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A EXPRESSÃO DA ESPERANÇA NA DIÁSPORA MOURIDE EM CAXIAS DO SUL

THE EXPRESSION OF HOPE IN THE MOURID DIASPORA IN CAXIAS DO SUL

Renan Giménez Azevedo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil

A EXPRESSÃO DA ESPERANÇA NA DIÁSPORA MOURIDE EM CAXIAS DO SUL

Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 22, pp. 1-25, 2020

Universidade Estadual de Campinas

RESUMO: O presente trabalho apresenta uma discussão a respeito da esperança no ambiente da diáspora mouride em Caxias do Sul, RS. Os mourides são uma fraternidade muçulmana sufi originada em Touba, Senegal, fundada pelo profeta Cheikh Ahmadou Bamba (1850-1927) durante o período colonial francês cuja doutrina articula fé muçulmana e trabalho de uma forma prática. Estes sujeitos estruturam sua diáspora a partir de mercados informais. O município de Caxias do Sul foi estabelecido por imigrantes italianos na segunda metade século XIX que vieram ao Brasil por conta de políticas que incentivavam a imigração de europeus. Por conta desta origem, a cidade apresenta o ethos da italianidade, um conjunto de valores e práticas que mistura a fé católica e o trabalho. Neste ambiente de contrastes, serão analisadas de que forma situações em fé, trabalho, legalidade e moralidade se encontram e de que forma a esperança acaba surgindo nestes espaços.

PALAVRAS-CHAVE: Esperança, mouridismo, mercados informais, imigração.

ABSTRACT: This paper aims to present a discussion about the hope in the environment of the Murid diaspora in Caxias do Sul, Brazil. The Murid is a Sufi Muslim Brotherhood originated in Touba, Senegal, founded by the Prophet Cheikh Ahmadou Bamba (18501927) during the French colonial period, whose doctrine articulates Muslim faith and work in a practical way. They structure their diaspora in informal markets. The city of Caxias do Sul was established by Italian immigrants in the second half of the 19th century who came to Brazil because of policies that encouraged the immigration of Europeans. Because of this origin, the city presents the Italianity ethos, a set of values and practices that mixes Catholic faith and work. In this environment of similarities and differences, it will be analyzed how hope emerges from situations of faith, work, legality and morality among the involved subjects.

KEYWORDS: Hope, muridism, informal markets, immigration.

Introdução

A discussão que pretendo iniciar neste texto é sobre como a esperança está presente na diáspora de senegaleses mourides, uma fraternidade muçulmana sufi, em Caxias do Sul, RS. Estou envolvido com a imigração senegalesa desde 2014, quando conheci um imigrante mouride através de um aluno de inglês na faculdade que lecionava. Neste mesmo período, visitei a mesquita de Caxias do Sul para conhecer a comunidade muçulmana na cidade, religião que os senegaleses também comungam em sua vertente mouride. Desde então, entrei em um coletivo da cidade, fundada por um senegalês, onde promovemos aulas de língua portuguesa para os imigrantes, bem como eventos para a integração dos senegaleses na cidade da Serra Gaúcha. Nos diversos eventos do coletivo, me envolvi com outros senegaleses e conheci suas diversas experiências e trajetórias, em especial aquelas sobre os comércios informais de rua.

Ao longo do texto, apresentarei a esperança em três formas: enquanto uma projeção dos mourides baseada na experiência passada dos imigrantes italianos que constituíram a cidade; como uma forma de reorientação de conhecimento para a solução de problemas encarados tanto pelos mourides como pela população local que se solidariza com estes sujeitos; e como fonte de resiliência destes imigrantes africanos no contexto de diáspora em um local onde estes sujeitos passam por experiências de racismo e apreensão de mercadorias. Além disso, as dinâmicas da cidade de Caxias do Sul, uma cidade de formação italiana, produzem um ethos próprio da italianidade, que mistura religião e trabalho, o que contrasta com a própria ética mouride que também envolve a fé e o trabalho em seus próprios termos. Um dos campos de interação da italianidade caxiense e do mouridismo ocorre nas dinâmicas dos mercados de rua, onde os senegaleses vendem seus produtos e local que a legislação caxiense busca restringir estes comércios. Como a esperança é simultaneamente um objeto de análise e uma fonte de conhecimento ( Miyazaki, 2017), meu envolvimento com estes sujeitos permite testemunhar suas dificuldades, bem como me deixar afetar ( Favret-Saada, 2005) pelas suas próprias esperanças. Além disso, a fé possui um aspecto racional que se estrutura na esperança ( Ferrer, 2014). Enquanto um elemento para a construção de futuros, a esperança é coagente nestes exercícios imaginativos, emaranhando diversas áreas da vida. No caso deste texto, tais temas são economia e religião.

Para tratar desta discussão, apresentarei a cidade de Caxias do Sul com seu histó-rico e constituição, bem como explicarei as origens da fraternidade mouride e o histórico da diáspora global. Em seguida, discorrerei sobre como o trabalho entre estes senegaleses possibilita a infraestrutura necessária para o processo migratório, em específico Caxias do Sul, e como o trabalho, fé e moralidade se articulam nas práticas comerciais destes imigrantes. Ao longo do texto, buscarei descrever como a esperança se manifesta entre estes sujeitos nas diversas situações que o campo proporciona.

Apresentação da cidade e da migração

Mapa das regiões geográficas do Estado do RS, com destaque na Região Geográfica Intermediária de Caxias do Sul (verde) e no município de Caxias do Sul (laranja).
Figura 1
Mapa das regiões geográficas do Estado do RS, com destaque na Região Geográfica Intermediária de Caxias do Sul (verde) e no município de Caxias do Sul (laranja).
Fonte: IBGE (2017). Cores alteradas pelo autor.

Caxias do Sul é uma cidade localizada na região da Serra Gaúcha, no estado do Rio Grande do Sul (Brasil). Foi constituída por imigrantes italianos e que, enquanto um polo econômico fora de uma região metropolitana, ainda recebe fluxos de migração ( Herédia, 2011). De acordo com o censo realizado em 2010, 435.564 pessoas habitam na cidade, mas a estimativa do IBGE em 2017 é de 483.377 pessoas ( IBGE, 2018). Além disso, o município possui um PIB contabilizado em R$20.637.192, e um PIB per capta de R$43.460,17 em 2015 ( FEE, 2017; IBGE, 2018), o que torna Caxias do Sul a segunda maior cidade em economia e população do Rio Grande do Sul, ficando atrás apenas de Porto Alegre, capital do estado. É classificada como uma cidade média pelo IBGE 1 e possui uma grande atração de mão de obra já que a cidade possui uma formação industrial, o que “pode influenciar o crescimento de atividades no setor terciário, seja no comércio seja nos serviços” ( Herédia, 2011, p. 66). Esta influência do trabalho nos fluxos migratórios deve ser considerada pelo perfil econômico de Caxias do Sul, uma vez que “a mobilidade da população acompanha a divisão espacial da produção de mercadorias e serviços” ( Jardim; Barcellos, 2011, p. 44).

Os dados da população senegalesa em Caxias do Sul que apresento na tabela 1 são do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) e foram levantados em duas pesquisas: a primeira publicada como “ Migrações internacionais: o caso dos senegaleses no Sul do Brasil”, financiado pela FAPERGS, com as passagens de senegaleses registradas pelo CAM entre 2010 e 2014 ( Herédia; Pandolfi, 2015); e a segunda elaborada por Herédia e Gonçalves (coordenadora do CAM) publicado na obra “ A imigração senegalesa no Brasil e na Argentina: múltiplos olhares”, organizado pelo Núcleo de Estudos de Memória e Cultura (NEMEC) da Universidade de Passo Fundo ( Herédia e Gonçalves, 2017).

Tabela 1
População senegalesa registrada pelo CAM - Caxias do Sul
População senegalesa registrada pelo CAM - Caxias do Sul
Fonte: Elaborado a partir de Herédia e Gonçalves (2017), e Herédia e Pandolfi (2015).

Os dados levantados pela CAM mostram uma imigração composta por homens solteiros, entre 26 e 35 anos, com ensino fundamental incompleto. Este perfil majoritariamente masculino da diáspora reforça o argumento de agência dos homens e subserviência das mulheres. Contudo, as esposas possuem um papel necessário para a articulação dos processos migratórios. Como será visto, os homens são aqueles que se projetam na diáspora, e esta atitude é fundamentada pela relação de mestre e discípulo. Por outro lado, o estabelecimento das redes é resultado dos casamentos com brasileiras (ou outras pessoas com cidadania no país-destino), ou pela vinda das próprias esposas senegalesas que passam a ter seus filhos no Brasil. No caso do Rio Grande do Sul, estes descendentes são chamados de “senegaúchos”, neologismo que une o gentílico “senegalês” com “gaúcho”, aqueles que nascem no estado brasileiro. Tanto os casamentos quanto as crianças facilitam o acesso à cidadania brasileira, uma vez que os vistos, em sua maioria, possuem um caráter temporário.

A italianidade: fé e trabalho em Caxias do Sul

A formação econômica e o desenvolvimento urbano de Caxias do Sul podem ser resumidos em cinco momentos ou etapas ( Herédia, 2011). A primeira etapa inicia em 1848 por meio da Lei Geral nº. 514, em que o governo brasileiro concedeu 36 léguas quadradas de terras devolutas 2 para cada uma das províncias, sendo destinadas com exclusividade à colonização, proibindo o trabalho escravo nestas localidades ( Brasil, 1848, art. 16). Buscando seu próprio projeto de colonização, o governo provincial de São Pedro do Rio Grande do Sul solicitou mais 32 léguas quadradas de terras devolutas ao império, totalizando 244.800 hectares de terras destinados à colonização e desenvolvimento da região ( Herédia, 2003). Através da Carta de Colonização da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (Lei Provincial nº 301), o governo provincial assumiu a obrigação de reservar terras para a colonização, demarcando a localização de futuras estradas, portos, e igrejas, além de auxiliar a vinda de colonos europeus, colaborando financeiramente para as passagens e estadias, bem como na venda dos territórios para os imigrantes. Estas terras eram priorizadas ao cultivo agrícola, tanto por brasileiros quanto por estrangeiros, podendo empregar mão-de-obra assalariada, mas não escrava, conforme a definição da própria Lei Geral (PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL apud Herédia, 2001).

A segunda etapa do desenvolvimento caxiense é o resultado do estímulo agrícola da região, pois como o projeto imperial de colonização buscava, além de garantir a soberania sobre territórios em disputa com países vizinhos e do “branqueamento da raça”, a criação de uma “fonte de abastecimento alimentar para o centro do país, carente em produtos alimentares básicos” ( Brandalise, 2010, p. 112-113), o desenvolvimento agrícola na região possibilitou o estabelecimento de Caxias do Sul como um entreposto comercial na Serra Gaúcha, o que fortaleceu o comércio e permitiu o desenvolvimento de pequenas indústrias. Na terceira fase, uma rápida expansão urbana resultante do êxodo rural no início da década de 1950 foi estimulada pela política desenvolvimentista brasileira que possibilitou o crescimento industrial da cidade, levando o reconhecimento de Caxias do Sul como um polo industrial (quarto momento), marcado pelos investimentos de capitais e pela importação de maquinários durante o regime militar. Por fim, o quinto e atual momento de desenvolvimento da cidade diz respeito ao crescimento do setor de serviços em paralelo da manutenção do setor industrial ( Herédia, 2011).

As raízes italianas de Caxias do Sul compõem parte da memória social da cidade que, antes da imigração colonial e da integração com outros municípios, estava isolada por conta da vegetação e pelas grandes altitudes. Este isolamento privilegiou a presença da Igreja católica, algo planejado no art. 3º da Lei Provincial nº 301, sendo priorizado pelos primeiros colonos ( Herédia, 2001; Pace e Oro, 2010) . Logo, a religião se tornou uma forma de continuidade das tradições da Itália entre os imigrantes que, apesar de originarem de diversas localidades 3 no conturbado período do Risorgimento, possuíam a fé católica como um valor em comum ( Brandalise, 2010). Por conta das relações muito próximas entre catolicismo, ética do sacrifício, território, e cultivo de lavouras, ocorreu um círculo virtuoso entre trabalho e catolicismo ( Pace e Oro, 2010) na região da Serra Gaúcha, assim como Caxias do Sul. A isto, soma-se uma identidade nacionalista italiana e de um imigrante que deveria ser ordeiro e trabalhador, que deve empreender para garantir o sustento da própria família em um país estrangeiro ( Brandalise, 2010), e que se reflete até hoje no intercâmbio industrial de matérias-primas com a Itália ( Pace e Oro, 2010). Esta etnicidade se mescla com a religiosidade no cotidiano da cidade e da região, em especial na romaria de Nossa Senhora de Caravaggio, que ocorre na cidade vizinha de Farroupilha sempre em 20 de maio ( Lopes e Silva, Da, 2013), e na Festa da Uva, evento bianual que ocorre em Caxias do Sul, com um desfile que rememora a imigração italiana e a igreja católica ( Santos, 2015). Estes eventos renovam os signos católicos e italianos, incluindo santos, capitéis, santuários, sobrenomes de famílias, bebidas e alimentos, produzindo uma amálgama entre fé católica, língua italiana e ética do trabalho empreendedor que não pode falir é o que compõe o ethos da italianidade.

A italianidade é um conjunto de valores e comportamentos que “valorizam a vida restrita ao trabalho, a capacidade de empreender e de sempre querer mais bens materiais” ( Kanaan, 2011, p. 98). Estas “virtudes auto-atribuídas” ( Kanaan, 2011, p. 96) pelos descendentes dos imigrantes de italianos da Serra Gaúcha são frutos do histórico de desenvolvimento na região, onde estes sujeitos (os “italianos”) julgam ser agentes por tal desenvolvimento. De fato, a memória coletiva da italianidade passa pela construção de um mitológico self-made man colono, que desbravou e domou as terras, onde a principal razão para este sucesso foi um esforço, uma vontade de trabalhar que é oriunda da ‘raça’. Este raciocínio era reforçado pela manutenção cultural promovida pela Igreja, sempre fortalecendo a comunidade ( Brandalise, 2010).

Por conta deste imaginário de grande apego ao território e à identidade de origem europeia, os italianos e seus descendentes eram vistos com bons olhos pelas políticas de Mussolini, especialmente para uma expansão da Itália ( Brandalise, 2010). Estas valorizações da italianidade e da “raça” italiana empreendedora são parte da xenofobia e do racismo que ainda existem na cidade. Por exemplo, os “brasileiros”, migrantes do próprio Brasil que não ultrapassam uma fronteira nacional ou linguística, ou seja, pessoas de outras localidades do país, são julgados de forma negativa pelos descendentes de italianos por não cultivarem os mesmos valores, sobretudo a disciplina pelo trabalho ( Kanaan, 2011). A experiência do racismo é constante entre os senegaleses, sendo noticiado em diversas matérias jornalísticas4 ( Pioneiro, 2017; Santana, 2014; Tonetto e Andrade, 2016a). Uma das situações mais marcantes foi quando Alceu Barbosa Velho, ex-prefeito de Caxias do Sul, chamou os imigrantes senegaleses e haitianos de “bando”, fato que causou bastante controvérsia, inclusive com o envio de uma carta de antropólogos expondo que “esse modo [do ex-prefeito] de perceber os imigrantes insere-se numa longa história de violência, xenofobia e discriminação” (FELDMAN-BIANCO, LIMA apud Tonetto e Andrade, 2016b). O Ministério Público Federal do município abriu um inquérito civil para avaliar a postura do ex-prefeito ( MPF RS, 2016). Estas e outras situações demonstram um esquecimento dos caxienses sobre as dificuldades que seus antepassados sofreram quando atravessaram o Atlântico há mais de um século, tal qual os senegaleses fazem atualmente ( Herédia, 2017). Ao mesmo tempo, os valores do trabalho da italianidade também são fonte de superação deste mesmo preconceito, uma vez que o esforço laboral dos imigrantes senegaleses se torna uma virtude reconhecida pelos empresários da Serra Gaúcha5.

De acordo com os senegaleses, o preconceito ocorre nos registros de racismo e xenofobia. Tanto no noticiário quanto de acordo com meus interlocutores, a religiosidade pouco aparece nestas situações. A justificativa é que todos os eventos religiosos (em especial o Magal Touba) são apresentados como eventos da cultura senegalesa. Por outro lado, transeuntes confundem o uso de cordões de contas ( misbaha) para oração ( dhikr) com rosários cristãos.

Neste relato de Cheikh, do coletivo Ser Legal, é perceptível a valorização do esforço pelo trabalho apesar dos preconceitos. Durante esta entrevista, estávamos caminhando pelas ruas de Caxias do Sul quando ele entrou em um salão de beleza para entregar alguns cartões de visitas de sua agência gráfica ( La Vision), oferecendo serviço para a produção de banner e panfletos para o salão. Perguntei ele sobre esta tática de prospecção e como era a recepção dos possíveis clientes caxienses:

Imagina, um cara vem lá da África, veio aqui, numa cidade gringa, começando a trabalhar como designer... Mesmo sabendo seu trabalho, as pessoas não confiam, entende?... Então era muito difícil. Eu saía e andava de porta em porta, com meu catálogo. Às vezes tu entra, pisa o pé e te mandam sair... Não que digam “saia”, mas falam de um jeito que é “ah, é pra tu sair”. E às vezes tu entra num lugar e ficam emocionados assim, tipo, ficam achando legal um cara vindo de lá e começa a trabalhar nisso. E começam “ah, eu quero sim, me mostra teu trabalho”. Então consegui muitos trabalhos, muitos, muitos... consegui fazer bastante coisa pro pessoal daqui de Caxias [do Sul] (Diário de Campo, entrevista no dia 5 de maio de 2018).

Acredito que este seja o primeiro elemento para compreender a esperança entre os mourides que vêm a Caxias do Sul. Ainda que o racismo seja flagrante para estes sujeitos, o apreço pelo trabalho é tão relevante quanto. Não apenas isto: da mesma forma que os colonos italianos se estabeleceram e se desenvolveram na Serra Gaúcha, espera-se o mesmo destes imigrantes do século XXI. Esta expectativa baseada em experiências anteriores é uma das fontes de esperança para serem analisadas ( Guyer, 2017). No entanto, a experiência do êxodo italiano é profundamente diferente da diáspora senegalesa. Para que isto seja compreendido, é necessário conhecer a fraternidade mouride.

Histórico migratório da fraternidade mouride

Mapa de Senegal, com destaques na Bacia do Amendoim (vermelho), região de Diourbel (laranja) e na cidade sagrada de Touba (verde).
Figura 2
Mapa de Senegal, com destaques na Bacia do Amendoim (vermelho), região de Diourbel (laranja) e na cidade sagrada de Touba (verde).
Fonte: ONU (2004) e Havard (1988). Cores alteradas pelo autor.

A confraria Muridiyya origina-se entre camponeses wolof, grupo étnico muçulmano senegalês, durante a conquista colonial francesa no final do século XIX. Foi fundada por Cheikh Ahmadou Bamba (1850-1927), um líder espiritual senegalês que ficou exilado de 1895 a 1902 sob a acusação de proselitismo religioso na colônia ( Babou, 2007; Sy, 1969). Em Touba, cidade sagrada fundada por Bamba, há uma mesquita onde estão os restos mortais do profeta e mais de sete toneladas de manuscritos das khassida, poemas corânicos escritos pelo líder religioso por onde sua doutrina foi registrada em wolofal, uma escrita inspirada no árabe (ajami) para a transliteração do wolof ( Ngom, 2010). Estas khassida contém diversos ensinamentos religiosos práticos para os mourides, como posturas, códigos de condutas e interpretações do Alcorão ( Bava, 2005). Enquanto muçulmanos, os mourides praticam a sua fé por meio dos cinco pilares do islã e entoando as khassidaes em cerimônias religiosas ( Bava; Gueye, 2001; Dang, 2013; Rossa; Santos, 2017; Sy, 1969). O principal destes eventos é o Magal Touba, marcado anualmente pelo dia 18 de Safar do calendário muçulmano, quando Bamba se entregou para o exílio no ano de 1313H, data que corresponde a 10 de agosto de 1895 ( Dang, 2013; Diaz, 2017; Rossa e Santos, 2017).

Durante o período colonial francês, os mourides organizaram-se em torno da produção de amendoim, cujo óleo era utilizado pela metrópole. Assim, o grupo adquiriu uma grande influência dentro da colônia, principalmente por conta do vácuo de poder causado pelo desmantelamento da hegemonia das classes reinantes antes da conquista francesa ( Diouf, 2000; Sy, 1969). Apesar da desconfiança inicial com os mourides por conta da religiosidade, que causou o exílio de Bamba, houve cooperação deste grupo com as autoridades coloniais francesas. A moral religiosa da confraria, marcada pela ética do trabalho braçal como uma forma de salvação e a disciplina entre o marabout (mestre) e talibe (discípulo) nas daara (escolas corânicas) ( Diaz, 2017; Ebin, 1995; Sy, 1969), foi que permitiu a constituição dos mourides como os principais produtores de amendoim na região da Bacia do Amendoim ( Diouf, 2000; Sy, 1969). Esta relação de mabout e talibe é a base da organização mouride, uma vez que o discípulo busca adquirir baraka (bênção) do marabout em troca de serviços e trabalhos. A entrega absoluta do talibe é chamada de diébalou em wolof (submissão voluntária), onde há uma reciprocidade de dom e contradom destas partes ( Sy, 1969). Esta dinâmica é tão poderosa que as congregações de talibes de um mesmo marabout, as dahiras (associações religiosas), são as principais formas de organização de mourides fora do Senegal. Caso um talibe precise se retirar da daara, um de seus descendentes (normalmente o filho) assume seu lugar, o que reitera a importância do diébalou sobre a família do mouride como núcleo formador da sociedade ( Sy, 1969).

Ao concentrarem o controle da produção agrícola industrial, os membros da confraria mouride também participavam da distribuição de manufaturados nas áreas rurais de Senegal, além de ter uma fartura de alimentos, o que atraiu pessoas de outras castas da colônia, como joalheiros, tecelões e griots ( Diouf, 2000). A expansão da confraria mouride através de mercadores permitiu um êxodo rural e a multiplicação das dahiras para o contexto urbano senegalês ( Diouf, 2000). Atualmente, a principal região de partida de imigrantes em Senegal é na Bacia do Amendoim, local onde se localiza Touba ( Sakho et al., 2015 ; Sakho, Diagne e Sambou, 2017).

Esta rede articulada pela fé muçulmana e pelo trabalho reforçou uma hegemonia política e econômica mouride na colônia. Ainda que a confraria se mantivesse essencialmente rural ( Diouf, 2000; Sakho et al., 2015), a diversificação econômica da Bacia do Amendoim ocasionada pelas migrações internas é o que permite a acumulação de capital para a diáspora ( Bignebat e Sakho-Jimbira, 2013). A partir da década de 1970, por conta de secas e outras crises relacionadas à independência de Senegal, iniciou um movimento de emigração para a antiga metrópole, em um primeiro momento, onde as populações organizaram-se em zonas industriais francesas ( Diouf, 2000; Sakho et al., 2015 ), e em um segundo momento, para outros países como Itália e Espanha, caracterizado pelas economias informais, onde o comércio de produtos como relógios, bijuterias, roupas e brinquedos permitem uma rápida liquidez monetária e, por fim, o envio de dinheiro daqueles que estão no exterior para as famílias em Senegal. Nas cidades com mourides é formada uma dahira, o que estabelece uma infraestrutura transnacional ( Smith e Guarnizo, 1998) que permite o deslocamento de pessoas por esta rede solidária de trocas políticas, econômicas e religiosas ( Diaz, 2017).

O trabalho movendo a migração

A chegada de senegaleses a Caxias do Sul iniciou em 2012, mas há registros da vinda destes imigrantes desde 2000 em Passo Fundo, RS ( Herédia e Pandolfi, 2015). A principal forma de entrada no Brasil é através da solicitação de refúgio, tal qual ocorre com a migração de haitianos, possibilitada pela flexibilidade da legislação que permite um acesso imediato à documentação para a entrada no mercado de trabalho (CPF e Carteira de Trabalho). Contudo, por não existir qualquer tipo de perseguição aos senegaleses que vêm ao Brasil, os pedidos de refúgio são indeferidos, e a situação destes sujeitos passa a ser analisada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) para encontrar uma forma de regularização. De um modo geral, a concessão de permanência a senegaleses é feita por questões humanitárias, ainda que não exista uma legislação apropriada para regulamentar os vistos destes imigrantes ( Mocellin, 2015).

Independente da forma de entrada no Brasil, a maioria dos imigrantes senegaleses são homens que eram comerciantes em Senegal e vêm ao país à procura de trabalho e de melhores condições de vida. Estas buscas, juntamente com o desconhecimento da legislação do país, colocam estes sujeitos em situações de trabalho informais e precários, expondo-os à insalubridade, baixos salários e cargas horárias intensas ( Herédia e Pandolfi, 2015; Herédia e Tedesco, 2015). Além destas questões, também existe uma barreira linguística. Ainda que os imigrantes senegaleses falem francês e árabe, não é incomum encontrar sujeitos com domínio em inglês e mais outros idiomas ( Herédia e Tedesco, 2015), mas pouquíssimos chegam em Caxias do Sul conhecendo o português, o que acaba fazendo com que a entrada no mercado de trabalho seja em setores onde o idioma não seja essencial, como a construção civil, indústria metalomecânica e frigoríficos. No caso deste último, os senegaleses muçulmanos que acabam trabalhando em frigoríficos para abate de frango, visando cumprir as exigências da certificação Halal, carne sacrificada para o consumo muçulmano, e assim exportar para países árabes ( Herédia e Tedesco, 2015; Tedesco, 2017). Pela natureza do trabalho, os abates dos frangos são todos braçais, com a degola feita em um único movimento para que o animal morra rapidamente, seguido de uma sangria completa, tudo em nome de Deus para que o alimento seja apropriado para o consumo muçulmano ( Tedesco, 2017). Nestes ambientes de trabalho, há diversos problemas de segurança, insalubridade e jornadas duplas ou triplas, mas a necessidade da segurança de um emprego faz com que os imigrantes aceitem tais condições ( Herédia e Tedesco, 2015).

Quando veio para o Brasil em 2010, Cheikh encontrou trabalho como designer gráfico, sua formação, em Minas Gerais, porém a barreira linguística impediu que continuasse neste trabalho. Por conta disso, ele acabou indo trabalhar em um frigorífico e na indústria mecânica, apesar de não ser a sua profissão em Senegal.

Não sabia falar nada de português, então não deu certo. Daí tive que sair [da agência de design em MG]. Aí meu irmão disse pra mim: “Então, o que tu tem que fazer, trabalhar em algum lugar que não precise falar português”, tipo produção, né. Naquela época tinha bastante emprego em Paraná, em Carambeí. Fiquei lá, trabalhei três meses, aí deu problema lá na turma, na produção, aí mandaram [embora] muita gente, mesmo quem não tinha culpa, e me mandaram embora junto. Saí de lá e voltei pra Minas, e... eu não gostava de trabalhar também lá porque não era o meu trabalho. Foi a primeira vez que peguei um frango e matar o frango né... eu disse “isso não é a minha profissão”. Eu tenho a experiência de designer e tal, mas não podia fazer isso porque não falava português (Diário de Campo, entrevista no dia 5 de maio de 2018).

A outra forma de trabalho entre os imigrantes senegaleses é o comércio informal nas ruas, onde eles atuam como vendedores ambulantes. Conforme já mencionado anteriormente, os comércios ambulantes de senegaleses são uma forma imediata de monetização, permitindo o envio de dinheiro para as famílias em Senegal. Entre os imigrantes, é esperado que um senegalês vá trabalhar como vendedor ambulante, mesmo que tenha carteira assinada ( Mocellin, 2017). Ainda que exista um reconhecimento ético pelos empresários de Caxias do Sul, é interessante analisar o endurecimento legislativo em torno dos mercados informais. O Código de Posturas do município de Caxias do Sul (2010) prevê as normas para o comércio ambulante, exigindo uma licença para o exercício da atividade, além do risco de apreensão das mercadorias. A partir de novembro de 2013, uma alteração em dispositivos legais dificultou a recuperação dos itens apreendidos, sendo exigido o pagamento de multa e a apresentação de uma nota fiscal dos produtos em um formulário para esta finalidade. Em 2017, foi iniciada uma rotina da Guarda Municipal para a fiscalização dos comércios informais (e ilegais) no centro da cidade, chamada “Operação Centro Legal”, atendendo pedidos do Sindicato dos Lojistas ( Prefeitura de Caxias do Sul, 2017a, 2017b; Tonetto, 2017). Um fenômeno semelhante foi observado na Itália, onde grupos de lojistas se articularam de modo a combater vendedores ambulantes que eram, em sua maioria, imigrantes senegaleses considerados como um perigo econômico e cultural pelos locais, através de legislações que tornavam o trabalho como irregular ( Riccio, 1999).

Nos dois casos apresentados, o combate do comércio ambulante é feito por dispositivos legais que afetam a formalidade do trabalho (Hart, 2010). Sob o ponto de vista dos grupos lojistas que se apoiam na legislação municipal, estes comércios de rua dos senegaleses são ilegítimos e devem ser combatidos. Ao mesmo tempo, os mourides veem a prática como legítima, tanto que circulam pelas ruas de Caxias do Sul oferecendo panos de prato, roupas, meias, brinquedos, relógios e bijuterias, mas sempre cuidando para que seus produtos não sejam apreendidos. Esta (i)licitude do comércio informal de rua ( Ribeiro, 2010), que muda de natureza conforme a percepção dos agentes envolvidos, dinamiza a vida na cidade e altera a paisagem urbana: o que pode ser ilícito para alguns, como agentes legais e comerciantes formais, pode ser lícito e tolerável para outros, como os vendedores ambulantes e partes da sociedade civil ( Ribeiro, 2006, 2010). Na avenida Júlio de Castilhos, principal via que cruza a cidade, os mourides se posicionam em diversos locais, expondo seus produtos sobre tecidos nas calçadas, em aramados que carregam com facilidade, em maletas que se abrem por completo, em caixas de papelão que podem ser colocadas em caixas maiores. Seja qual for o método, este deve ser em um suporte que agilize a ocultação para os olhos da Guarda Municipal que ronda pela avenida em um carro caracterizado. A avenida Júlio é de mão dupla, mas estreitada pelos canteiros centrais dispostos ao longo de toda a via, tornando-a larga o suficiente para que exista apenas uma fileira de veículos para cada direção da avenida, tornando o seu trânsito lento o suficiente para que a viatura da Guarda Municipal seja avistada pelos comerciantes mourides. Estes, por sua vez, se informam através de smartphones, ocultam seus produtos e aguardam pela passagem do veículo fiscalizador para que, em seguida, exponham a mercadoria para a venda. Quanto à Guarda Municipal, seus agentes só podem apreender os produtos vendidos ilegalmente quando vistos em flagrante. Tais estratégias corporais se repetem ao longo da diáspora. Na etnografia de Césaro e Zanini (2018), os autores mostram são as dinâmicas do comércio de rua senegalês em Santa Maria, cidade no centro do RS. Os vendedores tecem as relações com a fiscalização municipal, com a clientela transeunte e com outros comerciantes locais, configurando tais espaços comerciais. Nesta esfera, as relações transnacionais são materializadas nas performances de negociação e de “mercantilização da religião e da cultura” ( Monteiro, 2018, p. 228).

A natureza (i)lícita do comércio de rua, sob o viés da aceitabilidade social por ser um trabalho informal de sujeitos que passam por dificuldades, permite a criação de redes de apoio entre a dahira e setores da sociedade. Um caso concreto é o de D., um senegalês de 34 anos que mora em Caxias do Sul há dois, que já teve suas mercadorias apreendidas pela Guarda Municipal diversas vezes. Eu o conheci em uma situação bastante complicada, quando suas mercadorias haviam sido apreendidas no dia anterior. A situação de D. e sua esposa, W.6, então grávida de gêmeos, forçou-os a serem despejados da moradia. Ousmane, um artista plástico que vende suas pinturas e esculturas na praça Dante Alighieri, no centro absoluto de Caxias do Sul, entrou em contato com o coletivo que faço parte para podermos auxiliar D. e W. Enquanto residentes de Caxias do Sul, contatamos facilmente uma agência imobiliária para encontrar uma residência para o casal, levantamos fundos para o pagamento do primeiro aluguel, aquisição de gás e alimentos. Os membros da dahira, por sua vez, se articularam para conseguir móveis, fogão, geladeira e roupas para o casal. Quando as crianças nasceram, esta rede composta de mourides da dahira e brasileiros que se solidarizam com os imigrantes senegaleses retornou para presentear a família. Até o momento em que escrevo, ele trabalha com carteira assinada. Todavia, o casal ainda necessita complementar a renda com o comércio ambulante de roupas e eletrônicos, sempre correndo o risco de uma nova apreensão de mercadorias. As resoluções para o problema dos mercados informais não podem expor os que vivem deste modelo econômico a situações como a marginalização e a pobreza ( Fountaine e Weber, 2011), algo que não se observa na legislação caxiense contemporânea, mas que foi muito estimulado nas legislações imperiais do século XIX.

As situações apresentadas, como as dinâmicas de proteção dos vendedores mourides e as redes de auxílio de senegaleses e brasileiros, permitem observar a esperança enquanto uma forma de adaptação às situações adversas, justamente pelo fato que a esperança é uma forma de reorientação do conhecimento, um estímulo imaginativo para buscar soluções ( Miyazaki, 2006, 2017). Nestes casos apresentados, a esperança não está restrita aos mourides, mas também é observável naqueles que cultivam laços de solidariedade e empatia com estes estrangeiros, uma vez que todos podem ser envolvidos para a resolução dos problemas que surgem no quotidiano da diáspora.

Trabalho como uma forma de louvor

Sobre o trabalho, os mourides possuem uma ética laboral muito bem marcada, característica que foi devidamente explorada durante o período colonial francês, de modo que o próprio trabalho é uma forma de devoção ( Mocellin, 2017). Além disso, o trabalho voluntário dos devotos permitiu o desenvolvimento de Touba, bem como a doação de dinheiro pelos fiéis ( Dang, 2013). Existem duas máximas mourides que definem isto. A primeira pode ser traduzida como “Trabalhar é uma forma de louvar a Deus” e a segunda como “Trabalhe como se você nunca fosse partir deste mundo, mas reze como se você fosse morrer amanhã”. Nos escritos de Bamba (as khassidas), o verbo trabalhar costuma aparecer em três formas: khidma, amal e kasb ( Babou, 2007). A primeira ( khidma) significa um trabalho ligado à comunidade, buscando ser útil e voluntarioso. A segunda forma ( amal) traduz o trabalho, o labor, tanto no sentido da atividade quanto em um aspecto espiritual. Em outro ensinamento de Bamba, “A ciência e o trabalho são os caminhos para a felicidade eterna”, a palavra trabalho é amal. Por fim, o terceiro termo, kasb, significa o trabalho para viver, ou seja, o trabalho envolvendo lucro em si, mas não necessariamente a usura, que é pesadamente condenada no Corão, vide os versículos 2:275-2777, e a lógica por trás disto é que toda a criação é de Allah, e apenas Allah pode “lucrar” com Sua criação desta forma. Assim, é possível compreender esta ética do trabalho em três níveis: um nível individual mundano ( kasb), onde o muçulmano possa ter condições de sobreviver; um nível espiritual ( amal), onde será possível cultivar fé e entrar em contato divino; e um nível coletivo ( khidma), voltado à comunidade, que permitem o desenvolvimento da dahira ( Sow, 1998).

Estas prescrições não são de exclusividade muçulmana mouride. Em uma empresa estatal indonésia, pode-se observar uma reorientação na rotina empresarial pelo reforço da doutrina muçulmana entre os gestores e funcionários, conforme treinamentos feitos no local por uma agência de coaching. A partir desta situação, Rudnickyj (2009) discute como as éticas do Islã e do capitalismo na Indonésia se unem em assemblage ( Ong e Collier, 2007) para formar uma economia espiritual. Assim, o autor busca demonstrar como a fé pode catalisar transformações econômicas neoliberais, partindo do microcosmo da empresa e desdobrando-se para o reforço de políticas de liberalização econômica e privatização da estatal. Estas mudanças partem dos treinamentos promovidos pela agência de coaching, que mescla práticas muçulmanas com posturas empresariais, possibilitando que as formas de gerenciamento e conhecimento religioso mobilizaram a criação de um novo estilo de vida e de trabalho, onde o trabalho em si é matéria de cunho religioso para este “trabalhador devoto” ( worshipping worker) ( Rudnyckyj, 2009).

A ética de trabalho muçulmana vista na economia espiritual indonésia pode remeter à ética protestante do trabalho descrita por Weber (2010), mas há duas diferenças fundamentais. A primeira é que a ética protestante possui uma relação não intencional com o trabalho, diferente de um esforço ativo promovido pelos treinamentos da ESQ. A segunda diferença é a relação com Deus. No Protestantismo, Deus é uma figura muito distante, diferente de Allah que está constantemente com seus fiéis. Entre mourides, grupo de muçulmanos sufi senegaleses, a devoção a Deus pelo trabalho também é recorrente, assim como a onipresença de Allah ( Bava, 2003; Rudnyckyj, 2009). Apesar destas distinções, as éticas protestante e muçulmanas (com ênfase ao mouridismo) manifestam-se no “espírito” capitalista e no modo de trabalho deste sistema econômico uma vez que ambos assumem o trabalho como uma forma de devoção, um estilo ascético de manifestação divina ( Weber, 2010).

Esta moralidade do trabalho também permite que os senegaleses tenham uma vida regrada e evitem práticas criminosas que poderiam trazer dinheiro com facilidade. Estas práticas são aquelas que envolvem algum nível de violência, como tráfico de drogas e assaltos, e que fogem do registro do (i)lícito, que podem ser relativizadas pelos agentes e testemunhas ( Ribeiro, 2010), mas são explicitamente imorais tanto na legislação dos homens quanto nas leis de Deus. Este dinheiro de origem pecaminosa ( haram) é um dinheiro ruim e não deve ser buscado, mesmo nos momentos mais difíceis. No caso, o comércio praticado por estes sujeitos é classificado como ilegal pela legislação de Caxias do Sul, mas não é um crime pela lógica mouride. Esta moralidade do dinheiro fica muito clara na fala de Ousmane:

Tem que ter coração bom e fé. E esperar por Deus. Mas não pode roubar, não pode fazer coisas más, não pode matar, não pode fazer coisa ruim pra ganhar dinheiro. Tem que fazer as coisas certas pra ganhar dinheiro. Eu vou esperar que Deus faça coisa certa para eu ganhar meu dinheiro. Eu não quero fazer uma coisa ruim pra ganhar dinheiro. Este é um dinheiro mal, um dinheiro feio. Eu não quero. Eu quero um dinheiro legal. Essa é minha vida, esse é o meu objetivo. Não sei quanto tempo eu vou esperar pra ganhar bastante, mas eu vou esperar. Eu não vou lá pra fora [ sair de Senegal] pra vender má coisa, pra vender maconha ou pra vender droga pra ganhar dinheiro, eu não vou fazer isso. Eu vou trabalhar certinho pra ganhar minha vida. E eu vou esperar também. Tem que esperar... (Diário de Campo, entrevista no dia 5 de maio de 2018).

Seguir este código com rigor garante que os imigrantes adquiram seu dinheiro de maneira correta e auxilia a passar pelas dificuldades que são todas passageiras. Não que a desgraça seja de fato alguma forma de teste divino, mas porque aquele não é o momento que Deus queira que algo aconteça. Por exemplo, a respeito da procura por suas pinturas, Ousmane me disse que não é ele quem vende, mas Deus que vende. “Se Deus quiser, nós vamos vender bastante. Se Deus não quiser, não vai vender nada. Tem que esperar Deus”. Ainda que seja Deus e não Ousmane que faça a venda, é necessário que ele sempre esteja com seus produtos à venda na praça.

Todo o dia tem que sair de casa. Não dá pra ficar parado, ficar em casa sem fazer nada. Isso é uma coisa feia Todo o dia eu tô saindo de minha casa. Eu fiquei o dia inteiro aqui hoje. Minha esposa também fica o dia inteiro. Foi ruim, mas está tudo certo. Hoje não bom, mas amanhã vai ficar legal. Mas esse é um caso do coração (Diário de Campo, entrevista no dia 5 de maio de 2018).

Esta resiliência pela fé é um tipo de esperança que reorienta positivamente o conhecimento para um futuro próximo ( Guyer, 2017; Miyazaki, 2006). Retomando Ferrer (2014), fé e esperança são necessárias para alcançar a completude com Deus. Se o amor divino se manifesta na bem-aventurança das daqueles que possuem retidão nas atitudes, e como o trabalho mouride é uma forma de demonstração de fé, a expectativa de crescimento só é tangível enquanto a religiosidade compõe o trabalho e vice-versa. Assim, a performance da fé não está somente nos Cinco Pilares do Islã, mas extrapola em todos os aspectos da vida, misturando-se com as economias e políticas da diáspora, inclusive com todos os reveses que possam surgir.

Cheikh me disse que toda a dificuldade é passageira e que, enquanto estiver fazendo o que for correto, fazendo coisas boas, haverá bons resultados. “Pode acontecer muito tarde, mas o dia chega”. No dia em que eu o entrevistei, Cheikh passou a manhã acompanhando outro senegalês, residente no Brasil há onze anos, que veio do Paraná a Caxias do Sul para retirar um visto permanente, algo que ele não tinha mais esperança em receber.

Você tem que buscar, ir atrás daquilo que você quer, e ter a esperança que pode acontecer. Se não acontecer, é porque não está no dia ainda. Hoje mesmo eu falei essa frase [batendo na mesa] que eu falei pra você agora, eu falei para esse meu amigo que veio de Paraná. Ele é a única pessoa que eu sei que tem mais tempo no Brasil do que todos nós. Ele faz onze anos que tá no Brasil, onze anos, eu não conhecia ele, mas com os amigos falando, ele veio a Caxias e me conheceu e daí fui ajudar ele, hoje é a terceira vez, que eu fui ajudar a conseguir documento. Então ele veio receber a carteira dele, permanente. E ele quase ia desistir, porque por onze anos não conseguiu. Hoje, hoje, hoje [batendo na mesa] que ele conseguiu. E eu dizia pra ele que um dia vai chegar, que não estava no dia ainda, e agora chegou o dia, e você tem um documento melhor do que de todos nós. Porque o dele é indeterminado, e ele nem sabia ler aquela palavra. Eu expliquei pra ele que indeterminado é que não tem determinação, que não tem data. O meu tem que esperar dez anos e tem que renovar. Então a gente acredita muito nisso: se não conseguir, é porque não tá na hora ainda, mas não quer dizer que eu tenha que desistir, tenho que ir atrás daquilo que eu quero (Diário de Campo, entrevista no dia 5 de maio de 2018).

Considerações finais

A esperança, da mesma forma que a religiosidade, é um objeto de pesquisa muito particular pois demanda um envolvimento afetivo daqueles que se interessam pelo assunto, permitindo tanto sua coleta quanto sua análise in loco sentimental. Esta emoção pode concertar diversos conhecimentos em direção a uma possibilidade imaginada, o que produz uma cosmologia de ações que envolve o local (destino) e o global (a diáspora como um todo). Logo, identifiquei a esperança na diáspora senegalesa em Caxias do Sul expressa de três formas distintas:

  1. 1. A expectativa dos mourides para terem bons resultados em Caxias do Sul, como uma forma de repetição do sucesso da imigração italiana constituído no imaginário da cidade. Neste caso, apresento o relato de Cheikh e sua trajetória de trabalhos no Brasil. Designer de formação no Senegal, ele encontrou dificuldades para trabalhar na área em Minas Gerais por não saber falar português, levando-o a trabalhar no setor da indústria metalomecânica e no setor alimentício no abate de frangos para carne halal. Atualmente, ele abriu sua própria empresa gráfica e oferece seus serviços em Caxias do Sul, onde ele admite que o reconhecimento dos caxienses de um imigrante que vem a trabalho se sobrepõem às constantes atitudes racistas e xenofóbicas que ele e outros senegaleses sofrem. Assim, da mesma forma que os colonos italianos se estabeleceram e se desenvolveram na Serra Gaúcha, espera-se o mesmo destes imigrantes senegaleses no século XXI. Esta expectativa baseada em experiências anteriores é uma esperança que busca repetir sucessos passados, buscando inspiração e referências nestes eventos ( Guyer, 2017).
  2. 2. A esperança como uma fonte criativa para resolver problemas, recurso utilizado tanto pelos mourides quanto pelos brasileiros que estão envolvidos com estes sujeitos, evidenciada nos mercados informais. Sob o ponto de vista dos grupos lojistas que se apoiam na legislação municipal, estes comércios de rua dos senegaleses são ilegítimos e devem ser combatidos. Ao mesmo tempo, os mourides veem a prática como legítima, tanto que circulam pelas ruas de Caxias do Sul oferecendo diversos produtos, mas sempre cuidando para que seus produtos não sejam apreendidos. Esta (i)licitude do comércio informal de rua ( Ribeiro, 2010), que muda de natureza conforme a percepção dos agentes envolvidos, dinamiza a vida na cidade e altera a paisagem urbana: o que pode ser ilícito para alguns, como agentes legais e comerciantes formais, pode ser lícito e tolerável para outros, como os vendedores ambulantes e partes da sociedade civil ( Ribeiro, 2006, 2010). As situações apresentadas no trabalho, como as dinâmicas de proteção dos vendedores mourides para ocultarem produtos e evitarem as apreensões destes pela Guarda Municipal do município, bem como as redes de auxílio de senegaleses e brasileiros, permitem observar a esperança enquanto uma forma de adaptação às situações adversas, justamente pelo fato que a esperança é uma forma de reorientação do conhecimento, um estímulo imaginativo para buscar soluções ( Miyazaki, 2006, 2017). Nestes casos apresentados, a esperança não está restrita aos mourides, mas também é observável naqueles que cultivam laços de solidariedade e empatia com estes estrangeiros, uma vez que todos podem ser envolvidos para a resolução dos problemas que surgem no quotidiano da diáspora.
  3. 3. A esperança constituída pelas boas práticas da fé, que fortifica os mourides nas situações mais adversas. Nas khassidas de Bamba, o verbo trabalhar costuma aparecer em três formas: khidma, amal e kasb, classificando o trabalho em um nível individual mundano ( kasb), onde o muçulmano possa ter condições de sobreviver; um nível espiritual ( amal), onde será possível cultivar fé e entrar em contato divino; e um nível coletivo ( khidma), voltado à comunidade, que permitem o desenvolvimento das dahira, as comunidades religiosas ( Babou, 2007; Sow, 1998). Além disso, a racionalidade da fé toma a forma da esperança ( Ferrer, 2014). A moralidade do trabalho como uma forma de louvor, sacralizando-a, também permite que os mourides tenham uma vida regrada e evitem práticas criminosas que poderiam trazer dinheiro com facilidade, porém de origem pecaminosa ( haram), o que torna este um dinheiro ruim e não deve ser buscado, mesmo nos momentos mais difíceis. No caso, o comércio praticado por estes sujeitos é classificado como ilegal pela legislação de Caxias do Sul, mas não é um crime pela lógica mouride. Para tanto, observo as falas de Cheikh e Ousmane, um artista que vende sua arte na praça central da cidade, onde ambos falam sobre como que a fé fornece uma resiliência, que é um tipo de esperança que reorienta positivamente o conhecimento para um futuro próximo ( Guyer, 2017; Miyazaki, 2006).

Naturalmente, é impossível esgotar os temas da imigração, do trabalho, da religiosidade ou da esperança neste campo. Por exemplo, as novas gerações “senegaúchas”, as estratégias de criação de novos mercados pelos imigrantes, e o planejamento dos Magal Touba em templos católicos são alguns assuntos que evidenciam como que fé, economia, identidade e etnicidade se relacionam. Sugiro que pesquisas futuras não tratem destes temas separadamente, mas de forma conjunta para integrá-los da mesma forma que os sujeitos da diáspora se integram às sociedades de seus destinos.

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Notas

1 Cidades com população entre 100 mil e 500 mil habitantes ( França, 2007).
2 De acordo com Cavalcante (2005, p. 4), “eram consideradas terras devolutas todas aquelas que não estavam sob os cuidados do poder público em todas as suas instâncias (nacional, provincial ou municipal) e aquelas que não pertenciam a nenhum particular, sejam estas concedidas por sesmarias ou ocupadas por posse”.
3 1.243.633 italianos vieram das regiões do Veneto (29,84%), Campânia (13,55%), Calábria (9,23%), Lombardia (8,65%), Abruzzo-molise (7,59%), Toscana (6,61%), Emilia-Romagna (4,89%), Basilicata (4,32%), Sicília (3,62%), Piemonte (3,29%), Puglia (2,84%), Marche (2,05%), Lazio (1,30%), Úmbria (0,96%), Ligúria (0,76%) e Sardegna (0,50%) entre 1876 e 1920 para o Brasil ( Pace e Oro, 2010, p. 85).
4 Algumas declarações de moradores caxienses sobre os imigrantes senegaleses e haitianos em uma reportagem veiculada no Fantástico: “Não acho justa a convivência deles aqui no meio da gente”; “Sem falar todas as doenças que eles estão trazendo”; “O pessoal daqui vai perder emprego por causa disso. Porque por qualquer mixaria eles estão trabalhando”; “Acho que inclusive até aqueles que estão vindo aqui têm que ir embora!” ( Santana, 2014)
5 Alguns relatos de empresários locais sobre este o trabalho dos senegaleses: “Os senegaleses são capazes. Por religião são honestos e trabalhadores. Já contratei dois na minha empresa”; “Os senegaleses são diferentes dos haitianos. Possuem uma cultura de migração em busca de trabalho. Os haitianos são migrantes que vieram ao Brasil devido ao terremoto”; “Quem discrimina a mão de obra senegalesa não tem noção do que é o mundo. A população que discrimina a mão de obra estrangeira não tem cultura” ( Herédia e Tedesco, 2015, p. 145-146).
6 A pedido destes interlocutores, os nomes foram suprimidos.
7 “Os que devoram a usura não se levantam senão como se levanta aquele que Satã enfurece com a loucura. Isto, porque dizem: “A venda (negociação) é como a usura”. Ao passo que Allah tomou lícita a venda e proibiu a usura. Então, aquele, a quem chega exortação de seu Senhor e se abstém da usura, a ele pertencerá o que se consumou e sua questão será entregue a Allah. E quem reincide, esses são os companheiros do Fogo. Nele, serão eternos. Allah extermina a usura e faz crescer esmolas. E Allah não ama a nenhum ingrato pecador. Por certo, os que creem, e fazem as boas obras, e cumprem a oração, e concedem o az-zakah, terão seu prêmio junto de seu Senhor; e nada haverá que temer por eles, e eles não se entristecerão” ( Nasr, 2015, 2:275-277).
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