direitos da Mulher que organizam as Conferências Mundiais Sobre a Mulher e Programa de Direitos Humanos na Conferência de Yogyakarta.
12 Esse material pejorativamente conhecido como “Kit Gay” era parte do Programa “Brasil sem Homofobia”, criado em 2004.


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