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PADRES CURADORES: ENCONTROS ENTRE CATOLICISMO E HOMEOPATIA NO SUL DO BRASIL
Taylor de Aguiar; Carlos Alberto Steil
Taylor de Aguiar; Carlos Alberto Steil
PADRES CURADORES: ENCONTROS ENTRE CATOLICISMO E HOMEOPATIA NO SUL DO BRASIL
HEALER PRIESTS: ENCOUNTERS BETWEEN CATHOLICISM AND HOMEOPATHY IN SOUTHERN BRAZIL
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 22, pp. 1-20, 2020
Universidade Estadual de Campinas
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RESUMO: Este trabalho busca destacar as trajetórias de três padres que curaram com a medicina homeopática no Sul do Brasil entre o final do século XIX e o início do século XX: Padre João Pedro Gay (1815-1891), Frei Rogério Neuhaus (1863-1934) e Padre Roberto Landell de Moura (1861-1928). As práticas pastorais, terapêuticas e científicas destes religiosos se relacionam com distintos períodos históricos de afirmação da homeopatia no Brasil. Em uma pesquisa documental, centrada na análise de manuscritos e biografias dos três padres, procuramos perceber como se estabeleceram relações entre homeopatia, catolicismo e sociedade a partir de suas distintas maneiras de lidar com a cura. Nos caminhos traçados por estes padres curadores, religião, saúde, política e ciência se encontram sob o prisma da homeopatia. Com a incorporação legal da homeopatia no campo médico e as progressivas restrições à sua prática por não médicos, produziu-se um afastamento entre catolicismo e homeopatia no Brasil.

Palavras-chave: Catolicismo, homeopatia, cura, padres curadores, religião e medicina.

ABSTRACT: This work seeks to highlight the trajectories of three priests who cured with homeopathic medicine in Southern Brazil between the end of the 19th century and the beginning of the 20th century: Father João Pedro Gay (1815-1891), Frei Rogério Neuhaus (1863-1934) and Father Roberto Landell de Moura (1861-1928). The pastoral, therapeutic and scientific practices of these religious are related to different contexts and historical periods of affirmation of homeopathy in Brazil. From a documentary research centered on the analysis of manuscripts and biographies of the three priests, we seek to understand how relationships between homeopathy, Catholicism and society were established from their different ways of dealing with healing. In the paths traced by the healer priests, religion, health, politics and science meet under the prism of homeopathy. With the legal incorporation of homeopathy in the medical field and the progressive restrictions on its practice by non-doctors, there was a gap between Catholicism and homeopathy in Brazil.

Keywords: Catholicism, homeopathy, healing, healer priests, religion and medicine.

Carátula del artículo

Article

PADRES CURADORES: ENCONTROS ENTRE CATOLICISMO E HOMEOPATIA NO SUL DO BRASIL

HEALER PRIESTS: ENCOUNTERS BETWEEN CATHOLICISM AND HOMEOPATHY IN SOUTHERN BRAZIL

Taylor de Aguiar
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil
Carlos Alberto Steil
Universidade Federal de São Paulo, Brazil
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 22, pp. 1-20, 2020
Universidade Estadual de Campinas
Introdução

A relação entre religião e cura possui uma longa história de encontros e tensões. Quer nas práticas rituais ordinárias, que compõem a vivência cotidiana dos crentes, quer nos momentos extraordinários dos calendários festivos ou sacrificiais, fé e cura se entrelaçam, retroalimentando-se e legitimando-se mutuamente. Ao realizar-se no ambiente religioso, a cura geralmente se transforma em graça ou milagre, sendo associada aos poderes de deuses, santos e entidades que irrompem no mundo dos vivos. Ela também pode ser alcançada pela aproximação com homens e mulheres virtuosas, que se destacam em meio à comunidade dos fiéis, assim como pelo contato com objetos, materiais e artefatos que emanam energias e forças que os transcendem. A fronteira entre a cura propiciada por substâncias e elementos químicos e/ou naturais dos remédios e a intervenção sobrenatural é sempre imprecisa, estabelecendo uma zona nebulosa de interações e imbricações, onde a impossibilidade de demarcar uma linha precisa sobre estes domínios acaba por propiciar trocas enriquecedoras para ambos.

Adentrar esta zona nebulosa e chamar a atenção para o papel da cura como um evento tensional e comunicativo que conecta estes domínios - da religião e da medicina - é o que pretendemos realizar neste artigo. E o faremos a partir de um recorte histórico e biográfico em que a cura emerge na interface entre catolicismo e homeopatia. Para isto vamos seguir uma linha temporal, tomando como referência a prática da homeopatia por três padres que viveram no Sul do Brasil na segunda metade do século XIX e primeira metade do XX: Padre João Pedro Gay (1815-1891), Frei Rogério Neuhaus (1863-1934) e Padre Roberto Landell de Moura (1861-1928). Menos do que reconstituir ou interpretar a vida destes personagens nos contextos político e religioso da época, nosso escopo aqui é lançar - a partir de suas práticas pastorais, terapêuticas e científicas - algumas dúvidas sobre a abrangência das análises sociais que partem da premissa moderna da separação entre religião e saúde. Separação esta que, no caso que estamos a apresentar, expressa-se na necessidade de distinguir, na cura, o que seria graça/milagre do que resultaria de um processo natural de ordem médica. Ou seja, nosso olhar volta-se mais para a experiência do caráter complementar e “misturado” das curas do que para as linhas que pretendem demarcar a divisão e classificar estas práticas em esferas específicas.

Em sua estrutura, o artigo apresenta, primeiramente, o percurso dos autores na identificação da conexão histórica entre catolicismo e homeopatia, no âmbito de uma pesquisa mais abrangente que discutia a relação entre religião e materialidades no horizonte das epistemologias ecológicas. Em seguida, apresentamos um relato de como foi realizada a pesquisa, de que caminhos foram percorridos e de quais foram as possibilidades e os percalços que encontramos. No passo seguinte, traçamos um perfil dos três padres, destacando, de forma comparativa, os contextos em que atuaram. Na sequência, apresentamos o lugar que a homeopatia ocupou na atuação de cada um deles e as interfaces que estabeleceram com outros grupos sociais e religiosos que também a praticaram. Em vista de uma conclusão, refletimos sobre os desdobramentos da homeopatia no âmbito católico a partir da segunda metade do século XX.

O percurso dos autores

A pesquisa que originou este trabalho se impôs a partir de encontros ocasionais e inesperados que tivemos com o tema das relações entre homeopatia e catolicismo, no decorrer de outras pesquisas que desenvolvemos na área da religião. O primeiro encontro aconteceu ao revisitar o texto clássico de Duglas Monteiro, Os errantes do novo século (1974), quando pudemos nos deparar com o excerto transcrito abaixo:

Não deve ser por acaso que, ainda hoje, muitos católicos da região serrana partilham sua veneração entre Fr. Rogério e S. João Maria, e não casual também que em torno de ambos se tenha constituído uma lenda. Frei Rogério curava e dava remédios, como faziam os monges. É verdade que usava homeopatia e não garrafadas de ervas - mas seus confrades eram os primeiros a reconhecer a virtude espiritual de que fazia instrumento. […] Como João Maria e José Maria, Rogério é também figura central em prodígios mais extraordinários. ( Monteiro, 1974: 90)

O segundo encontro também ocorreu no âmbito da literatura, mas agora durante a leitura do livro A arte de curar versus a ciência das doenças, de Madel Luz (2013). Nesta obra, que se tornou um clássico no campo das ciências sociais da saúde, a autora apresenta uma extensa história da implementação e afirmação da homeopatia no Brasil. Ao reconstituir os primórdios da homeopatia neste país, a autora constata:

Deve ser salientado ainda que os homeopatas do período da implantação são, na sua maioria, cristãos católicos, contando inclusive com o apoio de padres, de ordens religiosas e de fazendeiros católicos. ( Luz, 2013: 117)

Um último encontro dos pesquisadores com o tema aconteceu numa visita ao Hospital Colônia Itapuã, uma antiga e desativada colônia para hansenianos localizada na zona rural de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre. O hospital funcionou de 1940, quando foi fundado, até o final dos anos 1960, quando a internação de pacientes portadores de hanseníase foi suspensa. O hospital contou com a assistência de religiosas da Congregação das Irmãs Franciscanas de Penitência e Caridade Cristã antes de passar totalmente para a administração do Estado ( Fontoura, Barcelos & Borges, 2003). Ao observar os objetos expostos num pequeno museu da Colônia, deparamo-nos com alguns números do Boletim de Homeopatia, publicado pela Liga Homeopática do Rio Grande do Sul (LHRS), o que nos levou a imaginar que as Irmãs talvez pudessem tratar os pacientes de hanseníase com homeopatia. No mesmo museu, encontramos um caderno de receitas médicas escrito à mão, usado pelas Irmãs no tratamento dos pacientes. Tivemos acesso a este material, mas, ao nos aprofundarmos nele, descobrimos que as receitas registradas no caderno eram de plantas fitoterápicas, sem qualquer referência ao uso da homeopatia.

Não obstante, ao ler um dos fascículos do Boletim de Homeopatia que se encontrava no museu, deparamo-nos com outra referência à relação da homeopatia com o catolicismo. Num breve texto escrito pelo padre beneditino D. Bento José Pickel, residente do Mosteiro de São Bento, em São Paulo, o religioso recomenda a homeopatia e afirma que o próprio Papa à época (Pio XII) fazia uso desta terapêutica:

A medicina homeopática, emanada do cérebro do genial médico Samuel Hahnemann, é uma conquista da terapêutica que atinge as raias do milagroso e do infalível pelas curas obtidas em casos desesperados e em doenças que pareciam ser incuráveis (…). Embora a alguns espíritos meticulosos ela pareça ser uma espécie de ocultismo ou espiritismo ou catimbó, nada tem de ver um com o outro. A Homeopatia é uma ciência, ela não é um truque. Por isso, todo católico pode curar-se pela Homeopatia: muitos padres se tratam com ela e o próprio Papa toma os remédios homeopáticos. (Boletim de Homeopatia, n. 45-46, Ano VIII, mar./jun. 1950: 20)

Mobilizados por estes achados inusitados, iniciamos uma pesquisa históricodocumental sobre a conexão entre homeopatia e catolicismo, primeiramente nos arquivos da Liga Homeopática do Rio Grande do Sul (LHRS) e posteriormente nos acervos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS). Concomitantemente, realizamos um levantamento sistemático da bibliografia sobre homeopatia e catolicismo. Como resultado, deparamonos com o trabalho de três padres que atuaram no Sul do Brasil e se destacaram no exercício da homeopatia entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX: Padre Gay, Frei Rogério e Padre Landell de Moura.

Os dados sobre Padre Gay foram encontrados nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Liga Homeopática do Rio Grande do Sul. Também contamos com a ajuda do trabalho da historiadora Beatriz Teixeira Weber, que realizou uma extensa pesquisa sobre este pioneiro da homeopatia no Brasil. Já a pesquisa sobre Frei Rogério teve como fonte principal a biografia escrita por Frei Pedro Sinzig, seu irmão de ordem, além da contribuição de Duglas Monteiro a que nos referimos anteriormente. A pesquisa sobre o Padre Roberto Landell de Moura foi realizada especialmente no Memorial Landell de Moura, em Porto Alegre, e contou com a colaboração de seu biógrafo Ivan Dorneles Rodrigues, importante interlocutor e guia pelo acervo de documentos, escritos e iconografias que se encontra depositado no Memorial.

Padre Gay esteve presente nos primórdios da implantação da homeopatia no Brasil, tendo participado, com Benoit Müre, da fundação do Instituto Homeopático do Brasil no Rio de Janeiro, onde chegou a ser professor. Mais tarde, incorporou em sua prática pastoral nas cidades gaúchas de Alegrete, São Borja e Uruguaiana, onde foi pároco, o atendimento aos doentes por meio da homeopatia. Seguindo a periodização proposta por Madel Luz, podemos afirmar que a atuação de Padre Gay atravessa os períodos da Implantação (1840-1859), da Expansão e Resistência (1860-1882) e da Resistência (1882-1900) da homeopatia no Brasil, cessando no ano de 1891 com sua morte ( Luz, 2013: 31-62). Os outros dois padres, Frei Rogério Neuhaus e Padre Landell de Moura, atuaram no período Áureo da homeopatia no Brasil (1900-1930).

Frei Rogério Neuhaus foi vigário de Lages, cuja paróquia se estendia pelos sertões do Planalto Catarinense. A população por ele atendida era composta, na sua grande maioria, por trabalhadores rurais empobrecidos pela expropriação de suas terras para a construção da estrada de ferro que ligaria São Paulo ao Sul do país, que deu origem à Guerra do Constestado ( Valentini e Radin, 2012). Em suas andanças pelo sertão, Frei Rogério confrontou-se com dois dos monges João Maria que peregrinavam pela região e disputavam com ele as almas dos deserdados do novo século ( Monteiro, 1974).

Bastante distinto é o contexto do padre cientista Roberto Landell de Moura, de formação jesuíta, que realizou seus estudos de Teologia e Filosofia em Roma e concluiu seu doutorado em Física e Química pela Universidade Gregoriana. Em seu trajeto de vida, este padre passou por Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Nova York, entre vários outros lugares, circulando por diversas áreas do conhecimento, entre as quais se incluía a homeopatia. Seu objetivo, como cientista e intelectual católico, era “desvendar os mistérios do ser humano”. Sua ação pastoral era exercida especialmente em seu Gabinete de Antropologia Experimental, onde, além de realizar suas pesquisas empíricas como cientista, atendia ao público que a ele acorria em busca de curas por meio de terapias alternativas e rituais que incluíam a hipnose, o transe, o exorcismo e a homeopatia.

Contextos comuns e diferenciados da atuação dos padres homeopatas
Um padre francês na Campanha Gaúcha

Iniciamos pelo Padre João Pedro [Jean-Pierre] Gay, sacerdote secular como o Padre Landell de Moura e missionário estrangeiro como o religioso franciscano Frei Rogério. Nascido na França em 1815 e ordenado sacerdote em 1840, Padre Gay chega ao Brasil em 1844, depois de uma passagem por Montevidéu. Seu porto de entrada é o Rio de Janeiro, onde atua como cônego honorário da Capela Imperial. É reconhecido por sua erudição como um homem letrado e de vasto conhecimento científico e filosófico. Sua biografia o destaca como linguista, geógrafo e historiador. É autor de dois livros de referência: História da República Jesuítica do Paraguai ( Gay, 1942), que o tornou sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e Invasão paraguaia na fronteira brasileira do Uruguai ( Gay, 1867), escrito no calor dos acontecimentos que ele presenciou em vida. No campo da linguística, Padre Gay escreveu um dicionário comentado da língua tupi em quatro idiomas. Seus escritos incluem ainda compêndios de história natural, relatos de pesquisa sobre a geografia e a geologia da região da Campanha e dezenas de textos e documentos, muitos dos quais se mantêm inéditos no acervo do IHGB ( Rupert, 1998; Weber e Silva, 2012). Parte significativa de sua produção, no entanto, foi destruída durante a invasão paraguaia a São Borja no ano de 1865.

Após sua passagem pelo Rio de Janeiro, Padre Gay é transferido, em 1848, para o Sul do Brasil, na região da Campanha Gaúcha, onde atua como vigário da paróquia de Alegrete, na divisa do Rio Grande do Sul com os países platinos. No ano seguinte, ele assume a paróquia de São Borja e lá permanece até 1874, quando se muda para Uruguaiana, onde reside até sua morte em 1891. Trata-se, portanto, de um sacerdote intelectual vivendo numa região de grande pobreza, agravada pela violência de uma das mais sangrentas guerras do continente latino-americano: a Guerra do Paraguai (18641870). Sua descrição das condições de vida dos paroquianos é contundente: em sua grande maioria, a população era analfabeta e estava destituída de qualquer assistência de saúde por parte do Estado. As igrejas estavam em ruínas, os cemitérios se encontravam abandonados e não se celebravam mais quaisquer festas religiosas nas capelas. Neste contexto, Padre Gay se distingue como intelectual e influente ator político, agindo a partir de seu lugar institucional como representante do poder eclesiástico.

Um missionário franciscano no Planalto Catarinense

Frei Rogério Neuhaus chega ao Brasil como missionário franciscano no ano da morte de Padre Gay (1891), tendo sido enviado inicialmente para atender imigrantes alemães no Sul do país que partilhavam com ele a mesma religião, nacionalidade e língua materna. Frei Rogério nasceu em 1863 num vilarejo da região da Westfália, na paróquia de Borken e diocese de Münster. Aos 17 anos, ingressou na Ordem dos Frades Menores de São Francisco, sendo ordenado sacerdote em 1881 ( Sinzig, 1939: 46). Dez anos depois, é designado pela Ordem para juntar-se às missões franciscanas que retornavam ao Brasil, após um longo período de restrições à atuação das ordens religiosas, impulsionadas pelo Marquês de Pombal a partir de 1759.

A porta de entrada de Frei Rogério no Brasil foi Salvador, na Bahia, onde chegou acompanhado de outros três sacerdotes e quatro irmãos leigos da ordem franciscana. O destino desta segunda leva de missionários franciscanos era a pequena colônia de imigrantes alemães chamada Teresópolis, no estado de Santa Catarina, atual município de Águas Mornas, próximo a Florianópolis. No início de 1892, Frei Rogério é transferido para Lages, onde passa a exercer a função de vigário junto a uma população formada majoritariamente por caboclos. No final do ano anterior, o único padre da região havia falecido, restando a Frei Rogério a incumbência de tratar da “cura d’almas” dos católicos de um amplo território, que se estendia da fronteira norte à fronteira sul catarinense.

O que ele encontrou no Planalto Catarinense não foi muito diferente do que Padre Gay descreve sobre a região da Campanha no Rio Grande do Sul. A população, na sua grande maioria, não possuía qualquer instrução escolar e se encontrava, na percepção do padre, desprovida do conhecimento dos princípios mais elementares da religião católica e dos sacramentos. A presença de padres era rara e ficava restrita à pastoral da desobriga, que ocorria em intervalos de um ou dois anos ( Oliveira, 1985). Na ausência de padres, a população seguia, em sua maioria, os monges que peregrinavam pelos sertões do Sul, pregando a penitência diante do fim do mundo que acreditavam se aproximar e difundindo as devoções e práticas rituais de um catolicismo rústico ( Monteiro, 1974; Welter, 2007; Welter, 2018).

Assim como aconteceu com Padre Gay, Frei Rogério também viveu em situação de guerra. Duas revoluções armadas aconteceram no período em que ele caminhava pelos sertões catarinenses, afetando profundamente as condições de vida da população por ele assistida e a sua ação missionária. O primeiro desses embates foi a Revolução Federalista, que eclodiu no Rio Grande do Sul no ano de 1893. O segundo foi a Guerra do Contestado (1912-1916), que irrompeu na fronteira dos estados de Santa Catarina e Paraná, mobilizando uma população que vivia da pecuária e do extrativismo de madeira e erva-mate, expropriada pela construção da estrada de ferro que atravessou suas terras. Era uma população formada majoritariamente por caboclos que ficaram à margem dos processos de colonização europeia nos estados do Sul ( Seyferth, 2011; Zanini et al., 2010 ).

Com a expropriação de terras, surgiu na região uma situação social explosiva de pobreza e insatisfação crescente de uma população que se viu à mercê de sua própria sorte. Assim, a ausência de ação do Estado na regularização da posse de terras na região e de políticas compensatórias em prol daqueles que perderam suas terras e seus empregos somaram-se à força mobilizadora do messianismo religioso milenarista, enraizado na cultura popular, o qual logo se expressou na forma de um conflito armado contra os poderes constituídos pela República. Deflagrava-se, assim, uma guerra santa contra as forças republicanas. Naquele enfrentamento terreno, os errantes do novo século, para usar a expressão de Monteiro (1974), enfrentaram o Exército nacional e alcançaram algumas vitórias, mas acabaram destruídos e dizimados.

Como tem mostrado a abundante literatura sobre a Guerra do Contestado, desde os anos de 1840 a região em que se situava a paróquia dirigida por Frei Rogério foi palmilhada por sucessivas encarnações de monges João Maria, que peregrinaram pelos três estados do Sul do país pregando, curando, aconselhando, organizando rezas e realizando batizados. Frei Rogério teve como interlocutores privilegiados dois deles: o segundo, João Maria de Jesus, e o terceiro, José Maria, que foi um dos líderes da Guerra do Contestado ( Queiroz, 1965; Monteiro, 1974; Welter, 2007; Welter, 2010; Karsburg, 2014; Steil, 2014). Algumas das controvérsias entre o segundo João Maria e Frei Rogério foram reproduzidas no livro Os errantes do novo século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado ( Monteiro, 1974). Frei Rogério, como seus confrades, associou-se ao Estado contra o movimento do Contestado ( Monteiro, 1974: 91). No meio do conflito, autoridades militares solicitaram a intervenção do Frei a fim de dissipar os revoltosos, o que lhe conferiu o título de “pacificador de Contestado”, lembrado como uma distinção em seu obituário por jornais e autoridades ( Almeida, 2019: 201-202).

Ainda que tenham vivido em contextos sociais e políticos muito semelhantes, as atuações de Padre Gay e de Frei Rogério diferem significativamente. Padre Gay é um pároco intelectual e político que atua nos círculos do poder local, com influência nos escalões mais altos da Província e com vínculos com a Corte, onde trabalhou como capelão imperial e professor. Seu horizonte é sobretudo institucional e eclesiástico. Ao longo de sua vida sacerdotal, amealhou bens e propriedades, o que o inseriu na elite e lhe conferiu reconhecimento e autoridade no mundo secular e político. Frei Rogério é, antes de mais nada, um missionário franciscano dedicado aos pobres e aos doentes, o que lhe confere uma aura de santidade. A sua atuação como pároco de uma extensa paróquia no sertão catarinense é vivida mais como um serviço do que como uma posição. O seu poder e a sua autoridade advêm de sua santidade e de sua fama de taumaturgo e milagreiro.

Um padre cientista em Porto Alegre

Roberto Landell de Moura foi um padre que viveu em um outro contexto ainda mais diferente. Ainda que tenha nascido em 1861, dois anos antes de Frei Rogério, o período de sua atuação que nos interessa aqui, em vista do escopo deste artigo, não coincide com aquele que destacamos na trajetória de Frei Rogério. Nos anos mais intensos da atuação pastoral de Frei Rogério junto à população pobre dos sertões do Sul, Padre Landell de Moura estava dedicado às ciências experimentais nas áreas da física e da comunicação, como inventor. O que o distingue entre seus pares não é a santidade, como em Frei Rogério, nem o legado eclesiástico, como ocorreu com Padre Gay, mas as suas descobertas no campo das comunicações, onde desenvolveu experimentos que lhe conferem o pioneirismo na transmissão de voz à distância. Assim, entre o final do século XIX e o início do século XX, as invenções do Padre Landell de Moura ilustravam matérias em jornais de grandes cidades do país e do exterior.

Roberto Landell de Moura nasceu a 21 de janeiro de 1861 em Porto Alegre. Seu pai era comerciante e seu avô materno fora o reconhecido médico escocês Robert Landell, diplomado na Universidade de Oxford, que migrara para o Sul do Brasil no século XIX. Após fazer o curso de Humanidades em São Leopoldo (RS) com os jesuítas, seguiu para Roma em 1878, onde estudou Direito Canônico no Colégio Pio Americano, ao mesmo tempo em que cursava Física e Química na Universidade Gregoriana. Ordenado sacerdote em 1886, retorna ao Brasil e, em uma breve estada no Rio de Janeiro, chega a frequentar a Corte como capelão substituto do Paço Imperial. Retorna a Porto Alegre em 1887, onde reside até 1892, quando é transferido para o estado de São Paulo. Após este período em São Paulo, Landell de Moura realiza uma excursão científica à Itália, à França e aos Estados Unidos. Neste último país, instala um laboratório na cidade de Nova York, onde então trabalha por quatro anos.

De volta ao Brasil, assume a paróquia de Botucatu em 1905, sendo transferido no ano seguinte para Mogi das Cruzes. Neste período, solicita auxílio ao governo para continuar seus inventos, mas não os obtém, passando a ser visto como um “padre maluco”, que acreditava ser possível se comunicar com outros continentes transmitindo a voz humana à distância, sem o uso de fios. Suas experiências, à época, soavam bizarras e não raras vezes foram consideradas “coisas do demônio” e “bruxaria”. Uma vez que estas polêmicas se tornaram públicas, a Igreja Católica proibiu que Landell de Moura continuasse com seus experimentos. Incompreendido como inventor pela Igreja e pelo Estado, Padre Landell abandona seus experimentos científicos na área da comunicação e retorna para Porto Alegre em 1908, onde permanece até sua morte, em 1928.

A prática homeopática dos padres
Padre Gay

Dos três padres, Gay é o único que teve formação acadêmica na área da homeopatia, efetivada durante os quatro anos que viveu no Rio de Janeiro (1844-1848). O padre chega nesta cidade um ano depois da fundação do Instituto Homeopático do Brasil (1843) pelo médico Benoit Müre, também francês. No seu primeiro ano na capital do Império, frequentou o Instituto como aluno. Ao se formar dois anos depois, passou a atuar como professor. Sua relação com o Instituto se estendeu por toda a sua vida, como mostra a correspondência que manteve, já residindo na região da Campanha Gaúcha, com o médico português João Vicente Martins, primeiro secretário da instituição. A partir da proximidade e da amizade que estabeleceu com os fundadores da homeopatia no Brasil, Padre João Pedro Gay partilhou, em alguma medida, dos ideais socialistas de Müre, ainda que os traduzisse para uma chave pastoral de assistência aos doentes, reiterando, em sua prática sacerdotal, o mesmo cuidado que Jesus dispensou aos doentes.

Esta aproximação de Padre Gay com Benoit Müre impõe que apresentemos, muito sucintamente, este idealista e fervoroso propagador da homeopatia e do socialismo utópico no mundo. Benoit Jules Müre foi um comerciante de Lyon, na França, que afirmava ter sido salvo de uma tuberculose pela homeopatia em 1833. Tocado por este evento, decidiu estudar medicina, ingressando na tradicional Escola de Medicina Homeopática de Montpellier. À medicina de Hahnemann - com quem trocou correspondência - associou os ideais do socialismo utópico de Charles Fourier (1772-1837). Após se formar e praticar a homeopatia em Paris, em 1840 viaja para o Brasil com um grupo de seguidores para criar, no norte do estado de Santa Catarina, próximo à cidade de São Francisco do Sul, uma comunidade socialista (ou falanstério) nos moldes propostos por Fourier. O projeto de Müre não prosperou, de modo que, três anos depois de sua implantação, ele se transferiu para o Rio de Janeiro ( Thiago, 1995).

Ainda que os indícios de uma inspiração fourierista na prática de Padre Gay sejam fracos, os ideais e a visão de mundo que subjazem à medicina homeopática, propostos por seu fundador Samuel Hahnemann (1755-1843) e difundidos por Benoit Müre no Brasil, certamente foram uma inspiração para este religioso. Seus relatos deixam claro que ele assumia a prática da homeopatia como uma missão humanitária (Weber e Silva, op. cit.: 148-152). Para Padre Gay, a homeopatia era um instrumento de realização de um ideal que unia o humanitarismo cristão ao socialismo utópico de Fourier e que exigia uma “conversão à homeopatia”, como mostra Madel Luz ao reconstituir a história dos primórdios da homeopatia no Brasil ( Luz, 2013: 105).

Em sua atuação como vigário, Padre Gay concretizou esses ideais no atendimento homeopático aos pobres da região. Assim, em 1849, ele solicita ao Bispo do Rio de Janeiro a autorização para abrir um laboratório homeopático em São Borja, onde não apenas receitaria e distribuiria remédios homeopáticos, como também realizaria experimentos científicos. Seu exercício da homeopatia contrapunha-se à ação de “curiosos e curandeiros” que, com seus chás, benzimentos e sortilégios, estariam “levando mais depressa à sepultura os enfermos”.

Os resultados de sua prática homeopática podem ser percebidos na carta que ele dirige ao médico João Vicente Martins, seu antigo instrutor no Instituto Homeopático do Brasil (1851):

Muito folgo do triunfo que obteve a homeopatia durante a epidemia do ano passado e dou os parabéns (…) aos benefícios que a humanidade tem recolhido desta medicina salvadora. (…) Durante uma epidemia de bexigas, que reinou nesta vila, dei preservativo homeopático a 80 pessoas, a maior parte crianças.

À época, o tratamento de epidemias por meio da homeopatia era incentivado pela Escola Homeopática do Brasil, que estimulava seus seguidores a relatar e divulgar os resultados positivos deste tipo de tratamento como um instrumento de consolidação da homeopatia como uma medicina popular. A ideia da popularização da medicina é recorrente entre os pioneiros homeopatas - não somente entre aqueles que aportaram ao Brasil, mas também entre os que desenvolveram a medicina homeopática na Europa.

Frei Rogério

Outra é a trajetória de Frei Rogério na arte médica homeopática. Não consta na sua biografia qualquer menção a um aprendizado formal da homeopatia ou a um contato pessoal mantido com instituições ou médicos homeopatas. Ao que tudo indica, sua formação foi totalmente autodidata, como teria sido a da maioria dos homeopatas não médicos deste período (1840-1930), em que o aprendizado da homeopatia era acessível a qualquer pessoa que tivesse alguma instrução e pudesse ler os manuais básicos que eram distribuídos pelos correios, juntamente com os medicamentos ( Weber, 2007). Como afirma Madel Luz, seria por meio das ações dos centros irradiadores da prática da homeopatia no país que a homeopatia se interiorizaria e se legitimaria na sociedade ( Luz, 2013: 42).

A primeira menção à presença da homeopatia na trajetória de Frei Rogério o situa no rol daquela categoria de pessoas que, segundo Luz, responderam positivamente à campanha nacional de difusão da homeopatia, convertendo-se à sua causa e passando a praticá-la junto à população pobre dos sertões: “Fazendeiros, padres e boticários” ( Luz, 2013: 117). Seu biógrafo associa o início da prática da homeopatia ao seu zelo pastoral e ao cuidado para com os doentes de sua paróquia. Ou seja, diante da ausência de médicos e de assistência hospitalar, Frei Rogério viu na homeopatia uma alternativa:

Frei Rogério, por piedoso que fosse, não desprezou os meios justos da prudência humana para abrir caminho à religião. Seu coração, extraordinariamente compassivo, em dois tempos compreendera as necessidades da população, que nem médicos tinha. Mandou vir, então, uma farmaciazinha portátil de homeopatia, começando a dar remédios a quem lhos pedia e a oferecê-los, ao encontrar algum doente. Em breve, os remédios de frei Rogério foram reclamados em toda a parte. Mesmo quando, mais tarde, Lages já tinha um e mais médicos, à portaria do modesto convento franciscano se viam constantemente pessoas da cidade e caboclos vindos de fora, com uma garrafa na mão, à espera de frei Rogério e de seus remédios. ( Sinzig, 1939: 92)

Escreve Sinzig mais adiante que, quando Frei Rogério estava em Lages, acorriam ao convento franciscano em que ele morava “em magotes, os pobres e doentes, ou seus parentes e amigos, para lhe solicitar um remédio” e que, quando de suas andanças pelos Campos de Cima da Serra, na pastoral da desobriga, “levava seus remédios, já que costumava ir a lugares onde nunca aparecia um médico” ( Sinzig, 1939: 331-332).

Para além dos cuidados ordinários dos doentes, uma epidemia de gripe espanhola que abateu a região em 1918 concorreu significativamente para consolidar na população a sua fama de santidade. Em meio à situação catastrófica, em que “já não havia casa sem doente”, Frei Rogério, incansável, ia de casa em casa “levando remédios para o corpo e a alma, preparando os doentes para a cura ou para a eternidade” ( Sinzig, 1939: 254). No entanto, diferentemente de Padre Gay, que associou explicitamente a cura da epidemia de bexiga à homeopatia, o biógrafo de Frei Rogério atribui a vitória sobre a epidemia de gripe espanhola à santidade e ao poder da oração do religioso.

É convicção geral que o fato de a epidemia não fazer ainda maior número de vítimas, e terminar mais depressa do que se ousava esperar, foi devido às orações do santo vigário que de noite, diante do santíssimo sacramento, implorava a misericórdia de Deus para os seus paroquianos e, além disso, em procissão expiatória, com todo o povo, pediu e conseguiu a abreviação da provação divina. ( Sinzig, 1939: 253-254)

Como já frisamos anteriormente, na mesma época em que Frei Rogério viveu no Planalto Catarinense, outro religioso com fama de santidade percorria a região do Contestado curando a população sertaneja: João Maria de Jesus. O biógrafo de Frei Rogério registra um primeiro encontro de Frei Rogério com o monge João Maria em 1897, quando, na função de vigário de Lages, Frei Rogério o convoca para prestar esclarecimentos sobre sua ação de cura por meio de ervas e benzimentos ( Sinzig, 1939: 153-157). Instado pelo franciscano a deixar esta prática e a frequentar os sacramentos ministrados pelos sacerdotes, o monge questiona a autoridade de Frei Rogério, que lhe impunha a assistência à missa que seria por ele celebrada no dia seguinte. O monge responde ao Frei que não iria assistir à missa, porque muita gente o procurava para conseguir remédios e que, exatamente por esta razão, não dispunha de tempo para comparecer ( Sinzig, 1939: 153-157).

Como escreve Duglas Monteiro, em sua passagem pelo Planalto Catarinense o monge João Maria de Jesus praticava curas, além de abençoar e distribuir, aos que lhe procuravam, garrafadas de ervas, ao passo que Frei Rogério “usava homeopatia e não garrafadas de ervas” ( Monteiro, 1974: 90). Como constata César Góes em sua tese sobre João Maria, os devotos do monge, um século depois, seguem colhendo e utilizando as plantas que ele receitava nos lugares por onde passou ( Góes, 2007). A homeopatia de Frei Rogério, no entanto, não teve a mesma longevidade na região, deixando de ser uma referência para os seus devotos depois que ele foi transferido para o Rio de Janeiro, onde manteve o cuidado pastoral para com os doentes, mas deixou de praticar a homeopatia.

Padre Landell de Moura

Ao contrário do santo dos sertões catarinenses, nesta fase de sua trajetória o padre cientista se ocupava da defesa da “verdadeira religião”, servindo-se da ciência e da parapsicologia como armas desmistificadoras dos processos extraordinários de curas e de comunicação com o além promovidos pelo espiritismo. Como mostram os jornais da época, a hierarquia católica enfrentava o avanço do espiritismo kardecista, que conquistava, a cada dia, novos adeptos nos setores médios da sociedade, ameaçando o monopólio do catolicismo como religião dos brasileiros. Neste contexto de acirrada disputa de almas, Landell de Moura confronta aqueles que atribuíam a espíritos e a forças sobrenaturais o que, a seu ver, a ciência poderia explicar. Neste sentido, é emblemática a notícia veiculada no jornal Correio do Povo, em 8 de fevereiro de 1916, na qual era anunciada a inauguração de um Gabinete de Antropologia Experimental criado pelo padre no centro de Porto Alegre. Nele, Landell de Moura promete desvendar, por meio da hipnose e de outros recursos científicos, o “embuste” dos fenômenos kardecistas atribuídos à intervenção dos espíritos. E ele vai mais longe, estabelecendo um prêmio de um conto de réis para quem provasse, diante de uma comissão de honra, que os fenômenos difundidos pelos espíritas eram decorrentes da invocação de espíritos ou da atuação de qualquer “doutrina espiritista” (Correio do Povo, 1916: 5).

Ao assumir uma postura de confronto, ele instaura uma controvérsia pública do catolicismo e da ciência contra o espiritismo. E, com o intuito de desmoralizar publicamente os espíritas, ele mesmo passa a usar o transe e a hipnose como mediações no tratamento de doentes, incorporando-as à sua prática pastoral, ainda que sem autorização explícita da hierarquia eclesiástica. Esta ação, por sua vez, encontra fundamentação na sua “teoria da força estênica ou do elemento R”, que, em alguma medida, é confundida com o fluido magnético mesmeriano, com a mediunidade das religiões de possessão e com a energia vital da homeopatia. Contudo, ao travar esta batalha da ciência e do catolicismo contra o espiritismo kardecista, o próprio Padre Landell de Moura acaba sendo visto pela população local como “espírita”, “feiticeiro” e “bruxo”. Ou seja, a prática da hipnose, a teoria da “força estênica”, os desdobramentos de sua interpretação do magnetismo de Mesmer e Puységur, a comprovação empírica da existência do ectoplasma, do “períspirito” do corpo anímico e do fluido vital - que ele contrapunha como argumentos científicos contra o espiritismo - são interpretados na chave do misticismo e da comunicação com os espíritos. Isto se insere num momento histórico de efervescência das religiões mediúnicas no Rio Grande do Sul, como demonstra Beatriz Weber em seu livro As artes de curar: medicina, religião, magia e positivismo na República Rio-Grandense (1889-1928) ( Weber, 1999). Naquele contexto de controvérsias, em que as acusações mútuas entre a hierarquia católica, de um lado, e os espíritas kardecistas, de outro, ganhavam o espaço público, a inauguração do Gabinete de Antropologia Experimental foi interpretada pelos espíritas como mais uma das ameaças católicas à prática da mediunidade.

A disputa entre católicos e kardecistas repercute no campo da homeopatia, tendo em vista que, neste período, cresce a presença dos espíritas na área da saúde, particularmente na homeopatia. E, para além da atuação dos médicos espíritas, que se convertem em grande número à homeopatia, o exercício homeopático ocorria também em centros espíritas kardecistas pela mediação de médiuns não médicos que recebiam os espíritos de médicos que haviam falecido. A importância da homeopatia como elemento de legitimação do espiritismo no Brasil é corroborada pelo estudo de Giumbelli (1997). De fato, muitos médicos espíritas deste período aderiram à homeopatia, reconhecendo uma correspondência entre os conceitos de energia vital presente na homeopatia - conforme sistematização de Hahnemann ([1810] 1996) - e de fluido vital para o espiritismo. Por outro lado, para além das controvérsias públicas, os intelectuais espíritas expressavam grande consideração pelo padre cientista e consideravam válidas suas práticas, ao mesmo tempo em que o situavam a caminho da doutrina kardecista.

Mas, enquanto isso, o que acontecia no Gabinete de Antropologia Experimental de Landell de Moura? Os documentos guardados no IHGRGS fazem menção a sessões de cura conduzidas pelo padre, nas quais ele se utilizava de técnicas de transe como o hipnotismo e a levitação ( Rodrigues, 2015: 172). Ao lado destas terapias, com base em seu vasto conhecimento de botânica, Padre Landell de Moura prescrevia chás e infusões de plantas medicinais para doenças diversas. Ao lado dos fitoterápicos, ele receitava também remédios homeopáticos. Em seus manuscritos, encontramos um esquema ilustrativo em que apresenta as “leis sobre a força medicamentosa das substâncias homeopáticas” ao lado dos princípios alopáticos, o que comprova o uso que o padre fez da homeopatia no atendimento aos doentes que acorriam ao seu Gabinete.

Ademais, sua relação com a homeopatia se destaca pela participação pessoal no projeto que criou a Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul, conforme a menção de Madel Luz a que nos referimos mais acima. Na inauguração da instituição, em março de 1914, Padre Landell de Moura fez um eloquente discurso abordando o princípio básico da homeopatia: o axioma hipocrático similia similibus curantur (semelhante cura semelhante). Contudo, este projeto, embora tenha ocorrido no momento áureo na história da homeopatia no país, não vingou. De modo que a instituição, recém-inaugurada, fechou suas portas antes mesmo de formar sua primeira turma. Nos poucos meses em que a faculdade funcionou, Padre Landell esteve entre os seus catedráticos, lecionando as disciplinas de Antropologia e Psicologia Experimental.

No esquema científico do Padre Landell de Moura, a medicina inscreve-se como um ramo da antropologia, ou seja, um dos conhecimentos existentes sobre o ser humano. Podemos definir esta visão como holista, pois que se aproxima mais de uma concepção hahnemanniana da medicina do que de uma visão atomista alopática. É este holismo que acaba aproximando o padre cientista dos espíritas e da homeopatia. Assim, apesar das controvérsias que emergem na cena pública de Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX, a homeopatia é um ponto de convergência entre espíritas e católicos. A força estênica de Landell de Moura remete à energia vital da homeopatia e ambas se ligam ao fluido vital do espiritismo kardecista, o que nos leva a perceber que, para além das divergências entre elas, continuidades se alinham num movimento alternativo de condução de processos de cura que se opõem ao sistema alopático, a uma medicina hegemônica que tende a excluir ou incorporar, de forma subalterna, os seus opositores.

Conclusões

Ao traçar as trajetórias dos três padres homeopatas, esperamos ter lançado luz sobre as formas pelas quais estes religiosos curaram e participaram de diferentes períodos de implantação, expansão e afirmação da homeopatia no país, em contextos nos quais a homeopatia era regularmente exercida por padres católicos. Como vimos, a formação homeopática de cada um dos padres foi bastante distinta. Enquanto Padre Gay teve uma formação sistemática como aluno e professor do Instituto Homeopático do Brasil, Frei Rogério a teria praticado a partir de um conhecimento autodidata, adquirido nos manuais e nas revistas de divulgação da homeopatia que eram comuns no final do século XIX e início do século XX. Contudo, ambos exercem a homeopatia em contextos rurais de extrema precariedade, atendendo a uma população empobrecida, assolada por guerras e sem qualquer acesso a recursos alopáticos. Já o interesse do Padre Landell de Moura pela homeopatia faz parte de sua formação mais ampla e eclética como padre, cientista, físico, químico e botânico. Quando proibido pela Igreja de continuar seus experimentos como inventor, volta-se para atividades terapêuticas em seu Gabinete de Antropologia Experimental, onde o tratamento homeopático aparece, entre outras técnicas e terapêuticas, junto à hipnose e aos fitoterápicos. Sua prática da homeopatia ocorre no meio urbano e se insere num contexto de controvérsias, em que o monopólio católico se vê ameaçado pelo avanço do espiritismo kardecista na capital do Rio Grande do Sul.

Os horizontes ideológicos e políticos de cada um dos padres também foram diversos. Para Padre Gay, a preocupação com os pobres e os doentes, para além da motivação evangélica relacionada às curas realizadas por Jesus, inspirava-se no socialismo utópico fourierista de Benoit Müre, que fora seu mestre no Instituto Homeopático do Brasil. Por outro lado, Frei Rogério fez do exercício da homeopatia um recurso adicional ao seu zelo missionário de cuidado dos doentes e de “cura d’almas”. Seu horizonte era a salvação daqueles que habitavam os sertões catarinenses, onde a religião católica era liderada pelos monges e beatos que peregrinavam pela região, pregando a penitência, batizando as crianças, curando os doentes e confirmando as crenças e devoções populares. Mudar esta situação, submetendo esta população ao controle clerical por meio da administração dos sacramentos do matrimônio, da confissão e da eucaristia parece ter sido o motivo que levou o frade franciscano a enfrentar os desafios do inóspito Planalto Catarinense. E, na disputa de almas com João Maria, a homeopatia, praticada pelo Frei, é contraposta ao uso dos chás e efusões receitados pelo monge. Dissemelhantes, como vimos, foram os horizontes do Padre Landell de Moura. Os seus pacientes estavam inseridos num contexto urbano, com acesso à medicina alopática e em condições de escolher entre diversas terapias. Seus adversários não eram os curandeiros e nem os monges e beatos, mas sim os espíritas. Ou seja, no mesmo momento em que a homeopatia luta, a duras penas, para legitimar-se como um saber médico e obter o reconhecimento legal diante da hegemonia da medicina alopática, os religiosos a praticam em oposição aos curandeiros dos sertões e aos espíritas urbanos.

Os contextos históricos em que cada um dos padres exerce a homeopatia, em relação aos períodos de seu desenvolvimento e à configuração institucional do catolicismo no Brasil, são consideravelmente distintos. Padre Gay participa do momento de implantação da homeopatia em solo brasileiro, como aluno e professor do Instituto Homeopático do Brasil. Quanto ao catolicismo, o período vivido é o da transição do regime do padroado - em que a Igreja Católica estava submetida à autoridade do imperador - para o de separação em relação ao Estado e de autonomia institucional. Por outro lado, Frei Rogério situa-se no período de expansão e interiorização da homeopatia no Brasil, figurando entre aqueles que a praticam com base no material de divulgação massiva. O contexto político e eclesial em que atua já é o da República, em que predomina a separação constitucional entre Estado e Igreja Católica. Sua ação pastoral alinha-se com o processo de modernização do país e de romanização, que vai combater o catolicismo popular e devocional, visto como “ignorância” e “atraso”, em nome do estabelecimento da “verdadeira religião” e da moralização dos costumes. Padre Landell de Moura, por sua vez, vive o momento áureo da homeopatia no Brasil, que está marcado por avanços importantes no processo de reconhecimento legal e pela institucionalização da homeopatia no campo médico. O ambiente urbano que habita é o da liberdade religiosa instituída pela República, em que o espiritismo emerge na cena pública confrontando o monopólio católico, que fora garantido anteriormente pelo regime imperial.

Para além das questões relativas ao catolicismo e à homeopatia, ao acompanhar as trajetórias dos três sacerdotes podemos vislumbrar diversas formas pelas quais religião, cura, política, saúde e ciência se entrecruzam na história do país. Estas dimensões da vida se emaranham numa teia que vem sendo tecida diuturnamente. A partir dela, procuramos dar destaque aos fios específicos da homeopatia e do catolicismo. Contudo, é preciso dizer que o nó que manteve estes fios entrelaçados por quase um século parece ter sido esgarçado e desfeito nos períodos posteriores àqueles em que os três padres atuaram. Se é verdade que a prática da cura por padres e religiosos permanece uma constante no catolicismo até os dias de hoje, também o é o fato de que a homeopatia não mais se encontra entre as terapias comumente praticadas por eles. A incorporação legal da homeopatia no campo da medicina e as restrições à sua prática por não médicos contribuíram significativamente para produzir um distanciamento do catolicismo em relação à homeopatia, afastando e modificando os caminhos de seus encontros.

Material suplementar
Referências bibliográficas
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Notas
Notas
1 Prestamos neste artigo uma homenagem póstuma a Ivan Dorneles Rodrigues, falecido em abril de 2019.
2 Este modelo é reafirmado por Madel Luz a partir da periodização já presente em José Emygdio Galhardo (1928), médico homeopata. No modelo de Galhardo, entretanto, os religiosos e leigos que praticaram a homeopatia não são mencionados. Ainda que tivessem participado da introdução e da prática da homeopatia no país, eles não correspondiam ao padrão do homeopata profissional, dotado de formação médica, que os líderes da homeopatia brasileira, como Galhardo, pretendiam valorizar. Mesmo Padre Gay, que possuía formação homeopática em uma escola oficial, a praticava como padre e não como médico homeopata.
3 Cabe esclarecer que Frei Rogério conheceu os dois últimos dos três monges conhecidos como João Maria. O primeiro monge, o italiano João Maria de Agostini, havia cruzado as Américas em meados do século XIX, tendo-se criado em torno dele uma devoção popular capaz de fazer surgir novos monges João Maria ( Karsburg, 2014). Morto o segundo monge, seus devotos passaram a ser guiados por José Maria, o terceiro monge, que se dizia seu irmão e divulgava sua volta ( Monteiro, 1974).
4 Instituição fundada durante o Período Regencial, em 1838, com sede no Rio de Janeiro.
5 Lata 406. Documento 24. Livro manuscrito: rascunho sobre a administração dirigidas de Alegrete e São Borja. 1848-58. 03 mai. 1850. IHGB.
6 Lata 406. Documento 24. Livro manuscrito: rascunho sobre a administração dirigidas de Alegrete e São Borja. 1848-58. 13 out. 1848. IHGB.
7 Pedro Ribeiro de Oliveira (1985) faz uma distinção importante entre a “pastoral da visita”, que predominou na prática pastoral antes da romanização, e a “pastoral da convivência”, que passou a ser hegemônica com a implantação de dioceses e paróquias no Brasil a partir do início do século XX.
8 A trajetória do peregrino das Américas, como foi chamado o primeiro monge João Maria, foi amplamente pesquisada e seguida por Karsburg (2014): passando por Venezuela, Amazônia, Andes, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o italiano João Maria de Agostini fez depois incursões pela região platina. Alguns anos depois, apareceu na América Central - nas Antilhas e em Cuba - e finalmente na América do Norte: México, Canadá e Estados Unidos, onde encontrou uma morte violenta.
9 Há registros de que ele teria sido o primeiro cientista a conseguir a transmissão de som e sinais telegráficos sem fio por meio de ondas eletromagnéticas, o que deu origem ao telefone e ao rádio. Em 1901, ele registrou, nos Estados Unidos, a primeira patente para um aparelho destinado à transmissão fonética à distância, com fio ou sem fio ( Rodrigues, 2015).
10 Seu primeiro invento, um transmissor sem fio de mensagens, data de 1892, antes de Marconi fazer seus primeiros testes na Itália. Em 1893, ele realizou a primeira transmissão pública de som por meio de ondas hertzianas, ocorrida em São Paulo, cobrindo uma distância de oito quilômetros. Na ocasião, ele testou um transmissor de ondas, um telégrafo sem fio e um telefone sem fio ( Rodrigues, 2015).
11 As várias biografias que consultamos ( Almeida, 2006; Fornari, 1984; Rodrigues, 2015) dão conta de detalhes mais gerais da vida do Padre Roberto Landell de Moura. Detemo-nos aqui às informações que consideramos mais importantes na trajetória do padre e que nos ajudam a situar suas práticas de cura, especialmente a homeopatia.
12 Lata 404. Documento 11. Pedido de autorização para exercer, na paróquia de São Francisco de Borja onde é vigário, a medicina homeopática que alega ter estudado; notas sobre med. homeopática. 1849. IHGB.
13 O pedido de autorização de Padre Gay parece ter um sentido ainda maior quando se leva em conta o restante da carta, que indica a defesa do padre em relação a uma denúncia de que estaria praticando medicina irregular. Isto, de acordo com a denunciante, não seria permitido aos clérigos.
14 Lata 406. Documento 24. Livro manuscrito: rascunho sobre a administração dirigidas de Alegrete e São Borja. 1848-58. 01 jul. 1851. IHGB.
15 Importante observar que, enquanto a homeopatia se expandia e se capilarizava no meio popular, a medicina acadêmica procurava cercear os espaços institucionais de saberes e práticas concorrentes por meio de campanhas públicas em jornais e junto aos poderes Legislativo e Judiciário, garantindo a sua hegemonia no campo médico ( Machado et al., 1978: 503-529). Como afirma Luz: “Os homeopatas são os novos e piores charlatães a serem combatidos, porque são médicos e se apresentam como enunciadores de um saber científico e de uma prática clínica mais eficaz, referindo-se à medicina ortodoxa como ‘velha medicina’ ou ‘medicina tradicional’” ( Luz, 2013: 80).
16 Como demonstram alguns manuscritos de Landell de Moura preservados pelo IHGRGS, ao mesmo tempo em que enfatizava o caráter científico de seus experimentos, o padre condenava o espiritismo kardecista como “doutrina de Satanaz” e “blasfêmia contra Deus”. Estes manuscritos, guardados sob a tutela do IHGRGS, não se encontram paleografados, catalogados e/ou paginados. A letra de Landell requer um exercício de decifração. A responsabilidade sobre a tradução dos termos é exclusivamente dos autores.
17 A forte presença da homeopatia no espiritismo é devedora, em grande medida, da proximidade entre as concepções de força vital em Hahnemann e de fluido vital em Allan Kardec ( Míkola, 2011). A ideia de uma energia ou fluido constituinte dos organismos vivos é também encontrada na força estênica landeliana. Em seus manuscritos, Padre Landell estabelece a origem de sua teoria no magnetismo de Mesmer e Puységur, em que existe uma concepção semelhante. A este respeito, ver o trabalho de Chiesa (2016).
18 Nos arquivos do IHGRGS há um catálogo exaustivo, produzido por Landell de Moura, a respeito das plantas medicinais encontradas em Porto Alegre e nos arrabaldes.
19 Nas incursões documentais, é possível encontrar pistas de seu entendimento acerca da antropologia. Por antropologia, Landell de Moura entendia genericamente todo o conjunto de conhecimentos a respeito do ser humano, o que incluía a medicina, inscrita no sub-ramo da antropologia experimental.
20 É importante frisar que um campo médico só viria a se consolidar no Brasil no final do século XIX e início do século XX. É a partir deste contexto, cujas implicações refletem diretamente no chamado Período Áureo (1900-1930), que a homeopatia irá lograr um certo grau de institucionalização no campo da medicina. Vale lembrar, a este respeito, que a criação da Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul ocorreu neste período.
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