Article

USOS DA AYAHUASCA E DISCURSOS SOBRE TRANSTORNOS MENTAIS NA IMPRENSA BRASILEIRA 1960-2010

Usos de la ayahuasca y discursos sobre los transtornos mentales em la prensa brasileña 1960-2010

Uses of Ayahuasca and Discourse on Mental Disorders in the Brazilian Press 1960-2010

Vinícius Maurício de Lima *
Universidade Federal do ABC, Brasil

USOS DA AYAHUASCA E DISCURSOS SOBRE TRANSTORNOS MENTAIS NA IMPRENSA BRASILEIRA 1960-2010

Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 25, e023018, 2023

Universidade Estadual de Campinas

Recepção: 15 Janeiro 2023

Aprovação: 17 Maio 2023

Resumo: Historicamente, a ayahuasca é associada na imprensa à “alucinação”, às “drogas” e à “loucura”. No entanto, o avanço de pesquisas sobre seus “potenciais terapêuticos” e a divulgação dos resultados no noticiário fazem questionar, o que também é uma premissa, se há uma transformação nos significados sociais da beberagem em um período recente. O objetivo deste artigo foi analisar a cobertura dos veículos de imprensa em relação aos usos da ayahuasca e os discursos sobre transtornos mentais. Nos termos de Latour, esses veículos são ‘atores’ fundamentais em uma rede sociotécnica da ayahuasca que integra com outros atores e com os quais estabelece “associações” e “controvérsias” no debate público. Para tanto, foi realizada uma análise dos discursos sobre transtornos mentais relacionados aos usos da ayahuasca em reportagens de veículos do Brasil, nacionais e da região Amazônica, dos anos 1960 a 2020. Esses documentos evidenciam mudanças de abordagem, nas narrativas e gramáticas que vêm legitimando a ayahuasca recentemente em relação a décadas anteriores.

Palavras-chave: Ayahuasca, Transtornos mentais, Drogas, Brasil, Análise documental.

Resumen: Históricamente, la ayahuasca há sido associada en la prensa con “alucinaciones”, “drogas” y “locura”. Sin embargo, el avance de las investigaciones sobre su “potencial terapéutico” y la publicación de los resultados en las noticias plantean la pregunta, que es también, una premisa, de si ha habido una transformación en los significados sociales del brebaje en un período reciente. El objetivo de este artículo fue analizar la cobertura mediática sobre los usos de la ayahuasca y los discursos sobre los transtornos mentales. En términos de Latour, estos vehículos son “actores” fundamentales en uma red sociotécnica de ayahuasca que se integra con otros actores y con los que establece “asociaciones” y “controversias” en el debate público. Para ello, se realizó un análisis de los discursos sobre los transtornos mentales relacionados con el uso de ayahuasca en los relatos de vehículos en Brasil, a nivel nacional y en la región amazónica, de la década de 1960 a 2020. Estos documentos muestran câmbios de enfoque, en el narrativas y gramáticas que han ido legitimando la ayahuasca recentemente em comparación con décadas anteriores.

Palabras clave: Ayahuasca, Desordenes mentales, Drogas, Brasil, Análisis de documentos.

Abstract: Historically, ayahuasca has been associated in the press with “hallucination”, “drugs” and “madness”. However, the advancement of research on its “therapeutic potential” and the dissemination of results in the news raise the question, which is also a premise, whether there has been a transformation in the social meanings of the brew in a recent period. Here, the objective was to analyze the coverage of press vehicles in relation to the uses of ayahuasca and discourses on mental disorders. In terms of Latour, these press vehicles are fundamental ‘actors’ in a sociotechnical network of ayahuasca that integrates with other actors and with which it establishes ‘associations’ and ‘controversies’ in the public debate. An analysis was carried out of discourses on mental disorders related to the use of ayahuasca in reports by vehicles in Brazil, nationally and from the Amazon region, from the 1960s to 2020. These documents show changes in approach, in the narratives and grammars that have recently legitimized ayahuasca in comparison to previous decades.

Keywords: Ayahuasca, Mental disorders, Drugs, Brazil, Documental analysis.

Introdução

Ao folhear um dos principais jornais do Brasil, a Folha de S.Paulo, em 14 de junho de 2015, o leitor pode ter se deparado, na seção Saúde+Ciência, com uma reportagem sobre uma pesquisa com uma “nova” “droga” que, em uma única “dose”, melhorou sintomas da depressão em 80% dos participantes.1 Nessa reportagem, os discursos religioso e científico eram combinados pelo jornalista para falar da “bebida”, “também conhecida como chá do Daime”, a mesma ayahuasca utilizada por determinadas religiões, como o Santo Daime e a União do Vegetal (UDV), e divulgada como uma “novidade” na psiquiatria, exigindo “cuidado” com seus “efeitos terapêuticos” ainda não estudados completamente (Alves, 2015).

Como se diz no discurso jornalístico, a “pauta” foi tratada com relevância ao ser diagramada no topo da página, em uma edição de domingo. Mais que isso, em sua narrativa e gramática, a reportagem considerava a ayahuasca como um “tratamento” para a depressão, estabelecendo a beberagem de maneira mais legitimada em relação a outras reportagens sobre a substância de três ou quatro décadas atrás. Afinal, ao se popularizar devido à institucionalização e à expansão das religiões ayahuasqueiras, dos anos 1960 em diante, a ayahuasca sofreu perseguição dos veículos de imprensa que, por vezes, associavam-na a episódios de “alucinação” e “loucura”.

A abordagem dada pela Folha, no entanto, é cada vez mais comum em reportagens sobre a ayahuasca publicadas pelos veículos de imprensa. É frequente a divulgação de resultados “promissores” de pesquisas sobre “problemas” de saúde pública como a depressão e o “abuso” e/ou “dependência” ao álcool e outras substâncias como a cocaína, nas quais a ayahuasca aparece como candidata a uma “revolução” na psiquiatria, sendo considerada um “fármaco”, um “medicamento” e, nesse sentido, ainda, uma “nova droga”. Também reflete o entusiasmo com o resultado desses estudos científicos no Brasil e no mundo, na esteira do que tem sido chamado por pesquisadores e jornalistas de “renascimento psicodélico”, pois, a partir dos anos 2000, e, mais notadamente, na década de 2010, houve um crescimento no número de pesquisas nas áreas biomédicas, e diversas universidades internacionais de renome fundaram centros de pesquisas sobre “psicodélicos” – como também são chamadas as “substâncias psicoativas” no discurso científico.

Em nosso país, o número desses estudos científicos, especialmente sobre a ayahuasca, aumentou concomitante à regulamentação dos usos religiosos da ayahuasca pelo então Conselho Nacional Antidrogas (Conad), o que aconteceu por meio da Resolução nº 01 de 2010. Nesse documento também é recomendado que sejam realizadas pesquisas sobre os usos terapêuticos dessa beberagem (Brasil, 2010). No decorrer de seis décadas, portanto, apresentam-se diferentes conjunturas que indicam transformações nos significados sociais da ayahuasca na relação com os transtornos mentais, o que pode ser evidenciado no noticiário. Diante de tais mudanças, neste artigo analisarei a cobertura dos veículos de imprensa em relação aos usos da ayahuasca e os discursos sobre transtornos mentais.

Foucault (1972) explica que a “loucura”, como foram genericamente nomeados os transtornos mentais, passou a ser objeto de discursos – os enunciados que instituem significados sociais para as coisas – da medicina, da ciência e da saúde pública, bem como de outras esferas da sociedade, em especial a partir da modernidade, devido à exaltação da razão, condição de quem seria “normal”. Assim, por meio do advento e institucionalização de áreas como a psiquiatria, os “loucos” ou “insanos”, considerados socialmente como “anormais”, passaram a ser identificados e submetidos à internação e/ou às práticas médicas de controle. Esses discursos e intervenções contribuíram para que as pessoas com transtornos mentais fossem discriminadas e estigmatizadas durante séculos, como demonstram outros autores como Goffman (1974, 2004).

Mais contemporaneamente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define um “transtorno mental” como uma “síndrome” que afeta a cognição, as emoções e o comportamento, causando “disfunções” psicológicas e biológicas, sendo relacionada também ao sofrimento e a “problemas” pessoais, familiares, sociais, educacionais, ocupacionais e, dessa maneira, de saúde pública. São considerados transtornos mentais a depressão, o transtorno bipolar, a esquizofrenia e outras psicoses, a demência, a deficiência intelectual e os transtornos de desenvolvimento, incluindo o autismo. Em relatório publicado em 2022, o órgão internacional informou que 1 bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental no mundo em 2019 e destacou iniciativas no Brasil que visam combater a discriminação e o estigma dessas pessoas assegurando o acesso a direitos, como o Movimento de Luta Antimanicomial e a criação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (OMS, 2022).

Segundo a teoria ator-rede proposta por Latour (2012), considero que os veículos de imprensa, bem como os jornalistas, são atores no que chamo de rede sociotécnica da ayahuasca composta também por outros atores, como os indígenas, os religiosos e as instituições ayahuasqueiras que fazem usos rituais da ayahuasca, pesquisadores e especialistas em áreas como a neurociência, a psiquiatria e a antropologia que a estudam, o aparato do Estado (polícia, órgãos públicos etc.) e os agentes públicos que agem para autorizá-la ou reprimi-la, os órgãos nacionais e internacionais que estabelecem diretrizes sobre o “controle” de “drogas” e, em especial, a própria ayahuasca, que age em sua rede ao mesmo tempo que os outros atores. Dito de outro modo, atores podem ser humanos, não-humanos e instituições e, sendo um ator, os veículos de imprensa têm agência para “pautar” o debate e a opinião pública, contribuindo com abordagens, narrativas e gramáticas que integram o imaginário social sobre a ayahuasca, instituindo e transformando os significados sociais da beberagem na relação com os transtornos mentais.

Diversos pesquisadores das ciências humanas e sociais, ao analisar materiais de internet, mídia televisiva, jornais e revistas, têm demonstrado que, especialmente da década de 1980 ao ano de 2010, a ayahuasca é abordada por veículos de imprensa de modo pejorativo, estigmatizado, estereotipado e sensacionalista, sendo associada às “drogas” e ao adoecimento físico e mental (Antunes, 2012; Goulart, 2008; Labate, 2009). Alguns casos são analisados, como os usos religiosos e terapêuticos da ayahuasca por detentos de um presídio de Porto Velho (RO) autorizados pela justiça local a frequentarem uma instituição ayahuasqueira, e o assassinato do cartunista Glauco Villas-Boas e do filho dele, Raoni Villas-Boas, em 2010, no mesmo condomínio de uma igreja ayahuasqueira na região metropolitana de São Paulo (SP), por um ex-frequentador da igreja que depois foi diagnosticado com esquizofrenia (Benedito, 2017; Coutinho, 2013; Mackellene, 2015).

No entanto, em uma análise mais recente, dos anos 2010, Assis (2021) nota a relação da ayahuasca com as pesquisas na cobertura jornalística. Para a autora, é possível observar a procura de uma legitimação da ayahuasca na esfera midiática por meio da divulgação do argumento de pesquisadores e médicos que atestam a substância psicoativa como “potencial” “tratamento” a “problemas” de saúde pública como a depressão. Contudo, essas pesquisas não aprofundam as análises históricas e comparativas sobre reportagens publicadas desde a década de 1960 até os anos 2010, as quais defendo que permitem compreender conjunturas distintas.

Procedimentos metodológicos

A fim de explorar abordagens, narrativas e gramáticas dos veículos de imprensa em diferentes períodos, realizei uma análise do discurso jornalístico em sua articulação nas reportagens com outros discursos, como os discursos religioso, policial, judiciário/legal, médico, sanitário, antropológico e científico, este particularmente relacionado às ciências biomédicas. Para isso, considerei as reportagens como documentos que, em um diálogo com Latour (1994, 2012), entendo como meios que “transportam” conhecimentos e “in-formam” atores que compõem a rede sociotécnica da ayahuasca. Nesses documentos, as associações e controvérsias entre esses atores no debate público mobilizam discursos, os quais trazem retóricas e estratégias textuais que se relacionam à ayahuasca e ao contexto social de seus usos, possibilitando, nesse sentido, verificar se os significados sociais da ayahuasca na relação com os transtornos mentais se modificaram ao longo do tempo.

Para realizar essa análise, busquei reportagens sobre a ayahuasca no arquivo da Hemeroteca Digital Brasileira, da Fundação Biblioteca Nacional (http://memoria.bn.br/), além de mais de 50 websites de veículos de imprensa e do website Google. De um total de 702 materiais escritos encontrados, referentes a publicações de 1960 a 2022, escolhi analisar, propositalmente, materiais de três canais de comunicação da imprensa escrita (jornais, revistas e internet), de veículos da região Norte – de onde a ayahuasca se origina –, como os jornais Jornal do Commercio e Alto Madeira – este já extinto – e o website G1 AC, e da região Sudeste, onde se localizam alguns dos principais veículos de imprensa nacionais, como os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, as revistas IstoÉ, Veja e O Cruzeiro – esta já extinta. Das 246 publicações de 19 jornais e revistas impressos e 456 publicações de 47 websites, selecionei 14 reportagens de jornais, revistas e websites por abordarem o tema dos transtornos mentais.

A escolha se deve pela possibilidade de conhecer documentos impressos que noticiam a ayahuasca, desde os anos 1960, e textos de websites, dada a popularização da internet no Brasil desde os anos 2000. Além disso, a análise de reportagens de distintas regiões pode evidenciar diferentes abordagens, narrativas e gramáticas sobre o tema da ayahuasca e dos transtornos mentais. Outros materiais escritos de veículos de imprensa nacionais e regionais, bem como materiais de TV e de rádio, não foram selecionados para análise no escopo deste artigo.

De modo complementar, utilizei outros documentos na discussão, em especial documentos jurídico-sanitários relacionados às “drogas” e à ayahuasca, de órgãos nacionais, como a Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos (Dimed) — órgão que antecedeu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) —, o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) e o Conad, e internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), bem como publicações científicas, que Latour (2011) afirma serem mais que apenas materiais de revisão bibliográfica.

Conforme a teoria ator-rede, antes de realizar a análise, mapeei acontecimentos no debate público que relacionam a ayahuasca aos transtornos mentais. São quatro acontecimentos identificados, noticiados também nas reportagens, e que são significativos por movimentarem a opinião pública no Brasil ao longo de seis décadas, sendo eles: 1) a instituição de políticas antidrogas no mundo e em nosso país, nos anos 1960 e 1970, que influenciou para que a ayahuasca fosse considerada uma “droga” e fosse perseguida pelos veículos de imprensa; 2) a publicação em 1985 da Portaria nº 02, pela Dimed, do Ministério da Saúde, que proscreveu a dimetiltriptamina (DMT), composto químico presente na ayahuasca, tendo sido os usos da beberagem proibidos durante meses; 3) o assassinato do cartunista Glauco Villas-Boas e de seu filho Raoni Villas-Boas, em 2010, por um ex-frequentador da igreja ayahuasqueira na qual Glauco era dirigente, e que posteriormente viria a ser diagnosticado com esquizofrenia; e 4) o crescimento na década de 2010 no número de pesquisas sobre os “potenciais terapêuticos” da ayahuasca no “tratamento” para depressão e para a adicção ao álcool e outras substâncias.

Em vez de tomar os “dados” coletados nos veículos de imprensa como “já prontos” (Beaud & Weber, 2007), como aconselha Frehse (2005), procurei identificar qual veículo de imprensa publicou determinado texto, o jornalista que o escreveu, em que momento histórico e contexto social, a abordagem, a narrativa e a gramática utilizadas, bem como os atores da rede sociotécnica da ayahuasca mencionados pelo jornalista e relacionados aos acontecimentos, além de detectar as associações e controvérsias entre esses atores, as quais estão escritas e subscritas nas reportagens.

Sob vigilância das políticas antidrogas

Em 1969, José Gabriel da Costa, o Mestre Gabriel, fundador da UDV, uma das religiões ayahuasqueiras tradicionais, foi entrevistado para uma reportagem de O Estado de S. Paulo, principal periódico impresso do Brasil na época, tornando-se “personagem” ou “fonte”, como diz o discurso jornalístico, daquele que pode ter sido o primeiro material jornalístico com uma religião ayahuasqueira, produzido por um profissional de imprensa, sobre o tema do “Chá Hoasca” — como se nomeia a ayahuasca nessa religião — publicada na derradeira página (uma página nobre) de um veículo de imprensa de projeção nacional. Com o título “Na selva um místico vende um sonho”, Mestre Gabriel falou à reportagem de aspectos de sua história de vida que o conduziram a se tornar um líder religioso, de acontecimentos relacionados à fundação da UDV, da cosmovisão da religião, do início de sua organização administrativa e do ritual com o uso religioso do Chá Hoasca, também chamado na religião como “Vegetal”, demarcando o início da projeção do discurso religioso sobre o tema no noticiário (Prado, 1968).

A reportagem trouxe alguma isenção do jornalista, Alberto Prado, que procurou conhecer a religião ou “seita”, como ele nomeou. No entanto, chama a atenção a relação que ele fez entre a ayahuasca e a “loucura” ao questionar, por exemplo, se a beberagem curava “moléstias imaginárias” e afirmar que duas pessoas teriam “enlouquecido” após o “uso prolongado da bebida” (grifo meu), o que teria sido constatado por médicos de Porto Velho (RO) e confirmado pela polícia local. Ao que Mestre Gabriel respondeu, afirmando que o Chá Hoasca “não enlouquece ninguém”: “É que — explicou ele — em alguns casos os efeitos demoram para passar e o irmão fica conversando, durante vários dias, com reis e rainhas e pisando leve como se estivesse andando sobre nuvens”. E reiterou: “Mas não é loucura, não. Quem não conhece o Mariri2 pensa que o sujeito é louco, mas acontece que ele está vendo mesmo os reis e rainhas” (Prado, 1968: s/p). “Ver reis e rainhas” aqui pode ser entendido como as “mirações”, como se diz na UDV e em outras religiões e demais instituições ayahuasqueiras, as visões que um praticante pode ter ao ingerir a ayahuasca (Netto, 2017).

O uso da palavra “bebida” também parece intencional, pois em outro trecho o jornalista acrescentava que:

Mestre Gabriel diz que não mistura esse chá com álcool, mas algumas pessoas de Porto Velho que conhecem a ‘religião’ dizem que há adição de cachaça para conservar a bebida que é preparada em grande quantidade. Um copo da droga causa alucinações por mais de três horas, conforme o bebedor (...). (Prado, 1968: s/p, grifos meus)

Ainda sobre o uso da categoria “droga” na reportagem, o jornalista inicia um parágrafo para dizer que “[o]s efeitos, segundo os depoimentos dos consumidores da droga, coincidem com os que observam nas pessoas que se encontram sob a ação do LSD” (Prado, 1968, s/p). É preciso considerar que, naquele período, as “drogas” mobilizavam determinados significados sociais devido às políticas antidrogas que passavam a ser instituídas no mundo, em especial, pela articulação entre discursos como o médico, o sanitário e o judiciário/legal. Em 1961, a ONU publicara a Convenção Única sobre Narcóticos que classificava as substâncias psicoativas em quatro listas, conforme o seu “potencial terapêutico” e possíveis “riscos” de “abuso”, visando “combater” e “controlar” os usos delas na sociedade (ONU, 1961). Uma das substâncias mais combatidas pelo aparato do Estado foi o ácido lisérgico (LSD) que, durante alguns anos, nos Estados Unidos, teve seus usos terapêuticos estudados pelos pesquisadores. Posteriormente, no entanto, dada a disseminação de seus ditos usos recreativos, com fins de autoconhecimento e religiosos, e dada a divulgação de casos problemáticos pelos veículos de imprensa, tais pesquisas foram reprimidas, semelhante ao que aconteceu no Brasil (Delmanto, 2020; Strassman, 2019). Em aspectos gerais, essas políticas antidrogas conformaram um paradigma global proibicionista, que, entre outros pressupostos, em geral toma as substâncias psicoativas como “ilícitas” e seus usos como “abusivos”, relacionando-as à “dependência”, ao “vício”, à doença e a “problemas” sociais e de saúde pública (Escohotado, 1998; Simões, 2008).

Três anos depois da reportagem de O Estado, em 1971, Mestre Gabriel foi entrevistado pelo jornalista Joarez Ferreira para O Cruzeiro, uma das mais importantes revistas daquele período e que mantinha, inclusive, correspondentes internacionais. A publicação teve como título “Aioasca – O LSD da Amazônia”, demostrando, novamente, a relação que os veículos de imprensa faziam entre o Chá Hoasca e as ditas “drogas” (ao longo da reportagem, a beberagem ainda era categorizada como o “LSD caboclo” e o “LSD do Norte”). Daí decorre o uso de gramáticas como “alucinógeno” ou “entorpecente” que, conforme a “dosagem”, poderia produzir “alucinações”: “Um copo da droga causa alucinações por mais de três horas”, afirmava o jornalista, embora ele mesmo tivesse bebido o Chá Hoasca para escrever a reportagem em estilo gonzo, na qual o repór ter assume sua não pretensão pela objetividade e participa da narrativa que conta, o que era comum naquela revista (Ferreira, 1971: s/p).

Semelhante ao jornalista de O Estado, Ferreira mencionou os usos de bebidas alcoólicas, mas para informar que estas eram “proibidas” aos frequentadores da UDV, embora tenha notado a utilização nativa da categoria “borracheira”, que faria menção à palavra espanhola “borracho”, a qual significa embriagado:

Mesmo com toda essa apologia à borracheira, o consumo de álcool é terminantemente proibido na União. O sócio não pode comparecer à sessão depois de ter ingerido bebida alcoólica. Mesmo porque a aioasca provoca vômitos em quem bebeu. (Ferreira, 1971: s/p).

Brissac (1999) esclarece que, na Colômbia, algumas populações amazônicas utilizam a classificação “borrachero” ou “borrachera” para se referir a arbustos do gênero Brugmansia, que possuem propriedades psicoativas e costumam ser utilizados junto às plantas com as quais são preparadas a ayahuasca. Portanto, a origem do termo “burracheira” (a grafia correta) na UDV pode ter ligação com o uso que dela fazem aquelas populações. Mesmo assim, é necessário partir da definição de Baczko (1985) de que o imaginário social é o conjunto de representações coletivas que exerce poder na sociedade, por meio de valores, crenças e códigos que institui, e que pode ser difundido pelos veículos de imprensa. Ao relacionar a ayahuasca às “drogas” e, portanto, ao adoecimento físico e mental e aos “problemas” sociais que dela seriam decorrentes, bem como às bebidas alcoólicas, os veículos vêm contribuindo, pelo menos desde os anos 1960, para a criação de um imaginário social sobre os usos da ayahuasca que ainda é presente na sociedade, ainda que nessas primeiras reportagens o ator destacado pelos jornalistas fosse uma liderança religiosa, que procurava inserir suas próprias narrativa e gramáticas no noticiário.

Portaria Dimed e a proibição dos usos da ayahuasca

Em 1985, o Alto Madeira, que foi um dos mais conceituados jornais da região Amazônica e atualmente está extinto, trouxe em sua capa, como uma de suas manchetes, “Mariri é tóxico e terá uso combatido”, acompanhada do seguinte texto:

O crescimento das seitas que utilizam o chá do Mariri nos Estados do Acre e Rondônia devem determinar, nos próximos dias, uma ação da Polícia Federal no sentido de combater o uso da droga, isso em decorrência de que a Divisão de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde considerou como “altamente tóxica” a substância responsável pelas alucinações após o uso do chá. (Mariri..., 1985: 1)

O noticiário passava, então, a incluir na rede sociotécnica da ayahuasca outros atores, como a polícia e a Dimed e, com eles, reforçava significados sociais sobre a ayahuasca propagados desde a década de 1960. Como explicava a reportagem mencionada acima, não assinada e publicada na seção Polícia, a ação da polícia foi desencadeada pela publicação da Portaria nº 02 da Dimed, a qual proscreveu a DMT e, dessa maneira, “proibiu o uso, a comercialização, a manipulação ou a industrialização da planta Banisteriopsis Caapi”. Porém, as superintendências de polícia locais ainda não sabiam como realizar a ação por não terem recebido orientação da sede da polícia federal em Brasília (DF). Entrevistado, um “estudioso” disse que “o alucinógeno é capaz de causar dependência física e psicológica, com ação no subconsciente”. Também afirmou que “[o] clima místico das reuniões leva adeptos a acreditarem que estão cada vez mais próximos de Deus, mas leva a pessoa à dependência (...), como acontece com outras drogas” e que o “o regresso é muito difícil”, atribuindo os efeitos “alucinógenos” ao cipó Banisteriopsis caapi (Mariri..., 1985: 3). Embora os estudiosos não fossem necessariamente identificados nas reportagens, eles traziam discursos, como o científico, pelos quais procuravam validar os significados sociais que o noticiário atribuía à ayahuasca. Esses discursos também apareciam nas reportagens, sendo convocados pelos próprios jornalistas, no sentido de chancelar a notícia. Anteriormente, em outra reportagem, o veículo de imprensa já havia destacado um trecho do relatório da Dimed que dizia que o uso do cipó Banisteriopsis caapi podia “causar dependência física e psíquica e seu uso somente poderia ser para fins terapêuticos e científicos” e que “[o] efeito do daime geralmente é psicológico” (Dimep..., 1985: 4).

Se, por um lado, o jornal reproduziu erros da própria Portaria da Dimed, que associava a DMT incorretamente ao cipó Banisteriopsis caapi, descrito de modo errôneo e indistinto em relação às gramáticas das religiões ayahuasqueiras, como “cipó de chinchona ou chacrona ou mariri” (Brasil, 1985b: 4426, grifo meu) em vez de “Mariri” ou “Jagube”, como utilizam, respectivamente, a UDV e o Santo Daime, por outro lado, o suposto estudioso relacionou os efeitos psicoativos presentes na ayahuasca somente ao cipó, embora esses efeitos sejam proporcionados em geral pela DMT presente em plantas como a Psychotria ssp., a “Chacrona” ou “Rainha”, conforme as categorias nativas da UDV e do Santo Daime, respectivamente (Goulart, 2004; Netto, 2017; Strassman, 2019). O que também demonstra como o próprio documento jurídico-sanitário reproduzia, via discurso científico, informações incorretas, desconsiderando conhecimentos científicos já existentes na época (Strassman, 2019).

Mais adiante, em uma terceira reportagem, o Alto Madeira retomou o assunto e noticiou que o “Daime pode entrar na lista de entorpecentes”, pois, decorrente da proscrição do cipó Banisteriopsis caapi pela Dimed, o Confen instituiu um grupo de trabalho e determinou que fossem realizados estudos farmacológicos sobre a planta para “verificar a existência ou não de substâncias alucinógenas em sua composição química”. Na reportagem, o vice-presidente do Confen àquela época e presidente do grupo de trabalho, Antônio Carlos Morais, afirmou que, caso fosse comprovado seu caráter “alucinógeno”, sua utilização podia ser proibida “por comprometer a saúde pública”. Representante de uma igreja do Santo Daime, o líder religioso Alex Polari foi entrevistado e disse que “[a]pesar da portaria do DIMED, que permite a ação policial por exemplo, estamos tentando um acordo para garantir nossa atividade. Agora, não queremos que uma atividade cultural seja encarada como comportamento antissocial” (Daime..., 1985: 7). Seu posicionamento colocava a ayahuasca como uma “atividade cultural”, como o Confen iria aderir mais adiante, e demonstrava a ação das religiões ayahuasqueiras em prol da autorização dos usos religiosos da beberagem por meio do uso de uma gramática comum no discurso antropológico, de modo a fazer frente a outras narrativas e gramáticas que deturpavam os usos da ayahuasca.

Dado o destaque no noticiário e o engajamento do Confen, considero a Portaria da Dimed como um exemplo paradigmático de como, na esteira das políticas antidrogas, a repressão à ayahuasca se tornou mais evidente por meio de um documento jurídico-sanitário de projeção nacional. Com isso, de acusações de “charlatanismo” ou de “curandeirismo”, como acontecia mais nos anos 1960 e 1970, a beberagem passou a ser reprimida socialmente, também e em especial, por ser considerada uma “droga” (Goulart, 2008) e a ela foram vinculados discursos sobre transtornos mentais, como os discursos médico, científico, sanitário, judiciário/legal e policial, com o uso mais frequente de gramáticas como “distúrbios mentais” e “dependência”, o que era reproduzido pelos veícu los de imprensa e passava a coexistir e até mesmo a ocupar o espaço de categorias como “loucura”.

Nesse documento, o órgão do Ministério da Saúde informava sobre os usos de substâncias e produtos delas derivados que “determinam dependência física e/ou psíquica”, com orientações sobre a proibição, a fiscalização, o controle de obtenção para fins de pesquisa e ensino, preparo, armazenamento, compra, distribuição, “aplicação”, entre outras. Tendo como referências a Convenção de 1961 e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, publicada em 1971, ambas da ONU, a Portaria classificava determinadas substâncias como “entorpecentes” ou “psicotrópicos”, determinando que elas fossem “proscritas” “por não serem necessárias ao uso terapêutico” (Brasil, 1985b: 4421).

Em análise, a menção à “dependência física e/ou psíquica” é comum em políticas antidrogas que, ainda, ao colocar de um lado os “fármacos”/“medicamentos” e, de outro lado, as “drogas”, fazem uma relação destas a um “prazer negativo”, o qual levaria a uma escatologia de autodestruição, motivo pelo qual elas tendem a ser reprimidas, principalmente, por endosso dos discursos científico e sanitário (Fiore, 2008). E isso acontece por meio de documentos jurídico-sanitários instituídos pelo Estado e por órgãos internacionais, sobretudo se referenciando em uma cosmovisão ocidental pela qual são legitimadas determinadas práticas sociais, o que, na relação estabelecida entre a ayahuasca e as “drogas”, acontece com a legitimação dos discursos e das práticas científicas e de profissionais da área da saúde, em detrimento de outros discursos e práticas, como os relacionados às religiões (Marinho & Salla, 2011).

É verdade que antes de 1985 as religiões ayahuasqueiras já eram visadas, como consta nas reportagens realizadas em 1969 e em 1971 com a UDV. Segundo Goulart (2008), em meados dos anos 1960, aconteceram as primeiras investidas do governo brasileiro para o “combate” às “drogas” na Amazônia, por meio de acordos do Brasil com o Peru, a Venezuela e a Bolívia, e, em 1973, a polícia federal se instalou em Rio Branco (AC), convocando, no ano seguinte, os dirigentes as religiões ayahuasqueiras para depoimentos informais naquele estado. No entanto, a partir da publicação da Portaria da Dimed, aconteceu, como analiso, a intensificação da repressão policial e, assim, das acusações pelos veículos de imprensa. Nas reportagens, havia uma abordagem unívoca sobre a ayahuasca, que era categorizada como “droga”, “alucinógeno”, “entorpecente” e “tóxico”, vindo daí a relação que faziam com os transtornos mentais, caracterizados, por exemplo, pela “dependência” e pela possibilidade de “agravamento” dos transtornos mentais pré-existentes entre as pessoas que ingerissem a ayahuasca.

A intensificação da repressão policial não aconteceu apenas nos estados do Acre e de Rondônia, como relatou o Alto Madeira. No Amazonas, o Jornal do Commercio, outro veículo de imprensa importante da região Amazônica, informou sobre a Portaria da Dimed e a destruição pela polícia de 500 pés do cipó Banisteriopsis caapi plantados por “seitas” presentes na cidade. Procurados pela reportagem, frequentadores da UDV não concederam entrevistas, informando apenas que haveria “equívocos” com relação à abordagem dos agentes públicos e dos veículos de imprensa, que noticiavam de forma “sensacionalista” a religião, cujas sessões estavam suspensas em respeito à publicação da Dimed. Os frequentadores também afirmavam que alguns sócios estavam “realizando estudos sérios para poder chegar a uma conclusão sobre o efeito e o uso do ‘mariri’” (Uso..., 1985: 5). Àquela época, a UDV já havia criado o Centro de Estudos Médicos (CEM) com o objetivo de estudar os aspectos químicos, farmacológicos, clínicos e sociais do Chá Hoasca e de dialogar com pesquisadores (Netto, 2017). Além disso, após a publicação da Portaria da Dimed, foi a UDV que fez o pedido ao Confen para “examinar a questão da produção e consumo das substâncias derivadas de espécies vegetais” (Brasil, 1985a). Ainda que no documento do Confen não seja mencionada a ayahuasca, o grupo de trabalho foi criado com o propósito de avaliar os usos religiosos da beberagem preparada com a planta Banisteriopsis caapi (MacRae, 2008).

O Jornal do Commercio também chegou a entrevistar um botânico, William Antonio Rodrigues, “especialista em plantas amazônicas”, mas que não estudava as plantas que compõem a ayahuasca, o qual “confirmou” o “efeito alucinógeno” do cipó Banisteriopsis caapi, mas se posicionou criteriosamente sobre os efeitos psicoativos da beberagem, relacionando-a à cocaína, particularmente, quando utilizada nos grandes centros urbanos:

Sobre efeito, botânico disse não ter maiores informações e que ainda não foram realizadas muitas pesquisas neste sentido, mas que provavelmente pode provocar dependência pelo fato de ser tóxica. Para ele, o problema do uso do “Mariri” não está na tradição indígena, que a utiliza há muitos anos, mas no cultivo e industrialização como é o caso da cocaína, que é também utilizada pelos indígenas, mas de forma artesanal, dentro de sua cultura. (Uso..., 1985: 5, grifo meu)

A abordagem dos veículos de imprensa da região Norte em parte destoava da realizada por veículos de projeção nacional, como a Folha de S.Paulo. Em 1986, a Folha deu espaço de duas páginas e meia, inclusive com chamada de capa, para discutir o tema, com boa dose de isenção. O jornalista Luciano Martins Costa entrevistou diversas fontes, como representantes do Confen, da Dimed, de religiões ayahuasqueiras (como a UDV, o Alto Santo e o Santo Daime), da Igreja Católica e especialistas, mostrando os “diversos lados”, como se diz no discurso jornalístico, evidenciando contradições e até mesmo publicando o relato de sua experiência pessoal com a beberagem, primeiro na UDV e depois no Santo Daime. Mesmo assim, a gramática utilizada nos textos ainda trazia a beberagem como uma “droga” e como um “alucinógeno”. Entrevistado, o bispo da Igreja Católica em Rio Branco, Moacyr Grechi, sugeriu, ainda, que a ayahuasca fosse considerada um “problema de saúde pública”: “Meus contatos com as vítimas me ensinaram que essa bebida pode dar esgotamento nervoso, depressão, algumas até mesmo com períodos de loucura” (Costa & Salles, 1986: 26), posição que não foi defendida pelos outros entrevistados, tampouco pelo próprio jornalista, evidenciando a posição em partes distinta da Folha com relação ao tema.

Mesmo com a repressão policial e a perseguição dos veículos de imprensa, em 1986, o Confen recomendou preliminarmente a retirada da DMT da lista de substâncias proscritas da Dimed e, consequentemente, aconteceu a autorização dos usos religiosos do cipó Banisteriopsis caapi. Em Relatório Final de 1987 o órgão endossou a decisão anterior, autorizando o uso da ayahuasca apenas em contexto religioso (Brasil, 1987). No entanto, em 1991, a partir de uma denúncia, o tema dos transtornos mentais seria retomado por meio de uma nova investigação do Confen.

Isso porque Alícia Castillo, ex-frequentadora de uma igreja do Santo Daime, entrou com uma representação no Confen contra dirigentes da igreja quando a filha dela, Verônica Castillo, então com 14 anos, se recusou a acompanhar a mãe quando ela saiu da religião. Ocorreram diversos processos judiciais que, por fim, decidiram que a adolescente deveria ficar sob responsabilidade dos dirigentes com quem ela tinha um vínculo (Goulart, 2008). Em 1995, o órgão emitiu um Parecer expondo o relato da mulher no qual, além de a adolescente estar supostamente sendo submetida à “lavagem cerebral”, a religião ayahuasqueira teria responsabilidade em um caso de “distúrbio mental” e dois de suicídio. Mas o órgão considerou, também a partir de relatos das próprias instituições ayahuasqueiras, que eram “poucas denúncias” relativas aos usos religiosos da ayahuasca que chegaram ao Confen (Brasil, 1995). Goulart (2008) e MacRae (2008) explicam que, assim como esse acontecimento, diversas acusações e denúncias contra as instituições ayahuasqueiras se originaram dentro da própria comunidade ayahuasqueira. Naquela época, os documentos do Confen passaram a ser utilizados pelas instituições ayahuasqueiras para se posicionarem, inclusive, por meio dos discursos científico e antropológico, como já acontecia pelo menos desde o início dos anos 1980, como vimos.

No entanto, a partir dos tópicos levantados por Castillo, o Confen recomendou a interdição dos usos religiosos da ayahuasca por “menores de idade”, que seriam autorizados apenas com a regulamentação dos usos religiosos da ayahuasca em 2010. Sobre as denúncias de suicídio e de “emergência de surtos psicóticos”, considerou que havia “dramaticidade” dos casos, sendo que os relatos nas religiões ayahuasqueiras eram de pessoas que tinham “problemas de ordem psíquica anteriormente à adesão a estas seitas, que buscaram como meio de tratamento” (Brasil, 1995: 2).

Para isso, lembrou que essas religiões tinham “parâmetros para a inclusão de novos membros”: “Com isso tentam evitar que pessoas com distúrbios mentais possam ingerir a Ayahuasca e assim agravar seus problemas” (Brasil, 1995: 4), endossando que as instituições ayahuasqueiras fariam uma entrevista prévia com novos interessados, reportando-se, possivelmente, à Carta de Princípios de Entidades Ayahuasqueiras, de 1991, pela qual diversas instituições ayahuasqueiras estabeleceram, em conjunto, entre outras diretrizes, critérios para receberem novos interessados (Carta..., 1991). Mesmo assim, o Confen recomendou que “devem ser observados os portadores de qualquer forma de distúrbio mental, aos quais não deve ser facultada a utilização do Chá” (Brasil, 1995: 4, grifo meu), determinação que permanece até os dias atuais.

O assassinato de Glauco e de Raoni e o diagnóstico de esquizofrenia de Cadu

Em 2010, um crime mobilizou a opinião pública e fez com que os discursos sobre os transtornos mentais relacionados à ayahuasca ganhassem mais espaço nos veículos de imprensa, em especial, os discursos religioso, médico, científico, sanitário, judiciário/legal e antropológico, os quais disputaram significados sociais sobre a beberagem no debate público. O cartunista Glauco Villas-Boas e o filho dele, Raoni Villas-Boas, foram assassinados no mesmo condomínio da igreja do Santo Daime na qual Glauco era o dirigente, em Osasco (SP), por Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu. Cadu frequentou a igreja por algum tempo, onde bebia o “Daime” – como eles chamam a ayahuasca nessa religião –, depois ficou por dois anos sem frequentar e, por fim, cometeu os crimes contra pessoas que conheceu no local. Meses depois, foi atestado que ele tinha esquizofrenia.

O crime aconteceu três meses após a regulamentação dos usos religiosos da ayahuasca no Brasil por meio da Resolução nº 01 do Conad — órgão que substituiu o Confen — de 2010, que reconheceu a “legitimidade do uso religioso da Ayahuasca” ao mesmo tempo em que, ratificando a Convenção da ONU de 1971, a distinguiu de “substâncias psicoativas ilícitas”. O documento também instituiu, em uma referência à Carta de Princípios de Entidades Ayahuasqueiras, critérios para as instituições ayahuasqueiras receberem novos “adeptos”, que devem ser entrevistados previamente sobre “alterações mentais anteriores”, e dos quais devem ser observados o “estado emocional” antes do uso religioso, por exemplo, para que não estejam sob efeito de álcool e outras substâncias. Aos iniciantes também devem ser esclarecidos os “efeitos naturais” da beberagem e eles devem ser acompanhados durante os rituais (Brasil, 2010).

Assim, após acontecer o crime, alguns veículos de imprensa colocaram o “distúrbio psíquico”/“transtorno psíquico” de Cadu, que ainda não havia sido diagnosticado como esquizofrenia, como um argumento contra os usos religiosos da ayahuasca e, portanto, contra a Resolução, assumindo um tom sensacionalista diante da notícia ao estigmatizar as religiões ayahuasqueiras, por supostamente utilizarem uma beberagem que tanto causaria transtornos mentais, quanto afetaria profundamente pessoas já diagnosticadas com transtornos mentais, que poderiam indiscriminadamente cometer crimes sob efeito da beberagem. Com isso, de algo antes genérico, a relação da ayahuasca com os transtornos mentais foi personificada em Cadu, que entrou para a rede sociotécnica da ayahuasca, assim como Glauco e Raoni. Particularmente, tiveram destaque as reportagens nesse tom publicadas pelas revistas IstoÉ, Veja e Época. Aqui o sensacionalismo não foi pontuado de modo genérico, mas conforme a abordagem desses veículos, que demonstraram um superdimensionamento dos fatos em relação aos usos religiosos da ayahuasca, além da exploração pelas narrativas do crime e do transtorno mental de Cadu (Amaral, 2005).

A revista IstoÉ publicou a matéria “Um crime que serve de alerta”, em que as jornalistas Solange Azevedo e Verônica Mambrini entrevistaram a mãe e o pai de Cadu, um psiquiatra, uma psicanalista, a mãe de Raoni, uma amiga e um conhecido de Cadu, e a mãe de um jovem com transtornos mentais que teria cometido suicídio supostamente devido ao uso da ayahuasca. A reportagem iniciou resgatando o “interesse pelo divino” que tinha Cadu para sugerir que ele frequentava os “rituais” da igreja ayahuasqueira no período em que cometeu o crime (Azevedo & Mambrini, 2010), o que depois a polícia conclui ser inverídico, pois ele estava há dois anos sem participar de rituais na igreja ayahuasqueira (Tomaz & Tito, 2020).

À reportagem, o pai, Carlos Grecchi Nunes, afirmou que Cadu sofreu com a doença da mãe e, por ser “filho de uma esquizofrênica”, como relatou, as jornalistas concluíram que ele tinha uma “predisposição genética” para o transtorno mental e, além disso, que o uso de “drogas” como a “maconha” e de “alucinógenos” como o “Daime” – um “poderoso coquetel” que poderia ser “fatal” – “potencializaram” o “problema” e levaram-no a um “comportamento de risco”. Na legenda de uma das fotos, foi publicada uma frase da mãe dele, Claudetina de Almeida: “O Daime desenvolveu a esquizofrenia no meu filho” (Azevedo & Mambrini, 2010).

A reportagem seguia a narrativa creditando uma “mudança” no comportamento de Cadu à frequência na igreja ayahuasqueira, embora tivesse um histórico problemático. Para o pai, ele teria se tornado um “fanático religioso”, o que as jornalistas justificaram como o motivo do crime. Ao ser preso após as mortes de Glauco e de Raoni, Cadu confessou o crime e disse que pretendia levar Glauco à casa da mãe para que ele “revelasse” a ela que o irmão mais novo seria Jesus Cristo. Assim, o pai concluiu que, embora Cadu não tivesse feito uma avaliação psiquiátrica, que o “abuso” do “chá” pode ter “desencadeado” a esquizofrenia. Então, as jornalistas pontuaram que os usos religiosos do “Daime” passaram a ser regulamentos no Brasil naquele ano e que, anteriormente, o veículo de imprensa havia publicado uma reportagem em que elencava os “efeitos indesejados”, por exemplo, em pacientes esquizofrênicos ou com transtorno bipolar, que poderiam ter a doença “agravada”. Na sequência, foi inserida uma fala de um psiquiatra, não especialista no tema, que afirmou que as chances de uma pessoa ter esquizofrenia aumentariam em pelo menos cinco vezes quando ela tivesse um familiar de primeiro grau com o transtorno mental.

A revista Veja publicou “Alucinação assassina” em que também destacou: “Tomar o chá alucinógeno da seita Santo Daime quando se tem um transtorno psíquico, afirmam especialistas, é o mesmo que jogar gasolina sobre um incêndio”. Os jornalistas Kalleo Coura e Renata Betti contaram que havia três anos que Cadu apresentava “claros sinais” de que sofria de “distúrbios psíquicos”, período que, segundo o pai dele, coincidia com o tempo em que passou a frequentar a igreja ayahuasqueira. O discurso científico foi utilizado para explicar que o comportamento de Cadu “se transformou” quando ele passou a fazer uso da DMT – “princípio ativo presente na beberagem consumida por adeptos da seita”. Com isso, os familiares ouviam, por vezes, Cadu afirmar que era Jesus Cristo (diferente do que dizia a reportagem anterior) e “flagraram” ele rezando para as “plantas” (Coura & Betti, 2010).

Mas a DMT seria proibida em quase todo o mundo, diziam os jornalistas, e aparecia na lista de “drogas controladas” pela ONU. Ainda assim, os documentos da ONU não proibiam plantas como a “Chacrona”, o que abriria espaço para a interpretação de que apenas o composto químico é proibido enquanto a planta, não seria. Um advogado, também não especialista em substâncias psicoativas ou nos usos da ayahuasca, considerava a interpretação “casuística”, pois uma “droga” não deixaria de ser “droga” se fosse “consumida” em “ritual”. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) havia se manifestado contra a regulamentação do “chá”, com o argumento de que não havia estudos científicos suficientes sobre a ação da DMT (Coura & Betti, 2010).

Os jornalistas e o advogado possivelmente se referiam à Convenção da ONU de 1971, que colocou a DMT na categoria mais restritiva da lista de substâncias proibidas, mas indicou que “substâncias psicotrópicas” utilizadas “tradicionalmente”, em “cerimônias mágico-religiosas”, poderiam entrar na “[r]eserva médico-científica”, salvo quando comercializadas internacionalmente (ONU, 1971), argumento que foi utilizado pela UDV para defender os usos religiosos do Chá Hoasca nos Estados Unidos e no Brasil (Netto, 2017). Mas eles não consideraram que, em 2001, em um Comunicado Oficial, a própria ONU (2001: s/p) informou que “[n]enhuma planta (materiais naturais contendo DMT) está neste momento sob controle da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971”.

Mackellene (2015) analisa que é “grosseira” a relação que a Veja faz entre o crime de Cadu e os usos religiosos da ayahuasca, os quais a revista visava deslegitimar, assim como as instituições ayahuasqueiras. Para ele, “entender as estratégias de convencimento da revista Veja é crucial para revelar relações de dominação que se dão por intermédio dos textos (principalmente jornalístico) a fim de superá-los” (Mackellene, 2015: 361). Análise que podemos estender à reportagem da IstoÉ e, da mesma maneira, à reportagem da Época (“O doido, o daime & o crime”), que não detalharei aqui, mas que, em linhas gerais, parte dos mesmos pressupostos e levanta os mesmos argumentos, embora Labate (2010) sugira que ela adota uma suposta neutralidade, o que a tornaria mais “problemática”.

Merece uma análise a realização de entrevistas nessas reportagens com profissionais que não são especialistas – ainda que a ABP tenha se posicionado, precocemente, contra a regulamentação dos usos religiosos da beberagem –, que buscavam demarcar um argumento de autoridade (Latour, 2011). Embora seja uma prática comum no jornalismo, é preciso reconhecer que profissionais que pesquisam e/ou trabalham com determinados temas podem conhecer mais da literatura científica, de diretrizes internacionais e possuir a experiência da prática profissional, possibilitando um conhecimento mais afinado. Tão verdade que os jornalistas entrevistaram não especialistas para comentar o acontecimento, enquanto os especialistas procuraram espaço para se posicionar e esclarecer sobre a ayahuasca. Afinal, segundo Assis (2021: 95), “em uma busca por novas formas de representações jornalísticas postas em circulação, grupos de pesquisadores da ayahuasca assumem papel de vigilância para propor uma análise crítica sobre os assuntos que evidencia a utilização da ayahuasca”.

Após o acontecimento, a Folha publicou uma coluna de opinião — portanto, não uma reportagem —, assinada por “estudiosos da cultura ayahuasqueira brasileira” (Labate et al., 2010). Entre eles, a antropóloga Beatriz Labate, um importante ator na rede sociotécnica da ayahuasca pela produção acadêmica e ativismo político, que, posteriormente, publicou um texto no Observatório da Imprensa, website com análises de veículos de imprensa e de suas publicações, em que analisou os “muitos equívocos” da cobertura dos veículos de imprensa para o acontecimento, usando em sua defesa o discurso antropológico sobre os usos da ayahuasca.

Em seu texto ao Observatório da Imprensa, Labate (2010) afirmou que o assassinato de Glauco e de Raoni colocou o tema da ayahuasca em evidência como não havia ocorrido antes. Primeiro, com exceções, nas palavras dela, “parecia que era a primeira vez que o Daime era retratado na mídia não como um problema ou questão, mas figurava apenas como simples religião – legítima, como tantas outras”, denotando uma transformação nos significados sociais da ayahuasca no noticiário. Depois, com a “revelação” de que o crime fora cometido por um “ex-membro” da igreja ayahuasqueira e a divulgação de declarações de Cadu e da família dele, diversos “questionamentos” aconteceram, o que, na visão dela, era saudável. No entanto, parte dos veículos retomaram a “velha abordagem” “preconceituosa” e “estereotipada” que pauta o debate público sobre as “drogas”, particularmente, relacionada ao transtorno mental de Cadu, como reitera ela, até então não diagnosticado.

Também merece uma análise o acionamento pelos entrevistados da noção de “risco”, comumente relacionada às ditas drogas. Para Beck (2011), em linhas gerais, os riscos sempre existiram, mas nas sociedades contemporâneas eles foram potencializados, devido às ações de diversos atores e de seus interesses. Nesse sentido, a análise dos riscos nessas sociedades conforma subjetividades e políticas, incluindo aquelas que ponderam sobre os “potenciais” riscos e benefícios dos usos da ayahuasca e outras substâncias psicoativas. Nas reportagens, que materializam essas sociedades, observei que o risco estava ligado ao que poderia acontecer com as pessoas que fazem uso da ayahuasca, em especial as pessoas com transtornos mentais (por exemplo, no “agravamento” do transtorno mental), e à sociedade, que poderia ser prejudicada pelas pessoas sob “efeito” da beberagem (como teria acontecido com Glauco e Raoni). Embora os questionamentos desses jornalistas e profissionais sejam alarmistas e sensacionalistas, é preciso coerência para avaliar os procedimentos das instituições ayahuasqueiras em geral para receber novos interessados e, racionalmente, evitar o risco. Nesses termos, pesquisadores da ayahuasca orientam, inclusive, nos veículos de imprensa, que pessoas com transtornos mentais diagnosticados, como a esquizofrenia e o transtorno bipolar, não devem fazer uso da beberagem (Santos, 2013; Tófoli, 2019).

Renascimento psicodélico e os usos terapêuticos de substâncias psicoativas

Além de reconhecer a legitimidade dos usos religiosos da ayahuasca e entendê-la como uma “manifestação cultural” através do discurso antropológico, a Resolução nº 01 do Conad de 2010 recomendou o “estudo e a pesquisa sobre o uso terapêutico da Ayahuasca em caráter experimental” (Brasil, 2010: 58), fazendo menção, ainda que de modo subscrito, à publicação de diversas pesquisas nas áreas biomédicas. Essa diretriz aconteceu em um momento que pesquisadores e jornalistas têm nomeado como “renascimento psicodélico”, no qual cresce o número de pesquisas sobre os usos terapêuticos de substâncias psicoativas – as “terapias psicodélicas”, como se diz no discurso científico –, isso após um hiato devido às políticas antidrogas (Strassman, 2019) e ainda que áreas como a antropologia tenham produzido pesquisas importantes nesse período de suspensão dos estudos biomédicos, particularmente, no Brasil (Labate, 2002).

Na década de 2010, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, liberou os estudos clínicos com a 3,4-metilenodioximetanfetamina, a MDMA, princípio ativo do ecstasy, para tratar transtorno pós-estresse traumático entre ex-combatentes de guerra, abrindo espaço para outras pesquisas. Houve mais investimentos para essas pesquisas e aconteceram diversos eventos na área, como explicou o neurocientista Sidarta Ribeiro em reportagem da Folha de S.Paulo, em 2017 (Guimarães, 2017), evidenciando também um maior posicionamento na rede sociotécnica da ayahuasca de pesquisadores da ayahuasca de diversas áreas, distinto do que acontecia em períodos anteriores no noticiário.

Sobre a ayahuasca, essas pesquisas são desenvolvidas em áreas como a neurociência, na qual os pesquisadores mostram a atuação da ayahuasca no cérebro, por exemplo, na geração de novos neurônios e na ativação da memória, assim como a psiquiatria, em que eles demostram resultados satisfatórios no “tratamento” para “problemas” de saúde pública como a ansiedade, a depressão e a adicção ao álcool e substâncias como a cocaína (Osório et al., 2015; Palhano-Fontes et al., 2018). O Brasil é um dos protagonistas nesse campo devido às pesquisas que as áreas de humanas, sociais e biomédicas vêm realizando sobre a ayahuasca (Strassman, 2019). Considero que em nosso país isso é possível também pela existência de grupos indígenas que fazem o uso da ayahuasca e pelo advento e expansão das instituições ayahuasqueiras, pela regulamentação dos usos religiosos da ayahuasca, bem como pelo debate sobre “drogas” fertilizado pelo Movimento de Luta Antimanicomial, que iniciou nos anos 1970 e se consolidou com a Reforma Psiquiátrica da Saúde no Brasil, e que influenciou a revisão de políticas “antidrogas” nos anos 2000 e 2010 (Vargas & Campos, 2019). Ainda que o paradigma vigente continue sendo o proibicionista, essa nova conjuntura tem possibilitado a ampliação no debate público sobre as “drogas”, como vemos particularmente com respeito à ayahuasca.

Dentre as pesquisas realizadas no Brasil, destacaram-se na cobertura jornalística a pesquisa coordenada pelos neurocientistas Dráulio Barros de Araújo e Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro (ICe), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que rastreou o cérebro de participantes do estudo antes e durante o uso da ayahuasca, com resultados publicados no artigo científico “Seeing with the eyes shut” (Araujo et al., 2012), além de duas pesquisas que verificaram os “potenciais terapêuticos” da ayahuasca no “tratamento” para a depressão, uma delas realizada na Universidade de São Paulo (USP) e outra também conduzida na UFRN (Barbosa et al., 2018; Osório et al., 2015; Palhano-Fontes et al., 2018), como detalharemos. Em especial, a Folha, um dos principais jornais do país e com website próprio, tem dado espaço nos anos 2010 para notícias sobre a ayahuasca e outras substâncias psicoativas, mostrando, por um lado, a projeção nacional do tema e, por outro lado, que veículos da região Norte, como o Jornal do Commercio, pouco ou não abordam a temática.

As reportagens quase sempre são publicadas em seções como Ciência e Saúde – diferente, portanto, das reportagens publicadas nas décadas anteriores –, trazem entrevistas com especialistas (da neurociência, psiquiatria, antropologia etc.) e abordam os transtornos mentais para relacionar a ayahuasca como um “fármaco”, “medicamento”, “tratamento” ou até mesmo como uma “nova” “droga” que faz com que participantes de pesquisas sintam os “benefícios” à saúde e até mesmo “se curem”, por exemplo, de depressão, considerada o “mal do século XXI” (OMS, 2017), assim como de outros “distúrbios mentais”. Dessa maneira, a abordagem das reportagens se distancia de outras, nas quais pesquisadores evidenciaram que os jornalistas associavam a ayahuasca ao adoecimento físico e mental (Antunes, 2012; Goulart, 2008; Labate, 2009), o que também pude atestar, como vimos. Ademais, ao transformarem a noção de “droga” por meio da divulgação de pesquisas, esses veículos subvertem a retórica proibicionista (Fiore, 2008), deixando a ayahuasca mais sujeita à gramática e aos usos dos “fármacos”, por exemplo, que determinam a “dosagem” correta, as “avaliações médicas” sobre os “efeitos colaterais/adversos” e as “contraindicações”.

Mobilizando os discursos médico, científico e sanitário, os jornalistas mencionam “problemas” de saúde pública para justificar os usos terapêuticos da ayahuasca, como neste parágrafo: “Boa notícia, certo? Para cerca de 100 milhões de deprimidos que não respondem ao tratamento, num total de 300 milhões no mundo, sim” (Leite, 2018), em que o jornalista Marcelo Leite reproduziu um trecho do artigo científico publicado com resultados do estudo científico do ICe/UFRN (Palhano-Fontes et al., 2018). De fato, como demonstram algumas pesquisas, dois terços das pessoas que utilizam medicamentos psiquiátricos tradicionais sentem os “efeitos” somente após duas semanas e, mesmo assim, um terço dessas pessoas não sentem os efeitos, ao passo que a ayahuasca tem mostrado resultados na ingestão de uma única “dose”, no primeiro uso (Santos et al., 2020).

É o que apontou outra reportagem na qual o jornalista Gabriel Alves divulgou os resultados de outra pesquisa: “‘Tome 150 ml desse Chá de folhas de Chacrona com cipó-Mariri uma vez por mês e volte a este dia seis meses para avaliação’, dirá um médico para seu paciente depressivo no futuro” (Alves, 2015). A reportagem citava a pesquisa liderada pelo psiquiatra Jaime Hallak, da USP, a qual ganhou notoriedade internacional e evidenciou que sintomas da depressão foram reduzidos em até 80% entre um grupo convidado de indivíduos que ingeriram uma única “dose” da ayahuasca. Com resultados preliminares publicados na Revista Brasileira de Psiquiatria – o que evidencia a influência do tema em uma revista científica reconhecida na área e, assim, na psiquiatria brasileira –, o artigo científico apontou que a ayahuasca é um “potencial candidato para esta nova geração de antidepressivos (...) que produzem efeitos imediatos e mais pronunciados” (Osório et al., 2015: 13, tradução minha).

Uma terceira pesquisa teve seus resultados divulgados, também pela Folha, sendo noticiada como o primeiro “estudo controlado” no mundo, realizado no Brasil, motivo pelo qual se destacou no cenário internacional. O neurocientista Dráulio Barros de Araújo, do ICe/UFRN, supervisor da pesquisa realizada pela também neurocientista Fernanda Palhano-Fontes, contou à reportagem que foram selecionados 29 pacientes com depressão resistente a tratamento, sendo que 14 receberam a ayahuasca e 15, um chá “amargo” como “placebo”. Depois de uma semana, 64% dos pacientes do primeiro grupo tiveram os sintomas reduzidos. Na reportagem do jornalista Thiago Guimarães (2017), a antropóloga Beatriz Labate endossou que o Brasil assume papel de destaque nas pesquisas sobre os usos terapêuticos da ayahuasca, evidenciando, ainda, como cientistas e cientistas sociais têm confluído no argumento favorável aos usos terapêuticos da ayahuasca, como mostram diversas pesquisas interdisciplinares e publicações científicas (Labate & Bouso, 2013; Labate & Cavnar, 2014).

Assis (2021) também nota um aumento significativo de reportagens sobre resultados de pesquisas relacionadas à ayahuasca. No entanto, na pesquisa dela os veículos procuravam deslegitimar os usos religiosos da beberagem, enquanto, em minha observação, encontrei a interação entre discursos científico e religioso nas reportagens para legitimar a ayahuasca, por meio de novos significados sociais a ela relacionados. Além disso, como observei, mais interessante é como os veículos de imprensa/jornalistas passaram a relacionar a ayahuasca ao “tratamento” ao “abuso”/“dependência” ao álcool e outras substâncias como a Cannabis ssp., a cocaína e o crack. Jornalistas têm divulgado não apenas resultados de pesquisas, como também relatos de pessoas (“ex-dependentes”/“ex-usuários de drogas”/“pacientes”), que, ao vivenciarem os “efeitos” da ayahuasca, dizem ter “se limpado”, “refletido”, “entendido os próprios problemas” e “encontrado formas de lidar” com o “vício”.

Em uma reportagem do G1 AC, do estado do Acre, uma das poucas sobre o tema em um veículo da região Norte, a jornalista Janine Brasil conheceu uma “comunidade terapêutica” em Rio Branco e informou sobre a “purificação”, nos termos de um “ex-dependente químico” entrevistado, e sobre o “tratamento”, segundo o dirigente da instituição, relacionados à ayahuasca. Entrevistado, o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, um dos estudiosos do tema, disse haver “fortes indícios” de que o “tratamento” é eficaz, fazendo uso dos discursos antropológico, médico e científico: “Analisamos relatos de pessoas, temos estudos antropológicos que mostram que quem participa das religiões da ayahuasca têm efeito positivo em várias áreas da saúde mental”. E acrescentou: “Uma coisa é possível afirmar, com toda clareza, o Chá não vicia” (Brasil, 2015, n.p). Como mencionado pelo psiquiatra, diversas pesquisas antropológicas vêm demonstrando o que o discurso científico coloca como “potenciais terapêuticos” da ayahuasca entre membros de diferentes instituições ayahuasqueiras, também, entre grupos indígenas. Nesses estudos científicos, ainda, a ayahuasca possui agência e, sendo assim, participa das experiências “transformadoras” relacionadas aos transtornos mentais, conferindo uma abordagem distinta de medicamentos comumente utilizados, por exemplo, como antidepressivos (Mercante, 2009, 2017; Silva, 2017).

O que essas pesquisas não observaram, no entanto, é que ao adentrar o campo das ciências biomédicas, os usos da ayahuasca passam a incorporar gramáticas da área, como o uso do termo “efeito colateral”, nomeando assim elementos da prática religiosa que, no discurso religioso, são entendidos como a “cura”. Na reportagem citada, ao mencionar o fenômeno religioso da “cura” expresso, por exemplo, nos relatos de vômito, Tófoli comentou que os pesquisadores a entendem como um “efeito colateral” da ayahuasca: “Para quem bebe o chá não é considerado efeito colateral, isso faz parte de todo o processo religioso de cura, segundo identificamos em estudos. Mas, cientificamente, chamamos de efeitos colaterais”. Além de “ex-dependentes”, na comunidade terapêutica eram atendidas pessoas que cumpriam pena em regime semiaberto, evidenciando como a esfera judiciária que pune determinadas pessoas pelo uso de “drogas” é a mesma que por vezes indicou o “tratamento” com a ayahuasca e a reinserção social naquele contexto (Brasil, 2015, s/p).

É verdade que os usos terapêuticos da ayahuasca e de outras substâncias não são recentes no Brasil e ocorrem na esteira de um fenômeno que acontece ao menos desde os anos 1980 (Tavares, 2012). No entanto, parece que com o endosso dos discursos médico e científico, os usos terapêuticos da ayahuasca tomam grande proporção, ainda que não sejam regulamentados no Brasil, como demonstram outras publicações (Labate & Cavnar, 2014; Maurício de Lima, 2021; Rio, 2018). Mesmo assim, é preciso lembrar que o Movimento de Luta Antimanicomial tem críticas às comunidades terapêuticas, justamente por apresentarem uma aproximação entre os discursos religioso e científico, disputando o modelo de atenção à saúde e, em diversas vezes, por violarem os direitos humanos (Conectas & CEBRAP, 2022).

Ademais, o entendimento de que no futuro a ayahuasca possa ser regulamentada como um “tratamento”, traz a reflexão sobre a necessidade de pesquisas que sejam acompanhadas pela Anvisa, que também precisa autorizá-la para esses fins, orientando, por exemplo, sobre o acompanhamento profissional antes, durante e após as sessões, como sublinham Valêncio e Tófoli (2020). A regulamentação dos usos terapêuticos também deve alcançar o debate público sobre os usos pelas indústrias farmacêuticas, o que envolve esclarecer aspectos do patenteamento de conhecimentos indígenas e religiosos e da biopirataria (Cunha, 2017). Afinal, como contou o psiquiatra Jaime Hallak em uma reportagem, já há indústrias farmacêuticas e empresas interessadas em encontrar uma “formulação” na qual as propriedades da ayahuasca possam ser “administradas” com maior segurança e sem “efeitos colaterais” adversos (Alves, 2015).

Considerações finais

Na instituição e na transformação dos significados sociais da ayahuasca na relação com os transtornos mentais, os veículos de imprensa e os jornalistas se mostram como atores fundamentais ao adotarem abordagens, narrativas e gramáticas distintas em diferentes períodos. Nesse sentido, de uma “droga”, “alucinógeno”, “entorpecente” ou “tóxico” que pode levar à “alucinação”, à “loucura” ou causar “distúrbios mentais”, recentemente, a beberagem tem sido colocada como um “fármaco”, “tratamento” ou, ainda, uma “nova” “droga” – embora “contraindicada” para determinados transtornos mentais diagnosticados, como a esquizofrenia e o transtorno bipolar. Dessa maneira, as reportagens e outros documentos se mostram “fontes”, como se diz no discurso historiográfico, para compreensão dos significados sociais de uma substância psicoativa relevante no Brasil e no exterior no que diz respeito aos transtornos mentais que, segundo a OMS, afetam 1 bilhão de pessoas no mundo.

Por meio de uma análise histórica e comparativa, pude identificar que, em geral, as reportagens de veículos de imprensa nacionais e da região Norte, onde a ayahuasca se origina, confluem na abordagem, nas narrativas e nas gramáticas, com algumas distinções. Esses documentos foram selecionados propositalmente pelas marcas que apresentavam. Portanto, é possível que outros veículos de imprensa, por exemplo, de outras regiões, e outros documentos mostrem abordagens, narrativas e gramáticas diferentes, ou destaquem outros acontecimentos, algo que suponho também em relação aos veículos internacionais. Também foram analisados apenas os textos e não as imagens, que podem trazer novas percepções. Além disso, para não esquecer de uma crítica da área da comunicação, que a antropologia da comunicação tem observado, podem ser realizadas análises que incluam a interpretação dos públicos dos veículos (“leitores”/“espectadores”) sobre a reportagens.

De todo modo, como sugere Latour (2012), fica evidente que as reportagens, bem como artigos científicos e outros documentos, são relevantes no desenvolvimento de pesquisas que tenham como referencial a teoria ator-rede. No noticiário brasileiro sobre a ayahuasca na relação com os transtornos mentais, por exemplo, pude mapear acontecimentos fundamentais que compõem a história da ayahuasca no país e atores envolvidos nesses acontecimentos, nos quais estabelecem ora associações, ora controvérsias no debate público, constituindo a rede sociotécnica da ayahuasca, que, certamente, é maior do que a exposta aqui, mas que, segundo os próprios documentos mostram, pode ser analiticamente cortada para fins de análise. Bem verdade, essa rede deixa claro que as conexões entre os atores se estabelecem a partir de diferentes esferas, escalas e temporalidades, e conforme as associações vão ganhando o espaço das controvérsias, a ayahuasca vem se tornando mais legítima na sociedade brasileira, por meio de discursos socialmente reconhecidos.

Referências bibliográficas

ALVES, Gabriel. Ayahuasca melhora depressão em estudos brasileiros. Folha de S. Paulo, 14 jun. 2015, Equilíbrio e Saúde. Disponível em: < https://m.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2015/06/1641679-ayahuasca-melhora-depressao-em-estudos-brasileiros.shtml > (Acessado em: 10/01/2022).

AMARAL, Márcia Franz. Sensacionalismo, um conceito errante. In: Intexto, v.2, n.13, pp. 1-13, 2005.

ANTUNES, Henrique Fernandes. Droga, religião e cultura: um mapeamento da controvérsia pública sobre o uso da ayahuasca no Brasil. 2012. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – USP, São Paulo, 2012.

ARAÚJO, Dráulio Barros de; RIBEIRO, Sidarta; CECCHI, Guillermo A.; CARVALHO, Fabiana M.; SANCHEZ, Tiago A.; PINTO, Joel P.; MARTINIS, Bruno S. de; CRIPPA, Jose A.; HALLAK, Jaime E. C.; SANTOS, Antonio C. Seeing With the Eyes Shut: Neural Basis of Enhanced Imagery Following Ayahuasca Ingestion. In: Human Brain Mapping, v.33, n.11, pp.2550-2560, 2012.

ASSIS, Jussara Aparecida Santos de. Representações jornalísticas da ayahuasca: análise de matérias do jornal Folha de S. Paulo e portal de notícias G1. 2021. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – PUC-MG, Belo Horizonte, 2021.

AZEVEDO, Solange; MAMBRINI, Verônica. Um crime que serve de alerta. IstoÉ, 19 mar. 2010, Comportamento. Disponível em: <https://istoe.com.br/58806_UM+CRIME+QUE+SERVE+DE+ALERTA/ > (Acessado em: 02/12/2022).

BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi. Anthropos-Homem. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985, pp. 296-332 (v.5).

BARBOSA, Paulo César Ribeiro et al. Assessment of alcohol and tobacco use disorders among religious users of ayahuasca. In: Frontiers Psychiatry, v.9, pp. 136, 2018.

BEAUD, Stéphane; WEBER, Florence. Guia para a pesquisa de campo: produzir e analisar dados etnográficos. Tradução de Sérgio Joaquim de Almeida. Petrópolis: Vozes, 2007.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: Rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. Coimbra: Editora 34, 2011.

BENEDITO, Camila de Pieri. Entre o sacramento e o narcótico: analisando discursos de deslegitimação dos saberes da ayahuasca. In: Revista Labirinto, v.26, ano XVIII, pp. 163-181, 2017.

BRASIL, Janine. No AC, usuários de droga tomam chá de ayahuasca e dizem se livrar de vício. G1 AC, 16 set. 2015. Disponível em: < http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/09/no-ac-usuarios-de-droga-tomam-cha-de-ayahuasca-para-se-livrar-do-vicio.html > (Acessado em: 08/03/2021).

BRASIL, República Federativa do. Conad - Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas. Resolução nº 01, de 25 de janeiro de 2010. Disponível em: < https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/politicas-sobre-drogas/subcapas-senad/conad/atos-do-conad-1/2010/11___resolucao_n__01_2010___conad.pdf > (Acessado em: 05/09/2022).

BRASIL, República Federativa do. Resolução nº 04, 30 jul. 1985a.

BRASIL, República Federativa do. Ministério da Saúde. Dimed - Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos. Portaria nº 02, 13 mar. 1985b, Diário Oficial da União, Seção I, pp. 4421-4434.

BRASIL, República Federativa do. Relatório Final do Grupo de Trabalho designado pela Resolução do CONFEN de número 04/1985. Presidente do Grupo de Trabalho: Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, 30 jun. 1987.

BRASIL, República Federativa do. Ministério da Justiça. Confen - Conselho Federal de Entorpecentes. Parecer, 02 jun. 1995. Conselheiro: José Costa Sobrinho, Brasília, 1995.

BRISSAC, Sérgio. A Estrela do Norte iluminando até o Sul: Uma etnografia da União do Vegetal em um contexto urbano. 1999. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – UFRJ, Rio de Janeiro, 1999.

CARTA de Princípios das Entidades Religiosas Usuárias da Ayahuasca. Rio Branco, 24 nov. 1991.

CONECTAS Direitos Humanos; CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 2020. São Paulo: Conectas; CEBRAP, 2022.

COSTA, Luciano Martins; SALLES, Fabio. Proposta liberação de chá alucinógeno. Folha de S. Paulo, 12 jan. 1986, Cidades, p. 26.

COURA, Kalleo; BETTI, Renata. Alucinação assassina, Veja, 20 mar. 2010, Brasil. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/reinaldo/alucinacao-assassina/ > (Acessado em: 02/12/2022).

COUTINHO, Tiago. A questão da legitimidade e da legalidade dos usos contemporâneos da ayahuasca: Um estudo de caso. In: DILEMAS: Revista de Estudos de conflito e Controle Social, v.6, n.2, pp. 331-355, 2013.

CUNHA, Manuela Carneiro da. Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Ubu Editora, 2017, pp. 293-303.

DAIME pode entrar na lista de entorpecentes. Alto Madeira, 06 set. 1985, p. 7.

DELMANTO, Júlio. História social do LSD no Brasil. Os primeiros usos medicinais e o começo da repressão. São Paulo: Elefante Editora, 2020.

DIMEP proíbe uso, consumo e a comercialização do santo daime. Alto Madeira, 23 maio 1985, p. 4.

ESCOHOTADO, Antonio A. Historia general de las drogas. Barcelona: Alianza, 1998.

FERREIRA, Joarez. Aioasca – O LSD da Amazônia. O Cruzeiro, 14 jul. 1971, p. 40-45.

FIORE, Maurício. Prazer e Risco: uma discussão a respeito dos saberes médicos sobre uso de “drogas”. In: LABATE, Beatriz Caiuby; GOULART, Sandra L.; FIORE, Maurício; MACRAE, Edward; CARNEIRO, Henrique (orgs.). Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: UDUFBA, 2008, pp. 141-154.

FOUCAULT, Michel. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1972.

FREHSE, Fraya. Os informantes que jornais e fotografias revelam: para uma etnografia da civilidade nas ruas do passado. In: Estudos Históricos, v.36, pp. 131-156, 2005.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Perspectiva, 1974.

GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Mathias Lambert. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

GOULART, Sandra Lucia. Contrastes e continuidades em uma tradição amazônica: as religiões da ayahuasca. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Unicamp, Campinas, 2004.

GOULART, Sandra Lucia. Estigmas de grupos ayahuasqueiros. In: LABATE, Beatriz Caiuby; GOULART, Sandra L.; FIORE, Maurício; MACRAE, Edward; CARNEIRO, Henrique (orgs.). Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008, pp. 251-287.

GUIMARÃES, Thiago. Por que 2017 está sendo visto como ano da ‘revolução psicodélica’ na saúde. Folha de S. Paulo, 20 jul. 2017, Ciência. Disponível em: <https://m.folha.uol.com.br/ciencia/2017/07/1902851-por-que-2017-esta-sendo-visto-como-ano-da-revolucao-psicodelica-na-saude.shtml >. (Acessado em: 29/04/2021).

LABATE, Beatriz Caiuby. A literatura brasileira sobre as religiões ayahuasqueiras. In: LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena (org.). O uso ritual da ayahuasca. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 2002, pp. 229-274.

LABATE, Beatriz Caiuby. As Encruzilhadas da imprensa: Uma análise da reportagem de capa da Revista Isto É sobre a ayahuasca. In: Revista de Antropologia dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.1, n.2, pp. 105-115, 2009.

LABATE, Beatriz Caiuby. Cobertura com muitos equívocos. Observatório da Imprensa, 30 mar. 2010. Disponível em: <https://www.bialabate.net/wp-content/uploads/2010/10/Labate_caso_glauco_cobertura_muitos_quivocos_2010-1.pdf >. (Acessado em: 02/12/2022).

LABATE, Beatriz Caiuby; ALVES JR., Antonio Marques; ROSE, Isabel Santana de. A outra face de Glauco Vilas Boas, líder religioso do Santo Daime. Folha de S. Paulo, 21 mar. 2010, Cotidiano. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2010/03/709924-a-outra-face-de-glauco-vilas-boas-lider-religioso-do-santo-daime.shtml >. (Acessado em: 02/12/2022).

LABATE, Beatriz Caiuby; BOUSO, José Carlos (orgs). Ayahuasca y salud. Barcelona: Los Libros de La Liebre de Marzo, 2013.

LABATE, Beatriz Caiuby; CAVNAR, Clancy (orgs). The Therapeuctic Use of Ayahuasca (orgs.). Berlim: Springer, 2014.

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: Ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: Uma introdução à teoria do Ator-Rede. Salvador: Edufba; Bauru, SP: Edusc, 2012.

LEITE, Marcelo. Ayahuasca diminui sintomas de depressão em pesquisa brasileira. Folha de S. Paulo, 15 jun. 2018, Ciência. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2018/06/ayahuasca-diminui-sintomas-de-depressao-em-pesquisa-brasileira.shtml >. (Acessado em: 29/04/2021).

MACKELLENE, Léo. Mídia e Preconceito: A Revista Veja, o Caso Cadu e a Descriminalização/Legalização da Maconha. In: Scientia, v.2, n.4, pp. 359-387, 2015.

MACRAE, Edward. A elaboração das políticas públicas brasileiras em relação ao uso da ayahuasca. In: LABATE, Beatriz Caiuby; GOULART, Sandra L.; FIORE, Maurício; MACRAE, Edward; CARNEIRO, Henrique (orgs.). Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008, pp. 289–313.

MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SALLA, Fernando. A Medicina e a Lei: o Código Penal de 1890 e o exercício de curar. Práticas médicas e autos criminais em Bragança: assimetrias da modernização. In: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C. (orgs.). Práticas médicas e de saúde nos municípios paulistas: a história e suas interfaces. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2011, pp. 133-152.

MARIRI: as seitas crescem na Amazônia. Alto Madeira, 27 maio 1985, p. 3.

MAURÍCIO DE LIMA, Vinícius. Ayahuasca durante a pandemia da Covid-19: usos religiosos, científicos e terapêuticos. In: IV REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DA SAÚDE, 4, 2021, Recife. Artigo (Anais)... Recife: IV RAS, p. 1-26.

MERCANTE, Marcelo S. Ayahuasca, dependência química e alcoolismo. In: Ponto Urbe, n.5, pp. 1-17, 2009.

MERCANTE, Marcelo S. Imaginação, linguagem, espíritos e agência: ayahuasca e o tratamento da dependência química. In: Revista de Antropologia, v.60, pp. 562-587, 2017.

NETTO, Patrick Walsh. O exemplo na vida de quem prega: uma análise do CEBUDV a partir dos seus sócios. 2017. Tese (Doutorado em Sociologia) – UnB, Brasília, 2017.

OMS – Organização Mundial da Saúde. Depression and Other Common Mental Disorders. Global Health Estimates. Genebra: OMS, 2017.

OMS – Organização Mundial da Saúde. World Mental Health Report. Transforming mental health for all. Genebra; OMS, 2022.

ONU - Organização das Nações Unidas. Convención Única de 1961 sobre Estupefacientes. Genebra: ONU, 1961. Disponível em: <https://www.incb.org/documents/Narcotic-Drugs/1961-Convention/convention_1961_es.pdf > (Acessado em: 08/03/2022).

ONU - Organização das Nações Unidas. Convenio sobre Sustancias Sicotrópicas. Genebra: ONU, 1971. Disponível em: < https://www.incb.org/documents/Psychotropics/conventions/convention_1971_es.pdf >. (Acessado em: 17/01/2022).

ONU - Organização das Nações Unidas. INCB - International Narcotics Control Board. International control of the preparation “ayahuasca”, 17 jan. 2001.

OSÓRIO, Flávia de L.; SANCHES, Rafael F.; MACEDO, Ligia R.; SANTOS, Rafael G dos; OLIVEIRA, João P. Maia de; WICHERT-ANA, Lauro; ARAUJO, Draulio B de; RIBA, Jordi; CRIPPA, José A.; HALLAK, Jaime E. Antidepressant effects of a single dose of ayahuasca in patients with recurrent depression: a preliminary report. In: Revista Brasileira de Psiquiatria, v.37, n.1, pp. 13-20, 2015.

PALHANO-FONTES, Fernanda et al. Rapid antidepressant effects of the psychedelic ayahuasca in treatment-resistant depression: a randomized placebo-controlled trial. In: Psychological Medicine, v.49, n.4, pp. 1-9, 2018.

PRADO, Alberto. Na selva, um místico vende um sonho. O Estado de S. Paulo, 29 ago. 1968.

RIO, Maria Soledad. “Psicologización de la espiritualidade”: cruces entre psicología, vegetalismo amazónico y antropología en un centro comunitário y terapêutico de la ciudad de Buenos Aires. In: Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, v.20, n.28, pp. 158-171, 2018.

SANTOS, Rafael Guimarães dos. A critical evaluation of reports associating ayahuasca with life-threatening adverse reactions. In: Journal of Psychoactive Drugs, v.45, n.2, pp. 179-188, 2013.

SANTOS, Rafael Guimarães dos; BOUSO, José C.; HALLAK, Jaime E. Hallucinogens/psychedelics resurrected as new tools in psychiatric therapy. In: Brazilian Journal of Psychiatry, v.43, n.2, pp. 1-2, 2020.

SILVA, Danielli Katherine Pascoal. Por uma abordagem ecológica dos efeitos anti-depressivos da ayahuasca. In: Ponto Urbe, n.20, pp. 1-19, 2017.

SIMÕES, Júlio Assis. Prefácio. In: LABATE, Beatriz Caiuby; GOULART, Sandra L.; FIORE, Maurício; MACRAE, Edward; CARNEIRO, Henrique (orgs.). Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: UDUFBA, 2008, pp. 13-22.

STRASSMAN, Rick. DMT: A Molécula do Espírito – A Revolucionária Pesquisa de um Médico na Biologia de Quase-Morte e das Experiências Místicas. Tradução de Dermeval de Sena Aires Júnior. Brasília: CEBUDV; Diretoria Geral; Editora Pedra Nova, 2019.

TAVARES, Fátima. Alquimistas da cura: A rede terapêutica alternativa em contextos urbanos. Salvador: Edufba, 2012.

TÓFOLI, Luís Fernando. Terapias psicodélicas e (auto)conhecimento. Folha de S. Paulo, 11 fev. 2019, Opinião. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/02/terapias-psicodelicas-e-autoconhecimento.shtml > (Acessado em: 03/11/2022).

TOMAZ, Kleber; TITO, Fábio. Dez anos após mortes, capela em homenagem ao cartunista Glauco e filho atrai seguidores do Santo Daime em SP. G1 SP, 12 mar. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/12/dez-anos-apos-mortes-capela-em-homenagem-ao-cartunista-glauco-e-filho-atrai-seguidores-do-santo-daime-em-sp.ghtml > (Acessado em: 02/12/2022).

USO do “mariri” também é vigiado em Manaus. Jornal do Commercio, 26 jun. 1985, Polícia, p. 5.

VARGAS, Annabelle de Fátima Modesto; CAMPOS, Mauro Macedo. A trajetória das políticas de saúde mental e de álcool e drogas no século XX. In: Ciência & Saúde Coletiva, v.24, n.3, pp. 1041-1051, 2019.

VALÊNCIO, Luís Felipe Siqueira; TÓFOLI, Luís Fernando. Ética em pesquisas com psicodélicos: proposta reflexiva para usuários, pesquisadores e membros de comitês de ética em pesquisa. In: BESERRA, Fernando; RODRIGUES, Sandro (orgs.). Psicodélicos no Brasil: ciência e saúde. Curitiba: CRV, 2020, pp. 17-30.

Notas

1 Pesquisa realizada com recursos da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
2 Aqui ele faz menção ao Chá Hoasca. Contudo, na UDV, o “Mariri” (Banisteriopsis caapi) é usualmente mais conhecido como a planta com a qual a beberagem é preparada a partir da decocção conjunta com a “Chacrona” (Psychotria viridis).

Autor notes

* Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais (PPGCHS), da Universidade Federal do ABC (UFABC). E-mail: vmlima9@gmail.com. ORCID iD: < https://orcid.org/0000-0001-5111-3409 >.
HMTL gerado a partir de XML JATS4R por