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A presença do double bind no discurso de Jair Bolsonaro: estratégia, incompetência ou insanidade?

La presencia del doble vínculo en el discurso de Jair Bolsonaro: ¿estrategia, incompetencia o locura?

The presence of the double bind in Jair Bolsonaro’s speech: strategy, incompetence or insanity?

Klondy Lúcia de Oliveira Agra
Universidade Federal de Rondônia, Brasil

A presença do double bind no discurso de Jair Bolsonaro: estratégia, incompetência ou insanidade?

Revista Tramas y Redes, núm. 3, pp. 243-268, 2022

Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales

Recepción: 25 Enero 2022

Aprobación: 14 Julio 2022

Resumo: O discurso do Presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, feito no dia 07 de setembro de 2021 para seus apoiadores na cidade de São Paulo/SP — Brasil é o objeto deste artigo que tem por finalidade observar a presença do double bind (dupla mensagem ou duplo vínculo). O método utilizado para a pesquisa foi o qualitativo, com a observação e análise desse discurso para apontar como se apresentam essas duplas mensagens e objetivos de seu uso. A pesquisa contou com o apoio teórico de Bateson (1976), Epstein (1993), Watzlawick et al. (1973), Winkin (1981) e outros teóricos que utilizam a teoria do duplo vínculo. Com a análise, observa-se na fala de um presidente, na qual espera-se univocidade, o uso constante do double bind, provocando a equivocidade, o qual pode ser uma estratégia para aumentar sua esfera do poder.

Palavras-chave: discurso, presidente do Brasil, paradoxos, jogo do poder, duplo vínculo.

Resumen: El discurso del presidente de la República Federativa de Brasil, Jair Messias Bolsonaro, realizado el 7 de septiembre de 2021 a sus simpatizantes en la ciudad de San Pablo/SP, Brasil es el objeto de este artículo, que tiene como propósito observar la presencia del doble vínculo. El método utilizado para la investigación fue cualitativo, con la observación y análisis de este discurso para señalar cómo se presentan estos dobles mensajes y objetivos de su uso. La investigación contó con el apoyo teórico de Bateson (1976), Epstein (1993), Watzlawick et al. (1973), Winkin (1981) y otros teóricos que utilizan la teoría del doble vínculo. Con el análisis se observa en el discurso de un presidente, en el que se espera la univocidad, el uso constante del doble vínculo, lo cual puede ser una estrategia para incrementar su esfera de poder.

Palabras clave: discurso, presidente de Brasil, paradojas, juego de poder, doble vínculo.

Abstract: The speech of the president of the Federative Republic of Brazil, Jair Messias Bolsonaro, made on September 7, 2021 to his supporters in the city of São Paulo/SP, Brazil is the object of this article, which aims to observe the presence of the double bind. The method used for the research was qualitative, with the observation and analysis of this discourse to point out how these double messages and objectives of their use are presented. The research had theoretical support from Bateson (1976), Epstein (1993), Watzlawick et al. (1973), Winkin (1981), and other theorists who use the double bind theory. With the analysis, it is observed in the speech of a president, in which univocity is expected, the constant use of the double bind, which can be a strategy to increase his sphere of power.

Keywords: speech, Brazilian president, paradoxes, play of power, double bind.

Introdução

A data festiva 07 de setembro lembra aos brasileiros o dia histórico da independência do Brasil, uma celebração realizada desde o ano de 1822, quando transcorreu o processo de independência, capitaneado pela elite política que circundava a figura do imperador D. Pedro I.

Durante a pandemia do Coronavírus, com mais de 580 mil mortes no Brasil, o Presidente Jair Bolsonaro, eleito em 2018, por um processo democrático, achou por bem reunir seus correligionários na capital federal do Brasil e nas principais unidades federativas, com incentivo do não uso de máscaras e/ou distanciamento social para comprovar sua força política e, assim, proferir discursos acalorados que conduzem à antidemocracia, à desordem, ao desrespeito à constituição brasileira e a crises institucionais.

Embora ambos discursos (o de Brasília e o de São Paulo) tenham repercutido em todo o mundo, o objeto deste estudo é o discurso proferido na cidade de São Paulo, com o objetivo principal de analisar, sob o olhar da Geografia Cultural e com auxílio da Análise do Discurso, a presença ou não do duplo vínculo (double bind).

A análise do discurso e a presença do duplo vínculo interessa a geografia porque a geografia preocupa-se com todos os vieses que ocupam a terra: o homem, seus sentidos, representações e suas paisagens culturais.

O discurso, neste estudo, é compreendido como um processo de articulação entre o domínio linguístico e o campo social. Reconhece-se, portanto, o discurso como o espaço onde a ideologia se manifesta e se materializa, produzindo sentidos para e entre seus sujeitos. Por isso, o discurso aqui é visto como uma ferramenta importante, tanto para os que querem implantar o medo e a insegurança, como para aqueles que querem resistir a qualquer forma de ditadura ou desmonte da máquina pública.

O double bind é uma expressão criada pelo antropólogo Bateson na década de cinquenta, e que tem sido traduzida por “duplo vínculo” ou “dupla mensagem”. Responsável não só pelos impasses vivenciais dos doentes mentais, mas também pelos impasses das instituições políticas, independente das ideologias que as alimentam, ou dos regimes que lhes deem suporte (Osório, 1977).

A teoria do duplo vínculo realiza uma convergência interdisciplinar entre duas constelações aparentemente muito distantes do espaço do saber da ciência: a teoria dos tipos lógicos de Russel e a psiquiatria (Winkin, 1981).

É importante notar que a esquizofrenia será vista neste estudo não como uma doença mental, mas como um padrão de comunicação defensivo, o que comumente chama-se de esquizofrenês, causada pela recorrência da situação do duplo vínculo. “A esquizofrenês é vista como uma linguagem que deixa o ouvinte fazer a escolha entre muitos significados possíveis, os quais não só são diferentes, mas podem ser mutuamente incompatíveis […]” (Watzlawick et al., 1973).

Justifica-se este estudo por observar, nos três anos de governo do Presidente Jair Messias Bolsonaro, discursos repletos de paradoxos que lembram pessoas que se encontram encurraladas e que por isso utilizam respostas defensivas na comunicação para confundir o literal com o metafórico.

Ademais, em tempos conturbados como o que o mundo vem enfrentando com fake news e propagandas de ódio contra direitos humanos, leis afirmativas, vacinas e outros temas relevantes torna-se necessário ouvir e analisar discursos e posições que têm o objetivo final de desestruturar a sociedade.

Para a elaboração deste estudo, utilizou-se teóricos que debatem sobre paradoxos lógicos semânticos e pragmáticos, o duplo vínculo e a comunicação humana (Epstein, 1993; Bateson, 1976; Watzlawick et al., 1973, Winkin, 1981; entre outros).

Discute-se, através da análise do discurso objeto de pesquisa, sobre o poder, o sentido da contradição, a racionalidade e irracionalidade do exercício do poder, o poder na política para finalmente observar a presença ou não do duplo vínculo (double bind) nas falas de Jair Bolsonaro no discurso do dia 07 de setembro de 2021.

O discurso e a construção do sentido

Com base na confluência de três grandes áreas do conhecimento científico (a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise), a Análise do Discurso (AD) fundamenta-se como o estudo da linguagem enquanto “lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade” (Brandão, 1997 [1991]).

Foucault (1986) chama “discurso” a “um conjunto de enunciados que se apoiem na mesma formação discursiva” e complementa que o papel do locutor enquanto sujeito do discurso não necessita ser concebido como idêntico ao autor da formulação. Ainda, segundo Foucault (1986), “descrever uma formulação enquanto enunciado não consiste em analisar as relações entre o autor e o que ele diz (ou quis dizer, ou disse sem querer), mas em determinar qual é a posição que pode ou deve ocupar todo indivíduo para ser o seu sujeito”. Vê-se que na fala o sujeito apropria-se — ou não — de um objeto histórico e simbólico — o discurso do outro — para exercer as funções de sujeito, de autor em meio à textualidade já existente, que organiza, administra e constrói as suas instituições através de processos discursivos próprios.

Observa-se, também, que o discurso é concebido como uma dispersão em, pelo menos, dois aspectos: no sentido de um conjunto de enunciados que, apesar de não ligados por princípios de unidade, possuem certas regularidades e na rejeição de uma concepção unificante do sujeito, uma vez que este se apresenta como “uma função vazia, um espaço a ser preenchido por diferentes indivíduos” (Brandão, 1997 [1991]). Em outras palavras, o sentido não pode ser considerado como próprio a um determinado enunciado, independente do contexto e das condições sócio históricas em que foi produzido ou do sujeito que o proferiu. Segundo Orlandi (2000 [1999]), “as palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam”.

De acordo Althusser, a ideologia expressa “sempre, qualquer que seja sua forma (religiosa, moral, jurídica, política), posições de classe” (1988 [1985], p. 82) e, dessa forma, busca, por meio de aparelhos repressivos e ideológicos reguladores das práticas dos indivíduos que formam uma sociedade, a perpetuação ou a reprodução das relações de produção/exploração.

Para tanto, a ideologia interpela indivíduos como sujeitos, isto é, a fim de assegurar seu funcionamento, ela promove o assujeitamento do sujeito enquanto sujeito ideológico que, com a impressão de estar exercendo sua própria vontade, acaba sendo conduzido por ela. A ideologia caracteriza-se, enfim, por sua dissimulação no interior de seu próprio funcionamento, colaborando na constituição do sujeito e na produção dos sentidos.

Considerando as ideias althusserianas e os conceitos de Foucault acerca do discurso e da formação discursiva, Pêcheux (Pêcheux e Fuchs, 2001 [1975-1988]) elabora suas próprias noções de formação discursiva (FD) e formação ideológica (FI). Formada a partir de condições de produção (CP) específicas, uma FD, determina tudo “o que pode e deve ser dito” pelos falantes de uma língua em uma dada formação ideológica que, por sua vez, define-se como um elemento

[…] suscetível de intervir como uma força em confronto com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social em dado momento; desse modo, cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem “individuais” nem “universais”, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras. (Pêcheux e Fuchs, 2001 [1975-1988], p. 166)

A ausência de delimitações precisas entre as fronteiras que separam uma FD de outra(s) faz com que elas apresentem, muitas vezes, conflitos dentro delas mesmas e entre si. Esta inscrição entre diversas FDs acontece exatamente pelas formações ideológicas que as circundam e as abrangem. Em outras palavras, são as FIs que, constituídas pela interligação de diferentes FDs, possibilitam que um determinado sentido seja apreendido e não outro.

Além disso, para que a reprodução das relações de produção seja efetiva, as FIs fazem uso de mecanismos de interpelação ou de assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico. Um sujeito cria sentidos a respeito de uma determinada palavra ou ideia a partir das FDs que o constituem e das posições ideológicas que ele assume no processo sócio histórico em que esta palavra ou ideia foi produzida.

Na articulação destas teorias percebe-se, ainda em Pêcheux (Pêcheux e Fuchs, 2001 [1975-1988]), que o discurso, governado por FIs diversas, é entendido como uma estrutura na qual surgem os acontecimentos, ou seja, baseando-se na opacidade da linguagem, ele é construído dentro de uma conjuntura sócio histórica, evocando memórias e sentidos já produzidos em outros lugares, por outros sujeitos e em outros momentos.

Atravessado pela dispersão do sujeito, o discurso se define, devido às contradições de classe nele presentes, como heterogêneo, apesar de buscar, sempre, certa homogeneidade discursiva, transparência e imutabilidade em sentidos sobre os quais atuam diversos mecanismos ideológicos para que efeitos de naturalidade sejam obtidos.

Sem se dar conta da possibilidade de passagem de uma FD a outra, da heterogeneidade que se inscreve no seu discurso, o sujeito tem a ilusão de ser o “dono” do seu discurso, capaz de marcar exatamente o que é seu e o que é do outro. Ele não percebe que este Outro está, invariavelmente, sempre presente em seu discurso, constituindo-o. Assim, ele “pensa controlar a própria ideologia, quando, na realidade, ele contribui significativamente para a perpetuação da luta de classes que serve aos propósitos da ideologia” (Dugaich, 1993).

A palavra possui dessa forma, um caráter plurivalente. Segue-se que, assim como a língua, o sujeito também é construído histórico, social e ideologicamente: o sujeito se constitui ouvindo e assimilando as palavras e os discursos do outro (sua mãe, seu pai, seus colegas, seus professores, sua comunidade etc.), fazendo com que estas palavras e discursos sejam processados de forma que se tornem, em parte, as palavras do sujeito e, em parte, as palavras do outro (Menezes de Souza, 1995).

Este é o princípio do dialogismo (condição constitutiva do sentido), em que tudo o que é dito pressupõe um Outro: toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão, antecipa-as (Bakhtin e Volochinov, 1999).

Dessa forma, o sujeito nunca detém a origem do seu dizer e só pode ser concebido, só se percebe nas relações que o ligam ao Outro: o Outro é considerado constitutivo de seu discurso. Uma vez imbricado em seu meio social e permeado e constituído pelos discursos que o circundam, o sujeito está sempre em conflito, nunca em harmonia. É, portanto, um sujeito híbrido, uma arena de conflito e confrontação dos vários discursos que o constituem, sendo que cada um desses discursos, ao confrontar-se com os outros, visa a exercer uma hegemonia sobre eles (Menezes de Souza, 1995).

O princípio do dialogismo e a heterogeneidade discursiva, produzida pela dispersão do sujeito e pelo deslocamento das FDs “conforme os embates da luta ideológica” (Brandão, 1997 [1991]), remetem-nos ao conceito de interdiscurso que, postulado por Pêcheux (Pêcheux e Fuchs, 2001 [1975-1988]), colabora na definição das FDs. Segundo este autor, um discurso é o resultado da relação/diálogo que mantém com outros discursos, não existindo o chamado “discurso puro”.

Em seu primado sobre o discurso, o interdiscurso procura ouvir o “não-dito” naquilo que é dito. Pêcheux (Pêcheux e Fuchs, 2001 [1975-1988]) contribui para esta discussão afirmando que o interdiscurso é afetado pelo esquecimento, melhor dizendo, por dois tipos de esquecimentos. O primeiro é o da instância ideológica, o qual cria, no sujeito, uma ilusão constitutiva, aquela de que ele é a origem do seu dizer: que o que ele diz é novo, nunca fora dito antes. De natureza inconsciente, este tipo de esquecimento configura o próprio processo de interpelação do sujeito.

O esquecimento número dois é o da ordem da enunciação, o qual estabelece que não existe uma forma única para o dizer, que sempre pode ser dito de outra maneira, sempre pode ser outro. Assim, por saber que o que diz pode ser interpretado e compreendido de diversas maneiras (pela própria inclusão do Outro em seu discurso), enfim, por não se constituir como a fonte do sentido, o sujeito conscientemente reformula seu dizer, na tentativa de expressar suas ideias mais adequadamente, da forma mais precisa possível.

Esses esquecimentos são, contudo, necessários para que os sujeitos funcionem e os sentidos sejam produzidos. Podemos, então, dizer que sujeitos e sentidos significam na medida em que retomam palavras e expressões já-ditas e, ao conferir-lhes novas interpretações, proporcionam também um eterno movimento ao processo de significação.

Pierre-Yves Raccah (2002) faz digressões sobre o que se pode ver e como se pode ver as coisas, fazendo-nos reafirmar a teoria de que o sentido de um enunciado não é percebido, é construído, ou seja, a interpretação se dá com o conhecimento do contexto e do cenário. Raccah (2002) exemplifica sua teoria e conclui:

[…] cada enunciado, por mais que utilize as mesmas palavras, evoca pontos de vista que pertencem à cultura de uma comunidade linguística, ou melhor da comunidade linguística a que pertence o falante. Assim, vê-se indiretamente o papel das representações coletivas na construção de uma realidade que constitui o objeto do discurso. Assim, em vez de se pretender descrever o significado como núcleo lógico de um sentido subjetivo, convém considerar o significado como instrução (objetiva) para a construção do sentido (subjetivo). (Raccah, 2002, minha tradução1)

Situando um dos objetivos deste estudo, analisar o discurso de Jair Messias Bolsonaro, observa-se a teoria de Raccah e o seguinte pensamento:

Desta maneira, vê-se o falante como um manipulador que, utilizando sua língua como ferramenta, empurra (ou tenta empurrar) o ouvinte a construir um sentido subjetivo, que o próprio falante só pode vislumbrar, mais ou menos, em função do seu conhecimento da subjetividade do ouvinte. (Raccah, 2002, minha tradução2)

Observa-se, então, que Jair Bolsonaro, ao pensar candidatar-se presidente do Brasil, ao acompanhar o cenário nacional e a insatisfação do povo com a descrição política que a mídia fazia dos governantes e a força ideológica de direita vinda fortemente dos Estados Unidos, com declarações vistas como preconceituosas, homofobias e racistas do Presidente Donald Trump e sua eleição em 2016. E ainda, orientado por pessoas com forte ideologia de extrema direita, modifica e/ou fortifica seus valores culturais, gerando impressões destes valores em sua mente, o que lhe torna possível um construto cultural compartilhado que o leva a representações subjetivas, pessoais, sobre as pessoas e a cultura de seu próprio país.

Assim, ao analisar o discurso objeto deste estudo, se levou em conta que os sentidos culturalmente construídos por ele antes mesmo de sua campanha eleitoral, por meios de comunicação que privilegiam além das palavras, as imagens, tiveram também, importante papel na construção do jogo discursivo.

Isto porque, antes de ele tentar criar sentidos em seus eleitores, também através de diferentes mídias, ele criou sentidos a respeito de uma determinada palavra ou ideia a partir das FDs que o constituem e das posições ideológicas que ele assume no processo sócio histórico em que esta palavra ou ideia foi produzida. Além disso, nas diversas mídias que, também, privilegiam a cena em detrimento da simples narrativa ou do sumário, tudo é visto e mostrado a partir da sua perspectiva, de seu ângulo de visão.

Dessa maneira, pode-se dizer que a história é construída, reconstruída e, até mesmo, desconstruída a partir de um recorte. O Presidente do Brasil, eleito em 2018, ainda em campanha, com sentidos construídos (em sua família, escola, no curto período que esteve na vida militar, nos 28 anos de política etc.) mostrou aos eleitores a sua versão dos fatos, construindo a sua história sobre a nação.

O poder e o sentido da contradição

De acordo com Weber (1944), o poder significa a probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social, mesmo contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade. Já para Hobbes (1952), o poder de um homem consiste nos meios de que dispõe para alcançar alguma vantagem futura.

Em toda enunciação, há o emissor e o receptor ou o agente e paciente desse poder. De acordo com Epstein (1993), a palavra “poder” é correlata a competência (atual ou potencial) para agir e produzir efeitos nas inter-relações humanas.

A partir do momento no qual a ideia de poder se revestiu de sentido e associou-se ao poder coautor do Estado, sedimentou camadas de significados que foram se superpondo na história (Epstein, 1993, p. 46). De acordo com Lebrun (1981), a palavra poder se revestiu do sentido, a um só tempo, vago e maléfico, que possui em nossa fala cotidiana, e isso graças a deslocamentos conceituais, por vezes surpreendentes.

Isaac Epstein (1993) expõe que a trajetória do poder, após sua hipotética origem na criação do mundo, desce e percola a intimidade do tecido social em todas as suas capilaridades e explica, bem ou mal, todas as outras formas menores de poder do homem/mulher sobre o homem/mulher. E ainda, citando Foucault (1982, pp. 182-184), Epstein complementa:

Segundo Foucault, é preciso estudar o poder colocando-se fora do contexto hobbesiano, do campo circunscrito pela soberania jurídica e pela instituição estatal. O poder deve ser estudado a partir das técnicas e táticas de dominação. Cada luta, diz Foucault, se desenvolve em torno de um foco particular de poder, um destes focos pode ser um pequeno chefe, um guarda, um diretor de prisão, um juiz. Um responsável sindical, um redator-chefe de um jornal. (Epstein, 1993, p. 48)

De acordo com Jouvenel (1972), a condição necessária e suficiente para que haja poder é que ele comanda e é obedecido: sua essência é o comando. Portanto, em se tratando de quem se apropria do poder, sempre sua enunciação é uma ordem, que pode ou não ser obedecida. Se obedecida dá ao emissor/agente a garantia da ordem, caso contrário, são vistos como eventos radicais e recebem o nome de revoluções.

No entanto, no jogo da linguagem, de acordo com Wittgenstein (1956), a contradição de uma ordem pode produzir perplexidade e indecisão e é esta a finalidade dessa contradição, já que na contradição não há sentido, ou seja, o sentido da contradição foi adquirido através da mudança de sentido.

Diferenças entre ausência ou presença de sentido nas contradições demanda falar sobre os diferentes paradoxos (contradições) presentes em diferentes falas ou discursos de comando: lógicos, semânticos ou pragmáticos.

De acordo com Epstein (1993), antinomias, aporias, contradições e paradoxos são termos que podem ser diferenciados segundo alguns critérios; conservam, no entanto, como traço semântico comum, a característica de conterem uma dificuldade de caráter lógico, aparentemente intransponível, mas atrás dessas diferenciações subsiste, comum a todos, o conteúdo de um choque de significações opostas, dentro de um quadro de referência.

Enquanto os paradoxos lógicos têm sido, por séculos, de grande interesse para filósofos, lógicos e matemáticos incentivando a ciência e trazendo resoluções a problemas diversos, como paradoxos encontradiços em sistemas formalizados porque consistem em contradições que seguem a dedução correta de premissas consistentes, os paradoxos semânticos consistem em comunicações que envolvem mensagens conflitantes.

Epstein (1993) dá um exemplo do paradoxo semântico na afirmação: “Estou mentindo”. De acordo com esse autor, no plano objetivo a afirmação comunica que a pessoa que fala está mentindo. Num nível meta, complementa ele, deve-se concluir que se a pessoa está realmente mentindo, sendo a afirmação feita no nível objetivo, deverá ser também uma mentira, portanto, uma afirmação falsa. A pessoa que faz a afirmação pode estar mentindo apenas se falar a verdade e somente falará a verdade se estiver mentindo. Isto é uma contradição insolúvel ou um paradoxo. Outro exemplo de paradoxo semântico é um aviso que diz: “Ignore este aviso”. Neste caso o aviso só poderá ser obedecido ou observado se não for ignorado. Ler o aviso, entretanto, viola a injunção para ignorá-lo e assim o leitor se acha preso numa armadilha. Há inúmeros outros exemplos destes paradoxos semânticos, mas apenas outro exemplo será examinado, já que prevê um veículo conveniente para a explicação do paradoxo pragmático.

Watzlavick et al. (1967, p. 194), citam o famoso paradoxo semântico que assim se apresenta: “Numa cidade pequena há um barbeiro que barbeia todos os homens que não se barbeiam”. À primeira vista, a premissa soa suficientemente razoável, até que hesitamos em considerar o “status” do barbeiro. Se faz a própria barba, ele viola a declaração. Ele barbeia um homem que se barbeia. Entretanto, se ele não se barbeia, ainda assim, viola a afirmação. Sob rigorosa dedução deve-se concluir que não existe tal barbeiro. Não pode existir um barbeiro que se barbeia e não se barbeia. Isto seria uma contradição e um absurdo.

Se a afirmação sobre o barbeiro for levemente alterada, o salto ou transição de um paradoxo pragmático podem ser demonstrados. Suponhamos que haja uma situação em que apareçam um oficial comandante e um soldado comum, e que o oficial ordene ao soldado que barbeie todos os soldados que não se barbeiam na companhia. O paradoxo agora torna-se pragmático, desde que o soldado que deve cumprir esta ordem não tem como proceder. Já se demonstrou que não pode haver um barbeiro que se barbeie e não se barbeie, mas certamente haverá uma situação em que um soldado receba uma ordem paradoxal. Não adianta, do ponto de vista do soldado discutir a ordem paradoxal, é impossível ser cumprida. O soldado é impedido, neste exemplo, de discutir com o oficial comandante, pois isto constitui insubordinação e poderá trazer severas consequências. Esta situação caracteriza todas as exigências de uma verdadeira situação duplo-vínculo. Primeiro, há uma relação intensa entre soldado e o oficial comandante e esta relação tem alto valor de sobrevivência para o soldado. Em segundo lugar, o soldado recebe uma ordem paradoxal: barbear todos os soldados que não se barbeiam, o que só pode ser obedecido pela desobediência e vice-versa. Em terceiro lugar, o soldado é impedido de retirar-se desta situação ou metacomunicar a respeito da ordem que lhe foi dada. Se nada for feito, o soldado receberá punição por recusar-se a obedecer a uma ordem superior, e se houver uma tentativa de argumentação acerca do absurdo da ordem haverá o risco de o soldado ser acusado de insubordinação.

Esta consideração de paradoxo moveu-se de um exame de sistemas lógicos e problemas semânticos para situações da vida real, que podem colocar um indivíduo numa situação insustentável, onde não será possível nenhum procedimento razoável.

Paradoxos pragmáticos, tais quais este ilustrado pelo caso do soldado, são mais frequentes na vida diária do que a maioria imagina. Quando as pessoas enfrentam situações para as quais não há resposta correta, as pessoas são também susceptíveis a ansiedades.

Vários exemplos de paradoxos pragmáticos serão apresentados para ilustrar sua natureza e frequência. Um dos mais humorísticos é oferecido por Dan Greenburg (2018, p. 16) em seu livro Manual da mãe judia. Ele escreve: “Dê a seu filho Marvin duas camisas esportivas de presente. A primeira vez que ele vista uma delas, o encare tristemente e diga, em seu tom básico de voz: “O que, não gostaste da outra?”. Marvin naturalmente se sentirá encurralado, porque não faz diferença o usar uma ou outra camisa. Ele não tem saída. A dura realidade desta anedota é que muitos filhos(as) experimentam armadilhas semelhantes com seus próprios pais. Geralmente estes paradoxos pragmáticos são muito mais sutis.

Talvez, o paradoxo mais comum é o “seja espontâneo”. Isto envolve um imperativo ou ordem que exige que a pessoa produza um sentimento ou comportamento que envolva inerentemente uma certa porção de espontaneidade.

Um bom exemplo disso é o marido que diz à esposa: “Eu quero que você queira fazer amor comigo, não apenas realize movimentos”. Se a esposa tenta “querer” fazer amor, ela assim o faz porque isso lhe foi exigido e será recebido pelo marido simplesmente como realizar movimentos. É para essa mulher impossível manufaturar espontaneidade. Ela está perdida se tentar, e perdida se não tentar, e esta é a marca do paradoxo pragmático. Exemplos do paradoxo “seja espontâneo” se encontram na vida diária de quase todas as pessoas. “Não fique triste”, “Não fique deprimido”, “Seja feliz”, “Não se zangue” e afirmações que ditam o que uma pessoa “deve querer” (por exemplo: “Você deve querer ser bem-sucedido”) são todos exemplos comuns do paradoxo pragmático “seja espontâneo”. O problema real surge quando este tipo de comunicação ocorre numa relação intensa, onde aparece a situação double bind (duplo-vínculo).

Os paradoxos pragmáticos, tão presente nas interações sociais, converteu-se numa questão de importância prática para a sanidade dos comunicantes, sejam estes indivíduos, famílias, sociedades ou nações (Watzlawick et al., 1973, p. 176).

Sobre o tema Epstein (1993) comenta que além do paradoxo pragmático conter uma injunção contraditória, é necessário que este comando não possa ser ignorado e com o auxílio da teoria de Watzlawick et al. (1973) declama os ingredientes essenciais do paradoxo pragmático:

O paradoxo pragmático é compreendido como uma ordem contraditória que, em certas circunstâncias, é emitida em dois níveis de linguagem. Esse paradoxo adquire importância nas ciências comportamentais, ao contrário dos paradoxos lógicos e semânticos, acima analisados, cuja importância primordial é do âmbito da lógica e da semântica.

De acordo com Epstein (1993), os primeiros estudos sistemáticos dos efeitos do paradoxo pragmático foram realizados por um grupo de pesquisadores liderados por Gregory Bateson. Sobre o tema, Epstein complementa:

Este trabalho conduziu o grupo à elaboração da teoria do duplo vínculo. Esta pode configurar um poderoso agenciamento do poder, capaz de provocar efeitos patológicos nos pacientes sujeitos a determinados padrões de comunicação e em determinadas circunstâncias. (Epstein, 1993, p. 63)

A situação double bind envolve três condições essenciais: a) uma relação intensa de sobrevivência; b) uma mensagem ou ordem paradoxal; c) inabilidade de recuar ou metacomunicar por parte da pessoa apanhada na situação duplo-vínculo.

Em uma linguagem mais simples, podemos dizer que o duplo vínculo nada mais é que duas mensagens, uma em contraposição à outra, enviadas simultaneamente que, se, por exemplo, for utilizada sempre em uma criança, pode conduzi-la à loucura. Trata-se de uma forma de negar e afirmar algo ao mesmo tempo.

Esse tipo de comunicação paradoxal utilizada na relação duplo-vinculadora ocasionaria primeiramente uma confusão e, a partir daí seu uso contínuo poderia levar até a loucura. É uma forma usada para confundir uma pessoa que recebe esse tipo de mensagem, tornando-a fraca e dependente.

A racionalidade e a irracionalidade do poder no double bind

Como discute-se acima, o poder reflete uma ordem. Mas, como verificar a racionalidade ou irracionalidade desse poder? De acordo com Hobbes (1952), emanada pelo poder não dá lugar para esperar outra razão a não ser a vontade de quem ordena. De onde manifestadamente se segue que quem ordena visa com isso o seu próprio benefício, pois a razão de sua ordem é apenas sua própria vontade, e o objeto próprio da vontade de todo homem é sempre algum benefício para si mesmo. No entanto, a ordem emanada de um emissor/agente racional vem carregada da univocidade, ou seja, o poder racional emite ordens que sejam cumpridas, por isso unívocas.

Enquanto o poder racional fornece ao receptor/paciente uma comunicação transparente e sem duplos entendimentos, o poder irracional emana ordens repletas do duplo vínculo que, ao contrário da univocidade, é o limite máximo da equivocidade: o paradoxo. O uso inconsciente e neurótico desse duplo vínculo, é irracional, mas também pode adquirir a racionalidade quando intencionalmente utilizado, seja como agente terapêutico, seja como esquizofrenógeno.

A própria utilização do esquizofrenês, ordens sem um objetivo fim e que podem levar a confusão e sub entendimentos (intencionalmente ou psicoticamente), apesar de ser um idioleto confuso, ilógico e equívoco, adquire um matiz de racionalidade quando colocada como única saída a um contexto, ele próprio, absurdo e desconexo: o do duplo vínculo.

De acordo com Epstein (1993), uma fala entre o emissor/agente e o receptor/paciente onde o primeiro ordena através do duplo vínculo a uma ação logicamente impossível e o segundo responde em esquizofrenês é uma fala patológica, que pode, em certas condições se tornar terapêutica, no mesmo sentido em que a palavra grega farmacón podia designar, dependendo da dosagem e das circunstâncias da aplicação, tanto remédio quanto veneno.

O emissor/agente esquizofrenógeno tanto pode produzir discursos repletos de double bind (duplo vínculo) tomado por uma síndrome neurótica, não consciente, no seio de uma família, instituição ou mesmo em campanhas políticas, como por interações iniciadas intencionalmente com o propósito deliberado de desestruturar psiquicamente o seu receptor/paciente.

Assim sendo, o duplo vínculo em mensagens emanadas por quem possui o poder, onde envolve o emissor/agente do poder e o receptor/paciente do poder poderá ser visto como disfunção na ótica da racionalidade operacional de uma organização, instituição ou nação, mas que pode corresponder a uma vontade de poder desmedida e exacerbada de um determinado agente/emissor que a custa de seus próprios objetivos e por razões pessoais quer inviabilizar o receptor/paciente.

A contradição presente no discurso paradoxal, repleto de duplo vínculo pode ainda representar uma política intencional de um partido ou de um agente totalitário. Política destinada a enlouquecer os receptores/pacientes menos dóceis e não dispostos a colaborar com seus propósitos. Nesses casos, ocultos nos desempenhos aparentemente irracionais há uma ação intencional para produzir um fim.

O discurso do Presidente do Brasil e a presença do double bind

Jair Messias Bolsonaro, atual Presidente do Brasil, tornou-se conhecido nacionalmente por suas posições nacionalistas e conservadoras, por suas críticas ao comunismo e à esquerda e por declarações controversas. Também saiu do anonimato nacional por defender a ditadura militar no Brasil e por considerar a tortura uma prática legítima. Suas posições políticas geralmente são classificadas como alinhadas aos discursos da extrema-direita.

Sua projeção nacional iniciou com a campanha de impeachment da Presidente Dilma Rousseff com afirmativas falsas e turbulentas e atingiu seu ápice na sessão que autorizou o impeachment de Dilma, em 17 de abril de 2016, com um discurso que causou polêmica e protestos de entidades de defesa dos direitos humanos.

Com um discurso pronto, com a intenção de criar uma polarização na sociedade e construir sentidos moralistas em parte da sociedade, Bolsonaro iniciou sua campanha alinhavada pela pauta moral e com detalhes arrematados de disseminação de ódio. Propagou seus sentidos contrários a ideologia de gênero e ao que ele chama de doutrinação ideológica. Uma luta subjetiva e pessoal construindo sentidos em sua audiência de destruição de jovens e famílias por uma ideologia comunista, começando pelo kit gay, inexistente e muito bem explorado em suas estratégias discursivas.

Na construção de sua imagem, Bolsonaro continuou com seus discursos preparados para intensificar essa polarização partidária e, desse modo, produziu um endurecimento do eleitorado já fragilizado e quase sem perspectivas após o impeachment de uma presidente e de campanhas diversas da mídia com denúncias devastadoras e repetitivas.

Ademais, não só o país ficou cada vez mais dividido em falsos moralistas “homens de bem”, e petistas “comunistas amorais” (de acordo com os discursos de Bolsonaro) com poucos eleitores com pensamento crítico ou com um nível de raciocínio lógico que os permitissem analisar esses discursos, a polaridade se instala e se tornam cada vez mais leais aos seus sentidos — e hostis aos outros.

Em trabalho já publicado intitulado Discursos do Presidente Jair Bolsonaro: Da colonialidade ao duplo vinculo, esta autora já encontrou indícios do duplo vínculo em várias falas de Bolsonaro. Mas, para a elaboração deste estudo, se analisa um único discurso em especial, para verificar a presença de paradoxos que indiquem o duplo vínculo.

O discurso em questão, como explicitado na introdução, feito na cidade de São Paulo, no dia da Independência do Brasil, 07 de setembro de 2021, foi muito comentado e publicado em diversas mídias, não por seu conteúdo ser digno de um Presidente da República em um país democrático, mas sim por estar repleto de incentivos à desobediência e a ditadura.

Já em sua introdução, Bolsonaro apropria-se do nome de Deus, como em toda a sua campanha e faz afirmativas que não condizem em nada com sua prática de vida, seu apoio as armas e incentivo ao preconceito:

São Paulo, minha terra querida, boa tarde! Deus nunca disse para Israel “fica em casa que eu luto por você”. Ele sempre disse “vai à luta que estou com você”. Agradeço a Deus pela minha vida e também a ele que pelas mãos de 60 milhões de pessoas me colocaram nessa missão de conduzir o destino da nossa nação. Hoje nós temos um Presidente da República que acredita em Deus, que respeita os seus militares que defende a família, e deve lealdade ao seu povo… (UOL, 2021, 07 de setembro)

Logo em seguida as elucubrações do Presidente partem para a comunicação ambígua a fim de provocar nos seus ouvintes reações defensivas que refletem a sua linguagem repleta de esquizofrenês, como se observa abaixo:

Não podemos admitir que uma pessoa, um homem apenas, turve a nossa democracia e ameace a nossa liberdade. Dizer a esse indivíduo que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos. Ou melhor, acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha! Deixe de oprimir o povo brasileiro. (UOL, 2021, 07 de setembro)

Ao se referir ao ministro do Supremo Tribunal Federal, órgão guardião da Constituição Federal do Brasil e responsável pelo seu cumprimento, como uma pessoa que está turvando a democracia brasileira, o Presidente Jair Bolsonaro utiliza-se do duplo vínculo na comunicação propositadamente, pois sabe ele que o único a atacar a democracia brasileira tem sido ele próprio durante todo o seu governo e se utiliza do paradoxo pragmático provocando o “dilema do esquizofrênico”, defronta-se com a ideia de desmoralizar uma instituição democrática e ao mesmo tempo se dizer democrático.

Na continuidade de seu discurso, novamente faz uso do duplo vínculo a referir-se a presos políticos:

Nós devemos, sim, eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Dizer a vocês que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda […] de cuidar da tua vida. Ele, para nós, não existe mais. Liberdade para os presos políticos. Fim da censura. Fim da perseguição àqueles conservadores, àqueles que pensam no Brasil…. (UOL, 2021, 07 de setembro)

A Constituição Brasileira protege a liberdade política através de vários dispositivos. Por exemplo, no artigo 5º ela diz que é inviolável a liberdade de consciência. Consciência não é só a crença religiosa, mas a crença em qualquer valor, inclusive políticos, doutrinários e filosóficos. E ela protege não só nosso direito de consciência, mas também o direito de nos exprimirmos sobre esses valores, ao dizer que “é livre a manifestação de pensamento”.

Em seu primeiro artigo a Constituição diz que um dos cinco valores fundamentais de nossa República é a pluralidade política. No artigo 4º, ela diz que em nossas relações internacionais, um de nossos princípios é a concessão de asilo internacional. Asilo é concedido especialmente para perseguidos políticos (e não para meros políticos perseguidos). No artigo 5º, ela diz que “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. E assim vai. Há inúmeros outros dispositivos na Constituição que protegem nossa liberdade política. Logo, não pode haver preso político no Brasil. Por outro lado, nossa Constituição diz no mesmo artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

A Constituição não diz que “todos temos os mesmos direitos” ou que “todos temos as mesmas obrigações” justamente para evitar que alguém alegasse que tem um direito mas não tem uma obrigação. Se todos somos iguais, não importa se somos políticos ou mendigos, devemos carregar os mesmos direitos e as mesmas obrigações “sem distinção de qualquer natureza”.

Em uma sociedade em formação, onde o apelo de adjetivos como “diferenciado”, “top”, “vip” e “exclusivo” ainda tem tanto apelo porque queremos nos achar melhores do que nossos pares, o “sem distinção” estabelecido pela Constituição é importante. Não é porque ocupamos determinado cargo, fomos eleitos por determinado número de pessoas ou mantemos relações com pessoas de determinado partido ou classe social que temos carta branca para agir fora da lei. A Justiça deve tratar todos “sem distinção”. Inclusive políticos.

Desse modo, Bolsonaro, ao pretender levar sua audiência a apoiar seus atos não democráticos, e convencer seus seguidores que é permitido ameaçar as instituições, ameaçar membros do STF (Supremo Tribunal Federal) e defender pessoas presas por ameaçar a vida e a ordem pública, utiliza o duplo vínculo e deixa sua audiência perplexa diante do absurdo da situação, porque o Supremo Tribunal Federal só age se provocado, sempre em defesa da constituição, da democracia e das instituições democráticas e os seguidores de Bolsonaro, ao construírem sentidos confusos com suas afirmativas, agem de acordo com o que ele propõe, a defensiva esquizofrênica.

Daí não fazer sentido a frase “preso político de uma democracia”. Ou é uma democracia ou há preso político. Não há democracia com preso político. E por isso, no Brasil, não há preso político, há sim a possibilidade de políticos presos por atentarem contra a democracia, difamarem o Supremo Tribunal Federal e ao que reza a Constituição Federativa Brasileira.

Na continuidade de sua fala, Bolsonaro traz novamente a contradição presente no discurso paradoxal, repleto de duplo vínculo e declara:

Dizer mais a vocês: nós acreditamos e queremos a democracia. A alma da democracia é o voto. Não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece qualquer segurança por ocasião das eleições. Dizer também que não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável, porque não é. (UOL, 2021, 07 de setembro)

Como a teoria mostra, tais paradoxos podem representar uma política intencional de um agente totalitário. Com política destinada a enlouquecer os receptores/pacientes menos dóceis e não dispostos a colaborar com seus propósitos. Com intenção de, com palavras aparentemente irracionais, produzir um fim. No caso, levar sua audiência a duvidar do próprio sistema que o elegeu. E, numa imitação cabocla de Donald Trump, repete o discurso de duvidar da justiça eleitoral e de juízes. Mais uma vez fazendo uso do discurso com dupla mensagem, afirma:

Não podemos admitir um ministro do Tribunal Superior Eleitoral também usando a sua caneta para desmonetizar páginas que criticam esse sistema de votação. Nós queremos eleições limpas, democráticas, com voto auditável e contagem pública dos votos. Não podemos ter eleições em que pairam dúvidas sobre os eleitores. Nós queremos eleições limpas, auditáveis e com contagem pública dos mesmos. Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada ainda pelo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. (UOL, 2021, 07 de setembro)

Coloca seus seguidores na dúvida da auditagem dos votos da urna eletrônica (a mesma que o elegeu), da justiça e na esquizofrenia da defesa da democracia a partir de atos antidemocráticos. Uma democracia reinventada na esquizofrenês que desrespeita a Constituição do país, as instituições e a própria democracia.

Geralmente, espera-se de um Presidente da República palavras e atos unívocos, que não permitam dúvidas ou equivocidades, no entanto, o governo de Jair Bolsonaro, desde seu início, apresenta discursos repletos de paradoxos, construídos e propagados não como o detentor do poder, que exige seriedade, mas como um candidato, que usa da mentira e da enganação para seduzir e cativar votos.

Ao continuar seu discurso diante de aproximadamente 125 mil pessoas em São Paulo, uma capital com cerca de 12,4 milhões de pessoas, Bolsonaro utiliza novamente do discurso Double Bind e dispara:

Hoje temos uma fotografia para mostrar para o Brasil e o mundo. Não de quem está agora nesse carro de som, mas uma fotografia de vocês. Que as cores da nossa bandeira são verde e amarela. […] Nós somos conservadores. Cada vez mais respeitamos as leis e nossa Constituição. E não vamos mais admitir que ministros como Alexandre de Moraes continuem a açoitar a nossa democracia e desrespeitar a nossa Constituição. Ele teve todas as oportunidades para agir com respeito a todos nós, mas não agiu dessa maneira, como continua não agindo. Como agora há pouco, interceptou um cidadão americano para ser inquirido sobre atos antidemocráticos. Uma vergonha para o nosso país, patrocinada por Alexandre de Moraes.3 (UOL, 2021, 07 de setembro, grifos meus)

Na prática, desde o primeiro mês de governo, o presidente eleito em 2018 no Brasil atentou em seus discursos contra a Constituição, contra a justiça e contra a democracia. Através de decretos atentou contra a transparência de seu governo, contra populações tradicionais, a favor da desobediência civil e tentando de diversas maneiras inverter as regras do jogo democrático. Em muitos desses casos, foi travado em suas investidas porque a oposição recorreu ao STF. Desse modo, o seu discurso contra as instituições e contra a democracia, com o objeto final de levar seus seguidores à loucura, Bolsonaro inverte as falas e os conduz a defesa esquizofrênica.

Isso acontece porque o agente político, no caso o próprio Presidente da República do Brasil, utiliza em sua comunicação mensagens equívocas, ambíguas ou mais radicalmente, arbitrárias, que limita suas ordens, porque assim, o agente/emissor, Jair Bolsonaro, aparentemente aumenta sua esfera de poder, aumentando sua arbitrariedade. A pergunta que fica é: por que o faz, se este procedimento, em geral, dificulta a sua extração de benefícios através do agenciamento do poder? Talvez, por um desejo ou vontade excessivos de poder, tocando a incompetência ou mesmo a insanidade, ambas consideradas incongruentes com a racionalidade instrumental.

De acordo com Epstein (1993), ás vezes o poder alocado pelo agente que emite as ordens, não é suficiente para seus reais objetivos, ou é utilizado ineficazmente para seus reais objetivos. Sobre situações análogas, Ferraz Júnior (1983) comenta:

Em épocas de crise, ocorre ou pode ocorrer uma terrível inversão no uso desses critérios interpretativos. Assim, uma autoridade pressionada por uma conjuntura desfavorável, a fim de manter o poder sobre os endereçados. Pode emitir os seus comandos, que ela interpreta, porém, segundo um Código Fraco (paradoxos). Desse modo, suas ordens passam a ser confusas, obscuras, imprevisíveis, levando o endereçado à angústia de não saber o que, realmente, a autoridade quer dele.

Tais discursos repletos de duplo sentido e aparente esquizofrenês têm sido utilizados por diversos aspirantes a autoritários. A combinação de um desses aspirantes com uma crise de maiores proporções pode, portanto, ser mortal a democracia e talvez, seja esse o objetivo fim dessas equivocidades no Brasil.

Ainda se referindo as atitudes tomadas pelo STF, atitudes provocadas por outros poderes, para a obediência à Constituição e respeito às Instituições, Bolsonaro complementa:

Esse é o primeiro problema que nós temos, e tenho certeza que ao lado de vocês superaremos todos os obstáculos. Vocês nunca viram um chefe de Estado se dirigir ao seu povo no limiar do seu mandato. Não quero o conforto dos palácios ou de benesses que existem em Brasília. Quero aquilo que seja justo, ao lado de vocês. (UOL, 2021, 07 de setembro)

Aí o emissor/agente Bolsonaro usa de sua retórica para se colocar na posição de súdito, procurando nivelar sua fraqueza com sua força potencial de sedução e relembrando sua curta e questionável vida militar4 complementa: “Lá atrás, quando sentei praça no Exército Brasileiro, jurei dar minha vida pela pátria. E tenho certeza que vocês todos, também de forma consciente, juraram dar sua vida pela sua liberdade”. E continua:

Há pouco encontrei uma menina que me perguntou se era difícil ser presidente, eu falei que sim, era difícil, mas era por ela. Faço isso por nossos filhos e nossos netos, e faço porque tenho o apoio de vocês. Enquanto vocês estiverem ao meu lado, eu estarei sendo porta-voz de vocês. Essa missão é digna. Essa missão é espinhosa, mas também é muito gratificante. Não existe satisfação maior do que estar no meio de vocês. Pode ter certeza, onde vocês estiverem, eu estarei. (UOL, 2021, 07 de setembro)

Novamente, Bolsonaro utiliza o discurso do político em campanha que, como candidato, não pode ordenar o voto dos eleitores, lhe restando, portanto, seduzi-los e persuadi-los, utilizando o papel de submisso, incompreendido e amigo do povo. E continua:

Cumprimento patriotas que estão em todos os lugares desse nosso imenso Brasil hoje se manifestando por liberdade. O povo acordou ao longo dos últimos anos, cada vez mais, a onda verde e amarela. […] Isso não tem preço, o acordar de uma nação, é a certeza que seremos grandes lá na frente. Agora, o que incomoda alguns lá de Brasília é que nós conseguimos realmente mudar o Brasil. […] Acreditem, com vocês, nós colocaremos o Brasil no lugar de destaque que ele bem merece. Temos uma pátria que ninguém tem, e vocês sabem do que nós estamos fazendo. Hoje, nós prestamos conta… (UOL, 2021, 07 de setembro)

Num cenário de retrocesso e atraso, tanto nas políticas públicas como no respeito às leis ambientais e aos povos tradicionais, Jair Bolsonaro utiliza paradoxos em seu jogo do poder e com seu discurso não possibilita extração de benefícios objetivos, mas causa perplexidade e pode conduzir seus receptores/pacientes a uma confusão psíquica.

A confusão psíquica pode ser o objetivo especifico do emissor/agente Bolsonaro, pois como vimos na literatura, em alguns regimes totalitários, o modo paradoxal provoca a resposta em esquizofrenês, própria de ordens irracionais. O receptor/paciente, em uma total confusão, se sente na defensiva e acompanha seu mandante em atos extremos e incompreensíveis.

Para concluir o discurso, Jair Bolsonaro recorre ao seu deus e mais uma vez utiliza a palavra, não como um Presidente eleito sério e unívoco, mas como um candidato repleto de equivocidade, faz sua campanha e com suas duplas mensagens se faz de vítima à sua audiência, trazendo uma crença maior do nós contra eles, na busca de conduzir a uma maior polaridade o país:

O apoio de vocês é primordial, é indispensável, para seguirmos adiante. Nesse momento, quero mais uma vez agradecer a todos vocês, agradecer a Deus pela minha vida e pela missão. E dizer àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá. E aqueles que pensam que com uma caneta podem me tirar da presidência, digo uma coisa para todos: nós temos três alternativas: preso, morto ou com vitória. Dizer aos canalhas que nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus, mas a vitória é de todos nós. Muito obrigado a todos. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. (UOL, 2021, 07 de setembro)

Resultados

Como resultado da análise, observou-se que Bolsonaro utiliza dos paradoxos como um lugar central em todo o seu discurso produzindo dilemas reflexivos e problemas de conflito entre os poderes. Provoca um ambiente antidemocrático e diz defender a democracia. Ataca instituições democráticas e grita a plenos pulmões ataques ilusórios que vem sofrendo. Produz uma comunicação repleta de esquizofrenês e promove atitudes e respostas usuais dos indivíduos considerados esquizofrênicos onde frequentemente se confunde o literal com o metafórico e faz supor que atrás de cada enunciado há um significado persecutório, que aponta apenas duas saídas, aceitar tudo que lhe é dito ou isolar-se da comunicação.

Em todo seu discurso, o Presidente Jair Bolsonaro utiliza-se do duplo vínculo propositadamente, pois sabe ele que o único a atacar a democracia brasileira tem sido ele próprio durante todo o seu governo e se utiliza do paradoxo pragmático provocando o dilema do esquizofrênico, defronta-se com a ideia de desmoralizar as instituições democráticas e ao mesmo tempo se dizer defensor da democracia.

Como observa-se no capítulo acima, com a análise de suas falas, Jair Bolsonaro promove um cenário de retrocesso e atraso, tanto nas políticas públicas como no respeito às leis ambientais e aos povos tradicionais com a utilização de paradoxos em seu jogo do poder. Dessa maneira, com seu discurso repleto de duplas mensagens não possibilita extração de benefícios objetivos, mas causa perplexidade e conduz seus receptores/pacientes á confusões psíquicas.

Essa confusão psíquica parece ser o objetivo especifico do emissor/agente Bolsonaro, pois como vimos na literatura, em alguns regimes totalitários, o modo paradoxal provoca a resposta em esquizofrenês, própria de ordens irracionais. O receptor/paciente, em uma total confusão, se sente na defensiva e acompanha seu mandante em atos extremos e incompreensíveis, fato observado nos seguidores do Presidente Bolsonaro.

Ademais, utiliza o duplo vínculo como um mecanismo de defesa, resultante de esforços de adaptação efetuados por sua própria carência de recursos psíquicos para garantir seu equilíbrio. Situação em que o duplo vínculo serve para sustentar um equilíbrio precário, lhe possibilitando exibir uma normalidade aparente, ocultando desse modo, distúrbios psicopatológicos sob a fachada de um papel social estereotipado.

Considerações finais

O poder irracional de Jair Bolsonaro emana ordens repletas do duplo vínculo que, ao contrário da univocidade, é o limite máximo da equivocidade: o paradoxo. O uso inconsciente e neurótico do duplo vínculo por Bolsonaro, é irracional, mas também pode adquirir a racionalidade quando intencionalmente utilizado, seja como agente terapêutico, seja como esquizofrenógeno.

A própria utilização do esquizofrenês por esse Presidente, ordens sem um objetivo fim e que podem levar a confusão e sub entendimentos (intencionalmente ou psicoticamente), apesar de ser um idioleto confuso, ilógico e equívoco, adquire um matiz de racionalidade quando colocada como única saída a um contexto, ele próprio, absurdo e desconexo: o do duplo vínculo.

Assim sendo, o duplo vínculo utilizado em mensagens emanadas por Jair Bolsonaro, quem possui o poder, onde envolve o emissor/agente do poder e o receptor/paciente do poder poderá ser visto como disfunção na ótica da racionalidade operacional de nossa nação, o Brasil, mas que pode corresponder a uma vontade de poder desmedida e exacerbada do Presidente em questão, que a custa de seus próprios objetivos e por razões pessoais quer inviabilizar o receptor/paciente.

A palavra de Jair Bolsonaro caracteriza, dessa forma, o caráter plurivalente da língua, descrito na teoria, constrói o sujeito e também é construído histórico, social e ideologicamente. O eleitor do Bolsonaro se constituiu ouvindo e assimilando as palavras e os discursos do outro, fazendo com que essas palavras e discursos fossem processados de forma que se tornassem, em parte, as palavras desse eleitor e, em parte, as palavras do seu Presidente, formando desse modo o princípio do dialogismo (condição constitutiva do sentido), em que tudo o que é dito pressupõe um Outro e, de maneira escancarada, assumiram a posição do pretenso colonizador, repletos de colonialidade, reafirmando o colonialismo interno tão marcado no Brasil.

No início do governo Bolsonaro, os atos e discursos davam indícios de que a sociedade brasileira sofreria um retrocesso de anos em áreas importantes como a educação, saúde, direitos humanos e meio ambiente.

Com base em seus discursos parte da população brasileira ratificou a negação da legitimidade dos oponentes políticos, com seguidores de Bolsonaro descrevendo seus rivais como subversivos ou opostos à ordem constitucional existente, acreditam e espalham milhares de fake news pelas mídias digitais e afirmam que seus rivais constituem uma ameaça existencial, seja à segurança nacional ou ao modo de vida predominante.

Com a ausência de fundamentação, Bolsonaro utiliza a dupla mensagem e faz crer que seus rivais partidários sejam descritos como criminosos, agentes estrangeiros, pois estariam trabalhando secretamente em aliança com (ou usando) um governo estrangeiro — com frequência um governo dito comunista (cubano ou venezuelano).

Com o intrigante discurso de defesa de milicianos e discursos homofóbicos, sentidos em prol da violência e da força armada surgem em uma população antes vista pelo mundo como pacífica. Num arremedo ao candidato Bolsonaro, criam-se laços com gangues armadas, forças paramilitares, milícias, guerrilhas ou outras organizações envolvidas em violência ilícita.

Apoiados pelos discursos do candidato, há uma propensão a restringir liberdade civis de oponentes, inclusive a mídia, com intenções em apoiar leis ou políticas que restrinjam tais liberdades, como expansões de leis de calúnia e difamação ou leis que restrinjam protestos e críticas ao governo ou certas organizações cívicas ou políticas.

Ameaçam tomar medidas legais ou outras ações punitivas contra seus críticos em partidos rivais, na sociedade civil ou na mídia. Orientam alunos a filmar seus professores que tenham discursos contrários ou que apontem excessos em integrantes do governo.

No período do governo Bolsonaro, no ato dessa pesquisa, presenciou-se grandes tragédias ecológicas causadas por crimes ambientais, como o rompimento da barragem de Brumadinho, o crescimento recorde do desmatamento na Amazônia, a queimada incontrolável do Pantanal Mato-grossense e outras grandes áreas, sempre negada pelo presidente e seus ministros.

Um governo caracterizado pelo desmonte da política ambiental, que opera por meio de diversos fatores, como o avanço maciço do desmatamento nos biomas brasileiros, a permissividade com a exploração ilegal dos recursos naturais, invasão de terras indígenas e tantos outros desrespeitos às populações tradicionais, com o incentivo aos madeireiros e garimpeiros.

Conclui-se, portanto, que o atual Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro utiliza do Double Bind intencionalmente, talvez, não por mérito próprio, mas por orientações de fortes influências nacionais ou estrangeiras que conhecem e praticam o jogo do poder com o objetivo de desunir, desestruturar e apagar qualquer resquício moral coletivo, desfazendo o caráter dos seus receptores pacientes de forma a enfraquecer e facilitar a dominação.

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Notas

1 Original: “[...] cada enunciación, por las palabras mismas que utiliza, evoca puntos de vista que pertenecen a la cultura de una comunidad lingüística y respecto a los cuales el hablante tiene la facultad de pronunciarse. Asimismo, hemos visto indirectamente el papel de las representaciones colectivas en la construcción de una realidad que constituye el ob-jeto del discurso. Asimismo, hemos visto indirectamente el papel de las representaciones colectivas en la construcción de una realidad que constituye el objeto del discurso” (Raccah, 2002, p. 69).
2 Original: “De esta manera, se ve al hablante como un manipulador, quien, utilizando su lengua como herramienta, empuja (o intenta empujar) al oyente a construir un sentido subjetivo, que el hablante mismo solo puede vislumbrar más o menos, en función de su conocimiento de la subjetividad del oyente” (Raccah, 2002, p. 70).
3 A referência diz respeito a prisão de Jason Miller, na manhã da terça-feira (07/09/2021), no Aeroporto Internacional de Brasília. Miller foi detido para prestar depoimento à PF no âmbito do inquérito 4874, que apura a organização de atos antidemocráticos no Brasil. A or-dem partiu do ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação no STF. O empresário é fundador do Gettr, criado para levar Trump de volta às redes sociais, após o ex-presidente ser banido das grandes plataformas. O Gettr tem 2 milhões de seguidores, dos quais 13,5% são do Brasil. Miller estava no Brasil para participar da Conferência de Ação Política Con-servadora (Cpac). Em Brasília, ele se encontrou com o presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro e com o ex-chanceler Ernesto Araújo (todos da extrema direita).
4 Bolsonaro passou 15 anos no exército e essa sua passagem “‘revelou o Bolsonaro atual: ambicioso, polêmico, intrépido, insubordinado, um homem que mistura realidade e ficção, uma personalidade considerada imatura por seus superiores e incapaz de comandar ou, ao contrário, um carismático’, sintetiza o diário francês. O que veio depois todos conhecem, conclui em tom de ironia Le Figaro” (UOL, 2021, 27 de julho).
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