Artigo

UM REI BAIANO REINA EM DUQUE DE CAXIAS: O BRILHO DE JOÃOZINHO DA GOMÉA EM SOLO CARIOCA.

Cristina da Conceição Silva *
Universidade do Grande Rio, Brasil
José Geraldo Rocha **
Universidade do Grande Rio, Brasil

UM REI BAIANO REINA EM DUQUE DE CAXIAS: O BRILHO DE JOÃOZINHO DA GOMÉA EM SOLO CARIOCA.

Ciencias Sociales y Religion/Ciências Sociais e Religião, vol. 15, núm. 18, pp. 77-88, 2013

Universidade Estadual de Campinas

Resumo: O presente artigo visa apresentar as contribuições do negro para a sistematização das religiões de matrizes africanas, nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro, a partir da chegada dos mesmos das diferentes nações africanas em solo brasileiro. Pretendemos focalizar a contribuição de alguns babalorixás nas geografias baiana e carioca, porém em destaque o pai-de-santo Joãozinho da Goméa, que veio de Salvador para a Baixada Fluminense, e no bairro de Duque de Caxias divulgou os encantos do candomblé como produto cultural afrobrasileiro para todas as classes sociais cariocas.

Palavras chave: Candomblé, Duque de Caxias, Joãozinho da Goméa.

Abstract: The present article aims to present the contributions of the African-Brazilians in the systematization of African religions in the cities of Salvador and Rio de Janeiro, from the arrival of them, from different African Nations on Brazilian soil. We intend to focus on the contribution of some babalorixás in Bahia and Rio de Janeiro`s geographies, but in highlight the babalorixá Joãozinho da Goméa, who came from Salvador to the Baixada Fluminense, and in the neighborhood of Duque de Caxias disclosed the enchantments of Candomblé as Afro-Brazilian cultural product for all Cariocas social classes.

Keywords: Candomblé, Duque de Caxias, Joãozinho da Goméa.

Introdução

A história do negro em território nacional sempre os apresentou como escravos serviçais nas lavouras, nos espaços domésticos, nas minas de ouro e diamante, escravo-de-ganho dentre outros serviços que atendiam aos interesses dos colonizadores. A abolição da escravidão não mudou o olhar daqueles que registravam a participação social do negro em território brasileiro, pois os registros os apontavam como capoeiras, mascates, arruaceiros, batuqueiros, macumbeiros e feiticeiros. Tais características acerca do afrobrasileiros chegaram aos bancos escolares, acadêmicos e na sociedade durante séculos, o respeito à diversidade cultural do negro, foi sendo discutido a partir de um modelo de resistência e de socialização que eles estabeleceram através das convivências religiosas e de entretenimento.

Com base no histórico social e cultural estabelecido durante séculos pela elite brasileira, visamos apresentar neste artigo as contribuições culturais, especificamente do candomblé, dos negros que de diversas nações chegaram à cidade de Salvador e Rio de Janeiro. Além de apresentarmos os personagens que disseminaram a religião do candomblé nos territórios baiano e carioca.

Destacaremos especialmente o babalorixá Joãozinho da Goméa, que trouxe de Salvador para a Baixada Fluminense de Duque de Caxias, sua fé e crença de forma a popularizar a religião dos afrodescendentes, além de se fazer conhecido e respeitado por suas práticas religiosas, sociais e culturais na sociedade carioca.

O tráfico negreiro nos portos baiano e carioca

A historiografia brasileira aponta que no século XV se inicia o tráfico escravocrata, e que nas últimas décadas do século XVI tem o inicio de um comércio de alta rentabilidade com o produto humano, nesse período os portos africanos que abasteciam o Brasil eram os de Luanda, Benguela e Cabinda. As regiões de Guiné Bissau, Costa da Mina e Daomé eram as que mais abasteciam esses portos de escravos para serem comercializados em solos brasileiros, para servirem aos interesses de uma elite perversa. (VERGER, 1992; 2002, KARASCH, 2000)

Os escravos oriundos da Costa africana, Congo e Angola, no período que compreende o século XVII, chegaram a território brasileiro em grande número, tendo como destaque os angolanos, os negros que seguiam para o porto de Salvador eram comercializados tendo como moeda de troca o fumo, que era produzido no recôncavo baiano (CARNEIRO, 1985; KARASCH, 2000).

Existiam pelo menos no Rio oitocentistas, sete principais nações africanas, dentre outras. As mais significantes eram Mina, Cabinda, Congo, Angola (ou Loande), Cacanje (ou Angola), Benguela e Moçambique. As menos abundantes, muitas incorporadas às nações principais, eram Gabão, Anjico, Monjola, Moange, Rebola (Libolo), Cajenje, Calundá (Bundo) Quilimane, Inhamban, Mucena e Monbaça. Esses termos ambíguos relacionados às nações africanas que a princípio significam portos de exportação ou vasta região geográfica dirigem atenção para á África Oriental e especialmente para o centro oeste africano, possivelmente tiveram a maioria dos africanos que vieram para do Rio de Janeiro. (KARASCH, 2000),

Os escravos de origem africana somavam um número expressivo da população escrava do Rio de Janeiro nas primeiras décadas oitocentistas (FREITAS, 2009). Neste período os escravos são divididos de acordo com o local de nascimento: África ou Brasil. Os brasileiros são classificados por cor (pardo, crioulo, mulato, cabra etc.), enquanto os africanos, todos considerados negros, distinguem por local de origem (Angola, Moçambique, Mina etc.).

O uso constante das chamadas nações é utilizado como mecanismo de identificação para os africanos traficados na organização dos grupos da América. O modelo de identificação adotado redefine o limite entre grupos étnicos e através da formação de unidade inclusiva faz surgir esferas de solidariedade entre diferentes grupos. Assim, as nações servem como menção para estabelecer novas identidades para a população negra vinda de diversos países do continente africano. (FREITAS, 2009)

A variedade de termos usados para designar indivíduos africanos e seus descendentes nunca possuiu significado fixo único. Mulato, negro, preto, pardo e mestiço foram usados em diferentes momentos com distintas conotações. Até inícios do período moderno o termo negro ou seu equivalente não eram usados para identificar uma raça específica, não remetendo a ancestralidade ou etnicidade, mas sim para simples descrição da cor ou aparência percebida.

O tráfico de escravos de diversos portos trouxe para o Rio de Janeiro um grande número de escravos de diferentes matizes de cores, o que resultou na tendência de se registrar os escravos através do aspecto cor da tez para identificação individual e não com base na ancestralidade. O mesmo termo é usado para diversos tipos de escravos, logo a definição das identidades em virtude da cor da pele foi o recurso utilizado pelo tráfico de escravos (FORBES, 1993 apud FREITAS, 2009).

Os principais portos de comércio escravo foram Salvador e Rio de Janeiro, sendo Salvador o precursor desse modelo de comércio. Os Portos baianos e cariocas apresentavam sua própria organização e mantinham uma concorrência entre si, no que se refere à comercialização de negros escravos. (CARNEIRO, 1985; VERGER, 1992, 2002)

A religiosidade africana em solos baiano e carioca

O tráfico negreiro foi fundamental para a economia brasileira durante quase três séculos, pois o trabalho escravo sustentava os interesses dos colonizadores, que gozavam de prestígio e bens materiais à custa do trabalho escravo. Esses exploradores do sacrifício humano caracterizavam os negros como povos diferenciados em virtude das diferenças da língua e de suas crenças. A religiosidade que chegou ao Brasil pela memória e oralidade desses povos, culmina na implantação do candomblé através de suas diferentes nações como: Jêje, Nagô, Kêtu e Angola. (CARNEIRO, 1985).

Antigas escravas libertas, pertencentes à Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte e da Igreja da Barroquinha, tiveram a iniciativa de criar um terreiro de candomblé chamado " Iya Omi Axé Intilé ", numa casa situada à ladeira do Berquó, hoje Rua Visconde de Itaparica, próxima a Igreja da Barroquinha.O terreiro fundado atrás da Barroquinha mudou-se por diversas vezes e, após ter passado na Baixa de São Lázaro, instalou-se sob o nome de "Ilé Iyanassô ", no local onde ainda hoje se encontra sendo chamado de Casa Branca do Engenho Velho, no qual Marcelina-Obatossí tornou-se Mãe-de-Santo, após a morte de Iyanassô (NASCIMENTO, 2003, p. 8).

Com a morte de mãe Marcelina ocorre algumas discordâncias quanto a sua sucessão no terreiro, com base na falta de acordo surgem outros candomblés em Salvador, entre eles Centro Cruz Santa do Axé de Opô Afonjá,sob o comando de Maria da Purificação Lopes,depois por Mãe Aninha Obabiyi em seguida por Mãe Senhora Oxunmiwá (NASCIMENTO, 2003).

Em Salvador o candomblé fixa se em diversas geografias da cidade, porém ele ganha espaço nas áreas onde residia a população pobre do território baiano, todavia a preferência era nas localizações mais centrais próximo a Salvador.

Neste contexto da religiosidade africana, vários terreiros se estabeleceram aos redores da cidade, como: Rio Vermelho, Quintas da Barra, Peri-Peri, Engenho Velho, Goméa, Itapoã dentre outros espaços. Os municípios de Feira de Santana, Ilhéus, Itabuna,Santo Amaro, Ilha de Itaparica entre outros também foram espaços de disseminação da religiosidade negra (RODRIGUES, 1945, CARNEIRO, 1985, VERGER, 1992; 2002).

No estado da Bahia alguns terreiros de candomblé e lideres religiosos ganharam notoriedade, bem como algumas linhas religiosas, a exemplo do Kêtu, Axé Opô Afonjá e o Gantois que até hoje são símbolos da religiosidade afro brasileira (CARNEIRO, 1985; VERGER, 1995, 2002).

Nos anos 30 do século XX o candomblé da Bahia contava com a representatividade de duas personalidades do candomblé eram ele Martiniano Eliseu e Eugênia Anna. Ela representava a liderança do Axé Opô Afonjá e ele tinha entrada em vários candomblés em Salvador, além de ser convidado para os cultos de eguns na Ilha de Itaparica (NASCIMENTO, 2003).

Nos arredores da Praça Onze, a Rua João Caetano (no Rio de Janeiro), foi endereço de um importante candomblé da cidade, a casa de Cipriano Abedé Pai-de-Santo, e de figuras importantes e de sambistas conhecidos, como o compositor João da Baiana (MOURA, 1995).

A rua em questão ficava próxima a maioria dos cortiços, que também eram próximos à casa de santo do importante pai-de-santo Assumano Mina do Brasil, um africano que era da Costa da África e que foi um dos primeiros candomblés a se instalar na cidade. A Rua Visconde de Itaúna cedia espaço para a Casa de Tia Ciata, conhecido como reduto de sambistas negros, especialmente dos baianos. Tia Ciata era frequentadora dos candomblés da região.

As festas na casa de Tia Ciata tornaram se tradicionais e ganhou respeitabilidade em função de seu marido ser funcionário público e futuramente Chefe de Polícia. Descreve Moura (1995) que o cargo de Chefe de Polícia concedido ao marido de Tia Ciata ocorreu em função de a baiana ter curado a perna do Presidente da República Venceslau Brás de uma ulceração insistente.

Por Tia Ciata ter acesso a instituição policial, pelo seu marido pertencer ao quadro da incorporação, sua casa era livre das batidas polícias. Sua residência passa a ser um lugar privilegiado para as reuniões entre negros artesões, funcionários públicos, policiais, por mulatos e brancos de classe média baixa. As pessoas que se aproximam, através do samba e do carnaval, são atraídas pelo exotismo das celebrações e passam a frequentar as rodas de sambas, encontros festivos e religiosos na casa de Tia Ciata.

Em uma rua próxima, à Marquês de Sapucaí, estava à casa de Benzinho Bamboxê, outro pai-de-santo afamado. As ruas Visconde da Gávea e Barão de São Félix, também típicas de cortiços, ficavam mais próximas do porto e era nesta segunda rua que, no fim do século XIX, moraram mais de 3.000 pessoas.

Morava também, nestas imediações, o conhecido Dom Obá II d’África, um líder religioso muito conceituado. Na Rua Barão de São Félix, funcionava o candomblé de João Alabá, muito conhecido por ser o pai-de-santo de Tia Ciata e de muitos sambistas (MOURA, 1995; ARANTES,2005).

Nas cercanias da cidade era possível encontrar abrigo e solidariedade baseados em laços de parentesco de sangue ou “de nação” e afinidades religiosas.

Assim, os negros que na cidade chegavam, se reuniam em torno dos negros já instalados. No passado, tinha na Pedra do Sal, na Saúde, uma casa de baianos e africanos que viam o navio chegando com os negros da África ou da Bahia e eles davam o sinal, uma bandeira branca com símbolo de Oxalá, avisando que vinha chegando gente. A casa era no morro, pertencia aos africanos, Tia Dadá e Tio Ossum. Eles davam agasalho e tudo mais até a pessoa se aprumar na cidade do Rio de Janeiro.

Percebe-se como a identificação étnica e a religião dos orixás exerciam forte eixo de ligação entre os que ali já estavam com os negros que ali chegavam. A expressão cunhada mais tarde por um de seus moradores deu àquela região uma definição que ficou na memória - construída posteriormente - da cidade: “Era a Pequena África no Rio de Janeiro”. Confirmada pelo sambista negro Heitor dos Prazeres, referindo-se ao espaço nas primeiras décadas do século XX. (CARVALHO, 1990; MOURA, 1995; ARANTES, 2005).

Na cidade do Rio de Janeiro, os cultos de origem africana passam a ser conhecido como macumba e os responsáveis pelos batuques eram os negros de origem muçulmanos, haussas e malês, que se misturavam ao candomblé. Neste ambiente religioso carioca, os negros malês eram os maiores feiticeiros, e esses substituíam os cultos do candomblé por consultas pagas em trocas de vinganças, amores e empregos (GARDEL,1995).

No contexto religioso afrocarioca contamos com a contribuição de Mãe Aninha de xangô, oriunda do Centro Cruz Santa do Axé de Opô Afonjá, que em 1886 chega ao Rio de Janeiro, acompanhada de Bamboxê e Obá Saniá, também lideres religiosos. Na cidade o Rio de Janeiro, ela fundou uma casa no bairro da Saúde mudando em seguida para São Cristovão. E graças ao movimento da reforma Pereira Passos, segue para Baixada Fluminense, para o bairro de Coelho da Rocha, o terreiro de Mãe Aninha teve Conceição de Omulu sua primeira filha de santo iniciada na cidade do Rio de Janeiro. Após a morte de Mãe Aninha sua sucessora passa a ser Agripina de Souza (LIMA, 1987).

Iniciativas como de Mãe Aninha de Xangô impulsionaram o surgimento de várias casas de santo na Baixada Fluminense, embora com características diferentes das originais dos fins do século XIX e meados do século XX, mas que garantiram e ainda garantem a manutenção da religiosidade afrobrasileira.

De Salvador a Duque de Caxias Joãozinho da Goméa o Rei do Candomblé

Nascido em Inhambupe, interior do estado da Bahia em 1914 João Alves Torres Filho, foi uma figura marcante no mundo do candomblé, tendo dado identidade ao culto de Angola no estado da Bahia. Em pequeno sua mãe percebe sua saúde muito abalada, causadas por fortes dores de cabeça que não eram diagnosticadas pelos médicos. A progenitora de João procura a madrinha dele, que o encaminha para o terreiro de Severino Manuel de Abreu e aos 16 anos tornou se filho de santo do Encantado Jubiabá. Após a morte de seu pai-de-santo ele passa a ser apadrinhado por Mãe Menininha do Gantois, da nação Kêtu. A partir daí Joãozinho passa a ter conhecimento dos cultos candomblé de caboclo e Kêtu, e por conta dos conhecimentos em Kêtu, Angola, Caboclo e Jêje, ocorrem questionamentos acerca de sua seriedade religiosa (SILVA, 2002).

Aos 18 anos Joãozinho abre sua casa de santo em um local conhecido como Goméa, daí a alcunha proferida ao pai-de-santo, que também era conhecido como Táta Londirá e João da Pedra Preta, em virtude a entidade indígena que ele incorporava (GONÇALVES, 1990).

Viola quando toca, faz Pedra Preta chegar Viola quando toca, faz Pedra Preta sambar O pandeiro diz: Pedra Preta não samba aqui não A viola diz: Pedra Preta não sai daqui, não Pedra Preta diz: pandeiro tem que pandeirar Pedra Preta diz: viola tem que violar.

O galo no terreiro, fora de hora cantou Pandeiro foi-se embora e Pedra Preta gritou: Olô pandeiro, Olô viola!1

Em Salvador Joãozinho, estabelece sua fama com o auxílio da imprensa, promovendo a popularização da Nação Angola do candomblé, muitos intelectuais como Jorge Amado, Édison Carneiro e outros nomes promovem o nome de Joãozinho da Goméa para além do território baiano. E aos 24 anos ele tinha seu nome considerado frente a um grupo seleto, porém era criticado pelas correntes conservadoras do candomblé (LIMA, 1987).

Joãozinho da Goméa entra no mundo dos intelectuais através de Édison Carneiro, jornalista, etnólogo e pesquisador de cultos afrobrasileiros, em troca de colocar Joãozinho na mídia em congressos e outros eventos ele obtinha informações sobre a religião. E assim Joãozinho da Goméa utiliza a imprensa a favor da religião do candomblé e da cultura afrobrasileira. A partir daí é notável um movimento de expansão de terreiros de candomblé, e as relações de amizades e apadrinhamentos entre chefes de culto, intelectuais (escritores, artistas, estudantes, professores, pesquisadores e cientistas sociais) e políticos influentes (MAGGIE, 1980; LIMA, 1987).

A vinda de Joãozinho da Goméa, para o Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense em Duque de Caxias, dizem que se deu quando o pai-de-santo veio ao Rio fazer um trabalho para uma filha de santo e se encantou pelo local. E que ao voltar para Salvador só pensava em se fixar aqui, porém seu caboclo o avisará que no tempo certo ele autorizaria, desobedecendo à indicação do caboclo ele veio para o Rio e terminou sendo preso pela prática religiosa. Tal acontecimento o fez voltar para Salvador, tempos depois seu caboclo o autorizou a vir para o Rio de vez.

Em 1946 o pai-de-santo se despede da Bahia, apresentado no Teatro Jandaia um show com trajes e roupas típicas do candomblé, onde ele foi o bailarino, o desempenho do pai-de-santo artista, foi motivo de críticas no universo do candomblé na Bahia (ORIAXÉ, 2013).

Em Duque de Caxias2 seu terreiro se torna famoso e frequentado pela elite carioca, tendo em vista que o pai-de-santo tornou-se artista do Cassino da Urca, local onde apresentava as danças sagradas dos orixás.

O pai-de-santo torna sua casa conhecida em toda a Baixada Fluminense, pois eram espalhados panfletos nos mercadinhos da Baixada informando as atividades de cultos religiosos e de cunho social(sopa para os pobres, distribuição de agasalho, atendimento médico etc.).Ele utilizava a imprensa para divulgar suas atividades e dava um conselhos a leitores que enviavam cartas em uma seção no Diário Trabalhista denominada “Ao cair dos Búzios”, nessa seção as pessoas se apresentavam com codinomes e o pai-de-santo respondia as consultas nas edições dos jornais, conforme apresenta Silva (2010).

Sabido de mais (Vila Isabel)- Pois sim. Você é mesmo muito sabido. Tão sabido que facilitou, facilitou e acabou nessa situação que você acha gostosa. Sua mulher lhe abandonou, sua filha de 13 anos está em situação difícil e perigosa, você não tem trabalho e crê que viver as custas de uma “escrava branca” seja programa para um homem. Você está tão enfeitiçado que nem sabe o que fazer. Aliás, seu anjo da guarda, depois de ver você sofrer tanto, resolveu indicar-lhe o caminho certo, embora tardiamente. Você precisa ir a um “terreiro”, urgentemente. Não perca tempo, meu filho, você que acredita ser “sabido de mais”.3

O pai-de-santo era uma pessoa bastante irreverente, e certa vez foi muito criticado pelos seguidores dos cultos afrobrasileiros por desfilar vestido de mulher nos festejos carnavalescos. Logo, ele se defendeu através da imprensa, mostrando o direito ao livre arbítrio, e que tinha pedido licença aos orixás e esses entendiam que ele era de carne e osso, assim sendo poderia usufruir dos prazeres da carne.

A chegada de Joãozinho da Goméa no Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense de Duque de Caxias, difundiu a Nação Angola até os que não concordavam com seu jeito de conduzir a religião admitem que ele foi o responsável pela disseminação da religião na região sudeste do Brasil. Ele morre aos 57 anos em 1971, ao ser submetido a uma intervenção cirúrgica de um tumor cerebral, 40 anos de sua vida foram dedicados a religião afrobrasileira embora sofrendo muitas críticas. A notícia de morte do pai-de-santo levou seus filhos de santo a iniciarem a marcação de toques fúnebres nos atabaques, sinalizando a morte do mais famoso pai-de-santo de Duque de Caxias.

O babalorixá marcou sua presença enquanto esteve neste plano terrestre ao ponto de em 2002 ser tema de enredo na Escola de Samba União da Ilha do Governador, em 2007 quando a Escola de Samba Grande Rio conta a história da cidade de Duque de Caxias o nome de Joãozinho da Goméa e lembrado como um personagem a ilustre da geografia caxiense.

Considerações Finais

As contribuições culturais do negro para as cidades de Salvador e do Rio de Janeiro, materializaram uma identidade para as duas cidades, seja, pelo seu jeito de se divertir, de viver, de vestir de falar e até mesmo nos pratos típicos. Tendo em vista que o baiano aprecia o acarajé e o carioca, fez da feijoada uma marca gastronômica na cidade do Rio de Janeiro.

No aspecto religioso, no que tange ao candomblé, as cidades em pauta também apresentam sua marca representativa através dos terreiros de candomblé, especialmente na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro.

No que se refere à geografia da Baixada Fluminense, em especial o bairro de Duque de Caxias, podemos observar a partir deste artigo o quanto o babalorixá Joãozinho da Goméa, teve uma influência muito representativa para o município. Tendo em vista a sua irreverência, espírito social a religião do candomblé ganha visibilidade no cenário carioca. Tal notoriedade não se deu só para aqueles que buscavam a fé e a crença em seu terreiro, mas também pela forma como ele disseminou a prática religiosa para a sociedade, além de mostrar outras possibilidades de se cultuar caboclos e orixás em um mesmo terreiro.

Neste sentido compreendemos que o pai-de-santo Joãozinho da Goméa, foi um religioso que deixou um legado para o candomblé ou macumba carioca, pois mostrou que era possível cultuar entidades de ancestralidade ameríndia e africana nos terreiros de candomblé. Além de apresentar a religiosidade afrobrasileira como cultura, através de sua dança em espetáculos no Cassino da Urca.

Referências

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Notas

* Mestre em Letras e Ciências Humanas pela UNIGRANRIO. E-mail: cristinavento24@yahoo.com.br
** Professor na UNIGRANRIO, Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades. E-mail: rochageraldo@hotmail.com
1 POWELL, B.; MORAES, V. Canto do Caboclo Pedra Preta. In: Os Afro-sambas, 1966.
2 Duque de Caxias é um município brasileiro do estado dório de Janeiro, integrante da região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, situado na Baixada Fluminense.
3 Diário Trabalhista. Rio de Janeiro, Ano V, Quarta-feira, 15 de fevereiro de 1950. N. 1222.
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