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PISTAS PARA UMA INTERPRETAÇÃO DA JVUENTUDE UNIVERSITÁRIA CATÓLICA POR MEIO DA SOCIOLOGIA DA JUVENTUDE
Paulo Limongi de Lima Filho
Paulo Limongi de Lima Filho
PISTAS PARA UMA INTERPRETAÇÃO DA JVUENTUDE UNIVERSITÁRIA CATÓLICA POR MEIO DA SOCIOLOGIA DA JUVENTUDE
PISTAS PARA UNA INTERPRETACIÓN DE LA JUVENTUD UNIVERSITARIA CATÓLICA A TRAVÉS DE LA SOCIOLOGÍA JUVENIL
IDEAS FOR AN INTERPRETATION OF CATHOLIC UNIVERSITY YOUTH THROUGH THE SOCIOLOGY OF YOUTH
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 22, e020030, 2020
Universidade Estadual de Campinas
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RESUMO: Este texto possui como objetivo investigar o movimento da Juventude Universitária Católica (JUC) por meio das teorias da juventude. Para isso, faremos primeiro um apanhado das teorias disponíveis sobre o assunto, dando destaque a um caso específico que uniu os temas da religião e juventude. Com intuito de apresentar a JUC, esse texto traça uma reconstrução histórica da sociogênese do movimento, narrando a trajetória do movimento até seu encerramento em 1966. Por fim, para compreender melhor o fenômeno da JUC, o texto se propõe a comparar a juventude juciana com a juventude católica da renovação carismática (RCC).

Palavras-chave: Sociologia da religião, religião e juventude, juc.

RESUMEN: Este texto tiene como objetivo investigar el movimiento de la Juventud de la Universidad Católica (JUC) a través de teorías de la juventud. Para este fin, primero echaremos un vistazo a las teorías disponibles sobre el tema, destacando un caso específico que reunió los temas de la religión y la juventud. Para presentar la JUC, este texto traza una reconstrucción histórica de la sociogénesis del movimiento, narrando su trayectoria hasta el cierre en 1966. Por último, a fines de comprender mejor el fenómeno de la JUC, el texto propone comparar a los jóvenes jucianos con los jóvenes católicos de renovación carismática (CCR).

Palabras clave: Sociología de la religión, religión y juventud, juc.

ABSTRACT: This text aims to investigate the Catholic University Youth (JUC) movement through youth theories. To do so, we will first summarize the available theories on the subject, highlighting a specific case that united the themes of religion and youth. In order to present the JUC, this text traces a historical reconstruction of the movement’s sociogenesis, narrating the movement’s trajectory until its conclusion in 1966. Furthermore, to comprehend the social phenomenal of JUC, we try to compare it with the Charismatic Renewal Youth (RCC).

Key-words: Sociology of religion, religion and youth, juc.

Carátula del artículo

Article

PISTAS PARA UMA INTERPRETAÇÃO DA JVUENTUDE UNIVERSITÁRIA CATÓLICA POR MEIO DA SOCIOLOGIA DA JUVENTUDE

PISTAS PARA UNA INTERPRETACIÓN DE LA JUVENTUD UNIVERSITARIA CATÓLICA A TRAVÉS DE LA SOCIOLOGÍA JUVENIL

IDEAS FOR AN INTERPRETATION OF CATHOLIC UNIVERSITY YOUTH THROUGH THE SOCIOLOGY OF YOUTH

Paulo Limongi de Lima Filho
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brazil
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 22, e020030, 2020
Universidade Estadual de Campinas
Introdução

Norbert Elias em sua obra A solidão dos moribundos (2010) nos convida a pensar o tema da velhice dentro de seus estudos sobre a sociedade moderna 1. Contudo, o autor não se prende apenas no estudo deste segmento etário; ele oferece uma explicação importante sobre o papel que a juventude possui na modificação das lutas dentro das diversas teias de relações interdependentes, principalmente no que se refere a busca por novas chaves de interpretação do mundo. Nesse jogo de queda e ascensão de novas concepções, as pessoas jovens ocupam um lugar de descobrir e lidar com tais regras, criando novos vocabulários para experiências novas que adquirem do mundo social:

Em todos esses casos é especialmente a geração mais jovem que, diferente dos séculos anteriores, fica entregue a seus próprios recursos, a sua própria capacidade de invenção individual, na procura das palavras certas para seus sentimentos [...] As fórmulas rituais da velha sociedade, que tornavam mais fácil enfrentar situações críticas como essa, soam caducas e pouco sinceras para muitos jovens; novos rituais que reflitam o padrão corrente dos sentimentos e comportamentos, que poderiam tornar a tarefa mais fácil, ainda não existem (ELIAS, 2010: 18).

O estudo de Elias, entretanto, não é suficiente para interpretarmos, por completo, o fenômeno da juventude, apesar de oferecer importantes ferramentas para tal. Temos, apesar disso, um grande leque de teorias que se interessam sobre o assunto e oferecem ferramentas para a compreensão sobre o que viria ser a juventude e suas consequências sociais. O objetivo desse texto é apresentar esse leque de teorias e utilizá-las para compreender um caso específico da Juventude Universitária católica (JUC). Para isso, usaremos de uma reconstrução histórica que nos possibilite encontrar a sociôgenese do movimento, levando a uma interseção entre os temas da sociologia da juventude e da sociologia da religião.

Dividiremos o texto nas seguintes partes: (a) debate teórico sobre o tema da juventude; (b) apresentação de uma teoria específica capaz de dar conta da temática sobre religião e juventude; (c) apresentação histórica da JUC; (d) análise e discussão.

Juventude: somente uma palavra?

Poderíamos refletir se a juventude é “apenas uma palavra” ( Bourdieu, 1983) ou se é “mais que uma palavra” ( Margulis e Urresti, 1996); contudo, antes de inaugurarmos a apresentação desse debate, gostaríamos de defender a posição de que, apesar do título, Bourdieu não nega as consequências sociais concretas dessa faixa etária, ao contrário, ele joga luz sobre as disputas entre esses (os jovens) e outros indivíduos inscritos dentro de outras faixas - o que possui certa semelhança com a afirmação de classe como conceito de papel ( Bourdieu, 1989). Por isso, mesmo com esta afirmação contundente, seria quase que impossível descartar a juventude enquanto categoria sociologicamente relevante.

A começar, “somos sempre o jovem/velho de alguém” ( Bourdieu, 1983: 2), ou seja, a relação de juventude e velhice é sempre algo comparativo e, por vezes, socialmente manipulável, uma vez que as visões sobre o jovem ou o que é ser jovem variam geograficamente e historicamente. Ademais, cada campo, teria sua regra acerca do envelhecimento tal como novos juízes, novos judeus, etc. A conclusão que o autor chega a partir disso é:

Para saber como se cortam as gerações é preciso conhecer as leis específicas do funcionamento do campo, os objetos de luta e as divisões operadas por esta luta (“nouvelle vague”, “novo romance”, “novos filósofos”, “novos juízes”, etc.). Isto é muito banal, mas mostra que a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável; e que o fato de falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a uma idade definida biologicamente já constitui uma manipulação evidente [...] seria preciso pelo menos analisar as diferenças entre as juventudes, ou, para encurtar, entre as duas juventudes (Ibid.: 2)

O principal argumento é que a juventude está em oposição aos “mais velhos” principalmente no mercado de ofertas de trabalho. Entre estas faixas etárias, existem verdadeiras lutas para conseguir vagas e para manter o status quo da luta por recursos e poder social (Ibid.: 8). Os jovens são, para o autor, os responsáveis por causar a morte social dos mais velhos, ao assumirem posições delegadas a este último grupo, ultrapassando os mecanismos de regulação de ascensão criados por outras gerações. Dessa breve explicação, torna-se notório que Bourdieu não descarta a juventude enquanto categoria, mas entende que o uso da palavra está conectado, pelo menos na sociedade francesa, “a luta pela transmissão de poder e privilégios” (1983: 121). Por outro lado, o autor usa de determinados recursos teóricos próprios de sua teoria (campos, luta por poder) para compreender as disputas entre indivíduos de idades diferentes; embora úteis, ignora parcialmente uma teoria já consolidada sobre o assunto.

Urresti e Marguli (1996) elogiam a crítica de Bourdieu ao promover uma visão não-naturalista do termo e evidenciar as lutas que o “jovem” enfrenta 2. Porém, eles tentam trazer conceitos para compreender a juventude para além de uma concepção estética, ou seja, uma concepção que tente não colocar o termo como apenas aparência de uma realidade social concreta (Ibid.: 2). Isso porque cada geração viveria em um tempo social diferenciado; em outras palavras, teria símbolos próprios para ler as diversas experiências sociais as quais enfrentavam (Ibid: 4).

A JUC, por exemplo, já consolidava a busca por um ideal histórico de longo prazo que era a democracia e igualdade econômica ( Mainwaring, 2004: 84; Kadt, 2007: 85; Sá, 2015: 50). Nesse instante, diferente de outras gerações, os jovens integrantes do movimento já não tomavam a desigualdade econômica tal como natural ou ira de Deus, mas como consequências de relações sociais. Pode-se pensar que cada geração possui uma memória social específica. Os jovens da JUC se confrontaram com uma realidade social de aguda desigualdade; ao passo que, se compararmos com outras juventudes, os jovens da RCC (Renovação Carismática Católica), por exemplo, se defrontaram com uma realidade social na qual o jovem não desempenhava um papel de destaque dentro da sociedade quanto em outras épocas ( Sofiati, 2009). Portanto, as formas de interpretação da realidade social dessas gerações são diferenciadas, quiçá opostas.

Contudo, algo comum entre os jovens de ambos os movimentos é que encontramse (encontravam-se, no caso da JUC) em período de suas vidas no qual possuem um excedente de tempo para realizarem projetos de longo prazo, experimentar posições e papéis sociais; em outras palavras, os jovens em geral se localizam em uma moratória vital e social. A depender de sua classe social, raça e gênero, os jovens podem ter um período de tempo no qual as regras sociais são aliviadas em detrimento da aprendizagem e da experimentação ( Sofiati, 2009: 9).

De certo modo, o debate apresentado parece ser esvaziado no que se refere a negação da categoria juventude como relevante sociologicamente; porém, pode-se pensar que Bourdieu realmente estava propondo uma definição de juventude que ignorasse completamente a memória social e as consequências práticas da idade. Por último, durante esta querela, o termo geração apareceu em maior destaque, veremos a seguir que esse não é o único possível para se conceber uma teoria sobre juventude.

Juventude: visão classista e visão geracional

A diferença entre visão classista e visão geracional é indicada por Luís Antonio Groppo, em seu texto Teorias críticas da juventude: geração, moratória social e subculturas juvenis (2015). Para o autor, essas duas correntes (classista e geracional) pertenceriam ao ramo das teorias críticas que estariam em contraposição às teorias tradicionais 3; essa última veria o comportamento “rebelde” do jovem como resultante de um desvio de comportamento sendo necessário corrigi-lo para o bem da coesão social, enquanto a teoria crítica identificaria este mesmo comportamento como parte da construção de uma nova visão capaz de superar a estrutura social (2015: 4 e 5) 4. Embora façam parte do mesmo ramo de teorias, estas duas visões guardam diferenças significativas. Por isso, iremos apresentar a partir dos textos: El problema de las generaciones (1952) de Karl Mannheim e, devido à complexidade desse primeiro, vamos usar o texto de Wiviam Weller (2010) A atualidade do conceito de gerações de Karl Mannheim; já como trabalho que represente a visão classista, adotaremos o texto Resistance through rituals (2003) organizado por Stuart Hall e Tony Jefferson.

Para Mannheim, ao iniciar um texto, devemos sempre traçar um problema a ser investigado (1952: 192). No caso dos estudos das gerações, o problema se situa no fato de que as teorias de sua época (a romântica histórica e a positivista) não davam contam de elucidar o fenômeno social da juventude. Isso porque os positivistas tratavam a geração como uma condição biológica que agia em prol do progresso da humanidade, sendo possível até mesmo quantificar os diversos ciclos de progresso. Os romancistas, por outro lado, focariam nos acontecimentos sociais, demonstrando uma visão diferente de tempo daquela mecânica e linear dos positivistas (Weller, 2010: 206 e 207). A noção de tempo para os romancistas deve ser apreendida conforme as subjetividades coletivas daqueles que estão compondo a geração e não de forma a priori a partir de cálculos geracionais. Na radicalização desse argumento, o espírito do tempo ( zeitgeist), ou seja, as formas de interpretação dos acontecimentos históricos seriam formadas de modo diferenciado pelos contemporâneos - sejam da mesma faixa etária ou não (Weller, 2010: 209). Por isso, Mannheim nos demonstra a necessidade de um estudo que una a sociologia formal (âmbito dos conceitos e da classificação) a uma sociologia histórica (responsável por analisar como tais conceitos se desdobram na realidade) (Mannheim, 1952: 205).

Para o autor, há uma situação social geracional (as pessoas possuem anos de aproximação entre si) que não implica necessariamente na formação de um coletivo consciente de seu local na sociedade. De certo modo, isso teria uma semelhança com a situação de classe, porque o proletário seria uma classe em si quando estivesse conectado apenas pela posição dentro da configuração de forças produtivas; e, por outro lado, quando estivesse consciente de sua situação de subordinado em relação à burguesia, tornar-se-ia uma classe para si (Mannheim, 2010: 207) 5. Ainda na esteira da classificação, Mannheim constrói três termos para debater de maneira mais pormenorizada a situação geracional: posição geracional, conexão geracional e unidade geracional.

A primeira delas (posição geracional) é a possibilidade de adquirir experiências comuns entre indivíduos devido a sua situação de geração, ou seja, sua aproximação de idades (Weller, 2010: 214); ao passo que a segunda, esta experiência sai da seara da possibilidade e adentra ao terreno do quotidiano social, tomando uma forma mais concreta (Ibid.: 215). Por outro lado, a unidade geracional seria a expressão de um coletivo o qual age de maneira uniformizada.

Durante os anos 1950-60, no Brasil, a figura do jovem, enquanto agente transformador ganhou proeminência (uma forma de posição geracional). Nesse período, diversos estudantes católicos (“Betinho”, Aldo Arantes) elaboram formas de interpretação sobre problemas do mundo e as soluções para esses. A JUC orientou à ação de diversos indivíduos, a partir destas interpretações, provocando uma homogeneização do comportamento. Esta uniformidade foi de grande importância para o papel estratégico do coletivo dentro da União Nacional dos Estudantes (UNE) que levou, no seu auge, a uma hegemonia na liderança da união durante a década de 1960, a começar pela própria eleição de Aldo Arantes como presidente.

Por outro lado, os conceitos pensados pela corrente classista também podem ser úteis para refletir sobre o desenvolvimento da JUC. Segundo essa corrente, para entender o comportamento dos jovens é necessário entender o funcionamento da cultura (o desenvolvimento de padrões de comportamento) a qual está relacionada de forma dependente a estrutura de classes da sociedade. A classe dominante tenta impor sua cultura às demais e devido as preposições da configuração das forças de produção, ela encontra resistência por parte da classe dominada (Gramsci, 1971 appud Hall e Jefferson, 2003: 38). Dentro destes grandes padrões comportamentais, existem padrões mais concisos os quais possuem relação com a fração de classe; os jovens não “domesticados” resistem à cultura dominante ( Hall e Jefferson, 2003: 13). Quando tentam se diferenciar da cultura provocada por seus pais, a partir de “ certain activities, values, certain uses of material artefacts, territorial spaces etc”, acabam por criar um espaço de resistência à cultura dominante também como uma consequência não-intencional da ação.

Na visão apresentada, em nível de análise, os autores propõem reanimar o conceito de classe por meio de uma teoria baseada em Gramsci a qual olhasse os jovens não apenas como produtos desajustados da sociedade à época. Porém, os autores inovam no que se refere à relação da classe com o ambiente no qual está inscrita, ou seja, buscando dar visibilidade a evoluções do padrão de família, comunidade e acesso a bens culturais. Estas transformações também podem ser compreendidas a partir dos movimentos históricos das forças de produção, uma vez que o capitalismo sofre mudanças (principalmente a partir da década 1970), a classe trabalhadora se diversifica tanto a partir de seu próprio desenvolvimento local quanto devido a chegada de imigrantes:

In giving a historical context to this portrait of a traditional working-class culture, describes the impact of redevelopment and rationalisation on the family, the community and the local economy. Post-war redevelopment and rehousing led to a depopulation of the area, and the break-up of the traditional neighbourhood: this was compounded by speculative development and by a new influx of immigrant labour, producing a further drift of the local work force (Cohen, 1972 apud Hall; Jefferson, 2003: 30).

Assim, é possível compreender as modificações na esfera cultural conforme sua ligação direta com a esfera de produção. Esta conexão ganha uma solidificação quando unida ao conceito de hegemonia, uma vez que para construir sua dominação, a burguesia deve criar medidas de cooptação da cultura dos proletários de modo a produzir, também, consenso. As instituições culturais da classe dominante devem a todo momento negociar com a classe dominada. Portanto, a economia de bens culturais e simbólicos não está correlacionada a um pensamento alienado do jovem, ela é, contudo, um ponto de equilíbrio entre o proposto e a adequação da visão de mundo do dominado.

Essa forma de contestação social gera um sentimento de ansiedade social. Isso, pois, os jovens estão rejeitando padrões comportamentais e de consumo de bens simbólicos e, em alguns casos, criando alternativas. No caso inglês, essa mudança nãonegociada provocou uma forte reação por parte das estruturas repressivas causando novas tipificações de crimes e aumento da fiscalização no consumo de drogas, por exemplo ( Hall e Jefferson, 2003: 40).

Quando olhamos para o estudo de caso pensado para esse artigo, temos uma dificuldade de refletir sobre as ligações entre a ação do movimento e a correlação de forças de produção, pois a JUC reunia em si diversos jovens de diferentes frações de classe e ainda estava conectada diretamente com o corpus administrativo da Igreja católica. Contudo, o movimento representava, principalmente, a partir dos anos 1960, uma fonte constante de contingência em relação tanto a Igreja quanto a sociedade de modo geral - basta citar como exemplo os enfrentamentos desse coletivo com o próprio Dom Eugênio Sales, no que se refere a legitimidade da autonomia do movimento ( Kadt, 2007: 101). E, tal como o caso inglês, a JUC sofreu repressão também. Os estudantes que tivessem filiações políticas seriam desligados da instituição o que forçou a criação da Ação Política e o encerramento da JUC em 1966.

Nossa intenção, com as duas seções anteriores, foi demonstrar a aplicabilidade dos conceitos pensados por duas filiações das teorias críticas da juventude. Acredita-se que, nessa breve demonstração, mostramos um corpo de concepções que é capaz de dar conta do exemplo histórico apresentado; e, por outro lado, tentamos destacar a forma com que essas teorias podem ser trabalhadas de forma complementar e não simplesmente excludente. A próxima seção tratará, como proposta, a exemplificação de um estudo de caso que também se debruçou sobre um movimento de jovens da Igreja (a RCC) feita por Flávio Sofiati (2009).

Pistas para um estudo entre religião e juventude

Existe um sem número de produções acerca da temática juventude e religião. Porém, pelo objetivo deste artigo, escolhemos debater um texto específico: a tese de doutorado “Religião e Juventude: os jovens carismáticos” de Flávio Sofiati (2009). Uma das grandes inspirações para este artigo é justamente a reconstrução histórica da juventude que Sofiati apresenta no início de seu texto, monstrando diversas etapas que os jovens enfrentaram no seu desenvolvimento enquanto segmento etário. De acordo com autor, duas diferenças entre a juventude dos anos 50-60 (período o qual a JUC encontra seu auge e desfecho abrupto) e as demais são: (a) a posição de solidariedade com as classes menos favorecidas e (b) o destaque que o movimento estudantil possuía à época (Ibid.: 9). Embora a maioria dos membros do movimento estudantil (principalmente universitários) fosse proveniente de uma classe média urbana, existia um grande questionamento acerca das estruturas socioeconômicas as quais seriam responsáveis por uma série de desigualdades.

Isso ocorre pelo fato de que os grandes espaços de socialização para jovens dessa época eram o movimento estudantil e o sindicato; ao contrário dos jovens dos anos 2000 os quais tiveram a igreja como espaço de socialização prioritário. Apesar de acreditarmos no fato de que a Igreja, mesmo para os jovens da década de 1960, nunca deixou de ser um espaço de socialização 6; o movimento estudantil tinha grande destaque na sociedade até então, servindo de exemplo para a maioria dos jovens (Santos, 2009). Já nos anos 2000, os jovens perdem esse destaque, sendo relegados a uma posição de impotência; voltando a exercê-lo somente no espaço religioso, onde são conceituados como agentes de relevância para o movimento carismático (2009: 12).

Uma outra diferença entre a JUC e a RCC seria o fator classe e participação política. No que se refere a política, os jovens da JUC tinham uma alta participação em diversos órgãos políticos, sendo a própria UNE, um deles; ao passo que os jovens dos anos 2000 guardam uma distância em relação à política, não somente devido ao fato de que a política simboliza algo “sujo”, “profano”, mas pela devido à escassez de tempo para participação, uma vez que a maioria desses jovens são forçados a entrar no mercado de trabalho mais cedo, diferente da maioria de classe média urbana da JUC ( Sofiati, 2009: 18). Sobre o caso da RCC, a religião, por outro lado, oferece ao jovem um meio de participar da vida social, projetando a possibilidade de um “futuro mais estável” (Ibid.: 9).

O que Sofiati demonstra com seu estudo da religião católica é justamente uma possibilidade de analisar historicamente as modificações das filiações sociais e políticas dos jovens. Portanto, demonstra também a possibilidade de pensar a juventude como categoria socialmente relevante; para ele, a juventude seria um elo, uma transição, sendo esse momento uma construção interpessoal (Ibid.: 25 e 26). A fim de analisar as possibilidades de intervenção da religião nessa construção, o autor se utiliza de Weber (na análise do carisma dentro da renovação carismática) e de Gramsci (sobre a religião de modo geral).

Para a corrente classista, Gramsci teria sido mobilizado para discutir as conexões entre cultura e forças produtivas; já para Sofiati, o autor foi mobilizado para refletir a possibilidade de tomar a religião enquanto ideologia. A ideologia seria uma visão de mundo específica construída em torno das relações com o ambiente (tal como em Marx, 1999), sendo responsável pela construção da realidade social, principalmente no que se refere a política e a sociedade. Desse modo, a religião teria um papel, necessariamente, de construção da realidade dos jovens, principalmente no contexto da RCC, em que a Igreja simboliza a principal forma de inserção social.

Pode-se definir a ideologia como visão de mundo, sendo a religião parte de um tipo específico de olhar sobre a realidade. A religião concebida como um sistema de valores que possui noções de sagrado e transcendente está inserida numa visão de mundo, definida como um conjunto de sistemas de valores integrados numa determinada estrutura social. Por conseguinte, como define Gramsci, a ideologia é o grande sistema de valores que trata da organização social e política da sociedade ( Sofiati, 2009: 48)

A religião, posta nesses termos, pode ter grande influência na construção de qual seria o papel desse elo dentro da sociedade. Isso porque ela seria responsável por organizar o contexto social. Portanto, em um cenário em que a maioria da população ainda faz parte de uma religião, é necessário pensar a conexão entre jovens e religião ( Sorj e Martucelli, 2008: 40 e 41). Na apresentação do caso JUC, tentaremos estabelecer a importância do momento no qual a Igreja católica se situava para compreensão da sociogênese e manutenção do movimento.

JUC: história e sociogênese

A Igreja católica brasileira, no início do século XIX, atravessou um período no qual a tomada de decisão e a instrução de padres e bispos estava concentrada nas mãos de uma elite eclesiástica brasileira e do próprio império (regime do padroado). Este modus operandi sofreu modificações depois que vários padres tiveram sua instrução em Roma, contribuindo para um processo de aproximação entre a Igreja de Roma e a Igreja do Brasil ( Miceli, 2009: 18 e 19). Desse modo, o desafio da instituição era construir um monopólio legítimo sobre o rito religioso contra as formas populares - que eram representadas pelo acesso direto ao sagrado (sem necessitar de padres para isso), individualização da fé e pelo grande poder que tinham as lideranças leigas ( Oliveira, 1978: 17).

Com o fim do padroado, novas estratégias foram traçadas pela Igreja católica romana: (a) maior ação sobre o sistema educacional; (b) uma aliança com a burguesia e outras elites para manter determinadas posições como religião oficial; (c) um ataque à legitimidade das lideranças leigas. Mesmo com incentivo da Igreja Católica Romana com o “Rerum Novarum” 7 do papa Leão XIII (1891), a Igreja bloqueava a ação de leigos que estivessem aquém do processo religioso. Um dos exemplos mais enfáticos disso foi o texto de Dom Leme (bispo brasileiro que atou em diversas dioceses) contra a ignorância religiosa dos povos brasileiros ( Oliveira, 1978: 23).

A ausência de uma tentativa de diálogo da instituição com estes tipos populares de catolicismo, e o desejo de se manter apartado das mudanças sociais ocorridas entre 1916 e 1940, provocou tanto um esvaziamento das fileiras de fiéis quanto fortalecimento de outros segmentos da religião cristã os quais estavam dispostos a pensar numa forma de “liturgia” que pudesse retratar novos acontecimentos socioambientais como a urbanização, por exemplo ( Oliveira, 1978). Por outro lado, embora o processo (romanização) tenha sido custoso nesse sentido, ele permitiu uma modernização de suas estruturas institucionais e o alinhamento direto com as políticas de Roma ( Mainwaring, 2004: 53). Este primeiro efeito permitiu uma diferenciação e um alargamento da divisão do trabalho dentro da Igreja, criando grupos específicos como os conservadores modernizadores ( Mainwaring, 2004: 57). Esse novo grupo tinha uma série de preocupações que variavam desde a expansão do comunismo e secularismo até o avanço de outras religiões no Brasil. A própria ação católica criada já em 1935 teve como objetivo convocar jovens para recrutar mais fiéis nas diversas esferas da vida social (trabalho, universidade e no convívio no campo) ( Kadt, 2007: 85 e 86). Portanto, tais coligações buscaram uma nova abertura da Igreja com o intuito de conter a perda de fiéis, fato que favoreceu o reestabelecimento de um diálogo com o catolicismo popular e com os leigos. A configuração da Igreja, portanto, passava por um momento de abertura para outras possibilidades de filiação em outras relações sociais por parte dos fiéis.

Embora ainda com um olhar conservador acerca dos costumes da “liturgia”, duas lideranças eclesiásticas, Dom Leme e Alceu de Amoroso Lima, criaram, em 1935, o que veio a se chamar a Ação Católica, inspirada em outros movimentos católicos ao redor do mundo ( Kadt, 2007). Durante muitas décadas, as atividades se resumiram apenas a introdução da fé católica no meio universitário e a formação de grupos de oração; porém, em 1950, mudanças estruturais dentro da Igreja e na sociedade brasileira como o aumento dos trabalhadores da cidade, de novos agentes pastorais, e de matrículas nas universidades mudaram a atuação desses movimentos ( Kadt, 2007: 89; Mainwaring, 2004: 69; Sá, 2015: 52; Lowy, 2016: 143).

Uma das grandes transformações da Igreja Católica foi a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com a atuação de Dom Helder Câmara, em 1952. Apesar de haver uma maioria conservadora dentro da Igreja, Dom Helder e outros reformadores foram capazes de montar articulações estratégicas tanto para uma organização da hierarquia católica quanto para uma abertura da Igreja ao “povo”. A estrutura montada durante o período anterior (de uma abertura mais efetiva aos leigos no pós-romanização), possibilitou o mínimo necessário para concretizar um diálogo efetivo com os leigos, por meio tanto das reformas paroquiais quanto da criação de programas que viabilizassem uma conexão efetiva entre padres e população ( Mainwaring, 2004: 66 e 67).

Ademais, a CNBB concretizou a chamada “doutrina social da Igreja”, por meio da criação de uma série de instituições “de caridade” como: a cruzada de São Sebastião no Rio de Janeiro e Movimento por um Mundo Melhor. Todos esses movimentos tinham como objetivo estabelecer um diálogo mais profundo com o “laicato” (conjunto de leigos), de maneira que esse também pudesse manter um pensamento autônomo e até mesmo crítico em relação a instituição.

É nesse momento que a Ação católica começa a se desenvolver como órgão parcialmente independente, com um pensamento próprio sobre o mundo. Em 1947, Dom Helder, responsável por uma série de avanços rumo a uma maior abertura da Igreja a demandas sociais e abertura para participação dos leigos, foi eleito presidente da Ação Católica Brasileira. Durante sua gestão, os membros da Juventude Universitária Católica puderam se filiar a partidos e a debater assuntos, durante reuniões, que não fossem necessariamente ligados ao culto católico ( Sá, 2015). A JUC, desse modo, pôde se aproximar mais dos debates dos outros movimentos estudantis o que possibilitou construir primeiros vínculos com a UNE (União Nacional dos Estudantes) ( Sá, 2015: 40). Em 1950, a UNE participava da campanha do petróleo é nosso, da campanha pela não cassação do PCB, e pela defesa de uma indústria nacional (Junior, 1981: 54); a JUC, por sua vez, promovia seu primeiro congresso no qual apontava para necessidade de realizar pesquisas sobre a situação da população brasileira ( Sá, 2015: 44).

As pesquisas realizadas pela JUC mostravam um contexto social marcado por desigualdades e por péssimas condições de vida no que se refere a boa parte da população; e, com o aumento do número de matriculados nas universidades, a busca por um diálogo com a população aumentou. O 8º conselho da JUC já dava o tom de que seria necessária uma atuação profunda dos católicos e estudantes para mobilizar as autoridades por mudanças ( Kadt, 2007: 85). Em 1959, a postura de buscar alertar as autoridades também é suprimida por um discurso sobre o papel do estudante católico como liderança para transformações sociais. Neste momento, a JUC já tinha um grande número de adeptos e instituições filiadas como a União da Juventude Metropolitana (UME), possuindo uma influência real em processos políticos à época — logo em seguida, em 1961, um “juciano” chegaria a presidência da UNE.

A Igreja católica romana, em 1961, convocou o Concílio Vaticano II — durando até 1965. O concílio foi convocado pelo Papa João XXIII e teve como bases os seguintes fundamentos:

O Papa solicitou o aggiornamento da Igreja, palavra típica roncalliana que significava o colocar em dia a Igreja, diálogo com o mundo moderno enculturação nas novas culturas, voltar às fontes vivas da Tradição cristã, renovação pastoral, um salto adiante, incrementar a fé, renovar os costumes do povo cristão, pôr em dia a disciplina eclesiástica. Como o Papa expressou a um bispo africano, tratava-se de abrir a janela da Igreja para que um ar novo nela entrasse e sacudisse a poeira acumulada durante séculos. A Igreja, como as fontes das praças de muitos povos, queria oferecer ao mundo água fresca, mas sem obrigar ninguém a bebê-la (Condina, 2013: 463).

Houveram diversas interpretações sobre o papel e significado do concílio em diversas regiões no mundo; no entanto, a América Latina promoveu uma leitura específica deste momento identificando-o como um alerta para os problemas do “marginalizados e pobres” (Ibid.: 469). Esta opção pelos pobres e por suas demandas vai se cristalizar no “Pacto de Catacumbas” (documento redigido por bispos latino-americanos em 1965) e outros eventos que se colocavam a favor de uma ideia de “lumen gentium”, ou seja, colocavam-se contra ideias que pregassem que os leigos seriam completamente ignorantes.

Ainda no que se refere ao papado, duas encíclicas tornaram-se relevantes símbolos da mudança de mentalidade da Igreja: “Mater et Magistra” (1961) e “Pacem in terris” (1963). Algumas características fundamentais desses documentos seriam: (a) a legitimação dos movimentos de base da Igreja; (b) a necessidade de uma luta social em razão do sofrimento dos pobres nos países subdesenvolvidos; (c) busca pela pacificação do conflito no espaço rural desses países; (d) defesa da dignidade da pessoa humana ( Mainwaring, 2004: 62; Sá, 2015: 64). A “Mater et Magistra” também representava a necessidade de reorganização da própria igreja brasileira a estas demandas que, como vimos antes, já estava inclinada para elas com sua abertura para os leigos e atenção às suas demandas; porém, para atender melhor esse pedido vindo do Papa, criou-se o Plano Pastoral Conjunto o qual buscava reorganizar os movimentos de base de forma a permitir que os leigos pudessem esclarecer suas próprias problemáticas.

As mudanças do Concílio não se concentraram apenas na hierarquia, elas atingiram camadas mais básicas (no sentido de base) da Igreja, tendo os leigos um importante papel na recepção destas ideias. A esquerda católica se desenvolvia tanto por um momento favorável da hierarquia papal e local (CNBB) como pela oxigenação das lideranças leigas as quais traziam novas ideais de suas experiências fora da instituição, a partir de outras relações sociais/filiações.

Movimentos leigos e de base têm impulsionado a renovação na Igreja Brasileira desde 1958. Um exemplo importante é a Esquerda Católica do período 1958-1964. Embora fosse pequena em termos numéricos e terminasse por ser marginalizada pela hierarquia e, então, reprimida pelo regime militar, introduziu novos conceitos de fé e mostrou o dinamismo potencial do laicato dentro da Igreja [...]. Os católicos também fazem parte da estrutural social e, como tal, participam da política enquanto estudantes universitários, camponeses, trabalhadores e médicos. Interagem com a sociedade e são influenciados pelas tendências da sociedade como um todo e, em particular, pelos movimentos sociais dentro de sua própria classe ( Mainwaring, 2004: 82 e 83).

Em 1958, a JUC já consolidava a busca por um ideal histórico de longo prazo que era a democracia e a igualdade econômica ( Mainwaring, 2004: 84; Kadt, 2007: 85; SÁ, 2015: 50). Em 1960, a JUC apoiou deliberadamente uma candidatura dentro da UNE, a de Oliveira Guanais; e, em 1961, elegeu Aldo Arantes, um militante do movimento, como representante da UNE, formando uma hegemonia de estudantes católicas que duraria até 1964. A ação da JUC para alcançar esse ideal histórico, neste instante, era desenvolvida a partir de três pilares:

O religioso (com ações como o esforço de catequese, encarnação evangélica, vida litúrgica, incentivo às vocações sacerdotais; econômico (visto que se fazia necessária a superação do capitalismo, para promoção da propriedade para todos), e político (participação em partidos de ideais coletivos, como a democracia, o anticapitalismo e o anticomunismo) ( Sá, 2015: 54).

Em 1963, vários eventos contribuíram para uma visão otimista por parte dos estudantes, principalmente para os católicos. Neste ano, teve-se editado a encíclica papal supracitada “Pacem in Terris”; mais: as eleições parlamentares representaram um avanço para a esquerda, uma vez que deputados que defendiam bandeiras como estatuto do trabalhador rural e aumento dos salários ( Sá, 2015: 77).

Portanto, havia um sentimento geral de busca pela modificação da realidade socioeconômica e, mais importante, uma crença na possibilidade de modificá-la a partir da ação católica e do processo de conscientização - de um certo modo, poderíamos pensar num constante otimismo por parte dos estudantes católicos “radicalizados”. Apesar de algumas diferenças notáveis, as redes de relações que a Igreja e os leigos reincorporados produziam uma interpretação positiva sobre as mudanças que estavam em curso na sociedade. Porém, o ano de 1964 encerra o sentimento de positividade e reconfigura esta rede, uma vez que a JUC sofreu grandes repressões tanto por parte da hierarquia como por parte da ditadura militar. No caso desse primeiro, a JUC sofreu sanções em relação aos seus membros que participavam de partidos políticos ou assumiam cargos de direção em movimento estudantis (caso de Aldo Arantes na UNE); já no caso da ditadura, a repressão contra estudantes foi uma prática comum, chegando até mesmo a um número elevado de mortes, tendo no caso Edson Luís (1966), um dos maiores exemplos. A JUC, portanto, encerra suas atividades em 1966.

Análise e conclusões

Vimos ao analisar a JUC, nas páginas anteriores, uma ação coordenada de um movimento estudantil católico que surge no momento de reabertura da Igreja aos leigos. Como supracitado, a JUC dos anos 1960 é caracterizada por um papel de destaque dos jovens na luta contra desigualdades as quais estariam ligadas a estruturas do sistema econômico até então. Tal característica fazia com que essa geração tivesse uma opinião positiva sobre os movimentos de trabalhadores urbanos e rurais. Nos termos de Mannheim (1952) apresentados acima, este ambiente era a posição geracional da década de 19501960. A JUC e a UNE responderam a este conjunto de coisas de modo diferenciado, mas são reflexos de experiências semelhantes e, por isso, poderíamos dizer que ambos possuem uma conexão geracional.

Ainda, a JUC poderia ser encarada como uma unidade geracional, uma vez que se torna um coletivo que age de maneira homogênea de acordo com a sua própria interpretação das experiências vividas. Isso demonstra a utilidade da classificação de Mannheim para organizar os diversos movimentos geracionais de maneira que esses podem ser compreendidos a partir de processos de análise histórica.

Ademais, o autor também teoriza sobre o advento de novas situações geracionais as quais podem surgir devido, entre outros motivos, a ascensão de novos portadores de cultura. Com a abertura do processo de romanização e a interpretação dos sul-americanos sobre o Concílio Vaticano II, novas ideias adentraram no cotidiano dos jovens da JUC; e, se somarmos as pesquisas realizadas pelo próprio movimento, teremos uma força ainda maior da introdução de novos bens culturais. Assim, mesmo sem um portador de cultura específico, a introdução de novos comportamentos e de bens culturais é realizada por meio das diversas filiações (movimento estudantil, igreja). Todos esses fatores provocam uma nova situação geracional.

Em relação a corrente classista, como mencionamos, tivemos dificuldade de encontrar uma forma de conectar a configuração de classes e das forças de produção à forma de resistência da juventude, uma vez que a maioria da JUC eram universitário de classe média. Contudo, a JUC resistiu a adotar determinadas visões advindas da hierarquia eclesiástica o que provocou um sem número de embates entre esses dois grupos ( Kadt, 2007). A impossibilidade de domesticar (no sentido de tornar dócil) a JUC tornou-se a principal fonte de sanções aos principais líderes do movimento e, com o advento do golpe de 1964, o processo de coerção foi acelerado. Por isso, a ideia de ansiedade social é útil para pensar os motivos que levaram a JUC a encerrar suas atividades.

No caso de Sofiati, a reconstrução histórica das diversas situações e preferências das juventudes passadas é um indicativo metodológico importante para pensar as consequências e conexões entre essas. Vimos, nesse texto, que a religião pode ocupar um lugar de leitura da realidade social, e organização do social e do político. Porém, acredita-se que aliado a essa visão, baseado no caso apresentado, deveríamos pensar que essa visão não é exatamente isolável. Como nos mostra Mainwaring (2004: 31), a igreja é uma instituição e, a partir disso, ela possui interesses que variam conforme o processo histórico da sociedade em geral, por isso “as crenças e práticas comumente designadas cristãs (sendo este nome a única coisa que tem em comum) devem sua sobrevivência no curso do tempo à sua capacidade de transformação à medida que se modificam as funções que cumprem em favor dos grupos sucessivos que as adotam” ( Bourdieu, 2015: 52). No caso da JUC, a visão de mundo religiosa foi alterada por ideias de outros âmbitos da vida social, por exemplo. Por isso, quando pensamos em um estudo sobre juventude e religião, é necessária uma reconstrução histórica sobre ambos os temas de modo a situar as possíveis modificações sobre as práticas religiosas e sobre a forma com que a sociedade os vê entre diferentes segmentos etários.

Encontramos dificuldade na aplicação de conceitos como moratória social, no caso específico. Isso ocorreu principalmente pelo fato de que as punições foram rigorosas quando os jovens adotaram ideias que eram contra elites estatais ou eclesiásticas - impossibilitando a hipótese de suspensão das regras para testes de papéis e identidades. No caso da moratória vital mencionado anteriormente, por outro lado, poderíamos pensar que esse capital temporal excedente, que poderia ser convertido em projetos de longo prazo, não poderia ser utilizado uma vez que a ditadura provocou um processo generalizado de incertezas para alguns desses jovens e, com o sentimento de medo constante, provocou uma derrocada dos projetos de modificação da sociedade.

Por último, voltando as ideias de Bourdieu apresentadas anteriormente, a JUC realmente traçou conflitos com outros segmentos etários, chegando a embates diretos com a tradição dentro da igreja católica, principalmente pela visão legítima do que viria a ser o “ideal cristão”. Isso nos leva a crer que, embora se possa concorda com a assertiva de Bourdieu de que realmente “a juventude é mais do que uma palavra”, a situação geracional e as diversas unidades atreladas a ela devem ser lidas em uma chave não apenas como uma construção histórica, mas de uma disputa de poder pela legitimidade da fabricação e apresentação de bens culturais e simbólicos.

Material suplementar
Referências Bibliográficas
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SOFIATI, Flávio Munhoz. Religião e Juventude: os jovens carismáticos. 2009. 255 f. Tese (Doutorado) - Curso de Sociologia, Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
SORJ, Bernardo; MARTUCCELLI, Danilo. O desafio latino-americano: coesão social e democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
Notas
Notas
1 Agradece-se a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro por disponibilizar recursos financeiros para realização de pesquisa por meio da bolsa de nível mestrado. Agradece-se também a professora Silvia Fernandes, do programa de pós-graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pela disciplina de Religião e Juventude a qual me forneceu ferramentas suficientes para elaborar este texto. No mais, agradece-se aos comentários de Fernandes sobre esse texto.
2 Os autores dizem o seguinte sobre o referido texto: “Cuando Bourdieu titula: “La juventud no es más que una palabra”, parece exasperar la condición de signo atribuida a la juventud. Claro está que presenta en sus análisis la polisemia de esta palabra, su distinto sentido según el contexto social en que es usada (profesión, gobierno, atletismo) y también su papel en las disputas por la riqueza y el poder, tratando de evitar el naturalismo espontáneo que surge alrededor de la noción en una primera aproximación por parte del sentido común [...]Más allá de esta descripción crítica -agudamente expresada- de la ‘cultura juvenil’, no puede claramente apreciarse en el texto si todo es estética en la condición de juventud” (1996: 2).
3 Nesse sentido, Groppo informa que as teorias tradicionais tornariam hegemônica a versão estrutural-funcionalista, a qual considera que os grupos juvenis têm a função de socialização secundária, destacando-se Parsons (1968), Coleman (1961) e Eisenstadt (1976): “[...] Dos jovens é que vem o risco da ‘anormalidade’ e desvio, em especial desde a delinquência dos novo s” (2015: 5). Esta visão pode ser válida para Parsons e Coleman, mas não é para Eisenstadt. Esse autor vê inclusive que há um conflito entre família e jovens, onde esse tenta romper um ambiente no qual possuí baixo poder de decisão, estabelecendo formas novas e papéis sociais originais. O jovem, então, pode até causar uma nova forma de integração social, ao atualizá-la, mas, nessa visão, ele é a solução.
4 Sobre isso, o autor indica uma terceira opção: as teorias pós-críticas. Essas fariam parte de um grupo que tenta “superar a estrutura” (GROPPO, 2015: 5).
5 Essa situação geracional, porém, não pode ser definida em termos biológicos, mas sociais, também. Mannheim elícita alguns desses (2010: 211): “(a) por la constante irrupción de nuevos portadores de cultura; (b) por la salida de los anteriores portadores de cultura; (c) por el hecho de que los portadores de cultura de una conexión generacional concreta sólo participan en un período limitado del proceso histórico; (d) por la necesidad de la tradición —transmisión— constante de los bienes culturales acumulados; (e) por el carácter continuo del cambio generacional”.
6 Quando Peter Berger reflete ( 1999: 4) sobre a modernidade, ele demonstra como esse período da história não eliminou de fato o pensamento religioso, uma vez que a religião, por meio de suas instituições e práticas, tem a possibilidade de negociar com o pensamento hegemônico da sociedade, permitindo uma maior longevidade de seu próprio culto. Portanto, seria capaz de se adaptar também ao movimento estudantil e ao sindicato
7 Encíclica papal que buscava incorporar crenças populares e tinha como objetivo dar uma explicação católica a acontecimentos como a urbanização e proletarização do mundo.
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