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CORPO, SEXUALIDADE E SEXO PARA SANNYASINS DO OSHO
Cuerpo, sexualidad y sexo para sannyasins de Osho
Body, sexuality and sex for Osho’s sannyasins
CORPO, SEXUALIDADE E SEXO PARA SANNYASINS DO OSHO
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 25, e023012, 2023
Universidade Estadual de Campinas
Recepção: 24 Abril 2023
Aprovação: 24 Agosto 2023
Resumo: O presente trabalho se constitui de parte dos resultados de pesquisa que investiga como sannyasins brasileiros do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho, se apropriam das referências do seu legado que orientam a religiosidade. Através de pesquisa documental na OSHO Online Library e pesquisa bibliográfica, o artigo trata da figura de Rajneesh/Osho e sua definição de neossannyasin. Em seguida, na apreensão de entrevistas em profundidade, discute a compreensão dos sannyasins sobre o corpo; o modo como relacionam materialismo e espiritualismo; como compreendem a sexualidade, o sexo e a designação de Rajneesh como “guru do sexo”; e os significados espirituais que identificam na sexualidade e no sexo. As demandas, motivações e usos que os sannyasins fazem da religiosidade promovida por Osho expressam as tendências individualizantes, reflexivistas e a priorização da experiência às ideias característica de grupos afeitos ao movimento nova era.
Palavras-chave: Sannyasins, Corpo, Sexualidade e sexo, Rajneesh/Osho, Nova era.
Resumen: El presente trabajo forma parte de los resultados de una investigación que indaga cómo sannyasins brasileños del gurú indio Bhagwan Shree Rajneesh, Osho, se apropian de los referentes de su legado que orientan la religiosidad. A través de la investigación documental en la OSHO Online Library y investigación bibliográfica, el artículo trata de la figura de Rajneesh/Osho y su definición de neossannyasin. Después, en la aprehensión de entrevistas en profundidad, discute la comprensión de los sannyasins sobre el cuerpo; la forma en que relacionan materialismo y espiritualismo; cómo entienden la sexualidade, el sexo y la designación de Rajneesh como “gurú del sexo”; y los significados espirituales que identifican en la sexualidad y el sexo. Las demandas, motivaciones y usos que los sannyasins hacen de la religiosidad promovida por Osho expresan las tendencias individualizadoras, reflexivistas y la priorización de la experiencia sobre las ideas propias de grupos vinculados al movimiento nueva era.
Palabras clave: Sannyasins, Cuerpo, Sexualidad y sexo, Rajneesh/Osho, Nueva era.
Abstract: The present work constitutes part of the research results that investigate how Brazilian sannyasins of the Indian guru Bhagwan Shree Rajneesh, the Osho, appropriate the references of his legacy that guide the religiousness. Through documental research in the OSHO Online Library and bibliographic research, the article deals of the figure of Rajneesh/Osho and his definition of neossannyasin. Then, in the apprehension of in-depth interviews, discusses sannyasins’ understanding of the body; the way they relate materialism and spiritualism; how they understand the sexuality, the sex and the designation of Rajneesh as “sex guru”; and the spiritual meanings that they identify in sexuality and sex. The demands, motivations and uses that sannyasins make of the religiousness promoted by Osho express the individualizing, reflexivist tendencies and the prioritization of experience to the ideas characteristic of groups used to the new age movement.
Keywords: Sannyasins, Body, Sexuality and sex, Rajneesh/Osho, New age.
Introdução
Este texto apresenta parte dos resultados de pesquisa1 que investiga os ensinamentos, as orientações e as referências do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho, que estimulam a religiosidade; como sannyasins – indivíduos que se consideram renunciantes de algum tipo de apego com o mundo e em busca de conhecimento espiritual – brasileiros do Osho se apropriam das referências de seu legado teórico-filosófico que orientam a religiosidade, por meio do pensamento a respeito dos ensinamentos de Rajneesh sobre corpo, meditação, riqueza, sexualidade e sexo; e as demandas, motivações e usos que os sannyasins fazem da religiosidade promovida pelo guru.
Dez sannyasins participaram de entrevistas em profundidade. Delimitou-se que os entrevistados deveriam ter no mínimo 18 anos; serem ou terem sido participantes de um centro de meditação ou ashram inspirado por Osho; e já terem lido livros do guru. As entrevistas foram realizadas entre fevereiro e março de 2022 por programas de videoconferência.
Através de pesquisa documental na OSHO Online Library e pesquisa bibliográfica (Gerhardt & Silveira, 2009), o artigo trata da figura de Rajneesh/Osho e da definição de neossannyasins para Osho. Na sequência, se concentra na discussão da compreensão dos sannyasins sobre o corpo; o modo como relacionam materialismo e espiritualismo; como compreendem a sexualidade, o sexo e a designação de Rajneesh como “guru do sexo”; e os significados espirituais que identificam na sexualidade e no sexo.
Rajneesh/Osho
Osho nasceu em 1931, na Índia, como Chandra Mohan Jain. Posteriormente adotou o nome Acharya Rajneesh, depois Bhawgan Shree Rajneesh e, no fim de sua vida, Osho (Urban, 2015: 27), que significa: amor, respeito e gratidão à multidimensional expansão da consciência e da existência; mestre e professor amado – título honorífico de acordo com a tradição zen budista japonesa; e experiência oceânica (Canessa, 2014: 132-133).
O interesse pelo guru cresceu após o início da série documental Wild wild country2 (2018), da plataforma Netflix. O Google Trends registrou um aumento de 100% nas buscas virtuais por Osho. Em abril de 2018, a ferramenta marcou a maior procura por seu nome na história; editoras brasileiras perceberam aumento na busca por seus livros (Menon, 2018).
Considerado um dos líderes religiosos mais controversos, escandalosos e financeiramente bem-sucedidos do século XX, Bhagwan Shree Rajneesh, o “guru do sexo” e “guru dos ricos”, desenvolveu “um tipo radicalmente iconoclasta de espiritualidade” que se tornou bastante popular na Índia e, na década de 1980, nos Estados Unidos, quando o guru se estabeleceu em Rajneeshpuram,3 comuna criada para ele por seus sannyasins no Condado de Wasco, no Oregon (Urban, 2005: 169).
Rajneesh não se conformava ao perfil de guru que se sentou aos pés de outro mestre iluminado, mas afirmou ser um autoiluminado, que alcançou o despertar espiritual por sua própria iniciativa e autoexperimentação. Sua mensagem criticava e zombava as grandes religiões e desafiava seus adeptos a encontrarem seu próprio caminho para a verdade interior (Urban, 2015: 25). Para Urban, Rajneesh se configurou no primeiro guru verdadeiramente global, e, talvez, no primeiro “guru pós-moderno” do século XX (Urban, 2015: 27).
Por mais que sustentasse ter alcançado a iluminação em 1952, aos 21 anos, Rajneesh cursou bacharelado e mestrado em Filosofia em 1955 e 1957. Depois, ensinou Filosofia no Raipur Sanskrit College e na Universidade de Jabalpur. No mesmo período, começou a viajar e palestrar pela Índia sob o título de Acharya (professor) Rajneesh, época em que aprimorou seu estilo provocativo, controverso e bem-humorado (Urban, 2015: 33). Ele se tornou conhecido por suas sátiras mordazes e suas declarações intencionalmente incendiárias (Urban, 2013: 35).
Rajneesh abandonou a carreira acadêmica em 1966 para se dedicar a discursos espiritualistas. No fim da década de 1960, passou a ser reconhecido por jovens ocidentais que visitavam a Índia (Abreu, 1990). Ao contrário de outros gurus, Rajneesh celebrava a efemeridade, fragmentação, inconsistência, paradoxalidade, o senso humorístico e o absurdo da existência. Seus ensinamentos eram transmitidos com aguçado senso de humor, brincadeiras e uma ironia autozombadora (Urban, 2015: 14) em um estilo por vezes agressivo, que se combinava com o gosto pelo uso de piadas para atrair seu público (Urban, 2015: 36).
Nos anos 1970, o movimento criado em torno de Rajneesh começou a se movimentar em uma direção notoriamente “religiosa”. O guru inaugurou uma fase de apropriações mais explícitas de temas religiosos, posição avaliada como incongruente para alguém reputado como iconoclasta e zombador de todas as entidades religiosas e que recorrentemente irritava líderes religiosos (Urban, 2015: 43).
O guru adotou, em 1971, a identidade de Bhagwan Shree Rajneesh. Além de ser, no sânscrito, um nome tradicional de “Deus”, Bhagwan significa “santo, glorioso, venerável ou divino”; Shree se constitui em um título honorífico e significa “luz” ou “radiância”. Rajneesh adotou esse novo título para provocar os religiosos convencionais. Ao adotar um nome tradicional para Deus, ele sugeria que todas as pessoas são abençoadas ou “deuses” (Urban, 2015: 42).
Em 1974, ele instalou em Pune, na Índia, um ashram para iniciar seus adeptos. Até o fim dos anos 1970, cerca de 60 mil pessoas já tinham visitado Pune, enquanto cerca de 100 mil se reuniam em aproximadamente 250 centros de meditação na Europa, Ásia, América do Sul e do Norte (Abreu, 1990). O movimento Rajneesh deu um salto organizacional com a edificação, em 1981, de Rajneeshpuram, que se tornou uma pequena cidade com cerca de sete mil habitantes, todos integrantes do movimento (Jungblut & Adami, 2017: 112).
Uma das características dos discursos de Rajneesh que o particularizavam em relação aos demais gurus indianos do século XX se constituía no comentário e na interpretação de textos e ensinamentos de praticamente todas as grandes tradições religiosas, sem que pertencesse a nenhuma em particular. Seu discurso se configurava como o de um crítico da cultura e da religião, que afirmava sua identidade e construía um sistema no qual se assumia como o mestre espiritual que revisava o passado da humanidade e inaugurava um novo caminho espiritual. Embora se enquadre na tradição dos mestres indianos, ele não pode ser considerado como um mestre indiano tradicional, seja no conteúdo de seus ensinamentos ou nos métodos utilizados. Osho não se constituiu como um mestre budista, hindu ou jainista. Ele trabalhava com as grandes categorias conceituais das religiões indianas, mas alterava seus significados. Nas interpretações dos textos de grandes tradições religiosas, Rajneesh efetuava, concomitantemente, além de crítica de instituições sociais, também a exegese textual, religião comparada e etimologia, a partir de ensinamentos que passavam do humor à contradição e da ironia à provocação (Diaconescu, 2008: 151-152).
Ele misturava ideias religiosas com fontes psicológicas e filosóficas a partir de uma vasta gama de referências europeias e asiáticas como Sigmund Freud, Wilhelm Reich, George Gurdjieff, Friedrich Nietzsche (Urban, 2013: 35), Buda, Jesus, Kabir, Guru Nanak, Lao Tzu, Ludwig Wittgenstein e Carl Jung, em uma bricolagem pós-moderna (Urban, 2015: 34-35). Para Rajneesh, a espiritualidade não implicava frequentar instituições religiosas, ler escrituras sagradas ou adorar um deus, mas encontrar a si mesmo. Sua postura contra as religiões estabelecidas se assemelha às posições filosóficas apresentadas por Nietzsche. Osho acreditava que a fé se configurava em uma prisão e a dúvida, liberdade, além de rejeitar ortodoxias (Dwivedi, 2008: 1).
Em seu retorno para a Índia, em 1986, Rajneesh se tornou ainda mais popular (Urban, 2005: 169). Na comuna de Pune, sua visão religiosa iconoclasta e globalizada foi combinada a um conjunto de ideais genéricos da nova era. Quando adotou o título de Osho, no final da vida, sua mensagem se tornou progressivamente universal, menos controversa e mais aceitável tanto para seu público indiano como o ocidental, e passou a ser oferecida a uma audiência internacional de consumidores espirituais (Urban, 2012: 458). O guru faleceu no ashram em janeiro de 1990.
Os neossannyasins
Do sânscrito sam-nyasa ou sannyasa, sannyasin significa “resignação” ou “abandono”, e se refere àquele que segue uma vida de austeridade e disciplina estrita (Urban, 2015: 63). Os sannyasins do Osho se opõem ao perfil comum dos sannyasins indianos ou “renunciantes”. Eles combatem a rejeição mundana pela disciplina ascética e perseguem a fruição dos sentidos, da experiência corporal e do prazer material (Urban, 2015: 50-51). “Quero que a bela palavra sannyas seja retirada de todas suas antigas associações e quero dar a ela um novo significado” (Osho, 1986d: s/p).
Osho sinalizava que os diferentes tipos de sannyas existentes até então estavam presos a alguma religião, o que impedia os sannyasins de serem verdadeiramente livres. Para ele, um sannyasin deve nutrir religiosidade em sentido lato, mas não pertencer a nenhuma religião em particular; um sannyasin pode pertencer a qualquer religião, pois não se configura sectário (Osho, 1970b).
Metodologia
Realizamos pesquisa documental na OSHO Online Library,4 hospedada no site da Osho International Foundation, na busca das referências do legado de Rajneesh que orientam a religiosidade e elaboramos um roteiro-base de entrevista semiestruturado para aplicá-lo a sannyasins brasileiros do guru, com o objetivo de identificar a construção de sua religiosidade. As entrevistas em profundidade, que combinaram questões fechadas e abertas (Boni & Quaresma, 2005), visavam colher suas experiências subjetivas (Duarte, 2010) e, também, incitar a estruturação de narrativas de si no cerne de suas vivências espirituais particulares.
A procura pelos entrevistados começou com o contato e solicitação de indicações aos dirigentes de 27 centros de meditação e ashrams inspirados em Osho que foram identificados no Brasil. Os que retornaram a solicitação inicial disponibilizaram contatos de Facebook e WhatsApp de sannyasins que poderiam se interessar em participar da pesquisa. A pesquisa delimitou entrevistar dez sannyasins. O perfil procurado seguia os critérios de: ter no mínimo 18 anos de idade; ser ou ter sido participante de um centro de meditação ou ashram inspirado por Rajneesh; e ter lido seus livros. A escolha por entrevistar unicamente sujeitos que leram livros do guru baseou-se no intuito de verificar o impacto cognitivo da filosofia sistematizada por Osho nas incorporações, usos, conciliações e adequações das trajetórias espirituais de seus adeptos. Cerca de 40 sannyasins foram localizados e convidados para integrar a pesquisa.
Todos os entrevistados assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido que apresentava a pesquisa, seus objetivos, o modo de participação, os instrumentos utilizados e o compromisso de não identificação por parte do pesquisador. Aos sannyasins entrevistados foi solicitado que indicassem nomes sannyas não relacionados aos seus próprios para preservá-los na referenciação de suas falas, visto a garantia de anonimato da pesquisa. As entrevistas, gravadas em áudio, foram realizadas entre os dias 16 de fevereiro e 29 de março de 2022 pelos programas de videoconferência Jitsi Meet e Google Meet, e tiveram duração média de 1h25.
Em relação à identidade de gênero, cinco entrevistados se identificaram como homens (Prakash, Swami, Anand, Samadhi e Gyanand) e cinco como mulheres (Ramita, Leela, Prem, Ranga e Komala). Os participantes tinham idade entre 60 e 74 anos.5 Nove possuem ensino superior completo (três com especialização e um com mestrado) e um superior incompleto. Três entrevistados são de Minas Gerais, dois de São Paulo, um do Distrito Federal, um do Ceará, um do Rio de Janeiro, um da Bahia e um de Goiás. Entre os entrevistados, há quatro terapeutas, um aposentado, um professor de meditação, um designer de joias, um psicólogo, um instrutor de meditação e um numerólogo. Sete são soltei ros (um em união estável), dois são divorciados e um, casado. A renda dos entrevistados variava de três a 16 salários mínimos.6
O corpo para sannyasins do Osho
Em uma sociedade do tipo individualista, o corpo se constitui como lugar de contato privilegiado com o mundo (Le Breton, 2007: 10). As representações e as explicações do corpo são representações e explicações das ações dos sujeitos. O corpo se configura socialmente construído nas suas ações, nas teorias que explicam seu funcionamento e nas relações mantidas com o sujeito que o encarna. O corpo se apresenta como uma elaboração social e cultural (Le Breton, 2007: 26). Não há existência do corpo em estado natural, mas sempre se compreende-o na trama social de sentidos (Le Breton, 2007: 32). Na proposta para “libertação do corpo” dos anos 1960, indaga-se o que acontece com o ser humano a quem o corpo concede extensão e aparência. Coloca-se o corpo como posse, atributo, um alter ego. Tal apologia ao corpo, dualista, opõe o sujeito ao corpo e abstratamente presume uma existência do corpo que pode ser examinada fora do sujeito concreto (Le Breton, 2007: 10).
Os sannyasins foram questionados sobre sua compreensão a respeito do corpo. Prakash, que lamenta ter recebido uma educação católica castradora e limitadora, tinha um bloqueio com toques corporais. “Eu carregava uma culpa e um conceito de pecado muito grande. E isso envolve a história do corpo (...) que não [podia] ser tocado.” A realização de trabalhos grupais terapêuticos de expressão corporal, como banhos conjuntos e troca de massagens entre sannyasins nus, e de respiração caótica para liberar sentimentos como raiva e medo, possibilitou a Prakash respeitar e cuidar de seu corpo, e entender que ele está em conexão com sua mente, seu espírito e sua sexualidade “A gente fazia muitos exercícios [e] punha a raiva para fora, (...) você socava, gritava e fazia catarse”. Eles foram úteis para trabalhar “tanto a sua resistência em exibir sua nudez (...) e sua inibição de estar em contato com a nudez do outro.”
Os sentimentos e sua repercussão se manifestam fisicamente, de forma não espontânea, mas ritualmente organizados, expressos no corpo, nos gestos e posturas. Sentimentos como amor, sofrimento, alegria e raiva não são realidades em si, mas sua condição de surgimento e simbolização aos outros dependem de mediações significantes (Le Breton, 2007: 52). Importa a relação do sujeito com outros na formação da corporeidade. Os pertencimentos culturais e sociais influenciam na elaboração da relação com o corpo, visto que o corpo se configura em objeto construído social e culturalmente (Le Breton, 2007: 65).
O arrebatamento que surgiu com as terapias corporais desde o fim da década de 1960 – e ocasionou uma visão dualista do ser humano e sua disjunção em espírito e corpo, além de buscar atuar sobre o corpo para transformar o espírito – encorajou a expressão dos sentimentos e frustrações. No surgente imaginário social de liberação do corpo, da sexualidade, dos sentimentos e das contestações sociais, colocou-se o corpo em destaque (Perin, 1985: 124) como companheiro íntimo do sujeito, um espelho fraternal, um outro eu com quem coabitar. Convidou-se o sujeito a desvendar o corpo. Através dele, descobriu uma forma factível de transcendência. Como alter ego, do corpo derivam sensações. Ele se tornou o lugar da reconquista de si, um território que deveria ser explorado na busca de sensações inéditas por meio de terapias corporais, massagens, danças etc.; o parceiro compreensivo e o cúmplice que faltava ao sujeito. No lugar de opor corpo e alma, o dualismo da modernidade tenuamente opôs o corpo e o sujeito. Enquanto objeto a ser moldado, modificado e modulado ao gosto do sujeito, o corpo se equivale a ele, pois, na alteração das aparências, o próprio sujeito se modifica (Le Breton, 2007: 86-87).
Leela entende ter vivido em uma geração de muita repressão à sexualidade feminina, em que, simultaneamente, as mulheres começaram a libertar-se e desfrutá-la. Ela situa que Osho incentivava que as mulheres conhecessem seus corpos e o explorassem sexualmente. “Você tem direito a gozar. Você tem direito a ter prazer. Na minha geração, a gente não tinha. Só o homem tinha esse direito.” A repressão sexual se executa não exclusivamente, mas também, por vetos e censuras explícitas, por práticas, ideias e instituições que regimentam permissões (Chaui, 1998: 182). Nos anos 1970, o corpo das classes oprimidas e marginalizadas, como as minorias de raça, de classe ou de gênero, ocupou o centro das lutas pelos direitos desses grupos como lugar de repressão, mas também enquanto instrumento de libertação. Hoje o corpo ocupa, nas lutas políticas, o centro dos debates culturais, que transformaram sua existência em um objeto de pensamento (Courtine, 2008: 9).
Ramita, Swami, Anand e Prem repercutem os ensinamentos de Osho de que o corpo se constitui em uma casa e um templo. “Todas as religiões estão dizendo (...): oponha-se ao corpo, não siga o corpo, o corpo é o inimigo. (...) Estou dizendo a você: comece com o corpo. É sua casa. Ame-o, aceite-o” (Osho, 1987c: s/p). O guru chama o corpo de “templo, um maravilhoso presente da natureza” (Osho, 1974: s/p), lugar sagrado (Osho, 1979), “morada do divino” (Osho, 1972: s/p).
Ramita festeja o corpo como sua casa, seu templo. “Se eu negar o meu corpo, eu vou desconectar da realidade.” Para Anand, o corpo se configura como sagrado, o templo da alma. Swami exprime o corpo como uma casa. “É onde nosso espírito e nossa alma residem. Daí ele ser absolutamente essencial (...) na nossa conexão com a vida. O corpo (...) é a conexão do espírito com a matéria. Ele capta a matéria, se conecta e se relaciona com o mundo.”
Swami passou a tratar o corpo com amor, carinho e respeito. “Você (...) corporifica tudo que é essencial. É como se você trouxesse a espiritualidade e desse vida e corpo a ela”. Da mesma forma, Anand reconhece ter encontrado a maneira de entrar em contato com seu corpo e tratá-lo com atenção, cuidado, valorização, respeito, consideração e carinho. Komala superou padrões estabelecidos socialmente e fobias, e mudou sua relação com seu corpo para aceitá-lo.
As ações que compõem a trama da vida cotidiana dependem da mediação da corporeidade. Formado pelo contexto social e cultural que o cerca, o corpo se constitui como o vetor semântico pela qual se constrói a relação do sujeito com o mundo. A existência ocorre de forma corporal. O corpo gera e difunde as significações que fundamentam a existência individual e coletiva; se configura no eixo da relação do sujeito com o mundo, o lugar e o tempo nos quais a existência ganha forma. Pelo corpo, os sujeitos se apoderam da substância de suas vidas e a traduzem para outros através de sistemas simbólicos compartilhados com os membros da comunidade em que se situam. Pela corporeidade, o ser humano transforma o mundo na extensão de sua experiência; o corpo constantemente produz sentidos e o coloca, ativamente, no interior dos espaços social e cultural (Le Breton, 2007: 7-8).
Samadhi desenvolveu, por meio do corpo, na prática meditativa, habilidades de conhecimento e de relação sensorial com tudo ao redor. “Era como se tivesse uma expansão da sensação e da audição. (...) Era o ouvido interno, o equilíbrio. (...) Você se sente conectado com tudo.” Prem era dançarina quando conheceu Osho. Pelas técnicas transmitidas pelo guru, sobretudo as meditações dinâmica e kundalini7 – que, ressaltou, são exercícios de observação corporal – concluiu que seu corpo se constitui em uma fonte geradora de energia acoplada à mente e às emoções, que potencializam as capacidades corporais. “O corpo físico é acoplado (...) ao corpo de energia, ao corpo de emoção, ao corpo da mente, ao corpo da alma.” Mesmo que já se considerasse uma pessoa livre, por sua profissão de artista, garante ter adquirido mais intimidade com a criação artística desde o contato com o guru. Adquirir conhecimentos também se configura em um aprendizado sensorial. No tempo de sua manifestação, a experiência corporal regula as percepções sensoriais através da aquisição de novas informações. A percepção dos estímulos pelo corpo ocorre pelo pertencimento social do sujeito e de seu modo de inserir-se no sistema cultural (Le Breton, 2007: 56).
Também pela via das meditações e dos grupos de Osho, Ranga desvendou-se fisicamente e percebeu a unicidade do corpo. “O Osho me ajudou a ter consciência corporal de como eu me sinto, como o corpo funciona”. Conforme o guru, todas as religiões promoveram uma divisão entre mente, corpo e alma; condenaram o corpo e algumas também condenaram a mente, mas todas elogiaram a alma. “Minha abordagem básica é: (...) sou totalmente a favor de uma unidade, uma sinfonia, uma sincronicidade entre essas três esferas. [O ser humano] só se sentirá realizado (...) quando todos os três estiverem funcionando em total harmonia.” (Osho, 1987a: s/p). Não se pode fragmentar a identidade humana entre o sujeito de um lado e o corpo do outro, pois uma infinidade de fatos sociais e culturais se organiza ao redor do significante corpo (Le Breton, 2007: 35).
Para Swami, o corpo foi negado pela sociedade e pelas religiões. Segundo Osho, “nenhuma religião, exceto o tantra, jamais se esforçou para compreender [o] acontecimento milagroso da consciência (...) residindo no corpo. Todas as outras religiões permaneceram anticorpo, antivida, vida-negativa, corpo-negativo” (Osho, 1976: s/p). Para o guru, “uma religião que nega e denuncia o corpo está fadada a ser anêmica e doente” (Osho, 1970a: s/p). Gyanand encontrou, em Osho, uma reverência ao corpo diversa ao desprezo manifestado por algumas tradições religiosas. “Existe uma proposta de libertação dos bloqueios que a gente foi acumulando (...) que tornou a nossa expressividade limitada. Existem técnicas para que haja um espaço maior de liberdade corporal (...), quebrando condicionamentos. Eu sinto que isso aconteceu comigo.”
A autonomia individual, hoje, se sobressai. Os sujeitos são tensionados a se constituírem empreendedores de suas próprias vidas, o que os leva a se autorreferenciarem e procurar pelos sentidos de forma individualizada e responder de modo pessoal sobre a significação e o valor da existência (Le Breton, 2007: 88).
Materialismo e espiritualismo para sannyasins do Osho
Na esteira da discussão sobre o corpo para os sannyasins, ao considerar o ideal de ser humano para Osho, personificado na figura de “Zorba, o Buda” – enquanto representantes do materialismo e do espiritualismo na melhor forma (Osho, 1985b) – os entrevistados foram questionados se se consideram espiritualistas ou materialistas. Ao criticar os sujeitos restritamente espiritualistas que, historicamente, negaram o corpo, e, ao mesmo tempo, os materialistas que limitaram-se ao corpo como completude da existência (Osho, 1977b), o guru buscava formar sujeitos que integrassem perfeitamente o materialismo de Zorba8 com a espiritualidade do Buda através da justaposição da sensualidade e do prazer mundano com a transcendência (Urban, 2015: 3) em um “manifesto” para uma nova consciência religiosa que promove a união entre o material e o espiritual (Osho, 1989).
O empenho de Rajneesh objetivava construir uma síntese que, defendia, precisava ocorrer enquanto uma obrigação para a sobrevivência da humanidade, entre Zorba, o grego, e Gautama, o Buda, uma síntese entre materialismo e espiritualismo (Osho, 1978). Sua filosofia suscitava uma unidade harmoniosa entre o Zorba e o Buda em cada ser humano (Osho, 1986a), pois não enxergava oposição entre eles. “Na verdade, ambos são complementares, não contraditórios. (...) Essa é a minha concepção [de] nova humanidade” (Osho, 1985d: s/p). Como o “seu” rebelde, Zorba, o Buda, vem para destruir a divisão entre a espiritualidade e materialismo, para afirmar que a totalidade da existência se constitui por ambos, que reivindica toda a Terra e os céus como seus, e toda a existência como seu lar em contraposição ao ser humano do passado que dividia a existência (Osho, 1987b).
Prakash sente as duas dimensões em si. Swami e Ranga não enxergam diferenças entre elas, mas interligação. Gyanand procura equilibrá-las. Os sannyasins que se consideram espiritualistas (Ramita, Leela e Anand), integram o corpo à espiritualidade. “Existe uma espiritualidade [no corpo]. No trabalho do Osho, o corpo é o instrumento da espiritualidade. (...) É onde a transformação acontece” (Ramita). “Nós somos uma coisa integrada (...): mente, corpo e espírito. Não tem (...) divisão.” (Leela). A insistência de Rajneesh na “unidade orgânica” do ser destina-se a não opor materialismo ao espiritualismo e, por consequência, propõe “demolir todas as religiões da Terra. Uma vez que seu corpo e sua alma começam a se mover de mãos dadas, dançando juntos, você se torna Zorba, o Buda. Então você pode desfrutar de tudo nesta vida, tudo que está fora de você, e você também pode desfrutar de tudo que está dentro de você.” O ideal de novo ser humano representa, continua Osho, “o fim de todas as religiões. É o início de um novo tipo de religiosidade que não precisa de rótulos” (Osho, 1985a: s/p).
Komala aponta que o corpo precisa estar bem para abrigar o espírito, o que implica cuidados físicos, com a alimentação e a mente. Ao tomar o espírito como principal realidade do ser, demonstra serem indispensáveis recursos para o corpo que sustém o espírito. “Nós não somos o corpo que come, que anda… Nós somos o espírito que habita esse corpo. (...) A matéria é importante. Eu gostaria, por exemplo, de ter muito mais dinheiro do que eu tenho, mas não para comprar coisas, e sim para poder relaxar, ter menos estresse financeiro”.
Na figura de Zorba, o Buda, Rajneesh ofereceu uma proposta de espiritualidade que integrava o desejo pela transcendência espiritual com o desejo da riqueza material (Urban, 2005: 170). Além de conciliar a riqueza com a espiritualidade, Osho defende-a como oportuna, visto a inevitabilidade basilar do sujeito de satisfazer suas necessidades materiais antes de projetar seu desenvolvimento espiritual (Urban, 2015: 72). O guru não condenava o dinheiro, mas a excessiva preocupação com ele. “Não sou contra as posses; eu sou contra a possessividade. (...) Sou contra a mentalidade voltada para o dinheiro” (Osho, 1980: s/p). Além de não ser contrário ao acúmulo de riquezas, nela identificou a manifestação natural da satisfação espiritual (Urban, 2005: 178).
Osho condenou todas as religiões que reprovaram a riqueza, mas elogiaram a pobreza. “Por causa de seu elogio à pobreza, [ela] persiste no mundo. Eu não condeno a riqueza. A riqueza é um meio perfeito que pode enriquecer as pessoas em todos os sentidos”. O guru se considerava um “espiritualista materialista” (Osho, 1982: s/p) que almejava criar um “materialismo espiritual”. Ele fomentava a aliança entre os “benefícios do materialismo: ótima tecnologia, belas casas, melhores instalações médicas, vida mais longa, corpos mais bonitos, corpos mais saudáveis” com “as belezas da espiritualidade: calma, quietude, relaxamento, amor, compaixão” (Osho, 1978: s/p).
Prakash foi o único sannyasins a atrelar materialismo com sexualidade. Ele percebe, se referindo aos exercícios da ioga, que quando respira, seu corpo se dilata na inspiração e na expiração, e carrega uma energia sexual que acompanha toda sua extensão. “Nessa hora, eu sou respiração, eu sou sexo, eu sou corpo físico, eu sou uma mente que consegue interpretar as coisas, eu sou uma percepção sensorial. (...) Isso tudo para mim (...) é espiritual e material juntos.” Não obstante, de acordo com Urban (2005: 170), Osho inovou justamente ao oferecer um caminho espiritual atraente que possibilitava combinar a busca por riqueza e o propósito de transcendência espiritual com o prazer da sexualidade.
A filosofia econômica do guru sempre se relacionou com sua visão espiritual crítica do ascetismo e defensora de um novo tipo de espiritualidade corporal e sensual que englobava o capitalismo com o prazer físico e a sexualidade. Sua aceitação do capitalismo combatia todas as formas religiosas que rejeitam o mundo e apelava para uma nova “espiritualidade sem religião” materialista e sensual para uma nova era global (Urban, 2015: 50).
A sexualidade e o sexo para sannyasins do Osho
Os sannyasins foram questionados sobre sua compreensão a respeito da sexualidade e do sexo. Prakash também tinha um bloqueio com sua sexualidade, sentia culpa, via as práticas ligadas à sexualidade como pecaminosas e, por conseguinte, julgava-se em pecado. “Eu só consegui ter uma relação [sexual] depois que casei.” Quando entrou para o sannyas, ouviu Osho falar de uma liberdade que não se permitia sentir e da imprescindibilidade de vivenciar o prazer. “Ele falava como o sexo é importante, como a energia sexual é energia de vida. Eu entendia, mentalmente (...), mas não conseguia passar isso para mim.”
Samadhi frisou que um passo anterior à sexualidade se configura na desinibição corporal. “O Osho ensinou muito sobre (...) ficar à vontade com o próprio corpo. Não quer dizer ostensivamente à vontade”. Swami assimilou a naturalidade do sexo. “O que eu tinha aprendido no passado, é que sexo era pecado, sexo era mal, sexo era do demônio. (...) Com o Osho, eu tive que curar todas essas feridas.” Anand desvinculou o conceito de pecado do sexo e passou a vê-lo como algo sagrado dado pela existência, o que alterou completamente sua relação com a prática sexual. “Sexo, para a maioria das pessoas, é sacanagem, perversão. A perversão é resultado da repressão.”
Os aspectos conservadores e reacionários ligadas à sexualidade da religião cristã, predominante no Brasil, remontam à noção de pecado original, em que o ser humano deixou-se seduzir pela tentação de bens maiores do que os recebidos na criação e violou a proibição de acessar do conhecimento do bem e do mal, o que gerou a ciência da nudez, o sentimento de vergonha, o medo do castigo divino e a perda do paraíso. Perdê-lo significava tornar-se mortal, se separar de Deus e conhecer a dor; representava a queda humana, conhecer a carência, a falta, e descobrir o sexo como vergonha. Os seres humanos descobriram, também, o que significava possuir corpo – necessidades para sobreviver, desejos, limites e mortalidade. Pelo pecado original, descobriram sua essência, a finitude. Através do sexo, os humanos tanto reafirmam constantemente sua corporalidade e carência como interruptamente reproduzem seres infinitos. Como mal, perpetua a finitude; nele se inscreve e associa-se à morte. A relação do sexo com a morte e a procriação fez com que o cristianismo limitasse a sexualidade à reprodução. O que passasse disso se caracterizava pecaminoso. Visto que o sexo se constituía como a função vital de seres decaídos, quanto menos era feito, menor seria a necessidade sexual e maior a purificação do sujeito (Chaui, 1998: 83-87).
Depois de um histórico de experiências afetivas frustradas, ao realizar cursos, grupos e terapias voltadas à esfera sexual, conduzidas por terapeutas inspirados em Osho, Prakash começou a respeitar a si próprio, olhar internamente e interpretar suas atrações, desejos e vontades sexuais, ações que se tornaram lições e regras de conduta e resultaram em experiências sexuais satisfatórias. “Isso me possibilitou (...) a percepção da importância da energia sexual [e que ela] não está concentrada nos órgãos sexuais. Ela passa o (...) corpo todo. Existe energia sexual num toque (...) que pode ativar a sua sexualidade.” Prakash destacou a massagem tântrica. Por meio dela, aduz, “as pessoas atingem até orgasmos (...), e não é masturbação. A energia sexual circula no seu corpo todo. (...) Ela é energia vital, energia de vida. É uma coisa importante de você ter ativado no seu corpo.” Osho especificou que “sempre que o tantra diz ‘energia sexual’, significa o ‘élan vital’, a própria energia vital. Eles são sinônimos.” (Osho, 1972: s/p).
Ramita, que atua profissionalmente com o tantra e foi discípula de vários mestres, reputa que nenhum deles tratou tão abertamente de sexualidade quanto Osho. Ela lembra que, socialmente, o sexo encerra uma carga de tabus, preconceitos e condicionantes que limitam sua problematização. Somado à falta de educação sexual, nota, abre margem à pornografia, distorção patológica da sexualidade que “está levando as pessoas a um sexo que é violento, cada vez indo mais para um nível de (...) misoginia e de desconexão. Então, o Osho trouxe o sexo para o lugar que ele merece, para o lugar sagrado, que é como o tantra vê.” A partir dos anos 1960, a sexologia se coloca como terapêutica. Desenvolve-se um corpo de especialistas sexólogos, na maioria médicos, defensores da educação sexual. A procura do sexólogo, “médico do prazer”, se beneficia com o aumento da demanda, pelo crescimento do nível de educação e pela vulgarização dos discursos científicos. Tratar publicamente de sexualidade passa a ser tomado como lícito. O orgasmo enquanto condição de saúde plena e de equilíbrio mental torna-se um objetivo (Sohn, 2008: 124-126).
Para Ramita, o sexo torna as pessoas conscientes de sua constituição divina, e não de meros objetos de prazer de outrem; a paixão de viver decorre da vitalidade fornecida pela energia sexual. “A gente tem esse condicionamento de ver o sexo só a partir do genital. (...) As pessoas entendem que conexão com a sexualidade é transar ou masturbar. Mas não é só isso. Primeiro, você tem que saber mover essa energia. [Têm] exercícios de [meditação,] de respirar, de massagem”. A massagem a que Ramita se refere, ressalta, não se aplica nas genitais. “O Osho nunca ensinou essa massagem.”
Quando usa o termo sexualidade, Osho não se refere somente à genitalidade. “O genital é apenas uma minúscula experiência e expressão do sexual. (...) Por sexual quero dizer [que] sempre que seu corpo está vivo, sensual, latejante, pulsante, você está em um estado sexual. Pode não ter nada a ver com os órgãos genitais.” (Osho, 1977c: s/p).
Além da massagem e do toque corporal, Ramita compreendeu que dança e exercícios de respiração movem a energia sexual. Ela descobriu com o Osho que “a sexualidade é muito mais do que o ato sexual (...). É a energia da vida. E se você não se conectar com essa energia, se você reprimir a sua sexualidade, você vai reprimir (...) sua criatividade, o seu poder pessoal, a sua intuição, a sua capacidade de trabalho”. Ela credita ao guru uma transformação à maneira como se concebe hodiernamente o tantra. Em suas experiências sexuais, Ramita se livrou de condicionamentos e inseguranças e suas práticas se tornaram mais profundas e produziram maior êxtase.
Urban considera que os ensinamentos dados por Rajneesh sobre sexualidade e tantra no início dos anos 1970 colaboraram para impulsioná-lo à fama e à controvérsia internacional. Sua filosofia tântrica se constituía em um híbrido de tantra hindu com psicanálise pós-freudiana pela ótica de Wilhelm Reich. Urban destaca que Osho foi o personagem mais importante na transformação moderna do tantra, que o guru divulgou como uma forma de sexualidade espiritual, e a comercializou principalmente para buscadores espirituais europeus e estadunidenses (Urban, 2015: 23).
Ramita confirma que os sannyasins sempre tiveram liberdade sexual, dadas as práticas corporais como danças, massagens, toques e abraços nas dinâmicas, grupos, terapias e trabalhos empreendidos no movimento. “A sexualidade que eu vejo (...) que o Osho trouxe é o tantra, que é conectar com o outro de um lugar mais profundo. Conectar consigo primeiro, nesse lugar mais divino, da essência, e não focar no genital. (...) Você vai ficar mais livre sexualmente.” Após liberar sua energia sexual, Ramita realça que, enfim, se empoderou. Para chegar a esse nível, alega, se faz necessário, às vezes, passar por uma fase de experimentação sexual, comumente vista nos círculos sannyasins. Interpretações sociais também dependem de mediações sensoriais. A configuração dos sentidos e seu desenvolvimento não são somente fisiológicos, mas também sociais. O grupo a que o sujeito adere pode modelar o aprendizado de novas formas sensoriais (Le Breton, 2007: 55).
Swami assinala que, baseado no tantra, o sexo serve como forma de crescimento espiritual. “A gente utiliza uma energia que é poderosa não só para procriar, mas para evoluir, crescer. Isso que é o tantra. O tantra é a utilização da energia sexual para galgar níveis mais altos de consciência.”
Conforme Osho, o tantra aceita o corpo como inocente, puro e sagrado. “Para o tantra, condenar o corpo é um sacrilégio. Dizer que o corpo é impuro ou que o corpo é pecado é um absurdo para o tantra (...). Você pode usá-lo e torná-lo um veículo, um meio, para ir além” (Osho, 1972: s/p). O tantra ensina reverência, amor, respeito, gratidão e cuidado pelo corpo. “Tantra é a religião do corpo. Claro que vai mais alto, mas nunca sai do corpo; está ancorado lá. É a única religião realmente enraizada na terra: ela tem raízes.” (Osho, 1977a: s/p).
Leela manifesta ter aprendido com o Osho, que conheceu na década de 1980, a aceitar sua sexualidade, e constatou que podia sentir prazer com seu corpo sem ter que esperar estar casada. “Fui de uma geração em que sexo era só depois do casamento. O trabalho do Osho vem ponderar (...) que você tem direito de fazer sexo antes”. Ela aprendeu que podia sentir desejo sexual. “Eu não preciso sentir culpa. Eu posso ser ativa sexualmente. Porque a mulher, na minha época, foi ensinada que (...) não tinha direito em ser a ativa no ato sexual.” Na década de 1970, a sexologia determina a necessidade da estimulação clitoridiana para o prazer e se contesta a submissão da mulher a uma sexualidade vaginal e reprodutiva. A masturbação passa a ser assunto de todos e os sexólogos a elencam como requisito para atingir o orgasmo (Sohn, 2008: 124-134).
Além disso, Leela se convenceu que tinha a liberdade de experimentar sexualmente com outros parceiros. “Na minha geração, você namorar várias pessoas, diziam que ninguém iria casar com você. Isso trava a sexualidade. [O] trabalho do Osho foi destravar isso na (...) cabeça da minha geração. (...) Ele trouxe uma liberdade sexual. Tirou a culpa que o catolicismo trouxe”. Ranga conheceu Osho quando tinha um relacionamento conturbado. Ela reconheceu que não precisava de uma certificação de validade para ratificar uma relação e expressar o significado do amor nela envolvido.
A repressão sexual da Igreja católica ocorreu, historicamente, no meticuloso controle do ato sexual e do corpo feminino, pretensamente justificada, conjuntamente, por motivações anatômicas, fisiológicas, teológicas e jurídicas (Chaui, 1998: 99). O século XX registra, também, a dissociação peremptória entre sexualidade e reprodução, assim como da sexualidade controlada pelo casamento. A partir da década de 1960, estudantes protagonizam a teorização sobre a liberdade sexual, descontentes com as experiências restritas à harmonia conjugal, e exigem o direito de satisfazer, sem culpas, seus desejos e pulsões sexuais. Com os acontecimentos do século XX ligados à liberalização dos costumes, as mulheres, que tiveram seus corpos historicamente atingidos pelo controle coletivo, conseguiram, pela primeira vez, controlar a própria fecundidade e tiveram acesso ao prazer sem correr perigo. Contudo, não se pode confundir liberação dos costumes com libertação das mulheres. A possibilidade de trocar de parceiros e a aparente liberação das regras da moral tradicional pode dissimular a mesma manipulação histórica das mulheres, visto que a dominação masculina consegue se renovar e progredir disfarçada sob a égide da liberdade sexual (Sohn, 2008: 135-154).
Osho contribuiu, avalia Komala, com a libertação feminina e mostrou que ela podia evoluir espiritualmente “fazendo sexo, dando risada alta, dançando, namorando”. Ela sublinha o protagonismo de mulheres em funções eminentes no staff do guru em seus ashrams. Urban contextua que, no momento em que novas formas de feminismo como a segunda onda e o feminismo radical se desenvolviam nos Estados Unidos e na Europa, Rajneesh articulava sua própria visão de libertação das mulheres que atraiu muitas sannyasins ao seu ashram em Pune, nos anos 1970, pela ênfase no poder, no potencial e na autoridade que elas desempenhavam no local. Do ponto de vista de Osho, as mulheres são, em muitos aspectos, superiores aos homens por possuírem maior energia sexual, o que se revela, por exemplo, na capacidade de terem orgasmos múltiplos. Por causa do medo no poder feminino, os homens oprimiram e dominaram as mulheres por milênios. Naquele momento, para o guru, inaugurava-se a era das mulheres, tempo em que o poder feminino, a energia sexual e a autoridade espiritual seriam liberadas após o período de repressão. Ao se observar as funções de liderança e autoridade espiritual no movimento Rajneesh, verifica-se que sua ocupação era predominantemente feminina. A comuna de Rajneeshpuram era, ao menos visivelmente, quase que inteiramente dirigida por mulheres. No período em que o guru se retirou para um voto de silêncio, de abril de 1981 a dezembro de 1984, mulheres atuaram como porta-vozes públicas do movimento (Urban, 2015: 95-96).
Gyanand aprendeu a não condenar o sexo. Nos anos 1980, em um contexto em que a AIDS projetava uma sombra sobre a liberdade sexual (Moulin, 2008: 33), ele recorda a preocupação e o cuidado do Osho em relação à contaminação. “O Osho dava recomendações fortes sobre prevenção. Não eram recomendações banais. (...) Eu morei em comunas do Osho na Alemanha e na Itália. Na Alemanha, a (...) gente morava num prédio. Cada quarto tinha camisinha. Não havia restrições para (...) transar, mas era obrigatória a camisinha.”
Por estimular uma forma de “neotantra” em um tipo de espiritualidade que libertaria seus seguidores da repressão pudica da sociedade moderna, ao integrar o desejo de prazer sensual com a experiência espiritual, Osho ilustra, para Urban (2005: 170), a crença de que a sociedade ocidental reprimiu e negou rigorosamente a sexualidade e que seria necessário, doravante, uma libertação extática da natureza sexual humana. Os discursos dos sannyasins que carregam a sexualidade com os sentimentos de culpa (Prakash e Leela) e condenação (Gyanand), o sexo como pecado (Prakash, Swami e Anand), mal (Swami), perversão (Anand), repressão (Anand e Ramita) e tabu (Ramita), e qualificam o trabalho do Osho com libertação das repressões sexuais (Prakash, Ramita, Leela e Komala) refletem tal crença. Para Chaui (1998: 9-10), as práticas sexuais submeteram-se historicamente a regras, exigências naturais e cerimônias. Ela classifica a repressão sexual como uma série de interdições, permissões, normas, valores e regras firmadas histórica e culturalmente para dominar o exercício da sexualidade, confrontada por sua impetuosidade e periculosidade, interiorizadas nas consciências individuais por regimes sociais como a educação, por exemplo, e, ainda, afugentadas da consciência quando infringidas, por gerarem culpa, dor e sofrimento que se desejam deslembrar ou esconder. Chaui (1998: 182) salienta a repressão como um processo de castração, depreciação, e controle da sexualidade como pecaminosa, imoral e depravada.
O guru do sexo
Rajneesh recebeu da mídia a alcunha de “guru do sexo” com a publicação, nos anos 1960, da obra “Do sexo à supraconsciência” (Urban, 2015: 82). Leela discorda; para ela, Osho nunca incentivou de forma exacerbada a prática sexual, mas estimulou os sannyasins a explorarem sua sexualidade. Nesse sentido, Ramita lembra que Osho se indignava por ser chamado de “guru do sexo”. “Ele é tudo menos o guru do sexo, porque ele quis que a gente fosse além do sexo. Só que ele disse que o sexo é a porta. (...) Ele falava que a gente tinha que liberar essa energia sexual, e tinha que, inclusive, se abrir, transar mesmo com as pessoas (...) dentro da visão tântrica.”
Komala assimila que a classificação de Osho como “guru do sexo” se deve ao modo como ele abordou a sexualidade em um relacionamento. “O Osho falava que a gente tinha três pontos de encontro nos relacionamentos: o encontro mental, o encontro amoroso e o encontro sexual. O sexo era só uma parte disso. (...) Ele pode ser vivido com uma pessoa ou com várias. Tanto faz. Isso traz uma liberdade.”
Para Anand, o título de “guru do sexo” se deve à compreensão de Osho de sacralidade da sexualidade. “Ele achava que você não podia ascender espiritualmente com o sexo reprimido.” Gyanand foi o único a mencionar a orientação de Osho para que, se possível, seus sannyasins transcendessem o sexo. “É o melhor a se fazer, se não for uma repressão para pessoa, se for algo natural.”
Osho (2016: 167) contra-argumentava que parecia que seus críticos não leram outro livro seu senão “Do sexo à supraconsciência” (Osho, 1968). “O livro (...) não é sobre sexo, é sobre supraconsciência (...). Tenho falado às pessoas que é possível ir do sexo à supraconsciência, e elas ficam muito felizes, mas só ouvem ‘do sexo’ e não ouvem ‘para a supraconsciência’.” (Osho, 2016: 168). O guru sustentava que nunca recomendou o sexo livre, mas a sacralidade do sexo. “Publiquei [centenas de] livros, apenas um livro fala sobre sexo. (...) Livros com os quais ninguém se incomodou e apenas um livro relacionado ao sexo – e que também não é a favor do sexo, ele aborda como transformar energia sexual em energia espiritual.” (Osho, 2016: 169, grifo do autor). No entanto, provavelmente, hoje, a maioria das pessoas lembram de Osho como o “guru do sexo” (Urban, 2015: 76).
Significados espirituais na sexualidade e no sexo
Os sannyasins foram questionados se compreendem algum significado espiritual na sexualidade e no sexo. Prakash não identifica separação entre espiritualidade e sexualidade. “Uma espiritualidade que nega a sexualidade é uma falsa espiritualidade. (...) É a espiritualidade [de quem] tem raiva guardada dentro de si, tem intolerância (...), que trata sexo como pecado.”
Ramita também depreende não existir separação. Para ela, se a pessoa quer saber como está a sua espiritualidade, deve olhar para a sua sexualidade. Se a sexualidade “está com muita desconexão, pornografia, violência, é por aí que está a sua espiritualidade.” Todavia afirme que relacionar espiritualidade e sexualidade não seja, hoje, uma novidade, referencia Osho como precursor.
O trabalho de Osho foi uma das principais influências intelectuais sobre o movimento nova era (Urban, 2015: 183-184). Ao mesmo tempo, o corpo difuso da espiritualidade contemporânea habitualmente chamada nova era talvez, sugere Urban, seja a influência que mais penetrou no pensamento do Osho, visto que todas as tendências do movimento nova era que se desenvolveram entre as décadas de 1960 e 1980 foram articuladas por ele em seus discursos (Urban, 2015: 181-183).
A heterogeneidade do movimento dificulta defini-lo sem controvérsias. Embora chamado nova era, não há, nele, nada que seja absolutamente novo. Amaral demarca-o como “a possiblidade de transformar, estilizar, desarranjar ou rearranjar elementos de tradições já existentes e fazer desses elementos metáforas que expressem performaticamente uma determinada visão, em destaque em um determinado momento, e segundo determinados objetivos.” (Amaral, 1999: 47). Tais elementos, não mais restritos aos grupos de origem, recebem extensa diversidade de significados e são usados para variados propósitos (Amaral, 1999: 47).
Leela exalta o sexo como o maior ato espiritual existente. “Quando o sexo e o coração se encontram, essa fusão é uma explosão de espiritualidade muito grande [e] uma elevação”. Swami não restringe a espiritualidade à sexualidade e ao sexo. “Essa é a grande mudança de percepção que eu tive com o Osho, (...) que é olhar que tudo é divino, tudo é espiritual. Eu descobri que existem técnicas de utilização da energia sexual para (...) evolução de consciência. Aí (...) eu percebi (...) que o sexo é totalmente espiritual.” Alcançar a “totalidade”, definida como “holismo”, se encontra entre as preocupações basilares do movimento nova era. No seu contexto, o holismo não se restringe a uma teoria ou visão de mundo específica, mas suas variações se opõem e tentam evitar ou substituir o dualismo que distingue espírito e matéria e o reducionismo que, entre suas diferentes formas, reduz o espírito à matéria. O holismo que atra vessa a nova era vai da preocupação com a saúde holística à conquista da consciência unitiva (Hanegraaff, 1996: 119).
Anand reforça que encara o sexo como sagrado.
Normalmente, a ideia de sexo (...) é tirar prazer do outro; a gente quer gozar. Então, a gente usa o outro para a nossa satisfação. (...) No tantra isso é diferente (...). Você quer dar o que tem de melhor em você para o outro (...). Você tem um respeito pelo corpo do outro. É um ser divino que está ali, num momento íntimo com você. (Anand)
Ranga pontua ter identificado com Rajneesh que o momento do orgasmo se constitui em uma pequena iluminação, porém fugaz. Samadhi complementa que “na hora que a gente sente o orgasmo, existe um desfazer-se [e] um integrar-se”. Osho assegura que “se você atingir uma experiência orgástica, lhe dará um vislumbre do que é meditação” (Osho, 1985c: s/p).
A relação entre sexualidade e espiritualidade permite, compreende Gyanand, conectar-se com a amorosidade, a presença e a sensibilidade. Ele relaciona, a partir de Rajneesh, a sexualidade com a meditação.
A sexualidade pode ser uma oportunidade de vivenciar essa presença que a meditação busca. Não é uma técnica de meditação, mas se torna uma potencial vivência de meditação, de presença, de fluidez ou de estar no aqui e agora e se soltar no aqui e agora. Esse se soltar é (...) a presença, mas com um campo de liberdade, a expressão que surge a partir da presença. Uma sexualidade travada já não faz parte da abordagem do Osho. Por isso existem tantas técnicas ativas. O resultado delas é soltura. Isso também vai se apresentar na relação sexual. (Gyanand)
Uma das definições do trabalho e da ética de Rajneesh se constitui em aliar a energia sexual com a meditação. “No momento em que você chega a uma explosão orgástica, seus pensamentos desaparecem – o tempo para. (...) Você se fundiu no outro, não é mais um ego. E essas são as qualidades da meditação: sem ego, sem tempo, sem pensamento – apenas consciência pura e uma fusão no todo.” (Osho, 1986c: s/p). Komala foi a única sannyasin a não extrair um significado espiritual na sexualidade e no sexo, mesmo que acredite existir certa relação. Ela circunscreve sua interpretação do orgasmo a uma liberação de energia benéfica ao corpo.
Com a contracultura e a liberação sexual dos anos 1960, em um tempo de novo interesse em religiões alternativas não ocidentais, mas orientais, despertou-se um renovado interesse espiritual no tantrismo, que atingiu a cultura pop ocidental e ampliou sua presença no imaginário ocidental ao celebrar positivamente o corpo humano, a sexualidade e o êxtase sensual. A junção tântrica de espiritualidade com sensualidade, e de transcendência sobrenatural com êxtase mundano, representavam a essência de muitos movimentos florescentes da nova era (Urban, 2000: 280).
Além de sua forma peculiar de neotantra, a influência de Osho persistiu e se alastra no campo eclético das crenças e práticas espirituais classificadas como nova era. Sua associação de materialismo com espiritualismo, e entre o transcendente e o comercial, se faz presente em toda a literatura da nova era (Urban, 2015: 24). Osho (1986b) criticou o movimento nova era como uma moda passageira e disse que não fazia parte dele nem de nenhum movimento. De fato, muitos sujeitos e grupos tidos como integrantes do movimento nova era não se veem enquanto tais e, inclusive, rejeitam tal rotulação (D’Andrea, 2000: 10).
Embora vinculada a uma “nova consciência religiosa” e uma “espiritualidade sem religião” (D’Andrea, 2000: 10), mais do que uma religião ou movimento, a nova era está relacionada a um processo de tradução religiosa das tendências individualizantes (no sentimento de divindade interior e de autoaperfeiçoamento), reflexivistas (reconsiderações sobre autoidentidade, referências existenciais, projeto de vida, comportamentos, autocultivo e desenvolvimento espiritual) e globalizantes da alta modernidade. Ela se constitui na própria modernidade que se move para dentro do campo religioso e o problematiza, altera, transforma, elimina e readapta formas religiosas (D’Andrea, 2000: 32).
Os sannyasins entrevistados materializam tendências individualizantes e reflexivistas ao expressarem, respectivamente, que a sexualidade os torna conscientes de sua constituição divina (Ramita), que a energia sexual coopera para a evolução da consciência (Swami), que a intimidade sexual se compartilha com outro ser que se configura divino (Anand), de que tudo se constitui divino (Swami); a negação do corpo pelas religiões (Swami), a compreensão do corpo como templo (Ramita, Swami, Anand e Prem), lugar sagrado (Anand), a integração do corpo à espiritualidade (Ramita, Leela e Anand), o cuidado com o corpo (Swami e Anand), a aceitação corporal (Komala), a superação de padrões estabelecidos socialmente e fobias (Komala), as relações conjugais (Ranga), o desvenci lhar de uma educação castradora e limitadora (Prakash), o conhecimento corporal (Leela), a culpa pelo pecado (Prakash) ou pelo sexo (Leela), a condenação sexual (Gyanand), a repressão sexual (Ramita), os bloqueios sexuais, a dificuldade de sentir liberdade e prazer sexual (Prakash), a desvinculação do sexo com pecado (Swami e Anand), a naturalidade do sexo (Swami), a aceitação, a experimentação e o desfrute da sexualidade (Leela), a energia sexual (Prakash. Ramita e Swami), o sexo como sagrado (Ramita e Anand), o empoderamento (Ramita), a liberdade sexual (Leela), a transcendência do sexo (Gyanand), e a compreensão quase unânime do significado espiritual da sexualidade e do sexo.
Na lógica da nova era há primazia da experiência sobre as ideias. Participar de experiências espirituais ou religiosas não requer conversão ou afirmação de crenças particulares. Regras, normas e conceitos são substituídos por “técnicas”, “arte” e variadas “práticas” (Amaral, 1999: 73-74). Os sannyasins destacam, entre as experiências, atividades físicas e alimentação saudável para sustentação do corpo e espírito (Komala); meditações e grupos de trabalho para ter consciência corporal (Prem e Ranga); meditação para expandir sensações (Samadhi); meditação para vivenciar plenamente o momento presente (Gyanand); exercícios de ioga para percepção sensorial (Prakash); realização de cursos, grupos e terapias para expressão corporal (Prakash); dança (Komala e Ramita); dinâmicas corporais com toques e abraços para se conectar com o outro (Ramita); desinibição corporal (Samadhi); exercícios de respiração caótica para liberar raiva e medo, superar a resistência ante a nudez e alterar condutas sexuais (Prakash); técnicas ativas para destravar a sexualidade (Gyanand); exploração da sexualidade individual (Leela); exercícios de respiração (Prakash e Ramita), meditação (Ramita), ioga (Prakash), experimentação sexual (Ramita), e massagem tântrica (Prakash e Ramita) para mover a energia sexual; técnicas de utilização da energia sexual para evolução de consciência (Swami); prática sexual para evolução (Komala) e crescimento espiritual (Swami); e o orgasmo como vislumbre da iluminação (Ranga e Samadhi).
Considerações finais
Conforme o tipo de modelo de guru descrito por Barth (2000: 144-149), Osho estabeleceu uma relação de conhecimento com seus sannyasins ao acumular saberes para a formação de um cosmopolitis mo intelectual e, como educador, em um trabalho de reprodução ativa e intencional de forma sistemática e permanente, transmiti-los pelo ensino e instrução para formá-los de acordo com seu ideal de “Zorba, o Buda”.
Observamos em Osho, como parte do projeto do guru (Barth, 2000: 150), que seus adeptos são estimulados a desenvolverem uma preocupação com o seu aprimoramento e com um ideal ou concepção de si segundo a imagem dos ensinamentos recolhidos. Seus sannyasins empreendem práticas de cuidado e produção de si e de uma teoria do vivido através da sistematização dos conhecimentos vindos de Osho, e constroem sentidos singulares sobre o corpo, a sexualidade e o sexo, e a espiritualidade.
Ao longo do sannyas, de um corpo afetado por padrões e fobias socialmente estabelecidos, negado e dividido da mente e da alma/espírito pela sociedade e pelas religiões, que não podia ser tocado, repositório de culpa e pecado, a partir da realização de trabalhos terapêuticos de expressão corporal e em grupos, os sannyasins passaram a aceitá-lo, respeitá-lo, cuidá-lo, reverenciá-lo e compreendê-lo intrínseco à espiritualidade, uma casa e um templo sagrado; apreciá-lo com atenção, amor, carinho, consideração, cuidado, respeito e valorização, e experienciar a liberação corporal.
Entre as práticas atreladas ao corpo que se destacam no sannyas, a meditação propiciou desenvolverem consciência corporal funcional, sentimental e habilidades sensoriais em perspectiva holística, como expansões sensitivas, compreensão da geração de energia potencializadora das capacidades artístico-corporais e da unicidade de todos os elementos do corpo.
Predomina entre os sannyasins uma compreensão de sintonia, equilíbrio e indivisibilidade entre materialismo/dade e espiritualismo; totalidade material-espiritual. Os que se avaliam espiritualistas pensam o corpo matéria-instrumento integrado à espiritualidade e à transformação do ser; ser composto por mente, corpo e espírito indivisos.
Na sexualidade e no sexo, dos condicionamentos, preconceitos e tabus que carrega, da falta de educação sexual, da repressão, da restrição ao genital, dos bloqueios com toques corporais e práticas sexuais, das experiências afetivas frustradas, do sentimento de culpa e de práticas pecaminosas, da inibição corporal e da dificuldade de vivenciar o prazer, a partir da realização de cursos, grupos e terapias voltadas à sexualidade e ao sexo, os sannyasins passaram a naturalizar o sexo, não condená-lo, desvinculá-lo da noção de pecado e associá-lo ao sagrado, à conscientização da constituição divina dos seres, interpretar suas atrações, desejos e vontades sexuais, e sentirem a energia sexual – enquanto energia vital – presente em todo o corpo. Sannyasins mulheres passaram a aceitar sua sexualidade, conhecerem, explorarem seus corpos e serem ativas sexualmente, sentirem prazer sem culpa, fora das convenções do casamento e com diferentes parceiros, liberdade sexual e evolução espiritual através do sexo.
Entre as práticas atreladas à sexualidade e ao sexo que se destacam no sannyas, o tantra – principalmente, e como forma de crescimento espiritual – e exercícios meditativos, de respiração, toques corporais e danças, serviram para liberar a energia sexual, libertar das repressões, livrar de condicionamentos e inseguranças com a sexualidade, gerar liberdade e experimentações sexuais, profundas conexões com o outro e produzir êxtase.
Na lógica do holismo difundida pelo movimento nova era, os sannyasins foram quase unânimes na afirmação da existência de significados espirituais na sexualidade e no sexo ao não desligarem um âmbito do outro, ao julgar enganosa uma espiritualidade que nega a sexualidade, ao assumir a sexualidade como reflexo da espiritualidade, o sexo como completamente – e o maior ato – espiritual, e a junção dos dois âmbitos como um contributo para a evolução da consciência. Os sannyasins expressam, ainda, tendências individualizantes, reflexivistas, e a predileção por experiências em detrimento das ideias típicas da nova era.
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Notas
Autor notes