Neste número de Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, publicamos textos selecionados entre participantes dos grupos de trabalho, mesas-redondas e conferências proferidas nas XV Jornadas sobre Alternativas Religiosas em América Latina, patrocinadas pela Associação de Cientistas Sociais da Religião no Mercosul e organizadas pelo Comitê local, coordenado pelo Dr. Cristián Parker, da Universidad de Santiago do Chile (USCH), com participação da Universidad Católica Silvia Hernandes (USACH), em novembro de 2009. Durante três dias, reuniram-se especialistas na área de ciências sociais em 17 grupos de trabalho, três mesas redondas e uma conferência inaugural, proferida por Paul Freston.

As Jornadas são o evento científico mais importante da Associação de Cientistas Sociais da Religião da América Latina e ocorrem a cada dois anos, em diferentes países vez da América Latina. Seu objetivos são: 1) Criar um espaço para a exposição de pesquisas em andamento sobre o fenômeno das religiões e suas transformações no mundo contemporâneo, com especial atenção à América Latina; 2) Partilhar soluções teórico-metodológicas para a compreensão de realidades sociais diferentes em constante transformação; 3) Reunir e consolidar a rede acadêmica de cientistas sociais no Sul e, em especial, na América Latina; 4) gerar um ambiente para o desenvolvimento de teorias e metodologias autônomas que minorem a dependência em relação aos modelos vigentes nos centros de produção dominantes da área.

O primeiro artigo, apresentado inicialmente na forma de conferência, proferida por Paul Freston, nas XV Jornadas, traz uma reflexão sobre as condições de reprodução e perspectivas do protestantismo e, em especial, na sua forma pentecostal conversionista, na América Latina. Os cenários que o autor desenha tem como pano de fundo os modelos de modernidade religiosa oriundos das formações nacionais norte-americanas e européias, que dão o quadro de referência às discussões sobre secularização, modernidade e pluralismo religioso. Calcado na ideia de “modernidades múltiplas”, ele destaca os casos chileno e brasileiro como exemplares para se entender o que poderá acontecer com o campo religioso na América Latina. Estes estudos de caso estariam apontando, segundo o autor, para duas formas de transições, que podem ser vistas como sucessivas ou simultâneas, dependendo da formação nacional. A transição católica, que seria caracterizada pelo decréscimo do número de católicos e a pluralização religiosa, com níveis diversos de manutenção oficial do status quo da Igreja Católica diante do Estado. A transição protestante, que seria caracterizada pela chegada do protestantismo a uma espécie de estabilização demográfica já identificável no Chile e que talvez venha a ser observada noutros países do continente dentro de algum tempo.

Os dois artigos que seguem, relacionam catolicismo e história em momentos e contextos geográficos diferentes. O primeiro, Morte, catolicismo e africanidade na cidade do Rio de Janeiro setecentista, de Cláudia Rodrigues, aborda a importância das representações e práticas associadas à boa morte entre a população negra na época colonial brasileira. Recorrendo a registros paroquiais de óbito e testamentos de africanos e seus descendentes, a autora assinala as práticas de apoio aos moribundos a partir da apropriação, por parte dessas populações subalternas, da catequese católica que lhes era imposta.

O segundo, Redes Católicas y Estado en la “Revolución Argentina” destaca a contribuição de um ator singular para revelar uma identidade católica latente entre intelectuais que deram suporte a uma ditadura militar, no século XX, na Argentina. Guido Giorgi descreve e analisa minuciosamente a carreira de José Enrique Miguens, tecnocrata que, relacionado com o sistema universitário e redes de intelectuais católicos desenvolvimentistas, galgou postos de importância durante a ditadura de Onganía na Argentina, em meados da década de 1960.

Os outros dois textos que seguem, tratam de expressões místicas em contextos sociorreligiosos diversos: Índia e Brasil. No primeiro, intitulado “Iogues Indianos nas Fronteiras do Conhecível: Performance e Dissidência entre Siddhas Hindus”, Lena Tosta faz uma incursão etnográfica entre iogues hindus, fazendo uma crítica pós-colonialista à leitura tradicional que cientistas sociais fizeram desse fenômeno.

No segundo, “Cura e Reencarnação: o Processo de “Cura Espiritual” no Santo Daime”, Greganich apresenta o sistema de cura espiritual no Santo Daime, enquadrando seu objeto na antropologia fenomenológica, centrada no conceito de corporeidade (embodiment). O artigo apresenta uma descrição etnográfica sobre o sistema de cura/doença no Santo Daime designado de “cura espiritual”, fundamentado na reencarnação e no consumo ritual da ayahuasca.

Os três textos que finalizam esta edição podem ser lidos dentro da problemática das “religiões, modernidades e comportamentos”. Dois estudos de caso e uma análise quantitativa buscam compreender as relações entre religião e gênero, política e juventude. No artigo A Cruz e o Arco-Íris: Refletindo sobre Gênero e Sexualidade a partir de uma “Igreja Inclusiva” no Brasil, Fátima Weiss de Jesus descreve a trajetória e a situação atual de uma igreja evangélica inclusiva da cidade de São Paulo, com posicionamentos afirmativos acerca da homossexualidade, a reformulação de condutas morais e diferenças teológicas significativas em relação ao restante do campo evangélico.

Javier Romero, no artigo Jóvenes y Religión en un Mundo en Cambio. El caso de los jóvenes chilenos, interpreta e analisa os dados de um survey sobre a relação entre comportamentos e crenças religiosas entre jovens chilenos. Sua hipótese de investigação é que está acontecendo uma metamorfose progressiva do religioso na sociedade atual que é acompanhada pela ressignificação da relação dos sujeitos com o esta esfera social da vida.

A temática de gênero reaparece em artigo de Tatiane Duarte, Repensando Fronteiras Sociológicas e Estratégias de Atuação: o Religioso na Arena Política. Aqui, a autora analisa a inserção de uma pastora evangélica no campo religioso e numa eleição municipal, em uma cidade da área metropolitana do Rio de Janeiro. Cabe ainda dizer que este artigo deriva de monografia premiada pelo Terceiro Concurso de Monografias para Jovens Pesquisadores, organizado pela Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul.

Carlos Alberto Steil

Daniel Alves