Resumo: À luz das iniciativas de transição energética contemporâneas e da grande demanda mineral de seus ciclos tecnológicos, discutiremos os aspectos político-econômicos do boomdascommodities minerais ocorrido no início do século XXI e os impactos percebidos na mineração brasileira durante este contexto. Argumentamos que o cenário de transição energética atual deve pressionar novamente a exploração mineral no país, principalmente, a partir dos projetos relacionados às reservas de manganês, níquel e terras raras. Desde uma perspectiva geopolítica e de uma análise holística destes dois momentos históricos, evidenciaremos algumas tendências e desafios para as próximas décadas da mineração desenvolvida no Brasil, sem perder de vista a dimensão regional.
Palavras-chave: boom das commodities, transição energética, mineração, Brasil, América Latina.
Resumen: A la luz de las iniciativas contemporáneas de transición energética y de la gran demanda mineral de sus ciclos tecnológicos, discutiremos los aspectos político-económicos del boom de las commodities minerales ocurrido a principios del siglo XXI y los impactos percibidos en la minería brasileña durante este contexto. Sostenemos que el actual escenario de transición energética deberá ejercer una nueva presión sobre la exploración minera en el país, principalmente, a partir de proyectos relacionados con reservas de manganeso, níquel y tierras raras. Desde una perspectiva geopolítica y un análisis holístico de estos dos momentos históricos, destacaremos algunas tendencias y desafíos para las próximas décadas de la minería desarrollada en Brasil, sin perder de vista la dimensión regional.
Palabras clave: boom de las commodities, transición energética, minería, Brasil, América Latina.
Abstract: In light of contemporary energy transition initiatives and the great mineral demand of their technological cycles, we will discuss the political-economic aspects of the boom in mineral commodities that occurred at the beginning of the 21st century and the impacts perceived on Brazilian mining during this context. We argue that the current energy transition scenario should put new pressure on mineral exploration in the country, mainly from projects related to manganese, nickel and rare earth reserves. From a geopolitical perspective and a holistic analysis of these two historical moments, we will highlight some trends and challenges for the next decades of mining developed in Brazil, without losing sight of the regional dimension.
Keywords: commodity boom , energy transition, mining, Brazil, Latin America.
ARTÍCULOS
Revisitando o boom das commodities minerais à luz da transição energética contemporânea : uma análise do caso brasileiro
Revisando el boom de las commodities minerales a la luz de la transición energética contemporánea. Un análisis del caso brasileño
Revisiting the mineral commodity boom in light of the contemporary energy transition. An analysis of the Brazilian case

Recepción: 07 Noviembre 2023
Aprobación: 15 Mayo 2024
No início do século XXI, o crescimento econômico chinês e a sua imensa demanda mineral, atrelado à grande financeirização do mercado de commodities, resultaram em um expressivo aumento, ou boom, dos preços dos recursos minerais. Entre 2003 e 2011, o índice de preço dos metais básicos percorreu uma trajetória de aumento inédito de 332,74%1. No Brasil, onde havia grandes reservas desses recursos primários e que tinha em sua estrutura político-econômica a herança do arcabouço neoliberal implementado na década de 1990, que reforçou seu caráter primário-exportador, a ascendente variação dessas cotações teve forte influência nos números da economia nacional. Devido às políticas do governo federal vigente na época, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi possível garantir durante esses anos de boom um relativo crescimento econômico e um efetivo programa de distribuição de renda. Todavia, esse momento não expressava uma ruptura com o modelo de desenvolvimento dependente do capitalismo brasileiro. Além disso, o incremento da atividade mineradora durante esse período significou a intensificação do seu modelo expropriativo de ocupação territorial, impactando diretamente a sustentabilidade ambiental e os diferentes modos de saber e viver locais.
Passada a euforia do boom, o aumento do ritmo das atividades nos projetos iniciados nos últimos anos, a fim de atenuar as perdas financeiras de seus investidores, somado ao descontrole do Estado brasileiro diante do desempenho destas atividades, resultaram em ao menos dois crimes praticados pela mineradora Samarco e pela Vale, ocorridos em Mariana-MG (2015) e Brumadinho-MG (2019), com danos de imensurável quantificação ao meio ambiente e à vida. Ademais, os valores monetários arrecadados pela mineração, por si só, já não garantiam um bom equilíbrio das contas públicas. Recentemente, sob a presidência de Michel Temer (2016-2018) e de Jair Bolsonaro (2019-2022), as políticas que regularizam essas atividades refletiram ainda mais a perspectiva liberal e tiveram como objetivo a permissão para o avanço sobre a floresta amazônica, as áreas indígenas e de proteção ambiental.
É diante desse contexto interno que, no âmbito internacional, os grandes centros hegemônicos têm anunciado projetos de recuperação e desenvolvimento econômico pautados em investimentos em tecnologias e infraestruturas que contribuem para uma transição energética em direção a uma matriz de baixa emissão de carbono. Se nesse novo cenário os hidrocarbonetos devem ser menos utilizados, os ciclos tecnológicos que se desenvolvem atrelados a essas novas dinâmicas são extremamente demandantes de recursos minerais específicos, dos quais o Brasil e os demais países da América Latina possuem grandes reservas. A depender do sucesso dessas iniciativas, poderemos vivenciar nas próximas décadas um novo período de grande pressão sobre a exploração mineral na região.
À luz da geopolítica dos recursos naturais, o presente artigo pretende debater o impacto do boom dascommodities no início do século XXI na atividade mineradora do Brasil, para refletir de maneira prospectiva as iniciativas de transição energética contemporâneas e a demanda mineral de seus ciclos tecnológicos. A partir destas questões, evidenciaremos algumas tendências e desafios para as próximas décadas da mineração desenvolvida no Brasil, sem perder de vista a dimensão regional.
O enfoque teórico-metodológico sob o qual este artigo foi refletido se funda a partir da perspectiva da geopolítica dos recursos naturais (Bruckmann, 2013). A ela se soma a compreensão da relação de poder entre as dimensões locais e globais que determina a organização territorial brasileira (Santos, 2006; Haesbaert, 2016). Ademais, realizaremos uma análise conjuntural, sem perder de vista a longa duração (Braudel, 1976) do desenvolvimento dependente (Dos Santos, 2020; Marini, 1981) do capitalismo regional e do Brasil. Dessa maneira, propomos uma análise holística do complexo cenário vivenciado pelo país no início do século XXI, relacionado ao boom das commodities minerais, de modo que nos permita realizar uma reflexão prospectiva que vincula as tendências da mineração nacional e as iniciativas de transição energética lideradas pelos principais centros político-econômicos do sistema mundial contemporâneo.
A geopolítica é um conceito concebido pelo politólogo sueco Rudolf Kjellén na virada do século XIX/XX. Desde então, tem sido um termo em disputa por correntes teóricas de diversas áreas do conhecimento e permeado por diferentes perspectivas. De maneira simplificada, Ferré (1984) a define como uma análise geográfica da política e uma análise política da geografia. Ou seja, é um campo do conhecimento que está atento aos impactos, vivenciados no território, relacionados às disputas de poder que se dão no âmbito do sistema mundial. Em outras palavras, de acordo com Ó Tuathail, “la geopolítica, estudia la forma en la que los poderes fácticos y los Estados hegemónicos producen espacio en el mundo” (1996, p. 2).
Para esta pesquisa, iremos mobilizar a perspectiva da Geopolítica Crítica. Estabelecida no final do século XX, essa nova corrente de pensamento tinha a intenção de superar algumas críticas direcionadas à Geopolítica Clássica. Para tanto, propunha a construção de uma análise não mais centralizada somente nas ações do Estado e sim nas relações de poder entre diferentes atores, que estivesse atenta aos contextos locais de cada espaço, e que fosse pautada por um rigor acadêmico e científico a fim de se distanciar de certa instrumentalidade. Desse modo, conforme destaca Fornillo (2015), a geopolítica crítica aumentou e renovou as temáticas pesquisadas, acrescentou e recriou as referências teóricas e multiplicou os sujeitos históricos2.
Na primeira década do século XXI, em meio ao boomdascommodities, o manejo dos recursos naturais retomou sua importância no âmbito dos debates geopolíticos. Neste contexto, na América Latina, grande destaque teve o livro Recursos naturales y la geopolítica de la integración sudamericana (2013), da cientista política Monica Bruckmann, que apresentava elementos para uma visão estratégica e integrada entre os países da região sobre os recursos minerais. De acordo com Bruckmann (2013), as reflexões sobre esses recursos deveriam identificá-los para além da concepção de commodities. Apoiada no conceito de “destruição criadora” de Schumpeter (1961), a autora argumenta a favor de um enfoque que tenha em vista a estreita relação entre os ciclos de inovação tecnológica, atualizados constantemente sob a lógica do processo de acumulação capitalista, e suas respectivas demandas de recursos minerais específicos. Dessa maneira, seria possível construir uma perspectiva mais soberana para a região e que permitiria um reposicionamento crítico de seus países diante das tendências científico-tecnológicas que se desenvolvem no sistema mundial.
Um outro aspecto fundamental na construção do nosso enfoque teórico-metodológico, é a compreensão de como essas dinâmicas estabelecidas no âmbito do sistema mundial impactam os espaços locais das regiões periféricas, no caso aqui analisado, a partir da exploração mineral. Nesse aspecto, o território é um conceito indispensável. A partir do trabalho de Milton Santos (2006) sobre as dimensões da organização territorial, compreendemos que diferentes subespaços têm suas organizações internas refeitas a partir dos interesses de forças dominantes, o que tem como efeito a desintegração das solidariedades locais então vigentes. Ademais, do ponto de vista geoeconômico, esse processo gera uma desarticulação das cadeias locais de valor, ao vincularem, de maneira subordinada, parte dos territórios periféricos aos circuitos globais de produção e consumo. Isto é, sem uma integração dessas atividades primário-exportadoras com o resto da economia e da sociedade local, elas ficam restritas às dinâmicas do mercado internacional. E como esses projetos são demandadores de uma grande extensão de terra, o resultado para os países periféricos é a perda do controle sobre parte de seu próprio território e para uma parcela da população local significa a expropriação de seus espaços de sobrevivência.
Podemos compreender assim que os interesses que permeiam, majoritariamente, as escalas locais e globais evidenciam disputas de poder que refletem diferentes relações entre sociedade e natureza. De um lado, desde um ponto de vista simplesmente mercantil, temos grandes corporações transnacionais que procuram exercer um intenso controle sobre os territórios ao redor dos projetos mineradores. Do outro, existem, em sua grande maioria, populações camponesas, ribeirinhas e indígenas, que identificam naquele mesmo pedaço de chão: história, cultura, ancestralidade e meio básico de sobrevivência. Nesse sentido, conforme destaca Haesbaert (2016), o fim dos territórios, atrelado a essas disputas geopolíticas, é um mito. O que há é uma transformação desses espaços de acordo com a correlação de forças diante das disputas de poder, processo denominado pelo geógrafo de des-territorialização.
No Brasil, a desterritorialização a favor de interesses hegemônicos e a instrumentalização de nosso território para atender a demanda primária global, remete ao período colonial e têm sido atualizadas constantemente. Por isso, nossa concepção teórica tem em vista o processo histórico de longa duração que define o caráter primário exportador da economia nacional. Em sua dialética dos tempos históricos, Braudel (1976), apresenta três dimensões temporais das quais se utilizam os historiadores: o tempo breve, ou seja, o tempo do evento, do cotidiano; em segundo, o tempo que reflete os acontecimentos que desenvolvem ao longo de décadas; e, por fim, há a perspectiva da longa duração, que se concentra nas estruturas seculares. Todavia, essas temporalidades não se expressam de maneira isolada. Pelo contrário, cada intervalo temporal é permeado pelas dinâmicas das diferentes durações. Nesse sentido, a dialética das durações dos tempos históricos permite analisar um mesmo fenômeno a partir de diferentes perspectivas e contribui para a reconstituição de sua totalidade complexa. Sendo assim, nos deteremos no contexto do boom das commodities do início do século XXI e analisaremos de maneira prospectiva às iniciativas de transição energética contemporâneas, sem perder de vista o caráter estrutural do desenvolvimento capitalista dependente brasileiro.
A nossa compreensão acerca desse caráter estrutural está apoiada na discussão proposta pela Teoria Marxista da Dependência. Consolidada no século XVIII, no contexto da Revolução Industrial e da definição da divisão internacional do trabalho, nas palavras de Ruy Mauro Marini (1981), a dependência poderia ser entendida, então, “como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, dentro da qual as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para garantir a reprodução ampliada da dependência”3. (Marini, 1981, p. 18). Sendo assim, podemos compreender a dinâmica da dependência como um processo de longa duração e que se transforma de acordo com os diferentes processos hegemônicos de acumulação de capital organizados e liderados pelos países centrais do sistema mundial.
A partir desse enfoque teórico-metodológico, poderemos compreender o caráter expropriativo da mineração brasileira desenvolvida no contexto do boom das commodities do início do século XXI e visualizar as tendências do sistema mundial, à luz das iniciativas de transição energética, que guiam os interesses geopolíticos sobre as reservas minerais brasileiras.
Em 2003, o índice médio anual dos preços dos metais básicos começou a reverter sua tendência de queda dos anos iniciais do século XXI. Daquele ano até 2007, houve um aumento de 232%. Embora a crise de 2009 tenha provocado uma redução em seu valor, logo nos anos seguintes observamos uma sequência de crescimento, atingindo em 2011 seu índice máximo. Desde então, houve uma série de retrações, porém seu patamar se manteve acima das médias anuais do início do século XXI4. Por isso, neste tópico, daremos ênfase aos aspectos político-econômicos ocorridos entre os anos 2003 e 2011, não nos restringindo, porém, somente a eles.
A mineração é uma atividade desenvolvida no Brasil desde o seu período colonial e retomou seu destaque nos anos iniciais do século XXI, no contexto do boom das commodities. Ao longo dos séculos, ela renovou sua importância diante das atualizações do processo de acumulação do capitalismo mundial, embora tenha mantido sua prática expropriativa nos territórios onde são realizadas a exploração mineral.
As reservas minerais brasileiras estão presentes em quase todo o território nacional. Nesse aspecto, ganham destaque: o estado do Pará, localizado na região norte, onde encontra-se ouro, minério de ferro, alumínio, cobre, níquel e manganês; e o estado de Minas Gerais, localizado na região sudeste, e que possui significativas reservas de minério de ferro, ouro, manganês, bauxita, nióbio e grafita. Em 2011, no auge doboom das commodities minerais, o Brasil possuía as maiores reservas mundiais de nióbio (97,6%), caracterizado por sua alta condutividade térmica e elétrica, maleabilidade, ductilidade e alta resistência à corrosão e ao calor; de grafita (43,3%), considerado o mais eletricamente e termicamente condutor dos não metais e quimicamente inerte, utilizado, por exemplo, para proteção de pinturas de estruturas metálicas e na construção de baterias e eletrodos; e a segunda maior reserva de minério de ferro (17,4%), elemento de grande uso como base para o setor industrial. Além disso, era o maior produtor de nióbio (97%) e o terceiro maior de minério de ferro (14,2%).5
No âmbito da economia nacional, em 2011, a participação do PIB da mineração (excluindo petróleo e gás) na composição do PIB nacional era de apenas 0,81%. As exportações do setor em relação às exportações totais eram de 27,4% e o impacto no mercado de trabalho representava somente 0,4% dos empregos formais no país. Entre as principais empresas em atividade no período analisado, podemos destacar a Vale S.A, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Anlgo American Brasil LTDA e AngloGold American Brasil LTDA.6
Conforme nos apresenta o Gráfico 1 abaixo, os investimentos direcionados à mineração brasileira têm aumentado desde os anos finais da década de 1990. Entre 1996 e 2003, houve um aumento de aproximadamente 758%. Porém, o auge desses investimentos foi em 2007, quando foram destinados cerca de R$ 9,7 bilhões. Nesse período, mais especificamente em 2005, o Brasil representava em torno de 5% dos investimentos globais em exploração mineral. Esse capital era destinado para a realização de pesquisas geológicas, desenvolvimento de infraestrutura e inovações tecnológicas que tinham como intuito o aperfeiçoamento do processo de exploração e o aumento da capacidade de produção. Portanto, esses investimentos refletiam o cenário de otimismo que vivenciava o setor mineral naquele momento e procuravam atender à crescente demanda de seus produtos primários.

Ainda de acordo com o Gráfico 1, podemos observar que, em grande medida, esses investimentos foram direcionados à mineração metálica e, em particular, aos projetos relacionados ao minério de ferro. Entre 2001 e 2009, em relação à taxa média total de investimentos, a mineração metálica representou 83,7% do seu valor, enquanto o minério de ferro foi destino de 38,2%, entre 1996 e 2009.
Seguindo o fluxo desse contexto e se beneficiando da valorização dos preços das commodities, o Valor da Produção Mineral Brasileira (VPMB), que reflete o valor da produção bruta e beneficiada comercializada, alcançou patamares elevadíssimos, conforme podemos verificar no Gráfico 2 abaixo. O VPMB de 1996 e de 2008, ano de seu valor máximo, teve uma diferença de 270%. Da mesma maneira que no gráfico anterior, observamos que esses valores estavam concentrados nos minerais metálicos, com destaque para o minério de ferro.

De modo geral, portanto, é possível visualizar que os valores dos investimentos e da produção, que apresentavam no final da década de 1990 uma tendência de crescimento, atrelados às políticas liberalizantes implementadas naquele período, tiveram um aumento ainda mais acentuado na primeira década do século XXI, em meio ao contexto do boom. É nesse sentido que entendemos não ser possível desvencilhar o crescimento expressivo dos números relacionados ao setor mineral nestes anos da estrutura político-econômica, pautada no arcabouço teórico neoliberal, implementada anteriormente. Quando os analistas mundiais começaram a identificar o aumento do preço dessas commodities, no Brasil o setor mineral já tinha estabelecido uma estrutura tributária favorável às grandes mineradoras, com grande abertura e incentivo para o desempenho das empresas multinacionais no país e com possibilidade de adquirir inúmeras concessões por tempo indeterminado. Diante da combinação entre um contexto de valorização de preço e de políticas favoráveis ao grande capital, iniciado o novo século, o Brasil era um grande território a ser explorado.
Entusiasmados com o momento em que o mercado mundial de minerais vivenciava nesse período, o Sumário Mineral (2006, p. 12), organizado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), apresentava os números relativos à Economia Mineral Brasileira sob o título “Brasil Mineral: a Economia que Brilha”. Não obstante, se analisarmos a participação do PIB da mineração (excluídos petróleo e gás) na economia nacional, veremos que seus números são relativamente baixos. Conforme apresentado no Gráfico 3, entre 1990 e 2011, este índice esteve acima de 1% somente nos anos de 2006, 2007 e 2008.

Nem mesmo a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM),7 que aumentou sua arrecadação de R$ 73.508.508,00 para 742.526.230,81, entre 1996 e 2009, foi capaz de alterar essa dinâmica. Ademais, durante esses anos, a CFEM apenas refletiu o caráter concentrado no qual a mineração brasileira está estruturada. Para o mesmo período, 55,9% da arrecadação esteve vinculada à exploração de minério de ferro e, sendo assim, os principais estados que receberam o repasse dessa taxa foram os que possuem as maiores reservas desse mineral. Para Minas Gerais foram destinados 47,5% desses recursos e para o Pará, 28,9%.
Por outro lado, para aqueles que defendem a mineração, sob a perspectiva neoliberal, como uma atividade geradora de muitos empregos, os números também não são muito favoráveis. Entre 1996 e 2009, a quantidade de trabalhadores vinculados à mineração aumentou de 68.875 para 162.053. Embora a criação de quase cem mil novas vagas seja um fato importante, esses dados revelam que essa atividade, do jeito que está estruturada, não é intensiva em mão de obra, mesmo no contexto do boom das commodities. Além disso, refletem a baixa participação do setor no mercado de trabalho nacional, já que nesse mesmo período, em nenhum momento ultrapassou a marca de 0,1% da população brasileira ocupada no mercado de emprego formal. Ademais, entre 2001 e 2009, cerca de 20% da mão de obra utilizada na mineração eram representados por trabalhadores terceirizados, que frequentemente lidam com relações e condições de emprego mais precárias.8
Tendo em vista esses números, o grande impacto positivo da mineração na economia do país aparenta estar restrito à contribuição para a garantia de uma balança comercial superavitária. Conforme podemos visualizar no Gráfico 4 abaixo, o setor mineral brasileiro foi responsável por cerca de 22% das exportações brasileiras, entre 1996 e 2011. Não obstante, ao longo desse período, o minério de ferro foi responsável por uma média anual de 58% das exportações do setor mineral, refletindo a dependência da exploração de um único mineral.

Além da grande concentração em um único recurso exportado, os produtos do setor mineral brasileiro mineral brasileiro foram destinados cada vez mais a um único país, a China. Se o governo petista tinha o intuito de diversificar as relações comerciais brasileiras, o efeito na prática, ao menos até 2009, tinha sido o deslocamento da concentração no mercado estadunidense em direção ao país asiático. Se em 1996, 32,8% dos produtos minerais brasileiros eram direcionados para EUA (19,3%) e Japão (13,55%), em 2009 essa porcentagem tinha diminuído para 15%. Em contrapartida, nesse mesmo período, a participação chinesa aumentou de 3,1% para 28,4%.
Apesar da questionável contribuição que o setor mineral brasileiro gera à economia nacional, conforme podemos comprovar a partir dos números discutidos linhas acima, o contexto político e comercial favorável fez com que o número de concessões de lavra mineira9 aumentasse de maneira significativa ao longo do período analisado. Desde os anos finais da década de 1990, o número de concessões anuais começou a aumentar significativamente. Iniciado o novo século, a média anual de novas concessões foi de 315, sendo que o ano 2006 representou o auge desse processo, quando foram concedidas 437 novas lavras.

O aumento desses números teve impacto direto na ocupação territorial brasileira. Entre 1990 e 2011, a área de produção mineral aumentou de 52 mil hectares para 119 mil hectares, conforme nos apresenta o Gráfico 6 abaixo. Durante o período do boom das commodities aqui considerado, houve um crescimento de 41,6%. Analisado de maneira isolada, esses números podem ter aparência de insignificância.

Não obstante, mais do que o tamanho em si, a ocupação territorial relacionada à mineração merece destaque pelo forte impacto que ela exerce no modo de vida local onde essas atividades são realizadas. Nesse sentido, Milanez (2019) identifica o processo técnico da grande mineração como sendo semelhante a uma “amputação da paisagem”. Isto é, as etapas de instalação da mina, como o desmatamento da região, retirada de solo fértil, infusão de explosivos, redefinição do terreno a partir da ação de grandes escavadeiras, e o próprio processo de exploração são mecanismos capazes de transformar grandes montanhas e serras em imensos buracos, que não retornarão ao seu estágio anterior quando as atividades na mina se encerrarem. Ao modificar a paisagem dessa maneira, a grande mineração é capaz de interferir e alterar a dinâmica do microclima, da fauna, flora e dos recursos hídricos (Milanez). Desse modo, podemos compreender que os impactos relacionados à mineração não estão restritos ao local da extração e podem ser percebidos indiretamente em outras regiões, devido às modificações climáticas e poluição dos recursos hídricos, por exemplo.
Além disso, a complexa rede de produção mineral inclui a construção de minerodutos e outras vias necessárias para o escoamento dos recursos destinados à exportação. Sendo assim, o efeito direto da mineração se expande para outros territórios distantes da área de retirada dos minerais. Nestes espaços, todavia, para a população local, o controle territorial exercido pelas grandes mineradoras impõe dificuldades à sua dinâmica produtiva, é capaz de reduzir a liberdade de ir e vir, de convivência social e, de certo modo, resulta na desterritorialização (Haesbaert, 2016) de comunidades historicamente estabelecidas ali. Sendo assim, os aspectos que envolvem cada nova concessão não estão restritos à métrica. Pelo contrário, para além desses números, estão os efeitos que incidem sobre as dimensões culturais, ambientais, políticas e econômicas.
São nesses termos, portanto, que entendemos a lógica da economia mineral que “brilhou” ao longo do boom das commodities minerais no início do século XXI: sacrifício do bem-estar da população local a favor dos interesses do mercado internacional. Podemos verificar esse cenário, por exemplo, em Conceição do Mato Dentro-MG, no contexto de instalação do projeto minerado Minas-Rio.10 Passada uma década, a estrutura da mineração brasileira não foi alterada e, pelo contrário, até mesmo aprofundou sua dinâmica expropriativa. Conforme discutiremos no próximo tópico, a demanda mineral vinculada aos novos ciclos tecnológicos relacionados às iniciativas de transição energética coloca o Brasil e alguns outros países da América Latina como territórios centrais para a expansão da atividade mineradora mundial. Não refletir criticamente os aspectos –político-econômicos e socio-ambientais– vivenciados naqueles anos iniciais do século XXI pode significar a repetição e intensificação de sua lógica nos próximos anos no Brasil e região.
Ao debater sobre a transição energética, neste tópico, teremos em vista as iniciativas já anunciadas pelas principais potências político-econômicas do sistema mundial –China, Estados Unidos e União Europeia– por dois motivos, basicamente: pela relevância dos três atores na dinâmica global, e, principalmente, pela relação direta, e contraditória, com os interesses da América Latina e do Brasil, em particular.
Em dezembro de 2019, a Comissão Europeia publicou uma primeira versão do projeto que eles pretendem ter como guia para o desenvolvimento de seus países membros nos próximos anos, priorizando a transição energética para uma matriz de baixa emissão de carbono.11O Green Deal, ou Pacto Ecológico Europeu, tem como estratégia garantir um crescimento econômico a partir de uma mudança estrutural das bases de seu fornecimento de energia. O resultado esperado é que em 2050 os países da União Europeia tenham seu crescimento econômico e o seu cotidiano social completamente dissociados da emissão líquida de gases com efeito estufa, a partir da descarbonização de seu sistema energético.
Nessa direção, será necessário que este esteja pautado em fontes de energias renováveis, que seja eliminada a utilização de carvão como fonte energética e que o setor de gás também seja descarbonizado. Outro fator determinante, é garantir uma redução de 90% das emissões dos gases estufas oriundas dos setores de transportes –rodoviário, ferroviário, aéreo, aquático– até 2050, responsáveis por um quarto das emissões da União Europeia. Os primeiros impactos desse projeto podem ser percebidos em maior vigor no desempenho da indústria automobilística de veículos híbridos e elétricos. Estima-se que, em 2025, haja em torno de 13 milhões de veículos com nível nulo ou baixo de emissões de CO2 circulando por estradas europeias.
Aliás, a crescente participação dos veículos elétricos tem sido uma tendência no mercado internacional. De acordo com informe da EV-Volumes12, entre 2013 e 2022, a participação dos carros movidos a baterias elétricas ou híbridas elétricas no comércio mundial de veículos leves saltou de 0,2% para 13%, totalizando 10,5 milhões das 81 milhões de unidades vendidas em 2022. Nos últimos anos, esse aumento tem se dado de maneira mais intensa, conforme apresentado no gráfico abaixo, ao mesmo tempo em que as vendas totais de veículos leves têm sofrido constantes quedas, sendo, por exemplo, 15% menor em 2022 em comparação com 2020. Não obstante, esse comércio está concentrado em algumas regiões do mundo. Em 2022, o mercado chinês representou 58,7% das vendas globais de veículos elétricos e híbridos, seguido pela Europa (25,4%) e América do Norte (10,5%). O comércio realizado para além desses mercados representou apenas 5,2% das vendas totais.

O governo chinês, para além da produção de veículos híbridos e elétricos, tem sido um grande entusiasta e investidor dos projetos que contribuem tecnologicamente para uma economia menos dependente de recursos energéticos que emitem uma grande quantidade de gás carbônico. A promessa do presidente Xi Jinping é que a China alcance sua neutralidade de carbono em 2060, o que seria um grande resultado, já que o país é responsável por cerca de 20% das emissões globais anuais. De acordo com os cálculos do Boston Consulting Group, a fim de estimular a descarbonização de sua economia, o país asiático deve investir em torno de US$ 15 trilhões, entre os anos de 2020 e 2050.13
Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden anunciou em março de 2021, um ambicioso plano de investimento para renovar a infraestrutura interna do país. O The American Jobs Plan14deveria mobilizar cerca de US$ 2 trilhões, no intervalo de dez anos. Uma das frentes do projeto, assim como o Pacto Ecológico Europeu e o projeto de desenvolvimento chinês, é investir nas tecnologias que contribuam para uma transição energética, no sentido que mencionamos anteriormente. Nesse aspecto, somente em relação ao investimento em pesquisa e desenvolvimento para a produção de veículos elétricos, o projeto de Biden pretende destinar cerca de US$ 174 bilhões. Apesar de não ter tido apoio do Congresso estadunidense, o Governo Biden continua tentando promover a indústria de veículos elétricos em seu país.15
Diante desse cenário, para termos uma visão holística acerca das movimentações em direção a uma transição energética, é fundamental aprofundarmos sobre os ciclos tecnológicos que estão vinculados a esse processo e à demanda dos recursos naturais que eles exigem. Conforme destaca o relatório The role of critical minerals in clean energy transitions (2021), publicado pela International Energy Agency (IEA), um sistema pautado em tecnologias de energia limpa é profundamente diferente dos sistemas alimentados por hidrocarbonetos tradicionais. A construção de usinas solares fotovoltaicas, parques eólicos e veículos elétricos requer muito mais minerais do que seus equivalentes baseados em combustíveis fósseis. Uma usina eólicaonshore, por exemplo, exige nove vezes mais recursos minerais do que uma usina a gás.
Conforme observamos no Gráfico 8 abaixo, a quantidade de minerais, em kg, necessários para a produção de veículos elétricos é cerca de cinco vezes mais do que o necessário para produzir os veículos convencionais: 70 kg de cobre a mais; 7,5 kg de lítio; 20,5 kg de níquel; 20 kg de manganês; 20,5 kg de cobalto; 0,53 kg de terras raras.

Minerais como o lítio, níquel, cobalto e manganês são fundamentais para o desempenho, longevidade e densidade de energia das baterias elétricas. Além deles, outros minerais metálicos são importantes para as novas dinâmicas tecnológicas vinculadas ao processo de transição energética: as terras raras são essenciais para ímãs permanentes utilizados nas turbinas eólicas e nos motores dos veículos elétricos; o cobre e o alumínio, fundamentais para as redes de transmissão de eletricidade. Nesse sentido, conforme destaca a pesquisa realizada pela IEA (2021), a mudança para um sistema de energia limpa irá gerar uma grande demanda sobre esses materiais.
A IEA (2021) estima que a demanda mineral para uso em veículos elétricos e armazenamento de bateria deve aumentar ao menos trinta vezes até 2040, variando a porcentagem de cada mineral, com destaques para o lítio, cobalto e níquel. Com o horizonte de uma economia descarbonizada nos principais centros do sistema mundial contemporâneo, as preocupações em relação ao acesso a esses recursos tornam-se questão central na segurança energética desses países. É diante desse cenário que a América Latina se apresenta como um território central na disputa geopolítica por acesso aos recursos minerais fundamentais para o processo de transição energética que tem ganhado cada vez mais destaque, conforme podemos observar nos projetos políticos liderados pela União Europeia, China e EUA, brevemente mencionados acima.
Os países latinoamericanos em conjunto possuem, relativamente ao âmbito mundial, reservas importantes de grande parte dos minerais metálicos citados acima: 56% das reservas mundiais de lítio, concentrados principalmente na Bolívia (21,4%), Argentina (20,4%) e Chile (11,2%); 36,4% das reservas mundiais de cobre, presentes principalmente em: Chile (21,3%), Peru (9,1%) e México (6%); 16,1% reservas mundiais de manganês, concentradas quase que exclusivamente no Brasil (15,8%); 16,15% das reservas mundiais de terras raras, concentradas em sua totalidade em território brasileiro; e 16% das reservas mundiais de níquel, localizados também em sua totalidade no Brasil (USGS, 2023).
A partir de uma análise prospectiva, tendo em vista a discussão realizada linhas acima e as reservas minerais localizadas em território latinoamericano, podemos considerar que nos próximos anos e décadas, a pressão sobre a exploração desses recursos deve aumentar. Os novos ciclos tecnológicos que se iniciam, voltados para uma transição energética de baixa emissão de carbono, são altamente dependentes do acesso aos recursos minerais presentes em grande medida nos países da América Latina. À luz desse contexto, já é possível observar uma intensa movimentação geopolítica em torno ao acesso aos recursos minerais presentes na região.
Em fevereiro de 2023, a Bolívia, detentora da maior reserva mundial de lítio, e a China, responsável por 64% da produção mundial de veículos elétricos, fecharam um acordo para a produção de lítio e fabricação de baterias elétricas em território boliviano. O projeto para instalação de duas plantas de produção de carbonato de lítio, realizado de maneira integrada entre as companhias chinesas Contemporary Amperex Technology Limited (CATL), Brunp e China Molybdenum Company Limited (CMOC), deve ser iniciado em 2024 e estar em operação em 2025.16 Em junho deste ano, a estatal de energia nuclear russa Rosatom e a empresa privada chinesa Citic Guoan Group fecharam outro acordo para a produção de carbonato de lítio no país andino, garantindo um investimento de US$ 1,4 bilhão.17 No Chile, a BYD investirá US$ 290 milhões na construção de uma fábrica de cátodo de lítio.18 Na Argentina, uma parceria entre a Y-TEC, a mineradora americana Livent e a Universidade Nacional de La Plata inaugurará este ano a primeira fábrica nacional de células e baterias de lítio na cidade de La Plata, em Buenos Aires.19
No Brasil, entretanto, analisadas as iniciativas implementadas em 2023, observamos pouca atenção dada pelo governo federal em relação à atividade mineradora, à luz deste contexto. Nesse cenário, o país se destaca por suas reservas de manganês, níquel, terras raras, além de uma pequena reserva relativa de lítio. A extração deste mineral, por exemplo, está concentrada no Vale do Jequitinho, no estado de Minas Gerais, liderada atualmente pela Sigma Lithium, que o exporta sem maior valor agregado, em grande medida, à China. Ao governo estadual, o principal interesse demonstrado publicamente é atrair outras multinacionais para a região.20 No âmbito do governo federal, a pesquisa não encontrou nenhum projeto específico que tenha o intuito de gerenciar essa exploração ou de criar cadeias produtivas locais para maior exploração desses recursos.
Por outro lado, o esforço do Ministério de Minas e Energia em direção à transição energética do país aparenta estar concentrado nos investimentos na produção de biocombustíveis e de combustíveis sintéticos. Nessa direção, foram apresentados: o Projeto de Lei Combustível do Futuro e o Programa Nacional do Hidrogênio.21 Ambos tratam da descarbonização da matriz de transporte nacional. Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)22 pretende subsidiar o montante de R$ 50 bilhões que seriam destinados a projetos de transição energética. Por fim, o Novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo Governo Federal em agosto, prevê um investimento de R$ 307 milhões em pesquisa mineral, incluindo a avaliação sobre depósitos de cobalto, níquel, lítio, terras raras, cobre e grafita.23
Tendo em vista estas notícias, compreendemos que as iniciativas de transição energética lideradas pelo governo federal nos últimos meses possuem certa relevância para os seus setores específicos, porém, em nosso entendimento, se apresentam de maneira, ao menos, incompleta. Isto é, não encontramos uma preocupação declarada quanto às previsões de aumento da demanda de determinados minerais necessários para a descarbonização da economia planetária e à crescente pressão, previstas para as próximas décadas, sobre as reservas minerais brasileiras consideradas estratégicas nesse contexto. Ao não dimensionar esses aspectos, o Brasil perde de vista que nos próximos anos seu território deverá ser espaço de intensa disputa para o desenvolvimento da atividade mineradora, novamente.
Nesse sentido, a descarbonização da matriz de transporte nacional a partir da produção interna de biocombustíveis e combustíveis sintéticos –desconsideradas todas as possíveis críticas sobre essas iniciativas– pode ser um projeto viável. Todavia, desconsiderar a importância das reservas minerais brasileiras diante dos novos ciclos tecnológicos e sua grande demanda internacional, permitirá nos próximos anos uma intensificação da mineração no país e a replicação de seu caráter expropriativo nos âmbitos socioambiental e político-econômico. Além de ser uma atividade altamente poluente,24 os projetos mineradores, no Brasil, foram responsáveis por conflitos registrados em 644 localidades durante o ano de 2021, segundo o relatório do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração (2022).25 Ademais, dessa maneira, perde-se a oportunidade de refletir sobre a exploração desses recursos para além das tendências de oferta e demanda, a fim de desenvolver uma atividade menos intensiva e mais estratégica, a partir da criação de cadeias produtivas locais.
Conforme verificamos linhas acima, a demanda mineral de recursos necessários aos ciclos tecnológicos das iniciativas de transição energética é crescente. O Brasil e alguns outros países da América Latina, como Bolívia, Chile, Peru e Argentina, serão territórios de intensa disputa geopolítica por acesso às suas reservas minerais. Aliás, já é possível identificar uma intensa movimentação de empresas multinacionais e do estabelecimento de parcerias estatais em torno dessas dinâmicas. Todavia, a partir desse pequeno enunciado de iniciativas e projetos apresentado nos últimos parágrafos, podemos verificar que assim como no período do boom das commodities do início do século XXI, atualmente falta ao Brasil a elaboração e a prática de um plano estratégico de exploração mineral que se dê com o intuito de romper o ciclo expropriativo que historicamente caracteriza o desempenho de tal atividade no país.
À luz de um enfoque construído a partir da perspectiva da geopolítica dos recursos naturais, sem perder de vista a longa duração do desenvolvimento dependente do capitalismo brasileiro e seu caráter primário exportador, e considerando as diferentes concepções de poder que permeiam a organização do território nacional, verificamos que os aspectos político-econômicos e socioambientais, relacionados à mineração, vivenciados durante o boom das commodities do início do século XXI não refletiram uma dinâmica inédita e, a seguir como está, deverão se repetir nas próximas décadas no Brasil e na região. Na primeira parte do artigo, apresentamos como o mais recente boom das commodities garantiu um crescimento significativo do valor das exportações minerais brasileiras, contribuindo para uma melhoria do desempenho macroeconômico e fiscal do país. Todavia, para além dos índices de exportações, os valores da atividade mineradora pouco acrescentaram para o ritmo da economia nacional como um todo. A participação no PIB ao longo do boom não ultrapassou 1,1%, e a contribuição para o mercado de trabalho representou em seu auge apenas 0,1% da população brasileira formalmente ocupada. Além disso, tal atividade esteve concentrada, em grande medida, na exploração mineral de um único recurso, o minério de ferro, para exportá-lo sem agregação de valor a um único país, a China. Por outro lado, houve uma transferência considerável do território nacional para a iniciativa privada estrangeira, tendo um grande impacto no modo de viver das populações locais próximas aos projetos mineradores e de suas estruturas para exportação.
Diante do cenário de transição energética que se anuncia nas próximas décadas, o Brasil deverá despertar novamente grande atenção do mercado internacional de commodities, principalmente em relação às suas significativas reservas de manganês, níquel e terras raras, conforme destacado na segunda parte do artigo. Todavia, não conseguimos identificar nenhum plano por parte do governo federal brasileiro que reflita de maneira estratégica a exploração desses recursos. Da maneira como se dispõe, a mineração brasileira continuará a lógica de explorar e exportar sem qualquer valor agregado seus minerais, a partir da liderança das multinacionais do setor. Além disso, de modo geral, as iniciativas públicas de transição energética até então anunciadas no país, analisadas aqui brevemente, aparentam necessitar de uma maior integração entre os órgãos governamentais internos, ademais de estabelecer um maior diálogo intrarregional.
Portanto, tendo em vista as iniciativas de transição energética contemporâneas e a grande demanda mineral de seus ciclos tecnológicos, podemos concluir que os desafios que se apresentam para a mineração brasileira são enormes e de longo prazo. Sendo assim, consideramos que refletir a experiência do último boom das commodities e seus impactos expropriativos no país seja um primeiro e importante passo para a elaboração de alternativas soberanas e populares ao nosso modelo de desenvolvimento econômico e da mineração a ele atrelado.







