Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
A ENTRADA DO BISPO DE MARIANA E A INFLUÊNCIA DO CATOLICISMO POPULAR
Baltazar Astoni Sena
Baltazar Astoni Sena
A ENTRADA DO BISPO DE MARIANA E A INFLUÊNCIA DO CATOLICISMO POPULAR
Ciencias Sociales y Religion/Ciências Sociais e Religião, vol. 16, núm. 20, pp. 117-133, 2014
Universidade Estadual de Campinas
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O objetivo deste artigo é contribuir para a compreensão das relações sociais presentes nas festas religiosas nas Minas Gerais no período do ouro. Principalmente a de entrada do novo bispo de Mariana no ano de 1748 e a ligação desta festa de cunho eminentemente eclesiástico com as formas de socialização e organização festiva do catolicismo popular ligado às irmandades. Compreender os jogos de relações simbólicas e de reputação que advêm desse contato entre os diversos estratos sociais, identificando os atores, suas formas de relações e como se identificavam perante a grupos similares de “brancos”, “pardos” e “negros” dentro do universo das irmandades católicas e o jogo entre Estado, Igreja e população para a manutenção da ordem estabelecida e a capacidade de aumentar capital simbólico entre fusões e fissuras.

Palavras-chave: Religião, sociologia, irmandades, festas.

Abstract: The aim of this paper is to contribute to the understanding of social relations present at celebrations in Minas Gerais during the gold. Especially the input of the new bishop of Mariana in the year of 1748 and the connection of this feast eminently ecclesiastical with the forms of socialization and organization of popular Catholicism festive connected to brotherhoods. Understand the games of symbolic relationships and reputation that come from that contact between different social strata, identifying the actors, their forms of relationships and how they identified similar groups before the "white," "brown" and "black" within the universe the Catholic brotherhoods and the game between State, Church and people to maintain the established order and the ability to raise capital and mergers between symbolic cracks.

Keywords: Religion, sociology, brotherhoods, parties.

Carátula del artículo

Artigo

A ENTRADA DO BISPO DE MARIANA E A INFLUÊNCIA DO CATOLICISMO POPULAR

Baltazar Astoni Sena
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Ciencias Sociales y Religion/Ciências Sociais e Religião, vol. 16, núm. 20, pp. 117-133, 2014
Universidade Estadual de Campinas

Brincando, os inocentes os imitam,

Se as tropas se exercitam, eles fingem

As hórridas batalhas. Se se fazem

Devotas procissões, também carregam Aos ombros os andores e as charolas.

Tomás Antônio Gonzaga

A música expressa na religiosidade brasileira apresentou-se socialmente de maneira peculiar. Ao mesmo tempo que os jesuítas incentivavam a prática musical indígena, com o objetivo de cristianização e retirar da barbárie as almas desprovidas de Deus do gentio, também proibia que os padres o fizessem. O padre Loyola, guardião dos jesuítas, determinara que aqueles que servissem a companhia de Jesus, na condição de padre, deveriam ocupar-se exclusivamente de salvar a alma dos gentios e catequizalo1. De maneira alguma poderiam dedicar-se a hábitos triviais da vida profana, tal qual a música. Por outro lado é sabido da influência jesuíta para a formação da musicalidade brasileira. Este se dá, geralmente, a partir de ordem de leigos religiosos que não podendo dedicar-se a consagração da hóstia dedicavam à formação musical dos indígenas.

O surgimento do mundo barroco nas Minas Gerais determinava outro comportamento, tanto do mundo profano quanto do sagrado. As regras religiosas cambiariam assim com uma centralização da vida social a partir do ciclo do ouro. Nessas transformações que mergulhava o Brasil colônia, com a mineração no interior do país, traz uma condição de guinada tanto do ponto de vista político, cultural, religioso e principalmente festivo. As festas religiosas desse período fundem-se com o ideal da coroa para essas terras. Se no primeiro momento o exótico, o selvagem, o paraíso tropical povoava a imaginação lusitana sobre as terras tupiniquins a partir desse momento a febre do ouro contagia o povo que migrava em massa com vistas a fazer fortunas no meio das montanhas. Esse crescimento demográfico, sem precedentes na história do Brasil, obriga tanto a coroa quanto a Igreja a mudar a sua concepção de mundo a ser instalado nos trópicos.

Outra característica importante da sociedade que nascia era sua sociabilidade. Pela característica mista entre a anarquia, formada pela explosão demográfica, e uma organização centralizada buscada pela coroa, os principais acontecimentos públicos se davam através das festas religiosas. Aqui nos manteremos a descrever um dos eventos mais importantes nesse sentido, à formação da diocese e a chegada do primeiro bispo para as Minas Gerais. Mesmo com o crescimento populacional e econômico da região Roma mantinha o mesmo cuidado que Portugal teve com a criação das vilas, o cuidado do relaxo. Mas mesmo assim consentiu a criação do bispado.

A vila do Carmo foi elevada a cidade com a função de ser a primeira capital das Minas Gerais, porém uma das primeiras medidas do governador geral foi transferir a sede do governo para Vila Rica, a cidade pioneira viria a ganhar como prêmio de consolação figurar como sede do governo episcopal em 1745, vinte e cinco anos após ter sido elevada a capital. Neste mesmo ano a vila vê seu nome trocado para Mariana, recebendo o nome da esposa de Don João V, a rainha Maria Ana da Áustria. Interessante nesse ponto é a necessidade de afirmação que a coroa tinha em decretar o nome dos “verdadeiros” donos das cidades. Assim como vila do Carmo recebe o nome da rainha, outras cidades tinham alcunha semelhante, como São João del Rey, São Sebastião del Rey, vila do Príncipe, vila da Rainha. Assim uma das discussões mais interessantes que pretendemos trabalhar nesse artigo é a relação coroa, igreja, cidade e festas barrocas. Desta forma o primeiro tema a se tratar é no que concerne à formação de uma identidade barroca religiosa a partir da entrada episcopal.

Simmel (1983) diz que as festas de corte tiveram seu auge no Ancient Regimen, Luis XIV teria sido talvez o que melhor se aproveitou dessas festas. Em Portugal ela ganha uma relevância muito significativa justamente após o desmembramento da União Ibérica e com a volta da autonomia lusa. Entradas reais como a de Filipe I (1581) e Filipe II (1619), ambas em Lisboa ajudavam a construir um imaginário de relações simbólicas e de representação pública da coroa portuguesa. Reavivar essa relação dinástica portuguesa era uma forma de procurar uma identidade comum que os separava da Espanha e os reaproximasse de uma identidade “originária” de desbravadores, católicos e fiéis servos da Santa Igreja.

Esse tipo de festa de aclamação pública é composto de vários atos, desde a recepção na entrada da cidade, até a tomada do coração desta para a coroação simbólica de um rei, sacerdote, fidalgo e neste caso Bispo. Relações simbólicas entre a importância dos nobres a partir do papel que eles representam e o local que ocupam nessa cerimônia até a hierarquia eclesiástica que recepciona o monarca e finalmente os festejos populares que se seguiam em festas públicas durando cerca de três dias.

Esse modelo era central para a aclamação pública e popularidade da nobreza, não sendo de maneira alguma exclusiva dos monarcas. Trata-se muito mais de uma forma que revela e desvenda um conteúdo a ser seguido, um modelo padrão de identidade que deveria ser copiado aqui, de devoção à figura da sagrada família portuguesa, mesmo que pela via religiosa. No Brasil a primeira entrada episcopal data da chegada do bispo de Olinda, Don Estênio Brioso de Figueiredo em 1678, sendo comum esse tipo de festa com a criação das dioceses e chegada de tão ilustre figura católica.

Os jesuítas, que anteriormente a colonização barroca, eram os responsáveis pela conversão das almas e fundação de vilas - aqui dividido com a capitania hereditária - tinham outra concepção de mundo que chocava com esses novos interesses da coroa. As missões jesuíticas fundaram e influenciaram a formação de dezenas de vilas e contrariando as vilas mineiras não tinham sua alcunha relacionada à família real, mas sim lembravam os santos católicos. Dessa forma São Vicente, São Paulo, São Luís, Santa Catarina ou mesmo Belém surgem como consequência das missões e colégios jesuítas. Outra característica da influência da Companhia de Jesus nos trópicos foi o intercambio linguístico com o gentio, assim surge Paranaguá, Marajó, Itapecerica, Carapicuíba, Porangabá ou Caucaia. Mas os tempos eram outros, a Igreja romana perdia poder e influência na Europa Setentrional com a reforma protestante e Portugal via a possibilidade de fazer fortuna e ocupar um papel de destaque na geopolítica do velho continente. Essa não seria condição única, mas que pesa pela necessidade de afirmação portuguesa. O país havia ficado sem relação formal com a igreja católica desde o fim da União Ibérica que reconhecia nos reis da Espanha o primado e direito sagrado à coroa.

A entrada da rainha Maria Ana da Áustria em Lisboa no ano de 1708 merece ser citada como destaque, uma vez que com a escolha da diocese das Minas Gerais, a vila do Carmo troca seu nome para o da rainha portuguesa. Este fato serve para relacionar diretamente a mudança do nome da vila para Mariana com a festa para a entrada do bispo. Uma festa barroca simbolizando a chegada do eclesiástico e a afirmação real de que aquela cidade pertence à rainha. Kantor (2001; 171) “Entre as linhas de força que marcam a nova conformação das festividades públicas na Europa moderna, convém destacar a multissecular disputa de insígnias e ritos entre os monarcas europeus e a Santa Sé.” A realização de festas em recepções e solenidades revela um processo de apropriação ritualística usada em honra ao Kantor (2001; 171) “Santíssimo Sacramento na procissão de Corpus Christi para o domínio secular”. A igreja traz para si como sendo o próprio corpo de Cristo que sendo um só corpo e espírito a Santa Sé e a corte de Lisboa.

Não convém separar igreja e reis nesse momento histórico, pois eles se confundiam como um grande corpo que dava estabilidade política a Europa como a muito não se via. Esse moribundo rito do velho continente se transportava como a tentativa de manter as tradições e festas da corte nesse território longínquo, pois era nessas festas que os súditos conheceriam o rosto do rei estampado em tapetes, e também a figura da dinastia que sucedera o monarca gravado em metal, porcelana, tecidos etc. A entrada do bispo Dom Bartholomeu da Cruz em 1748 era o ponto de afirmação do poder do rei em terras que se encontrava muito afastado do governador mor do Rio de Janeiro e ainda mais da corte de Lisboa. O formato da festa barroca, dividida em diversos ritos de maneiras hierárquicas, entradas e alegorias vêm para legitimar uma ordem social que não necessariamente representava as relações de poder existente. A figura da diocese vem para legitimar e centralizar os padres e leigos que formavam o corpo da igreja católica, que também em muito diferiam do ideal do Vaticano.

Vale lembrar, diferentemente do restante da América Portuguesa, o fato de que a vigência do Padroado Régio na Capitania Mineira caracterizou-se, por um lado, pela proibição de atuação e de instalação das ordens religiosas regulares e por outro, pela proliferação das ordens terceiras, leigas, eretas, em alguns casos, antes mesmo do estabelecimento dos poderios municipais na região aurífera. O desenvolvimento de um “catolicismo leigo”, praticado pelas irmandades mineiras e a ausência de missões e ordem regulares possibilitou uma politização mais intensa dos interesses clericais, levando, muitas vezes, a confrontos diretos com as autoridades metropolitanas, mas também consagrando alianças mais estáveis. Kantor (2001; 169).

Buscaremos na contradição entre as festas populares de origem religiosa e as festas barrocas desvendar os jogos de poder desempenhado por um lado pela Igreja Católica e por outro as festas populares de cunho religiosa. Esta era desenvolvida pelas irmandades e por leigos religiosos, e o desenvolvimento dessa contradição nos leva a compreender a formação de uma identidade nacional. Sustentamos que a necessidade de manutenção do Brasil enquanto colônia era a tarefa principal da metrópole que terá seu último suspiro com a chegada da família real ao Rio de Janeiro em 1808, porém um longo período de desenvolvimento, povoamento e lutas no interior do país sucederem essa chegada. A necessidade de “aportuguesamento” da sociedade era uma delas e se desenvolvia no meio à mineração. Este processo ocorre tanto nas condições objetivas de formas de governo, seja pela introdução da burocracia portuguesa na vida cotidiana das vilas e comarcas quanto no aumento da autoridade da igreja católica regular. Importante ressaltar também é que com o fim da união ibérica e a formação da dinastia de Bragança a igreja católica mantém o seu apoio à Espanha só reconhecendo o novo governo português no mandato de dom João V no ano de 1732. O papa Urbano VIII havia recusado os embaixadores portugueses no Vaticano e negado a ordenação de bispos portugueses indicados por dom João IV. Havia uma tensão entre a igreja católica e Portugal que de certa forma ajudou a formação de um catolicismo leigo em terras tropicais. O sincretismo religioso era tolerado e as feições das festas populares em Minas Gerais tomavam um caráter singular que pouco se parecia com a cerimonia e ritual das festas da Igreja Romana2. A retomada do acordo entre Portugal e Vaticano faz com que volte a crescer a influência eclesial tanto na metrópole quanto na colônia e partimos nessa tese que o barroco era parte fundamental no processo de dominação e aportuguesamento da sociedade colonial. Seja pelo rebuscado dos traços arquitetônicos que se fazia surgir nas igrejas, seja pela ordenação e racionalidade musical com a introdução dos órgãos, cravos e violinos no ritual litúrgico da Igreja.

Para o desenvolvimento desse trabalho precisamos atentar e retomar os estudos sobre as irmandades católicas. Descobrir como se dava a relação delas com a igreja oficial e como essa rede religiosa leiga dialogava entre si. Sustentamos que dessa disputa entre a Igreja oficial e irmandades surge uma importante síntese na formação da identidade nacional, pendendo mais para o catolicismo popular, principalmente quando pensamos a festa na sua forma. O barroco fica preso na memória daqueles que pensam a formação do Brasil quanto uma extensão portuguesa, e para mim, quando se diz que o barroco era uma expressão musical do Brasil colônia o encaro ao pé da letra. Era a música de um país que queria se manter colônia, ao passo que a música e as festas desenvolvidas pelas irmandades e pelos leigos eram a expressão de um povo novo, síntese de uma multiplicidade étnica que aqui se desenvolvia em oposição a um rigor formalístico desenvolvido na corte.

Os missionários jesuítas se ocupavam da conversão de almas indígenas nos sertões do país, essa era, a principal ocupação do Vaticano nos trópicos. Embora a encíclica papal não se importasse sobre a existência de alma dos povos africanos ela não descartava a necessidade de catequização e conversão dos negros na religião romana, o que deveria ficar a cargo de todos os setores, inclusive dos donos de escravos. Partindo da premissa de Bailey (1971), que todas as relações sociais estão a serviço do aumento da sua reputação, fazer amigos e influenciar pessoas, aqui começa a se desenvolver o papel das festas religiosas como amalgama entre a relação casa grande, senzala e igreja.

A reputação está diretamente ligada ao que os outros pensam sobre você, e não necessariamente o que se faz desde que o que se pareça fazer agrade a comunidade e sirva a exemplos mais altruístas do que egoístas. Desta forma surge um jogo entre bispos, padres, senhores de engenhos, homens livres e escravos, cada qual buscando um aumento de reputação com os seus pares, ou com outros estamentos, visando um maior acesso a informações, serviços, poder ou mesmo proteção. Como nesse emaranhado a hierarquia central advinha do papa, e posteriormente descia na pirâmide social do rei ao escravo, ou se jogava com os símbolos eclesiásticos ou tentava a fuga para algum quilombo nos sertões e tentaria nova sorte fugindo dos senhores do mato.

A dominação simbólica eclesial adivinha da estruturação física da cidade, sempre colocando os equipamentos religiosos ao centro da urbanização. Assim todas as vilas que se fundavam no país começavam a partir de uma cruz, capela ou igreja, no entorno da qual se desenvolvia o comércio e as residências3. E quanto maior a estrutura religiosa contida em um determinado local maior o poder perante o estamento episcopal, quanto mais recursos se conseguisse para este maior a reputação de uma pessoa, padre ou de um alcaide. E as festas serviam, via de regra, como a forma de organização de uma comunidade eclesial, principalmente entre os escravos, alforriados e camponeses pobres. A partir dela que se traziam os leigos para as atividades religiosas, coletando fundos, organizando os festejos, convocando as pessoas, buscando voluntários. As festas serviam assim a alguns propósitos na organização social do Brasil: garantir um momento de êxtase e euforia num contexto marcado pela monotonia da vida agrária cotidiana, realização de trocas e comércio, criação de laços de solidariedades e seus decorrentes jogos simbólicos de reputação.

A Companhia de Jesus não permitia a seus padres que cantassem ou utilizassem de músicas durante as cerimonias religiosas. Estes tinham uma missão a ser cumprida que se relacionava diretamente com o mundo espiritual, a obra a ser cumprida era muito grande para que se ocupassem de tarefas triviais como a música. Eles deviam estar à disposição dos fiéis e do gentio recém-convertidos para confissões, conselhos, rezas, sermões, encomendas e tudo mais que incorpore o caráter divino de intermediário de Deus na Terra. Se os jesuítas se ocupassem também dos ritmos e melodias religiosas seria porque não estaria cumprido significativamente sua tarefa primordial. Assim como recomenda o padre Inácio de Loyola pela opção da pobreza visando que não gaste tempo útil de catequização das almas negociando e gerando lucros. Assim a Constituição da Companhia de Jesus determinava que não se pudesse usar o coro e órgãos durante o “ofício e hora canônica” Holler (2010; 139), para não desviar a atenção dos fiéis à palavra que era o que importava para a catequização. Detalhe interessante é que as missas eram rezadas ainda em latim reservando os sermões para a língua portuguesa. Algumas experiências relatadas pelo padre Antônio da Nobrega confirma que se utilizava a língua nativa dos índios também nas missas, contrariando as orientações superiores de Roma e de Portugal4. Inclusive se utilizava os colégios jesuíticos como espaço de socialização entre brancos e nativos, para catequização e aprendizado da língua pátria, tanto através da escrita quanto através da arte.

Desta forma a música que irá se desenvolver através dos colégios jesuíticos, fazendas, aldeias ou missões nascem profanas, pois o próprio ser, intermediário entre Deus e os homens, era proibido de tocar, cantar ou se expressar liricamente em momentos sacros. A música para o padre jesuíta se tornava um tabu, no momento em que as igrejas Luteranas introduziam órgãos durante os cultos, contribuindo e muito para o sucesso e atração de fiéis5. Assim os missionários e seminaristas se encarregavam do ofício de aprender e ensinar a arte do canto, do coro, das notas e todo o conjunto de regras que rege a arte. E desta forma, quando um seminarista virasse padre, ele próprio perderia o direito de ensinar e conduzir a música na comunidade religiosa. A organização e estruturação das normas advinham da Santa Sé, mas a perpetuação e corpo fixo capaz de manter a forma da festa não pertenciam a Igreja. Já estava fora dele, já não pertencia ao sagrado, mas sim ao profano.

Outra característica que podemos tomar como elemento do caráter profano que se desenvolve em relação às músicas e festas religiosas nesse período são as restrições da Constituição da Companhia de Jesus que, primeiramente proibia a música durante todo o cerimonial da missa e posteriormente reserva alguma liberdade porem dentro de circunstâncias muito específicas no ritual. Mais espaços havia para as festas preparatórias de dias Santos. Apenas fora do meio sagrado da Igreja é que se podem realizar os festejos, onde a música se faz presente, onde os instrumentos e o ritmo se fundiam no encontro cultural. Os gentios, mestiços e religiosos leigos assumiam o controle da festa, uma vez que, ela era proibida de ser comandada pelo jesuíta, a incorporação humana do sagrado. Assim o espaço da peregrinação e contornos místicos de uma religiosidade ligados ao mundo da natureza ganha o espaço necessário para sua harmonização com o mundo dos católicos.

Essa proibição faz com surja no interior da sociedade religiosa as irmandades, e quando formos pensa-la devemos pensar em toda a complexidade que existia em uma sociedade hierarquizada. Assim existiam diversas divisões entre essas sociedades religiosas. Tanto no que se refere ao Santo de devoção quanto ao que se refere à posição social ocupada por determinado indivíduo. As irmandades eram a forma primordial de organização num mundo dominado por relações de encantamento, místico e salvacionista e por outro dominado por relações de dominação, sujeição e opressão. Dessa forma não podemos pensar limites fixos que determinavam cada Santo pertencente a determinado grupo social, e sim num processo mais fluído que será condizente social e historicamente com as condições concretas do mundo em que vivia e quais eram os aliados principais que cada irmandade buscava na sua aceitação pública para aumentar sua reputação ampliando poderes tanto junto aos grupos sociais dominantes quanto aos grupos dominados.

Viana (2007) vai descrever diversas formas de divisões entre as irmandades. A primeira divisão é entre as de “brancos”, “negros” e “pardos”. Se o vocabulário faz pensar que essas associações eram formadas apenas por grupos de cor veremos que existiam divisões muito além destas, que critérios sociais naquele contexto eram bem mais complexos. Elas podiam estar ligadas às profissões exercidas por seus membros, assim criam-se irmandades de faiscadores, mascates, mineradores, artesões. Outras irmandades eram exclusivas de membros de determinadas nações. Geralmente as irmandades de negros se dividiam entre libertos, livres (nascidos na corte) e escravos. Outra característica é que algumas delas são exclusivas de determinadas nações, assim uma irmandade Mina não aceitava pessoas de Angola, ou vice-versa6. Luna (2009) vai mostrar, através da análise de escravidão na época, à preferência dos proprietários de escravo por determinadas nações, assim vai descrever com relatos da época que não se pode fazer mineração sem um escravo da Mina, que possuem poderes místicos para encontrar ouro e contar sobre a preponderância física desse grupo. Assim como existia a divisão entre os negociantes de escravo essa divisão também se faz presente no seio do próprio grupo dos escravos. Essa diferença também se dava no preço que valia cada escravo, segundo o próprio Luna uma peça de negro Mina podia custar o dobro de um Banto ou de um escravo colonial7.

Essa diferença também se dá em relação aos pardos, sendo a mais comum dela a caracterização física do pardo. Portugal nesse momento buscava um branqueamento, ou um “aportuguesamento” do Brasil. Para as irmandades era muito comum a busca por uma pureza de sangue, como atesta os documentos da época, poderia ser conseguido a partir da terceira geração “pura”, que podia significar tanto em gerações livres quanto gerações onde não se mantém a miscigenação étnica8. Mesmo que fenotipicamente continuassem pardos eles já teriam “limpado” o seu sangue. Essa busca por um sangue mais “puro” era uma forma de aceitação dos pardos no universo branco e português que tentava se copiar nos trópicos. Assim como também marcaria uma divisão entre o que seria o “nativo” brasileiro pardo em contraste com o português branco no contexto da intensificação de uma identidade nacional. Processo semelhante ao vivido na formação de uma nova elite mestiça na América Espanhola através do Criollos.

Assim a própria ordem de disputa entre as diversas irmandades refletiam a condição de pertencimento simbólico nessa sociedade hierarquizada e estamental. A capacidade de financiamento das irmandades era fundamental para sua afirmação de identidade tanto através das festas e da sua capacidade de mobilização de pessoas e para enfeitar as ruas com suas cores e sons. Outra importância das irmandades era para ajudar financeiramente na compra de irmãos que ainda permaneciam como servos9. Essa possibilidade de ter sua alforria comprada pela irmandade da qual um escravo era devoto ajudava muito no poder de atração destas, bem como o papel proeminente que esses poderiam ter pertencendo a algum grupo. Eles deixavam a condição de ser apenas mais um “preto” em terra estranha, mas ganhava uma nova forma de sociabilização, eles tinham um grau de pertencimento a aquele lugar longínquo para o qual foi trazido. A própria palavra irmandade dá uma conotação de laços de parentesco que se cria longe da terra natal, longe do espaço onde estão sepultados seus ancestrais. Dessa forma uma das principais atribuições das irmandades era a encomenda dos mortos e administração de seus cemitérios10. Uma das principais queixas do episcopado sobre as irmandades era pelo não pagamento regular com as despesas de encomenda de morte e missas em homenagem ao sétimo dia de um morto. Aguiar (2001) vai atestar que existia uma tensão entre Igreja e irmandades para que estas pagassem para a paróquia a encomenda das almas dos mortos, assim como com o batismo que muitas vezes eram feitos pelas próprias irmandades11.

A formação de um catolicismo leigo ajuda na manutenção de ritos da antiga cultura africana dentro de um cenário de uma pretensa cidade portuguesa. Essa falta de controle eclesiástico reinante nas Minas Gerais oferece uma possibilidade de reunião e culto independente das irmandades onde na mesma forma que se assemelha ao catolicismo estava impregnada da cultura africana. A utilização de atabaques durante rezas e romarias, ou o coro característico das “lavadeiras” em louvor ao seu Santo em nada relembra o coro jesuítico de aclamação ou o refinamento do coro barroco. A utilização de instrumentos percussivos ao passo que a preferência da Igreja romana era os instrumentos de corda que dava uma sonoridade celestial ao passo que os tambores relembravam práticas “selvagens”12. E até mesmo a incorporação das procissões a locais “sagrados”, ou por aparecimento de Santos ou de peças recheadas de simbolismo religioso, rememorando uma tradição pagã de ritual, neste caso muito mais ligado a uma memória de um catolicismo popular português que ganha um novo contorno no sincretismo à brasileira13.

O mundo rural segue no ritmo ditado pela natureza, com fases definidas entre plantio, colheita, preparação do solo, secas e chuvas. Pela relação mais íntima ligada ao mundo da natureza elementos pagão são incorporados aos ritos católicos, esse processo faz com que as festas religiosas se desenvolvam com maior intensidade no ínterim das estações. As festas religiosas são concomitantes a períodos posteriores a colheita ou ao plantio, quando a necessidade do trabalho braçal se faz menos presente. Assim os folguedos e os feriados vão se desenvolvendo na cultura popular associando a religiosidade ao não trabalho, domingo e dias santos livre das chibatas por si só gera motivo suficiente para a conversão de almas escravas. Para as almas indígenas os dias

Santos serviam como uma rememoração da sua cultura ancestral, das festas “públicas”. Sabemos também que as missões jesuíticas pouca relação tiveram nas Minas Gerais. Quando se dá a descoberta do ouro a Companhia de Jesus estava em franca decadência, tendo sua extinção decretada no auge da mineração, em 1759. Porém sua extinção enquanto braço religioso do Vaticano para a conversão dos pagãos não encerra uma forma religiosa que vai florescer em terras alterosas. A religiosidade leiga, e a organização dos escravos, negros libertos, indígenas, mestiços, brancos vai encontrar nas irmandades uma forma de organização tanto de caráter religioso, pois estavam diretamente ligados às igrejas e paróquias, quando de caráter profano, pois sua organização não visava à conversão de almas - esta estava a cabo dos padres - mas de auxílio na manutenção de uma identidade comum daquele povo. Desta forma a Igreja atuaria por intermédio dessas mesmas irmandades, a partir do corpo de devotos que elas conseguissem organizar.

Para os negros surgem às congadas justamente no período onde houve uma aproximação da igreja católica com os povos africanos, a partir da conversão oficial do rei do Congo ao catolicismo em 1514. A eleição de reis por comunidades de africanos e seus descendentes foi costume amplamente disseminado na América portuguesa. Conforme atesta Souza (2001) existiam nas organizações de trabalho, geralmente organizadas por grupos que se identificavam como pertencentes a uma mesma etnia, e nas quais se elegiam e festejava reis e capitães. Souza (2001; 251)Estes mesmos títulos eram atribuídos aos cabeças de levantes de escravos, muitas vezes tramados e raramente concretizados, sendo reis, capitães e embaixadores identificados como idealizadores e articuladores dessas.” Desta forma os eleitos reis ou para qualquer outro cargo da comitiva nos festejos eram investidos de um arcabouço moral de liderança dentro da sua comunidade, utilizando-o tanto a fins de resistência e afirmação de uma identidade como também frequentemente eram procurados para conter revoltas ou mesmo garantir a paz e a calmaria dentro das senzalas.

A organização dos festejos ficava a cargo dos irmãos de Santo. Essa organização católica dentro das senzalas é imbuída de fator importante nas relações de reputação. É o funcionamento da pequena política que falava Bailey (1971) de que a pequena política de todos, todos os dias de sua vida é sobre reputação, sobre quais as razões para ter ‘um bom nome’ sobre tornar-se socialmente falido, sobre tagarelar e insultar e tornar-se o comandante do navio, em outras palavras, sobre domínio e como participar do jogo social, e como vencer. Para os escravos garantiria a manutenção de alguns símbolos de sua cultura ancestral dentro desse novo mundo. Os batuques africanos, imbuídos de significados místicos e de feitiçaria, aparecem como elo principal da amarra entre a religião católica e a antiga religião do rei do Congo. Também se transforma na primeira forma legitimada pela coroa de organização nas senzalas, os lideres das irmandades eram geralmente eleitos para a comitiva dos cortejos sendo identificado como reis, generais e embaixadores daquele grupo. Assumiam a característica de uma nação dentro de um país, criando e legitimando os responsáveis pela interlocução entre escravos, senhores e igreja.

No dia da festa, escravos, negros libertos, mestiços e curiosos partem em direção a igreja ou a uma capela. Tudo dependendo das condições financeiras das irmandades, da reputação dos senhores, das distâncias a se percorrer até a igreja mais próxima, tudo alterava a celebração, mas, via de regra, os reis negros eram, e são, coroados na Igreja pelo padre. Vestimenta propícia para a ocasião, geralmente coberta de muito luxo, cetro, coroa e tudo o que manda o figurino para a coroação de um rei europeu. As diferenciações entre o poder das irmandades refletiam na sua capacidade de financiar o luxo e esplendor que reveste o corpo de seus membros. As cores, tecidos, alegorias, carros e a vestimenta do Rei e da Rainha, tudo interferia no grau de reputação que estas queriam construir a partir do cortejo. Este tem seu início oficial quando o padre coloca sobre a cabeça do rei, ajoelhado a seus pés, a coroa. Parte-se então uma multidão seguindo o rufar dos tambores, de diversos tipos, numa comitiva real, apresentando o rei e sua embaixada para os moradores do local. Passam de porta em porta para que todos saibam quem são os reis daquela nação. As celebrações continuam com farta comida, aguardente em abundância, ao ritmo das músicas entoadas em louvor aos santos no ritmo dos orixás.

Importante frisar nesse ponto o sucesso da análise de Hannerz (1997) sobre o processo de fluxo, bem como uma “aculturação” negra a religião branca. Todavia esse não se dá sem rupturas ou mesmo limites como afirma o teórico. E justamente nesse ponto fica claro para a comprovação de nossa teoria chave, de que a síntese entre os diversos fluxos que formam uma unidade, e não a imposição da cultura de uma elite para os seus súditos. Fato esse que pode ser comprovado na disputa simbólica que se dava dentro da Diocese de Mariana, onde o alto clero importava órgãos e músicos europeus na tentativa de colocar o barroco como a forma principal da organização musical e de festejos religiosos, com as orquestras de câmara e a racionalização estética. Uma forma de produção e interpretação moderna, de origem nas cidades num país rural. Essa tentativa de aculturação nacional a partir do centro cultural da metrópole não foi capaz de harmonizar as almas landinas, ou latinas, mas foi fundamental para que se criasse seu veneno e fortalecesse as organizações descentralizadas da igreja.

Para os padres o sucesso dos festejos servia como comprovação de sua fé no convertimento de almas para a igreja. E para tal sucesso era necessário que as irmandades tivessem vida ativa e que tivesse poder de estreitar laços de solidariedade entre os escravos e a Santa Sé. Mesmo utilizando-se de ritmos ligado à ancestralidade africana - em oposição à música barroca racionalizada em voga nos rituais católicos - ao menos aqueles escravos estavam integrados ao catolicismo. E com os sucessos dos festejos os comandos superiores da igreja eram informados, o que aumentava o prestígio dos párocos perante a diocese. E para que tal fato se concretizasse era importante que os senhores de engenhos não criasse obstáculos para a organização das irmandades, o que incluía festejos preparatórios durante o ano todo. Assim os dias de domingo e os feriados religiosos serviam de pretexto aos escravos para os festejos, que embora marcassem datas comemorativas aos santos católicos, marca um traço importante do intercâmbio e fluxo de culturas, criando um catolicismo recheado de sincretismo e magias.

Aguiar (2001) faz uma minuciosa análise de receitas e despesas de irmandades nas Minas Gerais setecentistas e traz dados relevantes para a nossa abordagem. Ele compara a receitas destas irmandades e seus gastos num período que vai do auge do ciclo do ouro à sua decadência no final do século XVIII e início do XIX e constata - como já era de se esperar - uma queda vertiginosa nas receitas destas. De maneira geral as irmandades negras gastavam entre 20% e 40% de suas receitas para a realização das festas tendo picos de até 80%, e gastos em torno de 40% com os capelães. O restante dos gastos se dividia entre reformas e construção de igrejas, missas para encomendar a alma, batismo e outros não especificados. Esse quadro nos apresenta um pouco da importância dos festejos para esse grupo e inclusive como atesta Aguiar (2001; 371) “Precaviam-se do desaparecimento dos confrades, pois, como reconhecia um visitador eclesiástico anteriormente citado, sem festa não haveria esmolas.”.

Porem essa dádiva vai se transformando em veneno. O triunfo das irmandades serve a primeiro momento para garantir a conversão das almas e estender os domínios da Santa Sé entre os negros, porém suas festas e principalmente a falta de recursos financeiros por parte dos negros leva a outras consequências. Primeiro pela necessidade cada vez maior de recursos as irmandades necessitam de suportes financeiros da qual não podiam arcar, cabendo aos senhores juízes uma parcela considerável dos proventos das irmandades. Disto resulta um aumento significativo da influência do branco dentro das irmandades negras, do poder estatal sobre uma tutela da igreja, embora não se intrometam diretamente nas questões organizativas. Esta benevolência dos senhores traz em uma mão um maior controle sobre os escravos, oferecendo a eles dias de não trabalho e reputação positiva principalmente entre os lideres das irmandades, que consequentemente eram lideres e organizadoras das senzalas. Chegamos ao ponto crucial para uma nova conformação, como diria Bailey (1971; 171) “Consequentemente, podem emergir novas figuras que crescem de fora da disputa e simbolizam um desejo para a harmonia comunitária”. Desta forma pretendiam os senhores reduzir as fissuras entre a casa grande e a senzala, aumentando a confiança de seus homens e referendando através dos feriados e da euforia passageira de alguns dias em lucro futuro, quer pelo aumento de produtividade dos negros, quer pela redução do número de fugas. Na outra mão aumenta também a reputação dele junto à igreja.

Em segundo lugar, a partir do momento que cresce a influência dos senhores junto às irmandades cresce a pressão da igreja sobre os senhores. Se no primeiro momento a igreja não colocava obstáculos ao sincretismo costumas dessa festa não haveria de continuar sem que algumas fissuras se abrissem. Principalmente quando começa a ocorrer à decadência do ciclo do ouro e consequentemente a redução dos recursos para a construção de novas igrejas e a queda significativa do dinheiro destinado aos capelães. Importante particularmente para nós esse período, pois é a partir da decadência econômica que se aumenta as revoltas no país, tanto dos negros quanto de uma população branca brasileira de tendências liberais, influenciados principalmente pelo fim do Ancient Regimen que se torna um marco para a redução das festas de sociabilidade conforme atesta Simmel.

A cultura barroca traz para o mundo dos homens uma exacerbação estética do luto, da dor, das igrejas escuras e frias donde as imagens sacras perseguem com seus olhos o movimento daqueles que se encontra em suas igrejas e catedrais. O barroco persegue uma matriz medieval religiosa que se esfacelava na maior parte do continente europeu, serve a uma restauração dos princípios da santa Igreja ameaçada pelas reformas que ocorriam principalmente na parte setentrional do continente. Dessa forma ele serve a uma contra reforma que busca uma inspiração ritualística que rememore as grandes cerimonias reais, numa atmosfera indissolúvel entre Igreja e Estado. Segundo Filho (2006; 9) “O barroco é certificação, é verismo e voluntarismo produzido por uma subjetividade trágica, em dúvida e em solidão”. Aproxima o martírio, o sombrio, o medo, luto e reafirma princípios ritualísticos monásticos onde a festa, o jejum, a penitência, o retiro e as peregrinações ganham importância e condição fundamental para a relação Senhor e criatura.

Em constante oposição de mundo o sistema organizativo barroco vinha na contramão das novas influências europeias, da valorização da obra material na vida terrena como garantia para alcançar a salvação. Weber (1967) vai resolver bem a questão da predestinação e da vida asceta que conduzem o homem a certeza da salvação de sua alma, desta forma o trabalho e a aversão às paixões e desventuras terrenas são relevas dentro da perspectiva protestante. Desta forma o barroco servia de coluna vertebral da formação dos primeiros Estados católicos na Europa, Portugal e Espanha. Essa nova concepção de mundo traz na teatralização da vida religiosa e demasiada dramatização de gestos em tempo de retiros espiritual, de festas abundantes seguidos de períodos de jejum, martírio, resguardo e festa. Um ciclo constante onde o trabalho enquanto labor tão necessário para a confirmação divina na Igreja reformada levaria toda península Ibérica ao purgatório.

A incorporação dessa forma barroca de ver o mundo na colônia ganha forças com a expulsão dos jesuítas da Companhia de Jesus. Sem a resistência da velha ordem acreditou-se que pudesse transportar automaticamente uma festividade de corte para a colônia desprovida e que começava a criar dúvidas quanto sua metrópole. Mesmo a composição das festas barrocas em Portugal era permeada de sincretismo, tanto do paganismo quanto dos negros escravos que desfilavam em Lisboa e outros centros importantes. Assim a incorporação das irmandades no seio das grandes festas barrocas tinham alguns significados importantes, primeiro o de dar volume e destaque a cerimônia que se realizava. Com a entrada episcopal de Mariana as dezenas de grupos musicais e performáticos ligados às irmandades procediam à entrada principal do bispo ao pálio. Acompanhado dele entravam as figuras mais proeminentes da sociedade religiosa, política e econômica. Tudo em torno do bispo lembrava a relações hierárquicas e simbólicas da sociedade colonial, conforme atesta Ávila (2006) apresentava nesta festa elementos indígenas e negra sendo essa última relegada a um papel marginal na festa. Mesmo assim havia sido a primeira vez que participavam irmandades de negros das entradas triunfais, uma vez que em ocasião das festas de comemoração pela construção da igreja do Pilar havia sido vetada a participação e entrada ao pálio pelos negros.

Outro motivo que pode ser levantado para sustentar a posição de que o controle barroco necessitava da incorporação de outros setores da sociedade foi o episódio do roubo do sino da igreja em 1743 em ocasião da visita do bispo do Rio de Janeiro, D. João da Cruz à Vila de Ribeirão do Carmo. Segundo Kantor (2001) muitos distúrbios se promoveram com a chegada do bispo à região, em partes suscitadas pelo relaxamento dos padres com os leigos e pelos hábitos maliciosos deles com as mucamas e também por descontentamentos da população mineira tanto à capital quanto à coroa. Outro motivo seria a tentativa de auditar as irmandades, exigindo-lhes uma maior contribuição financeira “costumava autuar as contas das irmandades, restringido o número de festas realizadas, proibindo a utilização de fogos de artifício procissões noturnas ou qualquer festividade realizada fora da Igreja” Kantor (2001; 175). O que seria um duro golpe as práticas festivas desenvolvidas pelas irmandades.

Nesse episódio no dia de despedida do bispo, após vários dias de festividades com a entrada triunfal do bispo à cidade, festas e apresentações musicais e literárias, tem se a cerimônia de despedida, após a missa que anunciaria a sua volta deveriam soar os sinos da igreja. E para a surpresa geral todos os quatro sinos que deveriam repicar haviam sido roubados, o que rendera muitos problemas para a organização episcopal, assim como rendeu reclamações por escrito do bispo que pedia soluções enérgicas de castigo para os envolvidos. Confrontos políticos e eclesiais se somavam, por um lado um setor da elite política pressionava para um maior suporte e reconhecimento da Igreja para a região e por outros padres e leigos que se associavam para não perderem a relativa autonomia que conquistavam no interior do país, longe dos olhos do vice-rei ou do bispo da capital. Esse jogo de poder e de relações que se criaram fortalece uma posição de independência ritualística das festas leigas e a parcela administrativa das Minas Gerais que pretendiam aumentar o poder deles, tanto em relação à coroa quanto em relação a seus pares. Embora independências estivessem longe de ocorrer no universo colonial nas Américas, os germes da formação de uma elite nacional branca e mestiça começa a se formar.

D. João da Cruz acusou o ouvidor Caetano Furtado de Mendonça e o intendente Domingos de Pinheiro de terem encabeçado a transgressão ritual. Prosseguia dizendo que a motivação para tal ato seria pela contrariedade à remoção do padre Francisco de Pinheiro de Afonseca para outra freguesia. Kantor (2001; 175) “O referido sacerdote tinha sido destituído dos seus cargos e suspenso pelo bispo, atitude que atraiu a ira de sua influente clientela na vila.” Após disputas entre o ouvidor e o bispo, e após solucionar o mistério do roubo dos sinos, que haviam sido encontrados num córrego perto da catedral, a devassa final veio com o indiciamento do padre Francisco da Costa e Oliveira e do Padre Antônio Sarmento.

Dois anos após o processo do roubo dos sinos a Vila do Carmo é elevada a categoria de sede do bispado. Cinco anos após é a hora de remontar uma entrada triunfal do novo bispo. Depois de mais de um ano de viajem desde o Maranhão até as Minas Gerais, passando e parando pelo interior do país chega a já então cidade de Mariana Dom Bartolomeu da Cruz. Sua chegada era muito esperada tanto para acalmar os ânimos da divisão religiosa quanto para o aumento do poder régio e controle maior da população. A presença do bispo deveria traçar novos rumos no desenvolvimento religioso da região, e a primeira demonstração do poder dessa nova era foi descrito como o Auro Trono Episcopal, a entrada do bispo à cidade e sua recepção e aclamação pública. Ávila (2006; 43) “A partir de 28 de novembro de 1748, iniciam-se as festas, que se estenderão até o decorrer do mês de dezembro, entre procissões, desfiles alegóricos, jogos de iluminação, missas solenes, encenações teatrais e oralizações poéticas”. Podemos notar uma preocupação com a demonstração pública de uma cultura europeia mais refinada, que abria espaços centrais nas comemorações para o teatro e para o concurso de poemas que se realizava, em grande parte incentivada pela intelectulização que se desenvolvia para suprir as demandas administrativas que se necessitam fomentar no principal centro econômico da colônia, “[...] diversificada programação, mais do que o mero objetivo da diversão pública e do regozijo religioso, uma notória preocupação como brilho intelectual, com a introdução de elementos e formas cultos nas várias solenidades” Ávila (2006; 44).

Esse espaço privilegiado que se abria para as manifestações culturais ligados à elite econômica e social marcavam um papel simbólico importante do projeto que tinha o barroco, pelo caráter competitivo da literatura ao passo que as manifestações festivas e musicais caiam no jogo simbólico da contemplação trivial por parte das camadas mais abastadas. Outro destaque era pela quantidade de apresentações musicais que ocorreram no interior das igrejas dentro da perspectiva de superação das restrições jesuíticas e introdução de instrumentos musicais estranhos a ordem do catolicismo tropical, com a presença de cravos, violinos, harpas e o canto gregoriano, isso em oposição frontal aos instrumentos e músicas que já eram desenvolvidas nessas terras sendo prioritariamente a partir da viola, guitarra espanhola, atabaques, tambores e instrumentos de sopros que haviam sido desenvolvidos a partir das experiências jesuíticas14 e misturada com a música produzida a partir das festas das irmandades. Mas muito além das diferenças rítmicas e melódicas que surgiam de extratos diferentes da sociedade também estava a posição simbólica que cada um ocupa na Entrada Episcopal. A música de matriz europeia, executada por instrumentistas estrangeiros ou nascido na corte, permanecia num processo de audiência contemplativa, onde os membros de maior reputação na sociedade assistia tal qual a quem assiste uma missa, no silêncio que permite a incorporação divina através do ritmo celestial orquestrado pelas cordas melódicas e construções harmônicas racionalmente desenvolvidas para este fim. Do lado oposto se encontra a música leiga dentro desse processo. Esta não se dá de maneira contemplativa, muito pelo contrário, assume formas participativa e mais coletivista na música e nas danças. Usando os instrumentos populares de couro percussivos em caixas de madeiras ou cordas para construções harmônicas mais simples herdadas da fabordão15, desfilavam pelas ruas que eram os espaços destinados a aqueles que não eram permitidos frequentarem determinadas Igrejas. Porém a influência do falso bordão da música apreendida junto aos jesuítas também se misturava outras práticas culturais dentro das confrarias dos negros “ser membro de uma irmandade não excluía a possibilidade de estar nos calundus, de portar uma bolsa de mandinga junto ao corpo, nem tampouco de manter uma relação de veneração afetivizada com os santos de devoção” Viana (2007; 102).

Toda essa tensão entre diversos grupos disputando um poder simbólico dentro das posições conflitivas de uma sociedade nova e com grande mobilidade social, nesse primeiro momento da colonização, transforma a chegada do Bispo à Mariana a uma grande festa popular, onde conviviam (embora cheio de rupturas) as diversas organizações populares, a festa da “chusma” com a festa dos nobres e ricos homens da corte. O resultado disso é uma afirmação coletiva onde as máscaras da sociedade não caem, mas que reafirmam e disputam sua posição social através da proximidade física que se mantinha nas festividades com o Bispo, o que de maneira estética da constituição de uma memória coletiva promove uma festa bastante suntuosa, cheio de luxo e extremamente popular. “as comemorações de rua chegaram a atingir o nível de suntuosidade e os contornos do maravilhoso peculiares às expansões festivas da sociedade barroca” Ávila (2006; 44).

Na disputa de espaços simbólicos tudo poderia demonstrar a posição que exerce uma pessoa ou grupo na Entrada do Bispo, o convite ao governador para assentar próximo ao religioso, assim como os diversos profissionais do alto escalão da burocracia à posição da casa onde determinava família contemplava o cortejo. A partir de sacadas posicionadas nos andares superiores de um sobrado próximo a catedral ou a janela de ruas mais afastadas que esperavam pela passagem dos diversos grupos que participavam do cortejo até a entrada no final da fila após verem “de perto” a figura do eclesiástico e da elite local. Assim como a qualidade dos panos e dos enfeites que se fazia nas janelas das casas, lembrando muitas vezes as cores das confrarias que faziam parte no caso dos menos abastados, até mesmo as cores do brasão da família no caso dos mais afortunados e daqueles que apresentam um sangue nobre que poderiam ostentar.

A musicalidade é uma das primeiras manifestações culturais da humanidade, portanto não seria diferente na construção do ideário nacional surgido a partir do século XVIII no Brasil. Temos na produção musical, ligada à canção popular, papel decisivo na gênese de novas identidades nacionais híbridas; não mais fixas, nem essencializadas, mas marcadas pela articulação do “próprio” e do “alheio”, no fluxo constante que marcou a origem da organização social deste país. Seus criadores auxiliam a quebrar as barreiras asfixiantes criadas por nacionalistas empedernidos, mas sem cair na também asfixiante aceitação cega daquilo que é produzido e entendido na metrópole como o melhor. Porem a constituição de uma identidade coletiva em nosso país não poderia se passar nos moldes em que ocorreram na formação dos estados nação na Europa, pois já havia sido inscrito em nosso país a influência de diversos povos e etnias. Diferentemente do que se passava no velho continente, onde se buscava denominador comum na ancestralidade dos povos para a formação das nações aqui já havia ocorrido um processo sem volta de miscigenação e de fluxo cultural.

A situação liminar do negro no Brasil, o colocava em uma posição nas quais os antigos modos de ação que organizavam seu "ser no mundo" em outro continente, não constituía a mesma eficácia em outro tempo espaço que ora se apresentava. O estar no mundo humano, não é apenas constituído de uma presença física, ela é permeada por mediações simbólicas, disputas por reputação e reconhecimento, que norteiam essa presença, conduzindo-a a um posicionamento social do indivíduo, assegurando-lhe um lugar na estruturação da sociedade.

Sabemos porém, que em uma sociedade estratificada em classes as forças simbólicas dependem do lugar em que cada ator ocupa na hierarquia social. Desta forma os negros que para cá vieram não poderiam simplesmente transferir sua cultura para cá, nem tampouco poderiam, pois vieram de diversas etnias do mesmo solo africano. Com diversas línguas e culturas. Negar isso é negar a própria organização das diversas nações africanas. Nem tampouco poderíamos falar de uma imposição única dos colonizadores portugueses junto à massa de escravos que se espremiam nas senzalas. Isto seria perder o potencial dinâmico do fluxo cultural. A partir de um grande processo de reelaboração das tradições, fronteiras e até mesmo da mescla de tradições diferentes, foi possível a constituição de um novo patrimônio cultural sendo este não mais africano ou brasileiro, mas afro-brasileiro.

Dentro desta disputa simbólica da sociedade que se formavam os negros, escravos e não escravos sabiam que a condição que os unia era bem maior do que a que os dividia enquanto classe social, tanto na sua condição econômica quanto na condição cultural. Assim formava-se uma aliança simbólica entre essas camadas, porém não suficiente para lhe assegurar a garantia de manter algumas de suas tradições. Desta forma os negros encontraram nas irmandades católicas um espaço fundamental para a manutenção de traços de sua cultura e sua ressimbolização em terras tupiniquim. A aceitação formal da religião católica abria espaço para os negros fora da dicotomia senzala e trabalho. Voltava-se para os negros a possibilidade de participação das festas religiosas, mesmo que essas fossem entre si divididas entre santos da casa grande e da senzala.

Grandes festas como a do Áureo Trono Episcopal servia para que as posições sócias dos grupos se mostrassem de maneira mais clara, aliviando momentaneamente as tensões sociais a partir de episódios e confraternização de unidade. Diferentemente das festas exclusivas de negros como as congadas onde ocorria uma inversão hierárquica das correlações de forças que se enfrentavam na sociedade, a grande festa barroca buscava uma unidade simbólica através de uma figura que sintetizava uma conquista coletiva no seio da religiosidade. Mariana chegava ao auge da sua vida com o reconhecimento do Vaticano que consentia sua elevação à sede episcopal, esse símbolo de unidade convertia as festas de um momento de exceção e êxtase coletivo numa investida de legitimação da ordem social. Ao mesmo tempo as irmandades e confrarias depositavam na organização coletiva com fins a festas populares na busca da formação de uma identidade nova das classes menos favorecidas. Os negros e pardos depositavam nessa forma de organização tanto seu pertencimento enquanto grupo, mas também a tentativa de elevação e reconhecimento social.

Bayle (1971) dizia que o importante na relação de reconhecimento o que os outros pensam sobre você. As festas barrocas serviam de um grande pano de fundo, de um mosaico onde as relações de poder e hierarquia social se mostravam as claras, mas muitas coisas nelas ficavam escondidas da visão do grande público, pois a própria entradas que faziam as irmandades dos menos afortunados já o colocavam em destaque em relação aos outros escravos que não se organizavam nela e só puderam acompanhar os desfiles e cortejos a centenas de metros da figura principal. Desta forma depositavam a esperança de mudar sua reputação simbólica com toda a sociedade, permitindo garantir ganhos individuais nas relações e ganhos coletivos através do aumento de status das irmandades que faziam parte. Por outro lado estas grandes festas de unidade serviam aos mais afortunados recompor e mostrar a força que detinham e a capacidade de organização para a manutenção do seu poder, uma vez que essas festas tratavam-se de momentos excepcionais. Como estas, só haviam tido entradas com semelhante vulto nas cidades mineradoras em 1733 com a construção da nova Igreja matriz, além da entrada menor com a visita do bispo e roubo dos sinos.

No período da pasmaceira cotidiana a Igreja ainda mantinha pela lembrança coletiva das suas festas um poder central e de dominação sobre a vida e a alma das pessoas da região, agora enriquecida tanto com a nova Matriz como com a chegada do Bispo, que de pronto atuará para a construção de cada vez mais igrejas e com mais brilho, ouro e suntuosidade. O rei e seus defensores, na burocracia que se criava, asseguravam seu poder na dominação da estrutura da cidade, deixando claro o poder real a partir do próprio nome delas, bem como pela sua capacidade de recolhimento de impostos e de garantir recursos em abundância para seus membros e poder para suas forças armadas. Aos menos afortunados não restava muito além de garantir o máximo de tempo livre para dispor do seu corpo sem a influência do seu senhor. Assim se estruturavam a fim de utilizar as festas como momento de reafirmação de identidades africanas misturada ao mundo cristão e na esperança de ter sua liberdade comprada, ou pelo seu próprio esforço ou com a ajuda da sua irmandade.

Material suplementar
Bibliografia
Aguiar, M. M. “Festas e rituais de inversão hierárquica nas irmandades negras de Minas Colonial. In: Jancsó, I. Kantor, I (org) Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo, Edusp, 2001.
Bailey, F. G. Gifts and poisos. In Bailey, F. G. (org) “Gifts and poisons. The politics of reputation”. New York, Schocken Books, 1971. Bourdieu, P, “O poder simbólico”, São Paulo, Bertrand, 2002.
Candido, A. “Parceiros do Rio Bonito”. São Paulo, 34, 2001.
Filho, Rubens Barbosa “Barroco: Nossa origem e singularidade” Acervo, Rio de Janeiro, 2006.
Franco, M. S. C. “Homens livres na ordem escravocrata”. São Paulo, Unesp, 1997
Freyre, G. “Sobrados e Mucamos” São Paulo, Record. 2002.
Gonzaga, Tomás Antônio. “Cartas Chilenas”. Virtualbooks 2000.
Hannerz, Ulf Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da Antropologia transnacional. Mana. Rio de Janeiro, 1997.
Holanda, S. B. “Raízes do Brasil” São Paulo, Cia das Letras, 1995.
Júnior, C. P. “A formação do Brasil contemporâneo” São Paulo, Brasiliense, 1994.
Kantor, Iris. “Entradas episcopais na Capitania de Minas Gerais (1743 e 1748): a transgressão formalizada” In: Jancsó, I. Kantor, I (org) Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo, Edusp, 2001.
Lara, S. H. “Uma embaixada africana na América Portuguesa” In: Jancsó, I. Kantor, I (org) Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo, Edusp, 2001.
Luna, F. V., Costa, I, N. e Klein, H. S. “Escravismo em São Paulo e Minas Gerais”, São Paulo, Edusp, 2009
Maior, A. Souto, “O sentimento nativista: a revolta de Vila Rica. Filipe dos Santos”, Cia. Editora Nacional, História do Brasil, São Paulo: 1968
Passos, Mauro. “O catolicismo popular a festa na vida” Petrópolis, vozes 2002
Simmel, G. Sociabilidade - um exemplo de sociologia pura ou formal. In: Moraes Filho, Evaristo (org). Georg Simmel. São Paulo: Ática, 1983.
Souza, M. M. “História, mito e identidade nas festas de reis negros no Brasil - séculos XVIII e XVI” In: Jancsó, I. Kantor, I (org) Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo, Edusp, 2001.
Viana, Larissa “O idioma da mestiçagem”, Campinas, Unicamp, 2007
Weber, Max. “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. São Paulo, Pioneira, 1967
Notas
Notas
1 “Visto que as ocupações assumidas visando à assistência das almas são de grande importância e próprias de nossa Instituição, e muito frequentes, e como por outro lado nossa residência nesse lugar é incerta, que os nossos não usem o coro para horas canônicas ou missas, nem em outros ofícios cantados, uma vez que àqueles, a quem sua devoção move a ouvi-las, abundam locais onde se possam satisfazer” (Cosntitutiones, 1583, Padre Inácio Loyola) in Holler (2010; 139)
2 Comentarista inglês sobre as festas religiosas portuguesas “Nesse dia, podem se ver centenas de negros a atravessar o Tejo em barcos. O dia começa com missa seguida de sermão. Porém mal termina a cerimônia religiosa, tem início ao deboche capaz de fazer corar os antigos devotos de Baco” Tinhorão (2012; 86)
3 Ver Holanda (2004) “O semeador e o ladrilhador”.
4 “Um processo comum na catequese do século XVI [...] era a utilização de cantigas com texto sacros vestidos na língua dos índios”. Holler (2010; 163)
5 Holler (2010) vai mostrar que a lógica da música Luterana estava traçada em um tripé musical que incluía os órgãos, o coro e a Igreja, dentro do espaço destinado a fé, o que conferia a musica formada no meio dos fiéis garantiriam um caráter sagrado à música, tirando o espaço das festas como meio de sua propagação.
6 Viana (2007) As irmandades fundamentavam-se na noção de respeito da origem ou na percepção sobre a noção de cor e limpeza de sangue. Na confraria de Nossa Senhora do Amparo para ingressar nela “era necessário que o candidato comprovasse ser legitimamente pardo, além de desfrutar da condição de liberto”. “A irmandade do Glorioso São Jorge, que reunia os mestres dos ofícios ligados ao trabalho com ferro”. Ou mesmo a irmandade de São Elesbão que só aceitava “pretos oriundos da Costa da Mina, Cabo Verde, São Tomé e Moçambique”.
7 Luna (2009; 231) “Em 1725, o governador da Capitania do Rio de Janeiro voltava ao tema e reafirmava a “superioridade” do elemento sudanês”.
8 Viana (2007; 52) coloca que a origem da pureza sanguínea remonta aos cristãos novos na península Ibérica, conceito esse que vai tomar parte do sistema colonial, servindo para manter “estreita relação entre a noção de honra e o ideal de “pureza de sangue””. Desta forma a honra seria obtida através de seu afastamento do ancestral escravo, negro ou até mesmo trabalhador manual.
9 Viana (2007) coloca três formas principais de alforria dos escravos, a primeira é pela compra a prestação do escravo com o dinheiro suplementar do seu jornal. O segundo é a compra pela irmandade, que pode se dar tanto por empréstimo quanto pela simples alforria. A terceira libertação pelo senhor, geralmente por testamento.
10 Aguiar (2001; 365) “Nas confrarias negras, os gastos com missas pela alma dos irmãos defuntos eram pouco expressivos, menos de dez por cento do total da receita. Em alguns casos não chegavam nem a cinco por cento”.
11 Aguiar (2001; 372) “Nos casos de cancelamento de festas, contudo, a falta de justificativas suficientes poderia ocasionar reveses no balanço financeiro das instituições.”
12 Holler (2010) Sustenta que o Papa Paulo IV responde às restrições jesuíticas aconselhando o uso de trombetas, harpas, cravos e órgãos, além do coro como uma forma de reverberar sons celestiais às almas acostumadas com os tambores pagãs que enfeitavam os novos domínios católicos.
13 Tinhorão (2012; 78) “Uma prova do rigor com que a chusma dos miúdos e pés de poeira continuava a reverenciar a herança de antigas festas rituais pagãs, vésperas do pesar das cinzas”
14 Holler (2010) “Uma música para diversas vozes, mas simples, sem compasso, cujas notas são quase todas iguais e cuja harmonia é sempre silábica”.
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc