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APRESENTAÇÃO: Pesquisas contemporâneas em religião
Marcelo Tadvald
Marcelo Tadvald
APRESENTAÇÃO: Pesquisas contemporâneas em religião
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 20, núm. 28, pp. 10-14, 2018
Universidade Estadual de Campinas
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Editorial

APRESENTAÇÃO: Pesquisas contemporâneas em religião

Marcelo Tadvald
Editor-Gerente, Porto Alegre
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 20, núm. 28, pp. 10-14, 2018
Universidade Estadual de Campinas

Às vésperas de completar 20 anos de atividade, o periódico Ciências Sociais e Religião/ Ciencias Sociales y Religión (CS&R), permanece dando voz às investigações sobre o fenômeno religioso desde a América Latina. Nesse sentido, no presente número reunimos textos que examinam as mais diferentes questões religiosas que se apresentam atualmente, mediante abordagens etnográficas, sociológicas, políticas, históricas e outras mais, ou ainda de um arranjo entre elas, que mostram o quão variadas são as pesquisas contemporâneas e as maneiras pelas quais o religioso pode se manifestar, de forma única, exclusiva, plural e multilocalizada.

O conjunto de trabalhos deste volume mostra algumas tendências e temas prementes de investigação sobre o religioso desde o subcontinente latinoamericano. Assim, apresentamos discussões sobre expressões religiosas: a Igreja católica, grupos evangélicos, afrorreligiosos, nova era, xamanismos e cultos populares, mas também sobre expressões do religioso, como a sua presença no Estado, no espaço público e na própria academia, além de temas como laicidade, transnacionalização, psicologização, devoção, tradição, intolerância... a partir de locais e países diversos, como Brasil, Argentina, Venezuela, Cuba, França e Alemanha, a partir de um olhar latinoamericano, considerando o lugar de fala e de pensamento das autorias desse volume.

O tema geral das pesquisas contemporâneas em religião que mobiliza o atual dossiê se faz ainda mais oportuno devido ao recente “Concurso Jovens Pesquisadores/as” promovido pela Asociación de Cientistas Sociales de la Religión del Mercosul (ACSRM) por ocasião das XIX Jornadas Internacionais Sobre Alternativas Religiosas na América Latina, a serem realizadas na Universidade de Santiago do Chile, em novembro de 2018. O objetivo do concurso foi incentivar jovens pesquisadores, mestres/as ou doutorandos/as a propor e investigar questões relacionadas aos fenômenos religiosos na América Latina, a partir da perspectiva das Ciências Sociais, estimulando sua criatividade e espírito crítico. Tendo em vista a conclusão do certame, podemos incluir aqui os trabalhos vencedores, antecipando ao evento futuro a divulgação dessas pesquisas, agora disponíveis ao grande público.

Dessa forma, este número de CS&R está dividido em dois blocos: primeiro, apresentamos trabalhos do fluxo contínuo de nosso periódico para em seguida dispor os textos vencedores do “Concurso Jovens Pesquisadores/as” da ACSRM.

Abre o atual volume o artigo: A Igreja Católica e a manutenção da clausura em pleno século XXI: algumas questões para reflexão, de Leandra Bento da Silva e Mércia Rejane Rangel Batista. No texto, as autoras avaliam de que forma, em pleno século XXI, ainda é possível se deparar com a persistência de “Instituições Totais Religiosas”, algo que parece se remeter a uma herança do período colonial brasileiro. Assim, procurou-se refletir sobre o significado da vida em clausura na contemporaneidade e sobre as razões para a permanência da instituição da Clausura no Brasil, destacando a atuação da Igreja Católica e a ideia de vocação, elegendo como locus de pesquisa o Mosteiro de Santa Clara, localizado na cidade de Campina Grande, Paraíba.

A seguir, o texto de Érico Tavares de Carvalho, Cristãos e afrorreligiosos no espaço público: notas etnográficas acerca das marchas religiosas em Porto Alegre/RS, busca analisar a presença de agentes religiosos no espaço público em um processo de conflito dialógico onde cristãos e afrorreligiosos (mas não apenas esses) ocupam as ruas, disputando espaços e significados de suas respectivas identidades. Esse trabalho constitui uma primeira aproximação ao objeto singular, a saber, a Marcha Estadual Pela Vida e Liberdade Religiosa e a Marcha para Jesus em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, em que a noção do que seja público enquanto espaço de disputas ou controvérsias mobiliza diferentes formas de entendimento e atuação, assim como discursos direcionados a públicos específicos.

Na atual relação entre religião e espaço público, sobressai a sua presença no campo político, mais propriamente na arena partidária e institucionalizada, sobretudo no Brasil. Em tal realidade, destaca-se a atuação de grupos cristãos, especialmente evangélicos, ideologicamente conservadores e que operam principalmente sobre temas relacionados à moral e aos costumes, forjando certa presença e ação que costumam entrar em choque com o princípio constitucional de laicidade. Essa presença se realiza em diferentes ambientes institucionais, sendo sempre profícuo o olhar sobre eles. Nesse sentido localizamos o trabalho de Bruna dos Santos Bolda e Josué de Souza: A atuação da bancada religiosa na controvérsia em torno das questões de gênero no Plano Municipal da Educação (PME) em Blumenau de 2015. Uma vez o debate em torno da temática do gênero nos PMEs no Brasil se originar na interface entre as esferas política e religiosa, objetiva-se no texto desvendar as relações políticas e religiosas em torno do PME da cidade de Blumenau - um espaço de disputa e interações sociais que refletiu a articulação nacional entre evangélicos e católicos. No caso avaliado, a retirada de noções dos documentos da educação pela bancada religiosa local é uma forma de defender suas “bandeiras políticas”, legitimar seu eleitorado e deslegitimar bandeiras alternativas. Com isso, conclui-se que a luta contra a suposta “ideologia de gênero” se assemelha a mesma mobilização contra o “perigo comunista” do período da constituição de 1988 e da eleição presidencial de 1989.

A questão do secularismo ou da laicidade também está presente no trabalho seguinte: Cuba, la transición de la sociedad confesional a la república laica, de Felipe Pérez Valencia. Assumindo que os termos foram considerados fundamentais da modernidade sociopolítica do Ocidente, os mesmos se apresentam de forma distinta conforme cada nação. Sendo assim, o artigo tem como objetivo analisar o fenômeno em Cuba, a última colônia americana da Espanha católica, levando em consideração a complexidade que esse processo adquire naquele país desde os primórdios da colônia até o início da República, notoriamente a partir da segunda metade do século XX.

Desde a América Latina se expandem expressões religiosas ao redor do mundo. No texto seguinte: Música, corporalidade e recriação diaspórica no Candomblé na Alemanha, Joana Bahia e Caroline Moreira Vieira Dantas analisam como e porque o corpo e a dança desempenham papel central na transnacionalização do Candomblé entre afrodescendentes e, crescentemente, entre europeus na Alemanha. O artigo examina formas pelas quais um artista afro-brasileiro e pai de santo em Berlim promove práticas religiosas e visões de mundo por meio da dança e da música afro-brasileira transnacional, tais como workshops e outros eventos realizados na cidade. Isso é um exemplo de como uma religião afro-brasileira se tornou um elemento central, recriando uma ideia de “África” na Europa, que é parte de uma longa história de circulação de artistas negros e praticantes de Candomblé entre Alemanha, Brasil e Cuba, resultando na criação de relações artístico-religiosas transnacionais. O trabalho ainda mostra como o corpo, através da música, da dança e da arte em geral, desempenha um papel importante no desenvolvimento da herança afro-cultural.

A forma pela qual o fenômeno religioso é considerado pelo mundo também se revela a partir do campo das ideias. No âmbito acadêmico isto pode ser percebido, dentre outras possibilidades, mediante o conjunto de publicações e de obras e autores/as particulares que marcam historicamente certos caminhos investigativos, tendências e abordagens de determinado campo do saber. Assim contextualiza-se o trabalho de Ari Pedro Oro, A “herança dürkheimiana” na revista Archives de Sciences Sociales des Religions. Esse artigo versa sobre essa revista francesa e sua relação com a Escola Sociológica Francesa, ou “escola dürkheimiana”. Fundada em 1956 por um pequeno grupo de intelectuais relacionados a alguns pesquisadores que atuaram em torno da revista Année Sociologique, a herança dürkheimiana se manteve institucionalmente no horizonte de Archives, que se quis, até certo ponto, continuadora de Année Sociologique no tratamento científico do tema da religião, sem desconsiderar a teoria dürkheimiana, sobre a qual a Archives consagrou inúmeros textos e mesmo três volumes ao longo da sua história, que foram considerados nesse artigo.

Abrindo o segundo bloco do volume, destinado aos trabalhos destacados no “Concurso a Jovens Pesquisadores/as” promovido pela ACSRM, o artigo de Luis Alonso Hernández, El culto a Hugo Chávez en Venezuela: ¿santo, ser vergatario o muerto poderoso?, descreve e analisa práticas de sacralização em torno da figura de Hugo Chávez na Venezuela, a fim de compreender as diferentes formas de expressão devocional estabelecidas por setores populares locais com seres considerados excepcionais. A esse respeito, observa-se no país o culto ao “Comandante Chávez”, uma entidade polissêmica, para certos devotos um santo milagreiro, o que fortalece e atualiza a sua figura com a revolução bolivariana, produzindo novas e particulares formas de experiência religiosa, revelando indícios de um forte isomorfismo entre política e religiosidade popular. O trabalho seguinte, La pobreza según el Opus Dei: el Opus Dei entendido a través de la pobreza, de María Bargo, toma o conceito de “pobreza” para além de sua natureza material, já que a ideia de “pobreza espiritual” é central para entender o Opus Dei e seu lugar dentro do catolicismo. Segundo seu princípio básico, todos podem alcançar a santidade através do trabalho e das circunstâncias ordinárias da vida e isso, todavia orienta a experiência religiosa de muitas pessoas, especialmente em nações com marcante presença católica. Esse é o caso da Argentina, onde muitos ainda respondem a esse chamado atuando em diferentes atividades de solidariedade. Mediante uma etnografia multissituada, o texto busca conhecer as concepções e ações em relação à pobreza que se resumem a duas maneiras de abordar a questão: uma que se concentra naqueles que trabalham nas atividades (eventos de arrecadação de fundos que favorecem a sociabilidade ou instâncias que buscam “treinar” os jovens envolvidos) e outra que prioriza os destinatários (espaços que apontam para a “integração” ou a “recuperação moral” dos pobres), revelando a importância e o papel da Opus Dei na sociedade contemporânea.

Ainda que marcados sistematicamente pelo cristianismo, outrora de monopólio católico, mormente matriz religiosa cada vez mais fragmentada e atualizada pelo múltiplo universo evangélico e pela esfera popular que se nota hoje em dia, os países latinoamericanos também são herdeiros de práticas ancestrais que constituem sua estrutura sociocultural mediante a história e a memória de grupos africanos e de sua diáspora. Em: Cosmovisões afrodiaspóricas na América Latina: protagonismos femininos marcados por práticas ancestrais na zona norte de São Paulo, Brasil, Bruno Garcia dos Santos insere esta sua pesquisa em um conjunto de iniciativas que visam exaltar a importância da preservação de memórias afrodiaspóricas no país, particularizando um território negro paulistano, o Parque Peruche. Com base na história oral e na pesquisa de campo, o texto observa a presença de protagonismos femininos negros que se configuram em práticas ancestrais marcadas por cosmovisões herdadas que constroem identidades afirmadas, capazes de particularizar experiências negras em que também se articulam expedientes religiosos.

Encerra este volume o trabalho: “Psicologización de la espiritualidad”: cruces entre psicología, vegetalismo amazónico y antropología en un centro comunitario y terapéutico de la ciudad de Buenos Aires, de María Soledad del Rio, explora como as cerimônias de ayahuasca foram apropriadas por um Centro Comunitário e Terapêutico da cidade de Buenos Aires, destacando os efeitos curativos e psicoterapêuticos dessa substância para o referido grupo. Em tal realidade, esses efeitos curativos não aparecem como meras “crenças” ou “representações”, mas antes como efeito da experiência, de uma situação de encontro entre os seres humanos e a planta da ayahuasca.

No conjunto de trabalhos apresentados, faz-se importante destacar a preeminência na América Latina de grupos religiosos que procuram se assentar mais comodamente no cenário social local. Nesse continente, a questão recebe uma atenção especial que se reconhece crescente nos estudos sociais da religião na atualidade, como a práxis e a ação política e as tensões provocadas nessas que são sociedades heterogêneas, contudo marcadas por instâncias normativas e estabelecidas da nação.

Considerando o presente das pesquisas em religião e acenando a um futuro possível de investigações, os trabalhos aqui reunidos reforçam, por um lado, a noção de que na América Latina, quiçá alhures, as crenças transcendem a esfera da subjetividade, já que elas são compartilhadas coletivamente, alcançando a cena pública mediante práticas produzidas por cada uma das religiões, independentemente de sua condição, inserção e grau de legitimidade em cada sociedade. Por outro lado, os textos que seguem apresentam tanto recorrências nas histórias nacionais (e acadêmicas) sobre as dinâmicas das relações entre religião e sociedade, quanto expressões e experiências específicas que revelam a diversidade existente nesse profícuo e aparentemente inesgotável campo de pesquisa.

Boa leitura!

Dr. Marcelo Tadvald

Editor-Gerente

Porto Alegre, julho de 2018.

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