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REPENSANDO FRONTEIRAS SOCIOLÓGICAS E ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO: O RELIGIOSO NA ARENA POLÍTICA.
Ciencias Sociales y Religion/Ciências Sociais e Religião, vol. 12, núm. 12, pp. 157-177, 2010
Universidade Estadual de Campinas

Artigo


DOI: https://doi.org/10.22456/1982-2650.12732

Resumo: Este paper trata da análise de aspectos do processo de construção da carreira religiosa de uma pastora envolvida em disputas por um espaço legítimo no campo evangélico através do re-conhecimento pela alta hierarquia evangélica local de sua “habilidade específica” como “porta-voz autorizada” de um novo Ministério. Diante deste quadro de referência, a etnografia é a opção metodológica que permite articular o local com os domínios mais amplos da vida social, como por exemplo, a atuação de evangélicos nos meandros da “grande política”.

Palavras-chave: Relações de gênero, religiões evangélicas, política local, religioso e Estado laico.

Abstract: This paper deals with the analysis of the process of construction of the religious career of one shepherdess involved in disputes by a legitimate space in the evangelical field through the recognition by the high hierarchy evangelical local of her “specific skills” as “authorized spokeswoman” of a new Ministry. From this microcosm of analysis, the ethnography is a methodological approach that links the local with the amplest spheres of the social life, as the meanders of “high politics”.

Keywords: Relations of gender, evangelical religions, local politics, religion and State secular.

Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.

Simone de Beauvoir

Este paper é fragmento da minha monografia final de curso fruto de meu envolvimento em um projeto de investigação etnográfica, tendo como cenário um dos quatorze municípios da chamada Baixada Fluminense/RJ.1 A partir da inserção neste campo, voltei o olhar para a participação de algumas mulheres evangélicas envolvidas em contendas pela representação política e pelo “mercado de bens de salvação” (Bourdieu, 2001).

O tema central da investigação dizia respeito, portanto, à interseção entre relações de gênero, religião evangélica e política local, por meio da observação participante de diferentes eventos nos quais atuaram estas mulheres. Procurei então tornar inteligível os modos pelos quais elas se inseriram nas redes da “política de reputações” (Bailey, 1971), descrevendo formas diversificadas de participação em campanhas eleitorais, partidos políticos e no jogo cotidiano de construção de reputações, carreiras e identidades.

Por agora, interesso-me em analisar fragmentos narrativos do processo de construção da carreira religiosa da dirigente local do Ministério Tempo de Salvar (MTS)2. Trata-se em descrever nuanças das disputas desta dirigente por um espaço legítimo no campo evangélico através do re-conhecimento da hierarquia evangélica local de sua habilidade específica como “porta-voz autorizada” de um novo Ministério (Bourdieu, 1996).

A atuação desta mulher nos interstícios da vida religiosa e da política local permite-me agora indagar algumas questões. Como se estabelece a vinculação entre religião e política, tema tão em voga nos dias atuais? De que modo então os evangélicos atuam na arena política? Podemos falar de uma “pentecostalização” do Estado laico? Como as diferentes confissões evangélicas emergem e se fazem presente nas diferentes pautas de governo de nações “democráticas” do século XXI?

De fato, não pretendo aqui esgotar tais indagações. Diante deste quadro de referência, a etnografia é a opção metodológica que articula o local com os domínios mais amplos da vida social, como, por exemplo, a atuação de evangélicos nos meandros da “grande política3”. Este é o empreendimento que procuro realizar neste breve ensaio.

A Autoridade Espiritual como Apanágio de Homens: Relações de Gênero e Investidura Religiosa.

Nos diversos rituais de campanha das eleições minoritárias de 2004 dos quais participei, procurei observar aspectos que diziam respeito à participação de mulheres na política local relacionadas ainda com o campo evangélico local. Apesar de estar preocupada com a inserção de mulheres nestes domínios, uma das candidatas à vereança pela coligação “Aliança Popular”.4 Pastora Inês passou-me despercebida nestes eventos de campanha, graças a sua forma discreta de atuação. Isso porque, mesmo “gostando muito de política” ela só se candidatou “a pedido dos membros da igreja” e por insistência de amigos para que ela “ajudasse o partido”.

Passadas as eleições municipais de 2004, encontrei-a em um evento peculiar no qual ela viria a desempenhar uma performance5inesperada, causando certo desconforto para os dirigentes eclesiais que participaram daquela situação social. O “Café de Confraternização dos Pastores” foi organizado por dirigentes eclesiais de diferentes igrejas evangélicas que haviam se comprometido, durante as eleições municipais, com o prefeito recém eleito. Contudo, esse evento marcou-se por duas denotações: a religiosa propunha a união entre as igrejas evangélicas e incitava-as a participar da arena política local.

O “Café de Confraternização”, coordenado por dois pastores, aconteceu em um clube da cidade cujo palco funcionava como uma espécie de púlpito. Uma visível faixa dava boas vindas aos “irmãos”: “Bem-vindos ao Café da Unidade dos Pastores da cidade. Oh! Quão bom e quão suave é que vivamos em união! (Salmo 133)”.6 A liturgia inaugural foi proferida pelo pastor da Igreja Batista Peniel que enfatizou a importância da unidade7 entre as igrejas evangélicas: “Deus vai estabelecer o reino nesta cidade se ficarmos juntos.

Depois da emocionada oração do Pastor, o prefeito recém eleito discursou sobre as “dificuldades” que o governo enfrentava para concretizar os projetos “prometidos” durante as campanhas eleitorais e que dependiam, de algum modo, da “ajuda” de deputados estaduais e federais vinculados ao governo do Estado do Rio de Janeiro. Logo após o discurso do prefeito, dois pastores tomaram a palavra e num tom de profético enfatizaram a importância da “unidade entre os irmãos” a fim de promover o projeto de clamor e de evangelização da cidade. “A cidade vai servir ao Senhor Jesus” diziam, mas ela somente será “vencedora” se houver um líder que “compreenda a Palavra”. É a Palavra que trará a “restauração” a “purificação” desta cidade.

De fato, o “Café dos pastores” marcou-se por dois momentos de exacerbação da “complexidade cosmológica comunicativa” (Peirano, 2001) do ritual8. O primeiro revelaria trilhas, caminhos e encruzilhadas e no segundo novas legitimidades e mecanismos de diferenciação social surgiriam, abarcando outras ideologias, interesses e ações sociais (Peirano, 2001, p. 27). Como nos ensinou Mariza Peirano (2001) os rituais marcamse por caracteres distintos. Ao passo que ele é capaz de realizar mudanças e transformações e questionar estruturas sociais também abre espaço para a consolidação destas mesmas estruturas sociais e das crenças culturais essenciais que as constituem (p. 27).

Vamos ao primeiro momento do ritual. Passado o clamor pela união entre todos os irmãos, o Pastor da Igreja Batista Peniel solicitou que os dirigentes eclesiais (e apenas eles) levantassem as mãos e orassem, todos juntos, pela cidade. Para a minha surpresa, a mulher que estava sentada ao meu lado, muito emocionada, também levantou as mãos. Depois de encerrada a oração ela contou que era Pastora de um novo Ministério e que tinha sido candidata à vereança nas eleições de 2004!

A “confraternização” completou-se com um desjejum e, pouco depois de concluído, quando ainda conversávamos com a Pastora Inês e com a esposa do pastor dirigente da Igreja Missão Evangélica, a recepcionista do evento, segurando um ramalhete de rosas, dirigiu-se à Pastora e perguntou de quem ela era esposa. Imediatamente a esposa do pastor adiantou-se em responder, em tom enfático: “Ela não é mulher de pastor, ela é Pastora!”. A esta resposta seguiu-se um silêncio constrangedor. Com efeito, a recepcionista permaneceu atônita, em silêncio durante alguns segundos, com as flores nas mãos, sem saber como agir.

Em seguida afastou-se para dirigir-se a uma espécie de supervisora. Retornando minutos depois entrega a rosa à Pastora: “A senhora também merece”! Desta vez, todas nós, pesquisadoras, Pastora, esposa de pastor recebemos rosas das mãos da recepcionista, sem que houvesse qualquer outra justificativa.

Ora, tal exacerbação da “complexidade cosmológica comunicativa” do ritual permitiu-me, então, observar um momento ideologicamente excepcional (Peirano, 2001) ou fora da ordem rotineira, como diria Victor Turner: o re-conhecimento daquela mulher como a autoridade eclesial de um dos Ministérios da cidade tanto por parte de parte da comunidade eclesial quando o meu próprio. Esta “variável ideológica inesperada” (Peirano, 2001, p.36) embora aparentasse ser um mero “incidente”, deixou explícito a dificuldade que a recepcionista teve em (re)conhecer a Pastora como uma dirigente eclesial. E em razão deste “estranhamento” indaguei: como a presença da única mulher representante da alta hierarquia eclesial foi interpretada pela comunidade de pastores dirigentes?

De fato considerei a atuação da Pastora naquele ritual por meio da acepção classificatória de Victor Turner que segue a tradição durkheimiana que toma os rituais enquanto fatores de coesão social. Sendo assim, Pastora Inês, no tempo daquele ritual, ocupava um “lugar liminar” (Turner, 2005, p. 140-141): um agente em passagem ritual, por isso mesmo, “perigosa” simplesmente porque “a transição não é nem um estado nem o seguinte, é indefinível” (Douglas, 1976, p. 119). Com efeito, quando um agente ocupa um lugar de difícil classificação, em uma dada situação social, borra a fronteiras das categorias costumeiras, polui a estrutura social. Trata-se de um agente de “status marginal” (Turner, 2005, p. 121) em um sistema social, onde “as posições de autoridade são reconhecidas, pois os que as ocupam, são todos investidos com poder espiritual explicito, controlado, consciente, externo e aprovado - poderes de benção ou maldição” (Ibidem, p. 123).

Como tal proposição não abre espaço para as incongruências de uma variabilidade estrutural revi a ideia de “posição marginal” que ocupara a Pastora, naquele dia, a partir de suas próprias palavras: “as igrejas pentecostais, especialmente as da cidade, não consagram a mulher como dirigente de uma congregação”. A investidura dada à mulher, segundo estes pastores, é de gerenciadora do lar e na Igreja elas ocupam no máximo a função de diaconisa. Contudo, segundo a Pastora, o Ministério ao qual pertence não se baseia em uma exegese bíblica que afirma que a ocupação de posições de autoridade na Igreja seria “apanágio de homens”, como naturalmente portadores de um poder espiritual legítimo, consentido por Deus. Pastora Inês lembra que foi convidada para a cerimônia como dirigente eclesial “apesar dos pastores da cidade me rejeitarem por eu ser Pastora”. Contudo, segundo ela, é o poder do Espírito Santo que a “capacita”. Deus é quem “me dá autoridade”. Deste modo, ela busca legitimar sua autoridade eclesiástica através da exegese bíblica:

A Bíblia fala de Gênesis a Apocalipse sobre a mulher, se Deus quisesse só o homem seria o homem a lavar o pé de Jesus? Quem secou o pé de Jesus? Uma mulher! Quem é juíza na palavra de Deus? Uma mulher! Quem viu Jesus primeiro? Uma mulher!

Ela enfatiza a argumentação lembrando que “eles” (os pastores da cidade) fazem uma “leitura equivocada da palavra de Deus”: não há qualquer menção, na Palavra, quanto à exclusão de mulheres aos cargos de liderança eclesial. Deste modo reafirma: “Os pastores da cidade simplesmente colocaram na cabeça que a mulher não pode ser Pastora”. Nesse sentido, Pastora Inês indica que a “rejeição” de mulheres em cargos de liderança diz respeito “à própria estrutura da sociedade”:

É na sociedade, por na Bíblia não tem, se você lê a Bíblia direitinho eles vão ver que a mulher tem influencia em tudo, tem primeiro lugar em tudo na palavra de Deus, se a mulher tem primeiro lugar na Bíblia por que não pode ter aqui [na sociedade] também? Jesus nasceu de quem? Foi um homem que pariu Jesus? A mulher pode ser exaltada sim!

Segundo ela, a maior prova da legitimação do seu dom, como a “capacidade” de profetizar, foi o “apoio” que obteve de alguns membros da Igreja Evangelho Quadrangular/IEQ quando a ela “rompeu” com esta Igreja “para guiar um novo ministério”. Somente depois desta ruptura ela alcançou o cargo de Pastora, o que aconteceu graças à urgência em guiar uma nova igreja, em função da força dos seus dons. Pastora Inês revela, então, que foi “avisada em sonho” que teria que sair da IEQ9 e “guiar uma nova igreja na terra”. Nesta visão aparecia o símbolo do Espírito Santo - uma pomba branca - que é o mesmo símbolo do Ministério Tempo de Salvar. Confirmou-se, assim, que era “chegada a hora” para aceitar a “convocação” de Deus.

Mesmo tendo sido consagrada como uma função na alta hierarquia do Ministério Tempo de Salvar, depois de dedicar-se a “abrir muitas obras”, a Pastora Inês continua “lutando como um homem” para se legitimar diante de outras denominações evangélicas da cidade. Segundo ela, a “história de luta” por um espaço legítimo na hierarquia religiosa local vem, como vimos, desde seu rompimento com a IEQ no momento em que percebeu que “lá” não “me deixavam andar”, não permitiam que ela exercesse seu dom de fundadora de obras.

Neste momento da descrição etnográfica, devo lembrar, ainda que brevemente, fragmentos do processo de conversão10 de Inês ao pentecostalismo, narrado, por ela mesma, em um das inúmeras conversas que tivemos no escritório do Ministério. Inês, já casada, não conseguia engravidar. Um dia, ela fora convidada a assistir um culto na IEQ. Naquele dia, a vice-pastora, esposa do pastor-presidente, dera um testemunho de que conseguira engravidar: “um milagre”, pois a ela não podia ter filhos. Inês esperava que o mesmo acontecesse com ela e por isso começou a frequentar os cultos. Porém “eu não queria ser crente, Esperava, apenas o mesmo milagre”. Finalmente ela engravidou.

Depois do “milagre”, ela começou a trabalhar na Igreja. Logo ingressou nas campanhas missionárias, justamente quando a IEQ já havia se tornado uma expressiva igreja evangélica independente da igreja-mãe norte-americana (Freston, 1993). Contudo, ela só veio a se “doar a Jesus”, de fato, após o nascimento do filho. Isso porque a criança nasceu com um problema de saúde. E, naquele momento, no Hospital, segurando seu filho no colo, ela fez um pacto de confiança e de cumplicidade com Deus: “Eu não te conheço, [...], mas se este Deus dos crentes existe, como eles falam, eu quero meu filho de volta”. Mesmo assim, o quadro da criança se agravava e ela novamente pôs a sua confiança em Deus à prova: “passei um óleo ungido que o Pastor me deu nele, e eu disse, Deus eu largo de fumar, faço o que você quiser, vou onde o Senhor me mandar, porque meu filho é tudo para mim”. O médico veio, levou a criança para operar e logo voltou afirmando que a anomalia física tinha sido “curada”. Naquele momento, Pastora Inês disse, “Ele o operou”.

Voltando à formação religiosa da Pastora Inês. A meu ver, ela fora treinada em um tipo de organização eclesial “menos rígida”11 no que tange aos costumes e a atuação de mulheres em cargos de liderança. Fruto, em parte, da atuação “não tradicional” da fundadora da IEQ, Aimeé Semple McPherson (1890-1944) (Freston, 1993). Com efeito, o exercício do sacerdócio feminino12 na IEQ relativiza o papel reificado das relações de gênero no universo das igrejas pentecostais e cristãs em geral. Enquanto a Igreja Católica não aceita que uma mulher ocupe o sacerdócio13 e as igrejas protestantes históricas caminham nesta direção em passos lentos, a pentecostal IEQ exibia, desde sua fundação, um modelo que, de algum modo, influenciou as escolhas espirituais da Pastora Inês.

É neste contexto histórico de legitimação da IEQ que a Pastora Inês “renasceu”, treinada em um espaço religioso no qual a investidura do sacerdócio podia se constituir em um lugar social de acumulação de prestígio, honra e reputação e de gestão da mulher. Ouso a afirmar que este quadro permitiu Pastora Inês, quiçá tantas outras pastoras do Ministério, transitar entre o “tempo da igreja” e “o tempo da política”.

Esta perspectiva que ora adoto relativiza o nosso senso ordinário baseado em acepções naturalizadas porque, como sugere Brenner (1998), aponta para a superação das dicotomias entre as esferas do privado e do público, da administração da casa e da família e do exercício da autoridade eclesial. Não é de espantar que em 2004 a Pastora Inês - já agora dirigente eclesial do Ministério Tempo de Salvar - tenha recebido e aceitado o “convite” de um partido de representação nacional para candidatar-se a vereadora da cidade. Embora não tendo sido eleita, parece-nos que o capital religioso por ela acumulado no cotidiano da IEQ, e legitimado no novo Ministério, fora reconvertido, em parte, para o campo da política.

Contudo, permanece a pergunta: porque alguns representantes da hierarquia evangélica local continuam a vê-la como um agente estruturalmente invisível, de status marginal e liminar (Turner, 2005, p. 139)? Por que, para eles, Pastora Inês é um agente poluidor que borra as “categorias costumeiras” (Ibidem, p. 141) da estrutura hierárquica evangélica? Por que ela continua a “lutar como um homem” para se fazer re-conhecer no mundo evangélico local?

A “Amplificadora da Obra do Senhor”: Legitimidades das Palavras que “Fazem as Coisas”

Em 2006 participei do Congresso Nacional dos Jovens, um ritual que inaugurou o novo espaço da congregação-sede do Ministério Tempo de Salvar14 na cidade. A igreja foi construída num bairro modesto numa rua sem calçamento e de precária iluminação pública. Embora não muito distante do eixo político administrativo da cidade, mas fora do olhar daqueles que transitam por essa região considerada como “o centro da cidade”, a pequena igreja conta com cerca de 60 lugares. A construção do novo templo teve os recursos financeiros e humanos garantidos fundamentalmente pela membresia que mora nas cercanias do templo e cujos fiéis vieram da IEQ, pelo menos em parte, juntamente com Inês que era então missionária. Por isso mesmo o novo espaço só se tornou possível pela “capacidade dela de pregar, de abrir pontos de oração até numa varanda, para amplificar a obra de Deus”, afirma o coordenador do grupo jovem. De fato, relata ele, muitos membros doaram seu “tempo livre” para ajudar na construção da Igreja seja “pegando no pesado” seja arregimentando doações.

A Pastora Inês coube ministrar um culto de grande importância para todo o Ministério, pois assinalava o seu crescimento, através da inauguração da nova congregação-sede responsável por mais quatro congregações-filiais na cidade. Todas vinculadas à Igreja-mãe (sediada em um bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro), mas sob a direção da Pastora Inês.

No púlpito estava representada a hierarquia do Ministério Tempo de Salvar composta por uma maioria de mulheres dirigentes das congregações filiadas à congregação-sede, administradas pela Pastora Inês e também de outras congregações vinculadas à Igreja-mãe do Ministério. O tema do congresso centrava-se na convocação dos “jovens” a exercer a disciplina evangélica. Na capa do prospecto distribuído a todos os participantes havia uma chamada bíblica igualmente dirigida aos “jovens” - os escolhidos de Deus - para que eles escutassem seriamente a Palavra: “E disse-me: filho do homem põe-te em pé, e falarei contigo” (Ezequiel 2:1).

Como disse, a liturgia voltada para os “jovens” incitava à prática de um ethos evangélico reforçado pelo texto bíblico: “Se algum moço não quiser ser desprezado, que seja um exemplo. (Primeira Epístola de Paulo a Timóteo 4:12). Nesse sentido, o tom do ritual era o de admoestação para que nenhum daqueles “jovens” descuidasse de sua “mocidade”, procurando ser “um exemplo de fiel no trato, no amor, no espírito, na fé, na pureza” (1ª Epístola de Paulo a Timóteo, 4:12).

O ritual foi marcado ainda por fortes manifestações de fervor por parte da membresia e da alta hierarquia do Ministério que louvavam e clamavam em voz alta. Pastor João, dirigente da congregação de Itaguaí, foi o único a fazer menção a estas manifestações: “podemos achar que o que está acontecendo aqui é emoção. Não é emoção não. É a presença do Senhor! Ele está aqui!”. Durante a pregação do Pastor João o Espírito Santo se deu a conhecer no mundo sensível através de profecias, clamores, gritos exaltados, lágrimas e do falar em línguas estranhas.

Essa forte expressão de sentimentos, como observei, não foi interpretada pelo Pastor como uma mera “emoção”, principalmente porque três pessoas começaram a falar em línguas estranhas, o que é a demonstração de um dom do Espírito Santo e não um ato de natureza emocional. Naquele momento, eu mesma senti uma “forte sensação de que estava acontecendo algo que eu não sabia descrever”! Além disso, me percebi tomada de “susto” e como pesquisadora experimentei um sentimento contraditório de estranhamento e de identificação, ainda que por pouco tempo, com os sujeitos da pesquisa: “o Espírito Santo está aqui!”, pensei.

De fato, o Espírito Santo lá estava. E naquele momento apoteótico de manifestação e de validação do dom15 do Espírito, Pastora Inês deu início à sua pregação. Empregando um tom profético em seu “testemunho”, ela versou sobre o “chamado para ser Pastora de um novo rebanho”: “Jesus me disse: ‘filha eu vou tirá-la dessa Igreja, pois, Eu quero que você faça a minha obra. Você vai guiar uma nova Igreja na Terra’!”

A Pastora prosseguiu a profetização usando a sua carreira como exemplo de “fé e confiança em Jesus”. Afinal, ela fora membro da IEQ onde teve que “lutar por mais espaço”, pois seu capital religioso já se manifestara, mas não era reconhecido pela hierarquia da IEQ. Sua capacidade de “amplificadora da obra de Deus”, estava sendo cerceado. “Foi um momento de crise”, disse ela, então “rompi com a IEQ e com uma tradição pentecostal” que exercia uma explícita referência ao papel da família consanguínea no exercício do “monopólio do mercado de bens de salvação (Bourdieu, 2001). Diz Pastora Inês “na IEQ a única pastora que tinha era a mulher do pastor-presidente”.

Durante seu “testemunho” o púlpito era o território mesmo de sua legitimação graças ao reconhecimento de sua força espiritual pela membresia, que louvava, em voz alta, o Ministério dirigido por uma Pastora cujo dom era o de edificar a “obra do Senhor”. Deste modo, o testemunho da Pastora Inês fora transformado numa narrativa profética, descrevendo o caminho pelo qual ela conseguira adquirir e transferir capital religioso de uma igreja para outra. A “maior prova do seu dom” e da legitimação de seu poder como líder espiritual foi à conclamação feita à membresia, especialmente aos “jovens”, para que os instrumentos sonoros, que estavam sem funcionar, fossem “ungidos contra a atuação de Satanás” que tentava prejudicar o culto. Elevando a voz conclamou:

Igreja levanta a mão para estes instrumentos e glorifica para o Senhor! Eu quero dizer para o Capeta que, com som ou sem este congresso sai, sabe por que irmãos? Porque aqui não tem lugar para o diabo! Mas sim para o Espírito santo de Deus!

Como vemos, a pregação da Pastora demonstrara o controle das “habilidades específicas” para discursar em nome de um grupo específico em um ritual específico. De fato, a Pastora era a “porta-voz autorizada” (Bourdieu, 1996, p. 89) nomeada institucionalmente pelo Ministério para “lutar”, naquele momento, contra o diabo16. Nos discursos institucionais, como o do ritual do Congresso Jovem, o “porta-voz autorizado” - Pastora Inês - dispõem de uma autoridade cujos limites coincidem com a delegação fruto da investidura concedida e consagrada pelo grupo (Bourdieu, 1996, p. 91-93). Envolve, portanto, a concessão de um “título oficial” que garantiu Pastora Inês ser a detentora do cetro (Ibidem, p. 91): a autoridade (re)conhecida pela hierarquia eclesial e pela membresia por sua habilidade de fazer uso da palavra. (Ibidem p. 83)

Em apenas um mês nós conseguimos fazer o que está aqui. E nós sabemos o quanto estes jovens tiveram participação neste congresso, assim como muitos irmãos, os quais quero agradecer e pedir a Deus pela vida de vocês. Que ficaram aqui comigo o dia inteiro neste lugar. Faz dois meses que estamos aqui lutando por esta obra e Deus nos deu a vitória, Aleluia! Quero te agradecer Senhor por este Ministério. Que o senhor colocou em nossas mãos. Pai obrigado porque você tocou o meu coração e mudou a minha vida. Obrigada Pai por este Ministério, por tudo que o senhor tem feito em nossas vidas e o que ainda vai fazer.

Ora, naquela “luta pela imposição de uma visão legitima do mundo” (Ibidem p. 82) Pastora Inês reforçou sua autoridade espiritual por meio da “eficácia performativa do discurso” (Ibidem, p. 82). Reforço, suas “palavras de ordem” (Ibidem, p. 89) contra a “atuação do Diabo” eram proporcionais, portanto, aos limites de sua posição, delegada e legitimada pelo Ministério (Ibidem, p. 86).

A meu ver, a performance da Pastora Inês naquele ritual permite dizer que ela vem construindo sua carreira, principalmente, a partir da utilização do capital linguístico adquirido no cotidiano da evangelização. É deste modo que ela procura legitimar positivamente sua reputação (Bailey, 1971) ao mesmo tempo em que evita fazer referências, durante os cultos, sobre seu papel de esposa, mãe e co-gerenciadora do ambiente doméstico.

Encontrei-me com a pastora, em outro momento, quando passava pela frente de sua casa e a vi, juntamente com um senhor, construindo um pequeno espaço na parte lateral da sua moradia. Ela convidou-me para entrar. Permaneci na sala de visitas, onde tivemos uma conversa informal. Inês é casada há mais de 20 anos com Tomás. Eles têm dois filhos, o mais velho é vice-presidente da congregação-sede do MTS, dirigida por ela. Tomás não é evangélico, trabalha há muitos anos como bombeiro hidráulico muito requisitado na cidade.

Inês revela então que mesmo após ter se tornado Pastora, Tomás “continua a reunir-se com os amigos no quintal, aos domingos, para fazer churrasco e tomar uma cervejinha. Mas está sempre me ajudando. Ele ajudou na construção do templo”. Inês considera que sua “carreira como evangélica” se deve à “ajuda” do marido. Fato é que “Ele sempre me apoiou, ele não é evangélico até hoje, mas ele me ajudou a ser evangélica, porque ele não se opôs”. Como vemos, a narrativa de Inês dissolve nosso senso ordinário naturalizado e naturalizante sobre os gêneros...

O escopo desta etnografia fora rastrear (Ginzburg, 2002) a carreira religiosa da Pastora Inês, considerando, principalmente, sua participação nos rituais que diziam respeito às disputas por posições de poder e pelo controle de certos espaços como o do “tempo da igreja”17. O “imaginário das relações de gênero” foi o território desta narrativa exercida a partir de um modo de “captura” (Brenner, 1998) que privilegiou não como um ethos naturalizado de mulher, mas sim uma forma de atuar condizente com a rede de relações sociais pertinentes ao próprio campo no qual ela transitou.

Sendo assim, as reconfigurações de gêneros, abrangidas nesta etnografia, demonstram a fragilidade de “lugares comuns” de etnografias de gênero que partem, sobretudo, de uma concepção de modernidade que reifica a dicotomia entre o público e o privado. Se considerarmos o modo como a Pastora Inês conectou valores e práticas vinculados à casa e à família e aqueles associados às esferas ditas “extradomésticas” (como o mercado de bens de salvação) esta dicotomia, certamente, dissolver-se-ia.

Considero que a circulação da Pastora18 entre o espaço público da igreja e o espaço do cotidiano da família não pode ser apreendida por meio da noção simplória que “imagina” que ela seria portadora “de uma outra ‘lógica’, a lógica da esfera doméstica, que poderia poluir a lógica da esfera pública (Corrêa, 2003, p. 15). Com efeito, ao puxar alguns dos fios enredados de sua carreira, compreendi que ela confere vários sentidos para o chamado “papel da mulher” seja no domínio da vida política seja no domínio da hierarquia eclesial.

O que esta etnografia grafa afinal? Por certo, que não há uma universalidade identitária nem de mulheres nem de homens (Brenner, 1998). Deste modo, reafirmo a noção da “natureza imaginária do gênero”, discutida por Mariza Corrêa (2003), associada às questões propostas por Suzanne Brenner (1998) sobre as possíveis características não homogêneas e mesmo contraditórias das relações de gênero, envolvendo os domínios da família, da política, da economia e da religião. É nesse sentido que as pegadas aqui seguidas não apontam para uma denúncia simplista das dificuldades enfrentadas por Pastora Inês para legitimar sua “carreira como evangélica”. Procurei, como uma caçadora, seguir indícios e sinais (Ginzburg, 2002) tentando compreendêla “mais como uma espécie de exemplo”, repleto de contradições, do que como uma personagem finda (Corrêa, 2003, p. 17).

Cabe então lembrar com o mestre francês que “a identidade tem uma existência puramente teórica” (ApudCorrêa, 2003, p. 25). Ao procurar unidade em um mundo de identidades fragmentadas sentimos um desconforto perante “nossos espelhos de identidade” (Ibidem, p.26). Nesse sentido, argumenta Donna Haraway - retomada por Mariza Corrêa (2003) - procuremos afinidades e não identidades, relações e não semelhanças. Há um “mito político” no nós, nas coletividades. Sendo assim voltemos às palavras da própria Pastora Inês: “eu preciso ser como um homem para guiar meu Ministério” (grifos meus).

De fato, esta etnografia aponta que não há espaço para um nós totalizador universalizante que abarque uma identidade atomística para Pastora Inês. Há afinidades e relações. Talvez a “habilidade específica” de Pastora Inês seja justamente jogar com estas categorias de existência puramente teórica. Nós heurísticos fazem parte de seu repertório, mas eles são manipulados por ela, a cada cena, a cada ato. Se há uma formalização da estrutura (mulheres não podem ocupar cargos de pastoreio) há também manipulação desta estrutura por elas. Uma vez disseram que normas sociais não são apenas planos de ação, mas ainda pontos de ambiguidade produzidos pelo encontro, na prática, de diferentes atores sociais, com interesses diversificados (Leach, 1996).

Ora, mais uma vez: o que esta etnografia grafa afinal? Que abandonemos a ideia de espaço natural de homens e de mulheres. Deixemos nos levar pela natureza imaginária dos gêneros! Sendo assim, ao puxar os fios da carreira desta mulher percebi que eles se enredam a outros. Entrecruzamse, se afastam, se aproximam. Pensemos em mitos, mas em um que verse sobre fios e rastros. Um labirinto repleto de fios enredados, coberto de nós. Fios enredados em outros, sendo desenrolados pari passu por este labirinto construído pelas próprias relações sociais. Nesta etnografia, assim como Ariadne (que guiava um homem, Teseu) vim puxando diferentes fios pelo labirinto, lutando com[o] Minotauro. Estes fios expressam as vidas que encontrei. Contudo, foram estes e estas que justamente me guiaram, não me deixando perder pelo caminho.

Reconfigurando Espaços Sociológicos: Religião e Política

Os fios da “arte de existência” (Foucault, 1984, p. 15) da Pastora Inês demonstram, a meu ver, que a etnografia é a opção metodológica que permite conectar “o local” a certos aspectos macroscópicos tão em voga em nossa sociedade: as relações de gênero e de poder, a vinculação entre religião e política, a emergência da religião na vida pública. Orientada a favor da etnografia começo então a pincelar uma nova tela. os modos pelos quais parlamentares vinculados a Frente Parlamentar Evangélica participam da arena da Câmara dos Deputados. Volto meu olhar para os contextos de negociação política e o lugar de demandas e de filiações religiosas na feitura de projetos de leis especialmente aqueles que deságuam no debate entre laicidade do Estado e religião19.

A Frente Parlamentar Evangélica tem se interessado na elaboração de Projetos de Lei que garantam o “direito à vida” assumindo um posicionamento radicalmente contrário a matérias que tratam de temas como direitos sexuais e reprodutivos, aborto e fármacos, eutanásia e anencefalia. O período de redemocratização no Brasil fora marcado pela irrupção política de evangélicos, de diferentes denominações, no cenário do Congresso Nacional. A religião evangélica no Brasil desprivatizou-se (Casanova, 1999, p. 5) nos anos de 1980 ao tornar-se “pública”, ao adentrar os espaços da política, ao se “publicizar”. Um fenômeno que se contrapõe as teorias da secularização (Casanova, 1999, p. 3-4) que consideram a religião como algo do domínio do privado sem levar em conta o papel que elas continuam tendo no domínio público do mundo moderno (idem).

Nesse sentido, a “politização pentecostal” (Freston, 1993) surge no Brasil durante a Constituinte de 1988 caracterizando-se, sobretudo, pelo pleito que certas demandas fossem incluídas à Carta Magna. No início deste século deputados evangélicos continuam a seguir o destino político de reescrever o Brasil por meio da corroboração do princípio pétreo constitucional: a inviolabilidade do direito à vida (art. 50). A “defesa” da vida é uma delegação política. Para estes parlamentares se a política é vocação, a missão é “pela vida”. E a “vida em si” requer um posicionamento radical: ou se é contra ou se é a favor.

Outrossim, este destino político ratifica a “defesa do ambiente sectário” (Freston, 1993, p.181) que rejeita, sobretudo, princípios do mundo externo que podem comprometer “a reputação da seita”. Como lembra Freston (1999) o Brasil presencia um “crescimento sectário rápido num contexto democrático” (p. 338) quando não há uma proposta “universalizante” para a sociedade. O “conceito sectário de missão” (ibidem) autoriza, pois, que o Reino dos Céus ocupe o espaço público da política a fim de lutar “contra as Trevas”. Como lembrou o ex-deputado Pastor Pedro Ribeiro (PR/CE) a “ordenança de Deus” tem que se unir contra “os tentáculos do Inimigo” nas causas pela vida.

Deste modo, a “defesa pela vida” é uma espécie de batalha espiritual travada no legislativo quando parlamentares evangélicos (em discursos proferidos nos cultos semanais realizados num dos Plenários da Casa) enaltecem a vocação política, delegada por Jesus, de governar o povo brasileiro. Logo, a Nação devem ser gerenciada pelos “homens cheios do Espírito” “nascidos de novo” que fazem parte de uma “Igreja tem a resposta que os políticos procuram” (Freston, 1999, p. 338).

Ora, este cenário marcado por uma“pentecostalização do estado laico” (Damasceno & Duarte, 2009) a saber: a participação de quadros religiosos na vida publicas brasileira merece ser rastreada mais densamente. Deste modo, corroboro com a perspectiva de Emerson Giumbelli (2008) de que a presença do religioso na vida pública se deu no interior mesmo do nosso ideário da secularização e não como seu opositor (p. 80-81). Talal Asad (1993) e José Casanova (1999), por diferentes vieses, propõem que o fenômeno da participação da religião no espaço público relaciona-se ao advento da modernidade. Para Giumbelli (2008) a relação entre secularização e religioso deve ser consideradas não como pólos de oposição, mas como “pares indissociáveis na modernidade” (p. 81). Sendo assim, a intenção é problematizar estas “categorias diferenciadas” bem como “investigar as condições nas quais esta indiferenciação é afirmada e sustentada como tal” (Asad apudGiumbelli, 2008, p. 81). Deste modo dissolver-se-ia as “noções universalistas” sobre a religião que não concebem que a definição ela mesma é produto de processos discursivos históricos (Asad, 2003, p. 29). Uma crítica de Talal Asad a Clifford Geertz e sua concepção de religião como sistema de símbolos.

Nesse sentido, Giumbelli (2008) aposta numa perspectiva que ora concordo: a recusa a busca de princípios para entender este fenômeno. Para o autor, devemos nos deter as modalidades da relação entre Estado e religião e os dispositivos de laicidade em cada contexto. Talvez por isso o autor ponha em suspensão o modelo francês como “espelho” para entendermos a participação da religião na nossa vida política. Ora, distinguir modelos de realidades, como propôs Leach (1996), pois, o “modelo real” existe apenas nas mentes dos antropólogos, sob formas de construções lógicas (Leach, 1996).

Rita Hermon-Belot e Sébastien Fath (2005) analisam o quadro francês detentor do cetro da laicidade salientando para a mesma diferenciação entre teoria e prática. Segundo os autores a despeito da retórica de separação entre Estado e Igreja na França muitas atividades de cunho religioso são reconhecidas e até mesmo subsidiadas pelo Estado Contudo, tais práticas não estão despidas de ambiguidades (p. 4). Deste modo, os autores reafirmam certo “desconforto” da tradição secular francesa em abarcar o reconhecimento social da religião pela política: “L’État ne peut ignorer les religions” (p. 2), argumentam.

Danièle Hervieu-Léger (1999) detecta no mesmo quadro francês uma crise das instituições tradicionais como o catolicismo (p. 25), entretanto propõe identificar as modalidades próprias do “retorno do religioso” em cada civilização (p. 19). Deste modo, a autora aponta para uma laicidade em pane que traz novas problemáticas sobre a questão da laicidade no mundo contemporâneo. No caso da França a questão do Islã tem suscitado, por exemplo, pensar sobre o papel da própria laicidade na regulação institucional do religioso no regime republicano (Hervieu-Léger, 1999). Outrossim, a autora (1999) defende a necessidade de uma maior atuação do Estado na gestão e na racionalização do debate em torno da delimitação prática do exercício da liberdade religiosa.

A inserção da religião no cotidiano cultural e político dos países contemporâneos vem fermentando constantes e densos debates nas ciências sociais, de forma geral. Deste modo, tendo em vista um fenômeno desta ordem de grandeza e de complexidade há que se diferenciar atores em cena, distinguir contextos, assinalar assimetrias. No caso brasileiro ouso a dizer que a religião nunca se ausentou do espaço da vida pública, quiçá do espaço da política. “Quem ainda acredita no mito da laicidade”, perguntara Casanova (1999, p. 11).

Sendo assim, recuso a ideia de que religião e política “não se misturam” como se fossem átomos; “exteriores” uma à outra. Religião e Política são mônadas (unas e compósitas) marcadas por uma multiplicidade exponencial de diferenças infinitesimais e que por diversas maneiras relacionais possuem reciprocamente uma à outra. (Tarde, 2007, p. 57). Ora, religião, laicidade, Estado e política se possuem reciprocamente ao passo que rivalizam e se reforçam mutuamente em relações infinitesimais de repetição (Tarde, 2007) no espaço público brasileiro. O que proponho é desatomizar as acepções de modernidade, de cidadania e de laicidade de nossas mentes interessadas em entender por que estas categorias parecem ausentes da vida política brasileira. Finalizo reafirmando duas cautelas já propostas. A primeira que o tema requer outras trilhas etnográficas e debates analíticos (Giumbelli, 2008, p. 95). A segunda que a definição de religião que adotamos deve considerar tanto elementos heterogêneos quanto os caracteres históricos (Asad, 1993, p. 54). Como diria Tarde (2007): “Existir é diferir”.

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Notas

* Dedico este ensaio a Pastora Inês que me permitiu rastrear suas pegadas. Agradeço a solidariedade acadêmica de minhas colegas de pesquisa com as quais fui iniciada nas artes do fazer antropológico. Grata ao amigo Ricardo Dias Campos por sua imensa generosidade que não cabe aqui. As palavras que tomam este ensaio são fruto da valiosa orientação presencial e interessada de Caetana Maria Damasceno. De orientadora a colega, Caê continua a instigar mesmo a distância minhas preocupações analíticas sobre o tema da religião e da política e suas interseções com o espaço público, o privado e as relações de gênero no Brasil.
** Mestranda de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília. O presente artigo foi vencedor do Terceiro Concurso de Monografias para Jovens Pesquisadores, organizado pela Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul em 2009.
1 Para Alessandra Barreto (2004) a Baixada Fluminense tornou-se uma nomenclatura aglutinadora destinada a “identificar” um conjunto de municípios com características sócio-históricas diversificadas. Nesse sentido, a autora se dedica em apreender as representações sociais que estão por trás deste nome genérico, analisando a constituição sociológica dos municípios da Baixada Fluminense e a consequente diversidade de identidades de seus moradores. “Podemos falar em uma só Baixada?”, indaga a autora (p.45).
2 Todos os nomes informados são fictícios a fim de não romper com o decoro da relação entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa.
3 A qualificação “grande” política é aqui usada como um desdobramento daquilo que Bailey (1971) chamou de “pequena política” ou “política de reputações”.
4 Composta pelos Partidos: então Partido Liberal/PL, Partido Social Liberal/PSL e Partido Republicano Progressista/PRP.
5 Performance aqui assume a conotação apontada por Stanley Tambiah (ApudPeirano, 2001, p. 27) para discorrer sobre a eficácia da ação ritual. Um dos sentidos do caráter performativo do ritual, diz o autor, versa sobre a “performance que usa vários meios de comunicação através dos quais os participantes experimentam intensamente o evento [...]”.
6 Este salmo é significativo quanto às possibilidades concretas da união entre as igrejas evangélicas. “A excelência da união fraternal. Este salmo é uma expressão de santo gozo ocasionado pela reunião de Israel com uma só família nas grandes festas anuais. [...] Esta harmonia fraternal pode ser realizada na família, na nação, na igreja e no mundo, uma vez que as condições essenciais sejam observadas. Para irmãos poderem habitar juntos harmoniosamente e preciso haver: 1. Altruísmo e consideração um pelos outros 2. Tolerância das convicções ou escrúpulos dos outros. 3. Simpatia para com as aspirações e interesses dos outros. 4. Acordo em querer promover os interesses da família. 5. Laço de parentesco natural ou espiritual. 6. Amor comum aos pais, ou, no caso da irmandade cristã o mesmo amor e obediência a Deus. 7. Amor fraternal, por todos pertencerem à mesma família”. (A Bíblia Explicada, 1985, p. 207).
7 Devo lembrar que a própria ideia de unidade das igrejas evangélicas é uma variável extra-ordinária. Como lembra Freston (1993) o campo religioso evangélico possui uma tradição de socialização sectária (p.181), que rejeita, sobretudo, princípios cosmológicos do mundo “externo” que podem comprometer “a reputação da seita”. Seita aqui assume tanto a ideia de “seguir, ir atrás de, obedecer” quanto de “cortar, separar, dividir”. (Weber, 2004, p.289).
8 Entendo rituais no sentido adotado por Mariza Peirano (2003, p. 47), qual seja, “a eficácia da ação ritual reside no fato de acionar crenças culturais essenciais - crenças que constituem uma cosmologia - mas, ao mesmo tempo, questionar determinadas estruturas sociais. Neste sentido, os rituais podem concorrer para a construção de novas legitimidades, permitindo desvendar mecanismos, de diferenciação social e realizar a passagem das ideologias para os sistemas de ação (e vice-versa). É na ação que homens e mulheres de carne e osso, [...], buscam transformar interesses e ideais em realizações concretas. Rituais são, assim, bons para pensar e bons para viver. A partir deles tomamos conhecimento de nosso mundo ideal e de nossos projetos e ambições; a partir deles revelam-se trilhas, encruzilhadas e dilemas e, no processo, consegue-se, muitas vezes, encaminhar mudanças e transformações (p. 47).
9 A IEQ é a primeira denominação cristã a ser fundada por uma mulher - Aimeé Semple McPherson (1890-1944) que se converte ainda jovem e passa a percorrer o território dos EUA, promovendo evangelizações e sessões de cura divina em massa, em espaços públicos das ruas e praças (Freston, 1993, p. 82). Aimeé é uma figura que viveu à frente de seu tempo, e mesmo quando envolvida em escândalos sexuais e familiares, conseguiu manter sua trajetória ascendente no campo religioso, fruto do sucesso em “transformar criminosos e viciados em pessoas sadias.” (Ibidem, p. 83).
10 Não analisarei aqui detalhadamente o processo de conversão de Inês ao pentescostalismo. Para uma análise mais detalhada sobre conversão ao pentecostalismo cf. Mafra, 2002.
11 Como lembra Paul Freston (1993) Aimeé “era jovem, bonita e distante da imagem tradicional de mulher pentecostal. Não é por acaso que a IEQ é menos repressora no tocante à roupa e aparência femininas do que outras igrejas pentecostais” (p.83).
12 De acordo com Freston (1993), observava-se nos anos de 1990 uma maior abertura da IEQ para o sacerdócio feminino. Assim cerca de 35% dos cargos de pastoreio na Igreja eram ocupados por mulheres, muitas, inclusive, em cargos de pastoras titulares (22%) e em funções de diretoria, como a do Instituto Bíblico Quadrangular (p. 84).
13 Em uma série de cartas trocadas com o cardeal Carlo Maria Martini, Umberto Eco (2000) procura entender as cosmologias religiosas relacionadas com os aspectos terrenos da vida cotidiana. Neste sentido o autor busca através do texto bíblico e dos textos de São Tomás de Aquino argumentações que justifiquem o porquê da Igreja Católica não permitir o exercício do sacerdócio por mulheres. Segundo Eco, o texto bíblico não diz explicitamente que a mulher não pode exercer o sacerdócio. Já São Tomás vê a mulher como não “digna” e “impura”, portanto, não habilitada a ocupar cargos eclesiásticos (p. 52-53). Ele argumenta que, por meio da exegese bíblica, São Tomás não chega a oferecer as razões para que o sacerdócio fosse somente uma prerrogativa masculina a não ser pelo viés da antropologia do seu tempo. Por fim, Eco expõe suas “perplexidades”: “quais são as razões doutrinais para interditar o sacerdócio às mulheres?” (p. 54).
14 Em linhas gerais o MTS tem uma estrutura organizacional e teológica similar à da IEQ. A Igreja-Mãe do MTS, cuja direção está nas mãos de dois pastores-presidente, localiza-se no bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro e possui vinte e uma congregações filiadas, situadas, em municípios como o de Nova Iguaçu, Itaguaí, além das cinco congregações da cidade (dirigidas pela Pastora Inês). O MTS tem ainda uma congregação em São Paulo e dois pontos de pregação na Europa (na Espanha e Itália) que estão também sob a supervisão da Pastora Inês.
15 Para a tradição evangélica em geral os dons do Espírito Santo estão relacionados com a promessa cumprida no dia do pentecostes, ocorrido cinquenta dias depois da Páscoa, quando o Espírito Santo foi enviado por Deus aos seus discípulos, descendo em Jerusalém sob forma de línguas de fogo. Naquele dia, todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas estranhas (Atos dos Apóstolos 2,1-4) (Freston, 1993, p.107). São manifestações do Espírito Santo: a) Palavra da Sabedoria; b) Palavra do Conhecimento; c) Fé; d) Dons de Curar; e) Operações de Milagres ou de Maravilhas; f) Profecia; g) Discernimento de Espíritos, h) Variedade de Línguas; i) Interpretação das Línguas; j) Administração (Governos), k) Socorros, Atos Úteis; l) Ministério, Serviço, Ensinos, Diaconato; m) Exortação; n) Contribuir, Repartir; o) Presidir, Dirigir, Cuidar, Dar Ajuda e p) Exercer Misericórdia.
16 Não farei aqui uma explanação cosmológica sobre a importância da atuação do Diabo na vida cotidiana dos evangélicos, em especial, nas confissões pentecostais e neopentecostais. Para uma análise mais detalhada cf. Mariz, 1997.
17 O “tempo da igreja”, segundo Damasceno (2007, p. 14), “[...] é um tempo litúrgico e cosmológico, que se desdobra em inúmeros rituais (um para cada dia da semana, ligados à profetização, à evangelização, ao exorcismo, à cura, etc.), dentro e fora do templo. A conexão entre esses dois tempos [o da igreja e o da política] se expressa na pentecostalização da “grande” política através das candidaturas de bispos, pastores, presbíteros, evangelistas, diáconos ou simples membros da comunidade de fé, na grande maioria, compostas de homens”.
18 Fora do “tempo da igreja” dois rituais apontaram para o “reconhecimento” de Pastora Inês como autoridade eclesial. O primeiro ocorreu em outubro de 2006 na Câmara Municipal quando o prefeito e os vereadores da cidade concederam as pessoas “importantes” o titulo de “cidadão da cidade”. A Pastora foi uma, dentre os muitos evangélicos homenageados, a receber a honraria. Fruto, segundo ela, do reconhecimento de seu trabalho com “jovens viciados” na “comunidade”. O segundo ritual aconteceu em março de 2008 em função da Comemoração do Dia Internacional da Mulher num evento organizado pela prefeitura no auditório principal da Universidade. Os discursos das autoridades basearam-se na saudação às “mulheres guerreiras, lutadoras, provedoras pelo seu dia”. Pastora Inês foi convocada a receber a a “autoridade eclesiástica” que “desenvolve um grande trabalho na sua comunidade como Pastora, como amiga, como mãe de família e também como aquela que aconselha que está sempre presente. Devemos muito a essa pessoa que desenvolve um grande trabalho, principalmente, tirando jovens dos vícios, aconselhando as famílias, fazendo a união de famílias, e cada vez mais a sua igreja cresce com as bênçãos de Deus”.
19 Por certo, não estou “inventando a roda”, sob nenhum aspecto. Diversos cientistas sociais brasileiros têm apresentado grande interesse pelo tema. Ver. Giumbelli (2008), Mariano (2006), Machado (2006), Birman (2001), Montero (2006), Burity (2008) dentre tantos outros e outras.


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