Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
COSMOVISÕES AFRODIASPÓRICAS NA AMÉRICA LATINA: PROTAGONISMOS FEMININOS MARCADOS POR PRÁTICAS ANCESTRAIS NA ZONA NORTE DE SÃO PAULO, BRASIL
Bruno Garcia dos Santos
Bruno Garcia dos Santos
COSMOVISÕES AFRODIASPÓRICAS NA AMÉRICA LATINA: PROTAGONISMOS FEMININOS MARCADOS POR PRÁTICAS ANCESTRAIS NA ZONA NORTE DE SÃO PAULO, BRASIL
APHRODIASPORIC WORLDVIEWS IN LATIN AMERICA: FEMALE PROTAGONISMS MARKED BY ANCESTAL PRACTICES IN THE NORTH ZONE OF SÃO PAULO, BRAZIL
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 20, núm. 28, pp. 142-157, 2018
Universidade Estadual de Campinas
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Os países latino-americanos são herdeiros de práticas ancestrais que constituem a estrutura sociocultural, a história e a memória de grupos africanos e da afrodiáspora. Nesta perspectiva, o presente artigo insere-se em um conjunto de iniciativas que visam exaltar a importância da preservação de memórias afrodiaspóricas no Brasil, particularizando um território negro paulistano - o Parque Peruche, situado na zona norte do município de São Paulo (SP). São seus objetivos centrais a) participar da produção de memórias e acompanhar narrativas da diversidade de grupos afrodiaspóricos e b) sugerir possíveis traduções acerca da presença e permanência de ancestralidades negro-africanas no território em questão. Com base na História oral e na pesquisa de campo, é possível sinalizar a presença de protagonismos femininos negros que se configuram em práticas ancestrais marcadas por cosmovisões herdadas. Tais concepções constroem identidades afirmadas que particularizam experiências negras na metrópole paulistana.

Palavras-chave: Parque Peruche, Práticas Ancestrais, Protagonismos Femininos, Territórios afrodiaspóricos.

Abstract: Latin American countries have as heritage the ancestral practices constituting the sociocultural structure, the history, and the memory of African groups and the African Diaspora. In this perspective, our article is part of a set of initiatives that seek to praise the importance of preserving Afro-diasporic memories in Brazil, focusing on a black territory in São Paulo - Parque Peruche Neighborhood, situated in the Northern Zone of the city of São Paulo (SP). Our main objectives are: a) participate in the production of memories and narratives concerning the diversity of Afro-diasporic groups and b) suggest possible interpretations on the presence and permanence of Black-African ancestry in such territory. Based on oral history and on fieldwork, we may indicate the presence of black women’s protagonisms as ancestral practices marked by inherited cosmovisions. Such conceptions create stated identities that particularize black experiences in the metropolis of São Paulo.

Keywords: Parque Peruche Neighborhood, Ancestral Practices, Female Protagonists, Afro-diasporic lands.

Carátula del artículo

Article

COSMOVISÕES AFRODIASPÓRICAS NA AMÉRICA LATINA: PROTAGONISMOS FEMININOS MARCADOS POR PRÁTICAS ANCESTRAIS NA ZONA NORTE DE SÃO PAULO, BRASIL

APHRODIASPORIC WORLDVIEWS IN LATIN AMERICA: FEMALE PROTAGONISMS MARKED BY ANCESTAL PRACTICES IN THE NORTH ZONE OF SÃO PAULO, BRAZIL

Bruno Garcia dos Santos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 20, núm. 28, pp. 142-157, 2018
Universidade Estadual de Campinas
1. Introdução

B’ékòkolo bá juba ilè.

Ilè á lanu fún-um1

O processo de desterritorialização vivido pelas (os) milhões de africanas (os) trazidas (os) à força para as Américas no contexto da dominação colonial europeia engendrou no seio das inúmeras comunidades negras, traumas que marcaram profundamente as experiências das (os) filhas (os) da diáspora.

A modernidade construiu seus pilares sobre as terras do Novo Mundo com a exploração da força de trabalho de povos africanos. No entanto, suas forças vitais abriram espaços que atuaram nas brechas, nas fendas, nas fissuras do sistema escravocrata, se refazendo constantemente nos interstícios dos esquemas ocidentais.

Corpos negros (re) territorializaram-se diante à trituradora máquina da opressão e do racismo, adubando a terra com suas experiências, saberes, espiritualidades, cosmovisões e formas de luta. As sementes civilizatórias das populações negras, negligenciadas pelo pretencioso projeto hegemônico, germinaram em condições nada favoráveis e perpassaram as sociedades dominantes com seus movimentos e táticas policêntricas por onde um universo de culturas ancestrais heterogêneas impregnou e perpetuou a presença africana nas Américas.

Acerca de tais culturas, a presente elaboração buscou investigar os aspectos ancestrais que caracterizam o vasto universo de expressões das civilizações africanas, tendo em vista suas reelaborações em um território diaspórico latino-americano em particular: o Parque Peruche, subdistrito do bairro da Casa Verde, zona norte do município de São Paulo.

Durante o processo de pesquisa, no encontro-diálogo com as (os) moradoras (es) deste território, foi possível captar a presença de protagonismos femininos no que se refere às memórias de práticas ancestrais herdadas e reelaboradas. Muitas mulheres negras do bairro atuaram de diversas formas para a permanência de cosmovisões extraocidentais, marcando a presença de africanidades na urbe paulistana, ao norte do rio Tietê.

As memórias das mulheres irrompem novidades sob o ponto de vista sócio histórico, posto que promovem uma ruptura com a normatividade. Assim, é legítimo pontuar que narrativas femininas referenciadas atuam de forma a reposicionar o poder e as relações de gênero.

2. Diálogos entre memória e história oral

La palabra mismo es metáfora de un árbol, que como un hombre, como un ser vivo, nace, crece, se reproduce y muere... Hay palabra raíz, palabra tronco, palabra rama, palabra hoja, flor y fruto. ( BUENAVENTURA, 1995, p. 181)

Em termos teóricos e metodológicos, esta investigação buscou tecer um trabalho de história oral a partir das experiências partilhadas por sujeitos que assumem um papel ou se reconhecem como porta-vozes das memórias de sua comunidade de pertencimento, neste caso, o Parque Peruche (Casa Verde). E para compor tal tessitura de análise, foram fundamentais as contribuições de autoras (es) de diversas áreas do conhecimento como, por exemplo, Halbwachs (1990), Le Goff (1996), Pollak (1989), Bosi (1994), Portelli (1996; 1997), Rodrigues (2010), Antonacci (2014) e Hampaté Bâ (2010). Ao pensar na memória enquanto sensibilidades e nível elementar de elaboração histórica ( LE GOFF, 1996, p. 49), é possível observar que o exercício de rememoração proporciona à narrativa uma recriação do processo vivido, já que o motor de estímulo das lembranças depende de interferências do presente - que podem se apresentar na forma de vestígios do passado -, bem como da concepção de vida que o sujeito sustenta atualmente. Neste momento que se torna eminente um diálogo aberto para que cada palavra pronunciada atue de modo a acionar as vivências anteriores, agora reconstruídas, ou melhor, trazidas à tona como elementos decodificadores de uma história de vida, pois “o testemunho, seja escrito ou oral, no fim não é mais que testemunho humano, e vale o que vale o homem” ( HAMPATÉ BÂ, 2010, p. 168).

Enquanto processo, a ideia é que a consciência dos sujeitos colaboradoras (es) as (os) tornem protagonistas últimas (os) da história, já que ao serem reconhecidas (os) como porta-vozes de uma comunidade, elas (es) passam a desempenhar um papel importante diante do “complexo horizonte de possibilidades que constrói o âmbito de uma subjetividade compartilhada” ( PORTELLI, 1996).

Por isso é preciso deixar-se interceptar pela oralidade pois, segundo Portelli (1997, p. 88 apud RODRIGUES, 2010, p. 196), “ela nos surpreende com elementos que, embora eventualmente fragmentários e difíceis de narrar, parecem ser mais consistentes não só com a presença da subjetividade, mas igualmente com a objetiva realidade das coisas”.

Com relação ao conceito de ancestralidade, é oportuno ressaltar que o termo é empregado aqui de acordo com as noções sugeridas por Leite (2008). Segundo este autor, “o termo ‘tradição’ isoladamente não parece adequado para as práticas sociais negro-africanas”. Leite (2008, p. 17) discute então a questão ancestral a partir da ideia de africanidade, sendo esta representada pelas “práticas diferenciais constituindo parte do conjunto sintético de elementos estruturadores de processos sociais em sociedades da África Negra”.

Em contexto afrodiaspórico, uma gama de possibilidades revelada pela expressividade das cosmovisões extraocidentais constitui a memória e a continuidade de práticas ancestrais herdadas e reinventadas por negras (os) nas Américas. Estas práticas conjugam elementos que só podem ser apreendidos por meio de prismas de análise não cartesianos. Se socialmente elas emergem em culturas ditas periféricas, simbolicamente elas ocupam uma posição central, posto que ao integrarem um patrimônio sensível diversificado, tais práticas se estendem em expressões artísticas, filosóficas, políticas e cosmológicas.

3. Protagonismos femininos marcados por cosmovisões herdadas

Gbádàmugbádámu obìrin ko se gbàmú

Obìrin gbóná, okunrin nsá.

Ore Yèyé, àpèrè ló fi jókò nínú ibú, Omi, arin má sún.

Ogbádágbadà lomú.

Ore Yèyé, gbà mí, Enì aní, ni ngba enì, Òsun gba mi. 2

O excerto deste oríkì3 de Oxum, coletado por Síkírù Sàlámì (1991, p. 82-83), evoca a força da divindade ioruba associada aos rios e às águas doces, ao amor e ao sentimento de amabilidade, aos metais nobres, à fertilidade e à prosperidade. Lançar mão da representação inerente a este orixá é recorrer às águas para se pensar os rios que atravessam a urbe paulistana, apontando para lugares periféricos por onde brotam experiências outras, por onde fincam raízes populações negras e por onde confluem, no fluxo de tais águas, rastros de memórias afrodiaspóricas.

Às margens do córrego do Mandaqui, no Parque Peruche, subdistrito da Casa Verde, uma casa de culto aos orixás ( ilè-awo) é edificada por mulheres negras, protagonistas de trajetórias vitais que merecem seu devido reconhecimento tendo em vista sua importância no processo de consolidação dos candomblés em São Paulo.

A história do Ile Iya Mi Osun Muiywa concentra uma gama de experiências de vida sustentadas a partir de práticas ancestrais herdadas de matrizes africanas bantu4 e ioruba5. Tais experiências aportam reconciliações com o espaço, a história e o corpo, posto que estas se constituem em reelaborações de Áfricas, em ancestralidades africanas que expressam universos distintos.

Acessar as narrativas deste chão-terra-terreiro é romper com as abstrações cartesianas na tentativa de revelar potenciais humanos que se manifestam a partir de concepções de unidade cósmica, de um mundo pluriversal, apontando para lugares de memória que atuam na contramão de epistemes e posturas constitutivas da modernidade colonial. Nesse sentido, segundo Antonacci (2014):

Ao conjugar narrativas da diáspora no Brasil, despontaram linguagens corporais e sensibilidades de herdeiros de matrizes orais africanas, prefaciando disjunções sonoras e gestuais. Nestas, protagonistas de histórias e culturas orais, em regime de símbolos e de energias de seus corpos comunitários, traduziram traumas e transgressões a sofrimentos cotidianos. Em contínuo negociar e refazer de suas inserções, povos e linguagens africanas seletivamente (re) significaram suas tradições, reinventando Áfricas no Novo Mundo. Áfricas de difícil recriação e reconhecimento. ( ANTONACCI, 2014, p. 17)

Aqui, corpos afrodiaspóricos são pensados como “arquivos vivos” de memórias sem fronteiras. Corpo, música e memória se articulam e se constituem em diferentes linguagens que produzem outras historicidades, possibilitando descentramentos importantes, caminhos férteis para um projeto de decolonialidade racial e epistêmica do poder. Ao citar a filósofa panamenha Linda Alcoff, Ribeiro (2017) completa:

Para descolonizarmos o conhecimento, precisamos nos ater à identidade social, não somente para evidenciar como o projeto de colonização tem criado essas identidades, mas para mostrar como certas identidades têm sido historicamente silenciadas e desautorizadas no sentido epistêmico, ao passo que outras são fortalecidas. ( RIBEIRO, 2017, p. 28-29)

E no que se refere às praticas ancestrais presentes nas memórias negras do Parque Peruche, é possível apreender que a presença de protagonismos femininos negros oferecem subsídios concretos para se pensar em táticas contra discursivas e em resistências negociadas ou não de um ser e estar afrobrasileiro na cidade.

Wanda d’Osun, mulher negra de 70 anos e iyalorixá (sacerdotisa do culto aos orixás) do Ile Iyá Mi Osun Muiywa, filha deste chão, como ela própria pontua, partilhara de suas vivências e das trajetórias das (os) suas/seus ancestrais. Suas narrativas revelam concepções de mundo que sinalizam identidades afirmadas e particularizam experiências negras na metrópole paulistana. Ao reconstruir as memórias de sua mãe, Isabel Maria da Conceição de Oliveira (1914-2001) ou Iyá Kateçu (sacerdotisa de Omolu), a colaboradora da pesquisa tece uma narrativa por onde linhagens uterinas são reverenciadas. Com a palavra, Wanda!

Eu sou iyalorixá Wanda d’Osun, herdeira da Iya Kateçu. Ela que comprou esse terreno, então eu nasci nesse chão. O Peruche tava começando né e a mamãe foi praticamente uma das primeiras moradoras daqui. Aqui era um descampado mesmo, esse rio era um córrego [...]. Então a mamãe começou aqui com as irmãs dela, ela era a mais velha. A mamãe veio do interior [Guariba, SP], ela trabalhava num cafezal. Ela teve seis filhos, dois morreram e ficaram quatro: Belmiro, Orlando, Alcides e eu Wanda, a caçula. Aí, a mamãe teve uma história enorme, ela morou ali na Santa Cecília era um bairro de pobres né, a mamãe morou em cortiço durante muitos anos. Meus irmãos foram praticamente criados lá e eu já nasci aqui, nesse chão. E eles já vieram de lá com seus oito, dez, onze anos. A mamãe morando no cortiço, comprou aqui [...]. Ela era diarista, ela lavava, passava, ela fazia limpeza, ela trabalhava em três casas.

[...] Mas a mamãe sempre teve muito problema espiritual. A mamãe com oito anos, já no meio do cafezal ela bolava, coisa que ninguém nem sabia ali o que era isso. E quando ela tava com doze anos, a minha vó levou ela no médico, e o médico disse que ela tinha que casar, que o problema dela era casamento, olha a cabeça [expressão inconformada]. Aí, foi por isso que a minha avó arrumou um rapaz pra casar com a minha mãe, pra encaminhá-la, porque os desmaios que ela tinha era problema de casamento. A mamãe se casou e os problemas continuaram da mesma forma.

Iyá Wanda, por meio do primoroso trabalho de memória, convida suas/seus interlocutoras (es) a imaginar percursos biográficos de mulheres negras, protagonistas na luta pela sobrevivência e dignidade de sua família e comunidade. Aqui, mais uma vez são apreendidas múltiplas histórias que parecem combinar experiências inerentes aos processos vivenciados por negras (os) em contexto diaspórico, desde o pós-abolição. As famílias do Peruche partilham, muitas vezes, deste mesmo processo sobre o qual se interpõem contra narrativas impregnadas de historicidade. Tal denominador comum é produtor de uma estética da resistência como resposta ao que a história da colonização propagara e por onde novas humanidades traduzem-se em experiências extra ocidentais. Iyá Wanda possibilita em suas narrativas um reencontro com as memórias de suas/seus antigas (os) conjugando visões de mundo descoincidentes ao universo normativo e hegemônico. A esse respeito, ao tratar das mulheres negras, Ribeiro (2017) reitera:

Sim, esses discursos [...] são contra hegemônicos no sentido de que visam desestabilizar a norma, mas igualmente são discursos potentes e construídos a partir de outros referenciais e geografias; visam pensar outras possibilidades de existências para além das impostas pelo regime discursivo dominante. ( RIBEIRO, 2017, p. 90)

Antes de se estabelecer no Parque Peruche e ser reconhecida pelo título de iyalorixá, Iya Kateçu ou Mãe Isabel de Omolu vivenciara uma trajetória existencial de lutas constantes. Segundo Iya Wanda, a mãe desempenhava funções múltiplas enquanto doméstica - “ ela lavava, passava e fazia limpeza” -, exercendo seu protagonismo pelo trabalho executado na tentativa de oferecer melhores condições de vida à sua filha, aos filhos e familiares. Foi por meio da sua força e iniciativa que Iyá Kateçu conseguira comprar um terreno às margens do córrego do Mandaqui, no Parque Peruche. Este percurso revela o quanto as mulheres negras sempre trabalharam e continuam trabalhando.

Acessar as vivencias reconstruídas de Iyá Kateçu pelos trabalhos de memória de Iyá Wanda d’Osun é também propor uma releitura da história sob o ponto de vista das mulheres. Estas sinalizam por meio de suas narrativas, o quanto sua participação social sempre fora muito mais ampla àquela limitada e pretendida pelos modelos impostos do mundo sexista e machista.

As mulheres negras sempre trabalharam e desenvolveram táticas de sobrevivência que possibilitaram a permanência de práticas ancestrais herdadas e reelaboradas por meio de suas experiências cotidianas. Nesse sentido, tais táticas são pensadas a partir do que propõe Certeau (1994) quando afirma:

As táticas manifestam igualmente a que ponto a inteligência é indissociável dos combates e dos prazeres cotidianos que articula, ao passo que as estratégias escondem sob cálculos objetivos a sua relação com o poder que os sustenta, guardado pelo lugar próprio ou pela instituição. ( CERTEAU, 1994, p. 47)

Assim, ao contrário do que sugere a noção de estratégia, circunscrita a um lugar próprio e capaz de servir de base a uma racionalidade específica, as táticas atuam pelas brechas do sistema, jogando com os acontecimentos para os transformar em ocasiões.

E com relação aos desafios inerentes aos entrelaçamentos de percursos femininos, Bairros (1995, p. 463) completa ao assertar que mesmo diante à opressão, o trabalho doméstico “permitiu à mulher negra ver a elite branca a partir de uma perspectiva a que os homens negros e nem mesmo os próprios brancos tiveram acesso”. Ou seja, tais mulheres transformaram sua realidade social, criaram suas filhas e filhos, com ou sem a presença de seus companheiros, e desenvolveram tecnologias a partir de suas experiências, na tentativa de superar as dores e os traumas vividos assim como as contradições enfrentadas nas várias esferas das relações sociais e afetivas.

Em outro momento da conversa Iyá Wanda pontua, “ mas a mamãe sempre teve muito

problema espiritual”. E nesse sentido, um percurso existencial que vai ao encontro de diversas práticas ancestrais se faz presente na vida de Isabel antes desta receber o título de Iyá Kateçu. Ao buscar ajuda para sanar os “desmaios” da filha, a mãe de Isabel decide levá-la ao médico e este sugere o casamento como fórmula para a solução das enfermidades femininas. Iya Wanda, ao acessar suas lembranças e ao reconstruir os percursos de suas ancestrais, exprime seu desacordo quanto à decisão médica, pontuando claramente que o casamento arranjado não solucionara os problemas vivenciados por sua mãe. Aqui, marcas de uma sociedade patriarcal 6 são sinalizadas a partir da conduta do médico, detentor da ciência dita moderna e hegemônica. Sob esta égide tudo é assegurado e o casamento é apreendido enquanto rito de passagem que garante o equilíbrio familiar, já que a ausência do homem nesta concepção representaria a desordem e a insanidade.

No fluxo de suas lembranças desde a infância, Wanda continua inundando a sala de sua casabarracão com fragmentos de memórias ancestrais:

[...] só que no interior não tinha essa coisa de espiritismo né, e ela estando aqui na capital foi mais fácil, ela começou a frequentar os terreiros de mesa branca, ela era aquela pessoa que via espíritos de pessoas que queriam trazer uma mensagem pra família, alguma coisa desse gênero, ela recebia e passava as mensagens e tal. Ali também não resolveu o problema dela, eles falavam que o negócio dela era uma coisa mais forte que ali ela não podia frequentar. Aí ela foi pra Umbanda. Na umbanda ela teve muitos problemas também por causa de um caboclo que ela tinha [...] Mamãe sofreu muitos anos, ela fez santo com 45 anos, foi sofrimento dos 8 até os 45, quando ela fez Santo com seu Joao da Gomeia. Mas ela, com todos esses problemas, de tá na casa de um e tá na casa de outro e nada se resolvia, e o caboclo dela ficava nervoso, [...] Bom, até que um dia a gente conheceu um pai de santo baiano, tinha um caboclo dele lá também, e esse caboclo nos alertou dizendo que ela recebia um cacique que não aceitava ser comandado por ninguém. [...] Um dia a gente foi no terreiro da Oya Tolu, filha de santo do seu João da Gomeia. E aí o caboclo dela falou que minha mãe ia ter que se iniciar, que ela tinha problema espiritual e que ela tinha que ter a casa dela porque o caboclo queria atender o povo dele. Então foi a primeira pessoa que abriu os olhos da mamãe. Aí ela se prontificou, ela falou pra mim: olha, meu pai João costuma vir todo mês de dezembro e começo de janeiro pra atender e levar quem tem que fazer santo pra Gomeia. E minha mãe acabou indo jogar com ele e ele fez a minha mãe entrar no barco de junho. E aí ela fez santo, e as coisas mudaram, meu pai João veio aqui, assentou Exú, ela fez um barracão aqui no fundo e nós começamos a tocar a casa. Quando ela fez santo eu tinha quinze anos. A mamãe fez santo em 1962 e eu em 1964, com seu João também. Só que a minha mãe fez Angola e eu já não fiz, que na época que eu entrei pra fazer santo o seu João já estava na transição de Angola pra Ketu, foi quando ele foi para o Gantois. Então o meu barco foi o primeiro barco de Ketu que saiu na Gomeia.

De acordo com tal narrativa, é possível apreender que a trajetória da mãe de Wanda, desde o interior de São Paulo (Guariba/SP) até a zona norte da urbe paulistana, foi marcada por um processo de transição sobre o qual várias matrizes podem ser identificadas em vista das permanências de inúmeras tradições africanas, indígenas e euro cristãs. Vale salientar que tais tradições são vivas e se atualizam ao passo que são (re) criadas constantemente na relação dos seres com o mundo e no encontro de palavras e corpos produtores de historicidades variadas. Esta múltipla pertença no campo da espiritualidade se revela a partir de cosmovisões que se encontram no contexto da diáspora e atuam de forma a desconstruir e descolonizar a ordem dominante por meio de cruzamentos interculturais.

Nesse sentido, o processo de busca de solução para os sofrimentos vividos reitera uma concepção bantu em torno da qual os seres são intimamente ligados às (aos) ancestrais e precisam recorrer às (aos) mortas (os) a fim de buscar respostas e/ou encaminhamentos às adversidades existenciais. Segundo tal concepção, o mundo invisível se entrelaça com o visível e o penetra por completo” e “as pessoas vivem em permanente dependência-comunhão com o mundo invisível, com o sagrado” ( ALTUNA, 2014, p. 367). A este respeito, é interessante perceber o quanto tais intervenções não podem ser apreendidas como algo sobrenatural. Ao tratar das atividades das (os) antepassadas (os), Altuna (2014) completa:

Esta comunidade invisível rege, em grande parte, vigia e penetra, todas as instituições e comportamentos. A vida comunitária e individual insere-se numa realidade invisível e escondida, mas não indecifrável nem fatal. A sua influência é místico-vital, permanente e totalizante [...] Ainda que omnipresentes na vida, não são omnipotentes. Não determinam a vida diária completamente, visto que os especialistas da magia têm a sua parcela de ação. ( ALTUNA, 2014, p. 460)

A matriz ioruba também se manifesta neste contexto, posto que os elementos da natureza se apresentam a partir do culto aos orixás na tentativa de potencializar a força vital (axé) dos seres. Caboclos e conhecimentos sobre a floresta evocam permanências das diferentes matrizes indígenas, e o cristianismo popular também atua nesta perspectiva, já que as rezas e os santos são recorridos para o trabalho de conexão com o sagrado 7.

É oportuno destacar que ao contrário do que se pretende a racionalidade moderna e mesmo sendo mediadas por esta, tais experiências cosmológicas não atribuem nenhuma distinção radical entre o profano e o sagrado. Sob esta perspectiva, é interessante perceber que o espaço da casa onde se mora é também o ilè-awo, o terreiro ou o barracão onde são cultuadas (os) as (os) ancestrais, as entidades espirituais e as divindades. Tal configuração parece confluir para o que Sodré (1988) apresenta como a lógica do lugar próprio em culturas africanas e afrodiaspóricas:

Pouco importa, assim, a pequenez (quantitativa) do espaço topográfico do terreiro, pois ali se organiza, por intensidades, a simbologia de um Cosmos. É uma África qualitativa que se faz presente, condensada, reterritorializada. Dá-se algo comparável ao espírito do artesão tradicional africano que, mesmo sem jamais ultrapassar os limites de sua aldeia, sente-se participante do universo inteiro. ( SODRÉ, 1988, p. 52 - 53)

O sofrimento de Isabel só é superado quando esta consegue (re) encontrar no candomblé as ferramentas necessárias para o desenvolvimento de sua espiritualidade. Em 1956, após passar pelo espiritismo kardecista 8, Isabel funda o terreiro de Umbanda São Lázaro, antes de sua iniciação ao candomblé em 1962, por intermédio do babalorixá baiano João da Gomeia (1914-1971).

Após as devidas iniciações e ao assentar o orixá Esù no barracão, tudo parece estabelecido para que o espaço possa ser gerido e para que Isabel de Omolu continue seu trabalho junto à comunidade. Esù aqui é uma divindade essencial que, ao se relacionar com os orixás e com todos os seres dos reinos mineral, vegetal, animal e humano, atua na manutenção do equilíbrio entre forças materiais e espirituais. Segundo Ribeiro e Sàlámì (2015),

Nas casas religiosas este assentamento é absolutamente indispensável. Uma vez assentado, o orixá age como protetor e guardião das pessoas e do ambiente em todos os aspectos da vida. [...] esse ritual fortalece o chão da casa e esta irradia nas imediações. Todos os frequentadores desse espaço sagrado beneficiam-se dessa força. (RIBEIRO; SÀLÁMÌ, 2015, p. 190-191)

A terra, cujo poder se espalha por todo o universo, deve ser saudada ( Ilè ògéré, ìbà), já que a força vital assentada passa a atuar em prol da comunidade. Em estudo dedicado ao patrimônio simbólico da (o) negra (o) brasileira (o) e ao tratar das cosmovisões herdadas das matrizes africanas, Sodré (1988) completa:

Nessa cosmogonia, a terra - a cuja fertilidade se ligam o ciclo da vida e o ritmo do universo - integra a dimensão do sagrado. A terra guarda o segredo do Invisível: para ela, a morte encaminha os indivíduos, que serão depois restituídos pela vida. Cada linhagem africana faz da terra, portanto, objeto de desejo, tanto por motivos de sobrevivência material como simbólicos. ( SODRÉ, 1988, p. 51)

Tais concepções formam uma rede de relações por onde se projetam universos vividos e por onde o mundo é concebido como um todo orgânico. Ao contrário das religiões reveladas, as maneiras de viver espiritualidades renegadas pela modernidade ocidental suscitam desafios ao serem estudadas, posto que tais cosmovisões rompem com as lógicas cartesianas do poder.

Ao combinar cultura e natureza, uma marca da diferença se estabelece no seio das comunidades negras, constituindo por meio de negociações estratégicas uma estética diaspórica, como bem define Hall (2006, p. 325). Ainda a este respeito, Antonacci (2014) asserta:

Os vínculos entre cultura e natureza de comunidades africanas e da diáspora são históricos, dispõem-se desde condições físicas de vida e imaginários que norteiam e informam suas visões de mundo, sem esquecer que seus corpos e de outros seres se inserem nessa mundivivência, são feitos e disponibilizados em suas perspectivas de interações entre o mundo humano, natural e sobrenatural. ( ANTONACCI, 2014, p. 249)

Em junho de 1962, João Alves Torres (1914-1971), o babalorixá Joãozinho da Gomeia, iniciou em Duque de Caxias (RJ) a Mãe Isabel de Omolu que recebera a dijina9 Kateçu. Wanda foi iniciada dois anos depois, com doze anos de idade, sendo reconhecida pelo nome de Ode Ceci.

Nesta perspectiva, é interessante perceber os entrecruzamentos das culturas afrodiaspóricas, tendo em vista, por exemplo, o percurso vivenciado por Joãozinho da Gomeia, que deixa Salvador (BA) na década de 1950 e passa a ser uma referência importante do candomblé de nação 10 angola na região sudeste do país, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. Diante estas inúmeras influências, é prudente pensar o candomblé em termos plurais, posto o conjunto de práticas de matrizes africanas que se combinam e se definem de acordo com os encontros de culturas ancestrais. Tais práticas são reelaboradas no contexto da diáspora, representando reinvenções de Áfricas nas Américas e, em particular, no Brasil. De acordo com Domingues (2004):

As principais nações de candomblé que chegaram em São Paulo foram de origem angola, na primeira fase; efã, na segunda; e ketu, na última fase. Da nação angola, o nome mais lembrado é, sem dúvida, de João da Gomeia, um dos mais importantes babalorixás baianos que se estabeleceu no Rio de Janeiro nos anos 1950. Através de frequentes viagens em São Paulo, ele iniciou uma grande quantidade de pessoas no candomblé. ( DOMINGUES, 2004, p. 286)

Em estudo dedicado à biografia de Joãozinho da Gomeia, Nobre (2017) apresenta elementos importantes que indicam o quanto este sacerdote atuou de forma instigante tendo em vista sua metodologia religiosa polêmica aos olhos dos mais tradicionalistas. Segundo Nobre (2017):

Queira ou não, Joãozinho da Gomeia foi um personagem marcante na cultura afrobrasileira já que nenhum pai de santo alcançou o apogeu da glória como ele. Além disso, foi pioneiro em diversas tomadas de atitude religiosas, estéticas, administrativas e politicas no meio religioso. Essas iniciativas ousadas colocavam em xeque os ritos tradicionais adotados pelos outros pais e mães de santo de culto de linha yorùbá. Ou seja, ele modificou e produziu rupturas religiosas que lhe renderam glórias e ódios simultaneamente. ( NOBRE, 2017, p. 172)

Africanidades ressignificadas no espaço urbano afirmam-se como territórios políticos-míticosreligiosos ( SODRÉ, 1988), assumem uma dimensão estética que sinaliza visões de mundo e um sentido de história específico de povos e culturas de África. Diante disso, como bem pontua Azevedo (2006, p. 176), “o sentido de história de tais povos é determinado, sobretudo, pela visão cosmológica do mundo”, visão esta marcada por rupturas e permanências que se configuram enquanto repertórios culturais.

Após cumprir com obrigações necessárias para o fortalecimento espiritual junto à Mae Minininha do Gantois, em Salvador (BA), Joãozinho da Gomeia passa também em 1966 a adotar em suas práticas ancestrais os fundamentos do candomblé ketu, de linhagem ioruba, sem abandonar, no entanto, todo o seu percurso e aprendizado oriundo da linha Angola/Congo.

Experiências e trajetórias extraocidentais como esta resultam em visões de mundo heterogêneas que abrem brechas para a apreensão do patrimônio sensível dos povos de África e de suas/seus descendentes nos territórios da diáspora. Nesse sentido, Nobre (2017) bem intitula sua obra, já que João da Gomeia é um dos muitos expoentes negros que atuara a partir da “Arte de tecer o invisível”. Enquanto homem negro, gay e sacerdote das religiões de matrizes africanas, Joãozinho da Gomeia desempenhara um papel fundamental sob o ponto de vista histórico-social já que a expressão de seu protagonismo e participação no seio da comunidade de santo projetou de forma irreverente novas possibilidades de se pensar o mundo para além das noções que o vislumbram branco, cristão, homogêneo, heteronormativo e binário. O babalorixá conjugou ineditismos a partir de tal particularidade, produzindo combinações múltiplas e provisórias, portanto imprevisíveis. Estas são, pois, características das culturas crioulas ancoradas em pensamentos e em identidades rizomáticas ( GLISSANT, 2005).

Mais adiante, entre digressões e constantes interferências do presente, Wanda prossegue em seus trabalhos de memória, sempre em reverência a trajetória de sua mãe, ancestral da casa, sem a qual tais histórias não fariam sentido. Ao tratar das adversidades cotidianas do barracão, a colaboradora da pesquisa compartilha:

Aqui foi o primeiro terreiro de candomblé do Parque Peruche, [pausa e reflexão] Isso a gente tava fazendo as contas aqui, já tem 70 anos. No total, de mesa branca, umbanda e depois candomblé. [...] De candomblé, a mamãe foi uma das primeiras daqui, umbanda e mesa branca já tinha na região. E eu me lembro que pra tocar, a mamãe tinha que ir na delegacia lá em cima tirar um alvará, senão a polícia invadia. Mas nunca invadiram aqui, mesmo no começo, um dia a polícia bateu e pediu pra não tocar depois das dez, ai orientaram ela pra não ter problema com os vizinhos. Pra você ver, a luta da mulher negra e macumbeira existe até hoje [...] A mamãe quando tinha festa do santo dela em agosto, o Olugbajé, do dia primeiro até o dia da festa ela saia pra rua com pipoca e ela ia pedir mesmo, ela batia em tudo quanto é lugar, em bar, padaria, ia na feira pedir ajuda e distribuía pipoca para a festa de Obaluaie. E na festa das crianças, essa rua enchia. A mamãe era de dar brinquedo, roupa, seja lá o que fosse, ela recolhia tudo dois ou três meses antes e ela distribuía pras crianças presente, bolo, bala, todo o ano. Eu não consigo fazer isso [leve sorriso], minha visão é outra, mas o Olugbajé continua. Eu corro atrás e quem pode ajudar ajuda, e na festa das crianças eu junto dinheiro, vou lá, compro bala, bola, bolo, carrinho, essa festa continua até hoje. Agora, as nossas grandes dificuldades sempre foram as enchentes. Aqui eu fui criada com enchente, eu me lembro quando eu era criança, com três ou quatro anos, a minha mãe me colocava em cima do guarda roupa pra eu não colocar o pé naquela água podre. Aqui estamos a 80 cm de altura com a rua, minha mãe foi subindo, foi construindo, foi tudo a minha mãe. A mamãe sempre foi a que tomou conta, a que acabou de criar os filhos, a que tomou as rédeas, é isso mesmo [expressão de orgulho]. E essas enchentes eram terríveis, a rua era um barreiro só, desde quando eu era pequenininha. Isso aqui era um brejo só. Meu irmão sobreviveu muito tempo caçando rã aqui e vendendo no centro da cidade.

Ao trazer à lembrança os momentos pelos quais Iya Kateçu deveria se apresentar e obter autorização da polícia a fim de manter as atividades do terreiro, Wanda sinaliza elementos que permitem apreender o quanto esta relação de poder traduz um racismo institucional. Segundo Azevedo (2006), quando explana acerca das adversidades vividas por sambistas descendentes de africanas (os), o tratamento às populações negras revela-se em “arbitrariedades, preconceito e desrespeito aos direitos humanos”. O autor continua:

[o] racismo da instituição policial tinha raízes nas primeiras décadas do século XX, quando novos modelos de comportamento social e de modelo de cidade não eram compatíveis com aquilo vivido pelos grupos negros. Além da vigilância e perseguição cultural [...] nas décadas iniciais do século XX, houve a incorporação, por parte da instituição policial ao longo do século, da prática de homicídio de pessoas negras [...] ( AZEVEDO, 2006, p. 83)

Vale salientar que a prática do racismo, de acordo com Silva Júnior (2008):

[...] não requer que o agente possua destreza ou domínio teórico ou retórico dos teoremas raciais nem engajamento político-ideológico às teorias raciais, tampouco que produza uma ação movida por ódio racial e que esta seja dirigida ao grupo racial em seu todo, bastando que tal “prática” reflita o conteúdo nuclear da mencionada “ideologia racial”: uma prática orientada em critério racial, ou étnico, que resulte em violação de direitos. ( SILVA JÚNIOR, 2008, p. 181)

Diante de tal conjuntura, as religiões de matrizes africanas, constituíram-se historicamente enquanto “fontes e principais trincheiras da resistência cultural” das (os) descendentes da diáspora, bem como “o ventre gerador de uma arte afro-brasileira” ( NASCIMENTO, 2017, p. 125). As dificuldades que se ergueram nos caminhos de tais práticas tomam ainda outras dimensões no contexto atual, em vista das perseguições e ataques por parte de algumas/alguns adeptas (os) das religiões neopentecostais. Estas ações que visam sobretudo enfraquecer ou destruir os repertórios cosmológicos e culturais das (os) negras (os) no Brasil, apontam para a iminente necessidade de se pensar em prática de intolerância e de racismo religioso, violência que merece ser denunciada e combatida. Nesse sentido, Fernandes (2017) afirma:

São ataques físicos e verbais [...] Evidencia-se como racismo religioso, pois acreditamos que as agressões são feitas em sua totalidade por constituírem-se como uma negação às visões de mundo africanas, assim sendo uma das facetas do racismo brasileiro. ( FERNANDES, 2017, p. 60)

Mais adiante, quando Wanda evoca em reverência a força e a postura de sua mãe na relação direta com a comunidade, é interessante notar que tal noção não é concebida enquanto “espaço utópico de trocas beatíficas, isentas de conflito e luta”, mas sim como um lugar histórico possível sobre o qual as práticas ancestrais se instalam e são reelaboradas a partir de uma dimensão maior do que a do indivíduo singular ( SODRÉ, 1988, p. 154-155). Iyá Kateçu, ao se dedicar em arrecadar dinheiro para a festa de Omolu/Obaluaiê, comunga de uma experiência comum às diferentes comunidades de terreiro dos cultos afro-brasileiros. A este respeito, Fernandes (2017) aponta:

O Olubajé [...] ocorre em concomitância às demais comunidades-terreiro de São Paulo durante o mês de agosto. Uma parte do dinheiro para a execução dessa festa é obtida pelo ato de “esmolar” nas ruas paulistas. Para este fundamento, os filhos de santos levam consigo tabuleiros de buruburu ou doburu, pipocas estouradas em panelas de ferro com areia de praia que são vendidas aos transeuntes. Segundo este princípio, aqueles que contribuem com o Olubajé recebem o axé. ( FERNANDES, 2017, p. 6465)

De acordo com a historiadora, o Olugbajé reúne por meio da festa as forças vitais das divindades iorubas Omolu/Obaluaiê, Exumarê/Oxumarê, Ewa, Nanã, Ossaim e Oyá/Iansã. Tais orixás relacionam-se à morte e detém os segredos e saberes para afastá-la. Segundo a cosmovisão ioruba, Obalúwayé, cujo oriki A-sòro-‘pé-l’érùn-ùn - aquele cujo nome não deve ser pronunciado durante a estação das secas -, é o Senhor da terra. Nesse sentido, Ribeiro e Sàlámì (2015) reiteram quando se propõem a analisar as rezas e saudações dedicadas a este orixá:

Senhor da varíola e de todas as enfermidades, Obaluaiê inspira terror e respeito por seu poder de controle sobre as doenças. É associado à cura, à justiça e à paz social. Sua energia é manipulada para agradecer a terra pelo que oferece às pessoas. Seu poder é usado na cura de todas as enfermidades, particularmente as mais graves e as de pele. [...] Sua permissão é solicitada em festas: deixe-me obter a permissão do Senhor da Terra, ver se ele nos permitirá dançar. Sua hospitalidade é solicitada no cultivo da terra: o fazendeiro poderia ser extraordinariamente agradado. O algodão não queimaria. Não desagradaria o fazendeiro. O fazendeiro poderia ser extraordinariamente agradado. (RIBEIRO; SÀLÁMÌ, 2015, p. 63-64)

Aqui, as vivências reconstruídas a partir dos fragmentos das memórias de Iya Wanda d’Osun versam sobre formas fractais de permanência das práticas ancestrais afrodiaspóricas na zona norte de São Paulo. Mesmo diante às adversidades de um espaço urbano periférico, tais práticas extraocidentais configuram-se em registros culturais que sobrevivem e se (re) significam de maneira a imprimir na cidade as marcas de seus saberes e de suas cosmovisões. O reconhecimento das perdas é transformado em novas formas de (re) existência e, nesta perspectiva, o grande banquete do rei (Olugbajé) materializa a luta do Povo de Santo que reverencia a terra e suas/seus antepassadas (os), a fim de garantir saúde e vida fértil àquelas (es) que aqui estão e àquelas (es) que estão por vir.

Acerca das enchentes, tais memórias no Parque Peruche inundam as casas das (os) moradoras (es) de lembranças difíceis. São relatos de corpos que se adaptam e resistem cotidianamente em territórios socialmente periféricos. As memórias das perdas materiais e dos riscos de morte desnudam o abandono por parte das autoridades públicas e as enchentes, neste contexto, se apresentam como um denominador comum às experiências de vida no Peruche, mais precisamente no baixo Peruche, sinalizando cartografias desiguais por onde se engendram desigualdades sócio territoriais. Assim sendo, segundo Rolnik (2003):

Apesar da urbanização de risco afetar a cidade como um todo, os riscos são distribuídos desigualmente através das classes sociais. Os mais pobres, com menos respaldo em seguridades sociais, recebem os impactos das disfunções, catástrofes e acidentes urbanos em intensidade muito maior do que os mais ricos. Há uma acumulação de vulnerabilidades nos setores mais vulneráveis. ( ROLNIK, 2003, p. 06)

Ao explicar, “ aqui estamos a 80 cm de altura com a rua”, Wanda precisa o quanto o terreiro comunidade Ile Iya Mi Osun Muiywa resiste aos impactos da máquina de exclusão territorial constituída em São Paulo. As perdas se transformam em traumas:

[...] subia e subia muito, até hoje quando dá enchente aqui, chega a dois metros [...] Muita gente aqui na rua morreu já, por conta disso [...] A gente perdeu tudo já, geladeira, guarda-roupa, cômoda, televisão, som, mamãe sempre foi muito caprichosa mas ela perdeu tudo [...] Eu perdi tudo de registro que nós tínhamos, até o registro de quando nós tivemos na África, perdemos tudo.

Corpos, histórias e vestígios do passado emergem a partir dos trabalhos das memórias negras periféricas. A sacerdotisa colaboradora da pesquisa transmite uma mensagem nítida dos processos de luta face à situação de vulnerabilidade com as (os) quais negras (os) da metrópole ancoraram suas memórias e reelaboraram suas práticas ancestrais. Talvez, o problema das enchentes e de todas as calamidades de responsabilidade pública sejam superados a partir de “estratégias da distribuição dos investimentos, da regulação urbanística e da gestão urbana” ( ROLNIK, 2003, p. 07).

Em outro momento da conversa-pesquisa, Wanda reconstrói parte de sua trajetória familiar a partir da presença marcante de suas tias maternas. Mais uma vez, são linhagens femininas que marcam sua presença na história. Ao trazer à tona as experiências de suas ancestrais com a Umbanda, Wanda relata:

A minha tia [...] que depois de um tempo, esse quarto onde é o nosso agora, era a sala onde ela fazia a mesa branca, aonde depois ela fez o terreiro dela, a umbandinha dela [tom carinhoso]. Era só uma sala mas ela começou aí [gesto preciso em direção a um cômodo da casa-barracão]. Minha tia ajudava a minha mãe por ela ser a mais velha. Minha tia morava em Guarizinho [Itapeva, SP], ela vinha só pra ajudar e uma outra tia minha morava em Cachoeirinha, Jardim Peri [Zona norte de São Paulo], a outra morava aqui na Vila Carolina [Jaçanã, zona norte de São Paulo], aí elas se juntavam pra fazer a sessão, até que a minha tia passou e abriu o terreiro dela de umbanda. E minha tia trabalhava com uma coisa mais forte, porque ela frequentava o terreiro de um homem que mexia com jongo, com quimbanda. E ela trabalhava também viu. Nessa época eu tinha meus quatro ou cinco anos e ... [momento de descrição mais precisa dos rituais de quimbanda] minha mãe era médium de transporte.

Aqui Wanda parece tecer em sua narrativa fragmentos de experiências cosmológicas ancoradas no princípio de um eu-comunitário. A casa-barracão parece estar impregnada de signos e sentidos que resultam de protagonismos negros femininos. Por meio de suas práticas ancestrais, a mãe de Wanda e suas irmãs construíram e tentaram conservar muitas cosmovisões. Estas práticas se configuram enquanto valores civilizatórios herdados das sociedades africanas e reelaborados no contexto da diáspora afro-brasileira.

Um exemplo de tais reelaborações pode ser apreendido a partir da compreensão dos rituais de quimbanda. O termo deriva do quimbundo, língua de matriz bantu, carregando sentidos e valores de povos e culturas da África central. Em realidade, quimbanda é o nome atribuído à sacerdotisa ou ao sacerdote responsável pelo trabalho de cura das enfermidades e pelas práticas rituais de muitas comunidades bantu. De acordo com tal cosmovisão, o quimbanda detém funções de adivinha (o) e de médica (o) tradicional, atuando de forma a restabelecer o equilíbrio entre o mundo das (os) vivas (os) e das (os) não vivas (os). Trata-se, portanto, de agentes sócio-históricas (os) fundamentais para o sistema de organização de muitas sociedades, em particular de povos e culturas que se encontram em diversas regiões de Angola e da República Democrática do Congo.

Em contexto afrodiaspórico, a quimbanda reelabora-se como uma linha da Umbanda, religião afro-brasileira, representando o conjunto de práticas e rituais dedicados à articulação das esferas espirituais e físicas. Neste sentido, os rituais de quimbanda desenvolvidos pelas ancestrais de Iya Wanda d’Osun traduzem um conceito de magia bantu que merece aqui especial atenção. Ao tratar da definição de magia em comunidades ancestrais bantu, Altuna (2014) asserta:

Eminentemente prática, a magia é a concretização do poder de um especialista que se apropria e atua sobre e com dinamismo vital. Assim, é uma ciência com um conjunto de técnicas, capazes de utilizar, pôr em ação ou neutralizar as forças vitais ativas na solidariedade. É a arte de atuar, com um poder adquirido por vários processos, sobre o sistema de forças que ficam ao serviço do especialista, depois de este captar a sua proveniência e potência, ou apropriá-las para seu uso. ( ALTUNA, 2014, p. 523-524)

É interessante perceber que nos termos da cosmovisão bantu, o comportamento e a energia mágica se dão no cotidiano a partir de uma ação participativa, de uma vida interativa. Trata-se de uma ciência a serviço da comunidade que mesmo reunindo uma gama de técnicas e saberes específicos, “não se reduz a um mecanismo positivista” ( ALTUNA, 2014, p. 526).

Segundo Wanda, sua mãe e tias puderam encaminhar e resolver muitos problemas da comunidade que vinha buscar apoio junto a elas. A colaboradora revela que, nesta fase, sua mãe era considerada médium de transporte, pois durante os rituais noturnos ela recebia em seu corpo, os espíritos das pessoas adormecidas que deveriam ser conscientizadas de alguma adversidade ou responsabilizadas por algum erro que desestabilizara a comunidade. Este ritual noturno de invocação dos espíritos parece sugerir uma noção de bem-estar que não se limita à relação entre as (os) vivas (os) do mundo visível, mas se estende em um cerimonial que visa restabelecer o equilíbrio entre forças em diferentes planos da existência e em constante interação. Tais práticas configuram-se em repertórios culturais que se refazem no contexto da diáspora e só podem ser compreendidos a partir da superação das armadilhas eurocentradas e para além dos modelos impostos de uma racionalidade moderna.

Nos fluxos e defluxos do Atlântico, as experiências das (os) negras (os) na contemporaneidade demonstram, por meio do acesso às memórias subterrâneas, que mesmo diante as desestruturações dos costumes que houveram nas Áfricas, provocadas pelo tráfico, pela travessia, pela escravidão e pelos desajustes sociais vividos no pós abolição ( AZEVEDO, 2006, p. 170), permanências são sinalizadas de forma a conjugar práticas ancestrais múltiplas.

Thompson (2011), ao debruçar-se aos significados da vida espiritual, artística e filosófica africana nas Américas, apresenta elementos importantes da cosmovisão dos Kongo, povos que sofreram com as experiências traumáticas do tráfico de escravas (os) transatlântico. Segundo o autor:

As influências e as improvisações sobre a arte e a religião do Kongo no hemisfério ocidental são prontamente discerníveis em quatro importantes formas de expressão: nos cosmogramas marcados no chão para propósitos de iniciação e de mediação do poder espiritual entre os mundos; nas medicinas sagradas do Kongo, ou minkisi; no uso da terra de túmulos de pessoas falecidas recentemente como amuletos de vigilância ancestral e de retorno espiritual; e nos usos sobrenaturais relacionados com árvores, cajados, galhos e raízes. ( THOMPSON, 2011, p. 112)

Nesse sentido, Wanda, ao retraçar percursos (auto) biográficos femininos e ao compartilhar das experiências de suas ancestrais junto à Umbanda e à linha da quimbanda, oferece subsídios para as pesquisas que buscam reconhecer e investigar tais reelaborações da África Central (região CongoAngola) nas Américas. Em um dado momento a colaboradora pontua:

Elas se juntavam pra fazer essas sessões [...] Dava meia noite e ela virava a banda, ela trabalhava com as entidades da esquerda. O guia da minha tia riscava um ponto no chão e firmava com um punhal, e ali ficava todo mundo com uma folha de espada de São Jorge... [momento de descrição mais precisa do ritual]

Nesta passagem, é oportuno observar que o uso dos pontos riscados para a invocação dos espíritos e o uso de elementos da natureza, como a planta espada de São Jorge, trazem em si repertórios de práticas ancestrais herdadas das matrizes africanas bantu. Esta cosmovisão sinaliza uma leitura e concepção não linear do tempo e, portanto, da história, além de apontar para formas de se pensar o ser e sua atuação no (s) mundo (s). E neste contexto, estas práticas e rituais confluem para a apreensão de elementos constituidores da cultura negra na região sudeste, e em particular em São Paulo, cidade impregnada preponderantemente de um universo cultural bantu.

É legítimo ressaltar que tais africanidades ressignificadas foram combinadas e mediadas por outras influências e cosmovisões. Os cruzamentos entre culturas foram marcados por processos simultâneos por onde permanências e rupturas alinhavaram a tessitura das diversas experiências de Áfricas nas Américas. Um mosaico de possibilidades se refez nos cursos das histórias de africanas (os) e de suas (seus) descendentes na diáspora. Portanto, mesmo ao recorrer às sincronicidades e às associações acerca das micro-Áfricas 11 aqui sinalizadas, não se pretende homogeneizar nem mesmo generalizar a complexa realidade dos povos e culturas afrodiaspóricos. De todo modo, pois, não se pode negligenciar o quanto tais práticas ancestrais reúnem aspectos e ciências que atravessaram o Atlântico e perpetuaram também de maneira profusa a presença africana entre as (os) latino afrodescendentes.

O intercambio de culturas e das comunidades de África na América Latina produziram ineditismos que particularizam suas práticas ancestrais a partir de seu caráter heterogêneo. No caso do Brasil, registros culturais afrodiaspóricos podem ser apreendidos por meio do acesso às práticas ancestrais reelaboradas que impregnaram o tecido social de negras (os) no país. Em São Paulo, as umbandas, as quimbandas, os candomblés ketu e Angola-Congo expressam pelas permanências de seus signos, ritmos e práticas um conjunto de mundos e de Áfricas que se ressignificam e dão outros sentidos à cidade. É preciso referenciar e reverenciar tais experiências, pois dos intestinos da terra-ilè emergem memórias ancestrais que irrompem os horizontes apontando para novas perspectivas. Ìbà re o12!

Material suplementar
Referências
ALTUNA, R. R. de A. Cultura Tradicional Bantu. Luanda: Paulinas, 2014.
ANTONACCI, M. A. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: EDUC, 2014.
AZEVEDO, A. M. A memória musical de Geraldo Filme: os sambas e as micro-áfricas em São Paulo. 224 f. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Departamento de História, São Paulo, 2006.
BAIRROS, L. Nossos feminismos revisitados. In: Revista Estudos Feministas, Dossiê Mulheres Negras, ano 03, 2º semestre 1995.
BOSI, E. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 3. Ed. São Paulo: Cia das letras, 1994.
BUENAVENTURA, N. Viaje à la tierra de los griots (Costa de Marfin, Mali, Burkina Faso). In: América Negra, n. 10, p. 175-190, deciembre 1995.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
DOMINGUES, P. Uma cultura de Matriz Africana em São Paulo: o terreiro de candomblé Ile Iya Mi Osun Muiywa. In: Projeto História, São Paulo, v. 28, p. 283-302, jun. 2004.
ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FERNANDES, A. P. da S. Candomblé de São Paulo: fundamentos e tensões de uma comunidade terreiro na metrópole. 2017. 129 f. Dissertação (Mestrado em História) -Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Departamento de História, São Paulo, 2017.
GLISSANT, E. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.
HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, Revista dos Tribunais, 1990.
HALL, S. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
HAMPATÉ BÂ, A. A Tradição Viva. In: Ki-Zerbo, Joseph (Ed.) História Geral da África. v. 1. São Paulo: Ática; [Paris]: UNESCO, 2010.
LE GOFF, J. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.
LEITE, F. A questão ancestral: África negra. São Paulo: Palas Athena; Casa das Áfricas, 2008.
LOPES, N. Enciclopédia da Diáspora Africana. São Paulo, Selo Negro: 2004.
NASCIMENTO, A. O genocídio do Negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectiva, 2017.
NOBRE, C. Gomeia João, a arte de tecer o invisível. Rio de Janeiro: Centro Portal Cultural, 2017.
NYE, A. Teoria Feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Ventos, 1995.
POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n 3, 1989.
PORTELLI, A. A filosofia e os fatos. Narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Tempo, Rio de Janeiro, p. 59-72, v. 1, n. 2, 1996.
___________. O que faz a história oral diferente. Projeto História 14. São Paulo, fev. 1997.
RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.
RIBEIRO, R. I.; SÁLÀMÌ Síkírù (King). Exu e a ordem do Universo. São Paulo: Oduduwa, 2015.
RODRIGUES, H. de B. C. A história oral como intercessor - em favor de uma dessujeição metodológica. In: Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, ano 10, n. 1, p. 190-203, 1º Quadrimestre de 2010.
ROLNIK, R. Política urbana no Brasil. Esperança em meio ao caos?. Revista da ANTP, São Paulo, 2003. Disponível em: < https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2009/08/ esperancaemmeioaocaos.pdf>. Acesso em: 08 de março de 2018.
SÀLÁMÌ, S. Cânticos dos orixás na África. São Paulo: Editora Oduduwa, 1991.
SILVA JÚNIOR, H. A intolerância religiosa e os meandros da lei. In NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Guerreiras de natureza: Mulher negra, religiosidade e ambiente. São Paulo: Selo Negro, 2008.
SODRÉ, M. O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira. Petrópolis: Vozes, 1988.
THOMPSON, R. F. Flash of the spirit: arte e filosofia africana e afro-americana. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2011.
Notas
Notas
1 Tradução do ioruba: Quando a minhoca saúda a terra / a terra se abre para que ela entre (SÁLÀMÍ; RIBEIRO, 2015, p. 38)
2 Tradução: Mulher poderosa que não pode ser atacada / Mulher forte que afugenta o homem / Generosa e graciosa mãe, que no fundo das águas assenta-se no apèrè / Água que flui sem cessar / A que tem seios fartos / Mãe graciosa, proteja-me! / Quem nós temos e quem nos salva. Oxum, salva-me!
3 De acordo com Ribeiro e Sàlámì (2015), o termo ioruba oríkì define-se da seguinte forma: Composto de orí, cabeça, e kì, saudar, o vocábulo oríkì é uma saudação ao ser, uma evocação, que faz referência à origem desse ser, suas qualidades e seus ancestrais. Dessa forma são saudados os orixás, as pessoas e os animais. Geralmente os orikis incluem descrições de características e feitos do ser saudado” (RIBEIRO; SÀLÁMÌ, 2015, p. 455).
4 Aqui, é válido ressaltar que o uso do termo bantu se refere ao tronco linguístico que compreende inúmeros povos e culturas da África central.
5 O termo refere-se aos povos de língua e cultura do mesmo nome, tendo como uma das bases de sua cosmovisão o culto aos orixás, forças vitais da natureza presentes em todos os seres dos reinos animal, vegetal e mineral.
6 De acordo com Nye (1995, p. 121), “A afirmação do poder patriarcal implica um extenso repertório de estratégias e atitudes”. A este respeito, ver mais em: NYE, Andrea. Teoria Feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Ventos, 1995.
7 Eliade (2008, p. 17), ao tratar deste tema a partir de referenciais eurocentrados, afirma que o ser humano “ toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta”, ou seja, se apresenta ou se revela como algo distinto do profano, do mundo natural e cotidiano. Por isso, o autor sugere o termo hierofania quando a conexão com o sagrado possibilita aos seres e aos objetos um processo de transmutação da realidade imediata em uma realidade dita sobrenatural. No entanto, tal concepção dicotômica (sagrado e profano / natural e sobrenatural) marca um ponto de vista que se difere dos sentidos ancorados às cosmovisões extra ocidentais.
8 Kardecismo ou Espiritismo: doutrina codificada pelo intelectual francês Allan Kardek no século XIX cuja obra foi amplamente lida e incorporada no Brasil.
9 De acordo com Lopes (2004, p. 237), o termo dijina, nome, provém da língua quimbundo, de tronco bantu (África Central). Nos candomblés Angola / Congo, segundo informações verbais de Liliane Pereira Braga, Ndembwemi dia Nzambi, doutora em História Social (PUC-SP) e maganza no Inzo Tumbansi (Itapecirica da Serra/SP), “filhas (os) iniciadas (os) recebem dijina, nome iniciático pelo qual passam a ser chamadas (os) depois da feitura do santo, em referência à sua identidade comunitária ancestral”.
10 Acerca das nações africanas, ver SILVA, Wagner Gonçalves da. Orixás da metrópole. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 109.
11 Ao cunhar tal conceito, Azevedo (2006) asserta: “essas micro-áfricas podem ser compreendidas como vivências dissonantes que desobedeceram certos limites estabelecidos do que deveria ser a cidade, para construir e operar outras cidades e outras memórias” ( AZEVEDO, 2006, p. 25).
12 Tradução do ioruba: eu te saúdo.
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc