Entrevista

No cruzamento da escola pública com a democracia existe sempre uma educadora entrevista com Joice Maria Lamb

At the intersection o public school and democracy there is always an educator

En la intersección de la escuela pública y la democracia siempre hay un educador

Dinora Tereza Zucchetti
Universidade Feevale, Brasil
Gabriel Grabowski
Universidade Feevale, Brasil
Joice Maria Lamb
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

No cruzamento da escola pública com a democracia existe sempre uma educadora entrevista com Joice Maria Lamb

Reflexão e Ação, vol. 31, núm. 2, pp. 223-236, 2023

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 01 Septiembre 2023

Aprobación: 03 Septiembre 2023

APRESENTAÇÃO DA EDUCADORA

Joice Maria Lamb é professora da rede pública do município de Novo Hamburgo, estado do Rio Grande do Sul (RS), desde 1991. Nesse período atuou em diversas funções nas escolas: foi professora, diretora e coordenadora pedagógica. Cursou Magistério no Ensino Médio, graduada em Letras pela Unisinos, com especialização em Gestão Escolar e em Coordenação Pedagógica pela UFRGS. No ano de 2023, concluiu o Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação – Faced/UFRGS com a dissertação intitulada Práticas pedagógicas democráticas e a constituição de uma outra cultura na escola Profª Adolfina J. M. Diefenthäler. Participou como formadora dos Programas Gestar II e Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) do Ministério da Educação. Escreveu para o Blog Gestão Escolar da Nova Escola de 2017 a 2020. Foi finalista, entre os 50, do Prêmio Educador Nota 10 em 2017, vencedora e agraciada com o Prêmio Educadora do Ano, em 2019. Entre os temas das suas reflexões, relatos de experiências, aprofundamento de estudos, constam: a defesa da escola pública, cuja ênfase recai sobre a gestão democrática; o direito à educação; a formação continuada e a gestão de projetos educativos, com foco no protagonismo dos estudantes. Colaborou com os Podcasts Vida Desruptiva, Ser Educação (JornalNH) e Folha na Sala (Folha). A partir do Prêmio Educador Nota 10 concedeu incontáveis entrevistas veiculados em rádios, tvs, de abrangência regional e nacional. Revista Veja, Canal Futura, estão entre os meios de comunicação que publicizaram não somente o Prêmio, mas as preocupações e compromissos da educadora, sendo expressiva a repercussão pública a partir das publicações, também no youtube e outras redes sociais. A Revista Nova Escola também produziu Documentários sobre a escola onde atua, desde o ano de 2012.

INTRODUÇÃO

Este texto é resultado de duas entrevistas realizadas com a educadora Joice Maria Lamb no primeiro semestre de 2023. O objetivo é socializar e compartilhar o trabalho docente já reconhecido e premiado realizado pela educadora na rede pública municipal, mais especificamente na Escola Municipal de Educação Básica – Emeb Profª Adolfina J. M. Diefenthäler, na cidade de Novo Hamburgo, região do Vale do Rio dos Sinos. Pretende-se demonstrar que, apesar das críticas sistemáticas ao trabalho de professores/as e às escolas públicas, a escola pública com qualidade social, inclusiva, com gestão democrática, com envolvimento da comunidade e protagonismo dos estudantes existe e é uma realidade. Esta escola é resultado de um projeto político-pedagógico institucional assumido por um coletivo de professores/as que possui clareza de propósito e respeito a pluralidade e diversidade da escola pública brasileira.

Buscou-se através das entrevistas ouvir esta professora de uma escola pública envolvida e comprometida com o projeto participativo por meio da gestão democrático da escola, enquanto uma liderança do projeto em desenvolvimento. A Emeb Profª Adolfina J. M. Diefenthäler tem como proposta institucional promover e favorecer o pensamento autônomo, a criatividade, a curiosidade e o trabalho colaborativo. Duas linhas de ação se destacam: o ensino pela pesquisa, uma estratégia de desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes desde a educação infantil, e a participação efetiva de toda comunidade escolar – direção, professores/as, funcionários, estudantes, pais e ou responsáveis – nas assembleias da escola, uma expressão real de cidadania e democracia participativa direta.

“Penso que tudo se inicia na participação democrática” afirma Joice nesta entrevista. Sempre que se propõe uma gestão democrática da escola pública básica que tenha efetiva participação de estudantes, pais, educadores, funcionários da escola e da comunidade, taxa-se como algo utópico, impraticável. A palavra utopia significa o lugar que não existe. Não quer dizer que não possa vir a existir. Na medida em que não existe, mas ao mesmo tempo se coloca como algo de valor, algo desejável do ponto de vista da solução dos problemas da escola, a tarefa deve consistir, inicialmente, em tomar consciência das condições concretas, ou das contradições concretas, que apontam para a viabilidade de um projeto de democratização das relações no interior da escola.

A gestão democrática da escola pública básica está prevista na LDBN (Lei nº 9.394/1996). O desafio da participação da comunidade na escola, segundo Paro (2012)4, requer medidas corajosas a respeito, o autor refere-se ao provimento de condições para que os membros das camadas exploradas participem da vida escolar. Não basta permitir formalmente que os pais de alunos participem da administração da escola; é preciso que haja condições materiais propiciadoras dessa participação.

Neste cruzamento da escola pública com a democracia existe sempre um(a) educador(a) constitui-se numa afirmação que é também um pressuposto: a educação é uma relação humana e a escola um espaço público comum de aprendizagem. Como disse Paulo Freire: escola é sobretudo, gente. Gente que trabalha, que estuda, que se conhece, se estima. O Diretor é gente. O coordenador é gente. O professor é gente. O aluno é gente. Cada funcionário é gente. O importante na escola não é só estudar. É educar-se e ser feliz. Confira lendo esta entrevista.

Entrevistadores: Quem é você, Joice Lamb?

Joice Lamb: Sou uma mulher, mãe, professora, escritora, poeta. Sou professora da rede pública de Novo Hamburgo, RS, desde 1991. Atuo como Coordenadora Pedagógica da Escola Municipal de Educação Básica Profª Adolfina J. M. Diefenthäler desde 2012. Acredito, defendo e milito por uma escola pública democrática e inclusiva para todos, que eu penso que se tornará uma escola de qualidade. Não defendo a escola pública de qualidade em primeiro lugar, porque me preocupa exatamente qual é o viés utilizado para se perceber a qualidade da escola. Para mim, se a escola não é democrática, ela não é de qualidade. Esse é o meu viés.

Entrevistadores: Quais são as suas principais produções, premiações, homenagens, destaques na vida profissional?

Joice Lamb: Poderia começar com premiações, mas vou começar com destaques. Os destaques da vida profissional de uma professora nem sempre são públicos, às vezes, são pequenos momentos privados que a gente guarda com carinho, porque são munição para levar a vida, principalmente considerando todas as dificuldades que enfrentamos na escola pública. Em 1996, 1997, eu e minha amiga Andrea Zimmer levávamos nossos estudantes de 5ª série para a rua com o objetivo de declamar poesias. Levávamos no centro da cidade as crianças com redes, para segurarem as pessoas para ouvir poesia. Chamávamos de Arrastão Poético. No bairro, eu andava pelas ruas com turmas de estudantes falando poesia. O termo Arrastão Poético ficou famoso na cultura escolar da cidade, mas temo que poucos saibam de onde se originou. Nesta mesma época, editei dois livros de textos e poemas com esses estudantes, o Artes da Palavra e Nas Margens da Poesia. Uma característica desses livros é que todos os estudantes tinham, pelo menos, um texto publicado. A seleção era feita entre os textos de cada um, não entre os estudantes. Ali, no começo da carreira, eu já definia o sentido de “para todos” na minha prática. Em 2001, fiz quatro filmes com estudantes de quatro turmas. Cada turma produziu um: A Alíada, A Odisséia, Deuses Gregos e Eros e Psique. Depois fizemos um festival com a apresentação dos filmes do salão de Atos da Feevale para toda a comunidade. Teve até troféu: Affonsito no lugar do nosso conhecido Kikito. Neste momento, também, todos os estudantes de cada turma participaram, mesmo que numa pequena ponta. Na Adolfina, tenho orgulho de três projetos que saíram, diretamente, da minha mente inquieta. O Mais Adolfina, projeto de reclassificação para diminuir a defasagem idade-série dos estudantes, a FIC (Feira de Iniciação Científica da escola) que virou sinônimo do projeto de iniciação científica que desenvolvemos, garantindo o direito de todos os estudantes a apresentar uma pesquisa na feira e o #foradacaixa, que é o que eu penso ser a ação mais importante para a ideia de coletividade que temos na Adolfina. Em 1997, recebi o prêmio “Eugênio Nelson Ritzel”, dado pela Câmara Júnior de NH, pela publicação do livro Artes da Palavra, coletânea de textos de alunos da 5ª série. Esse foi o único prêmio que ganhei como professora. Em 2019, na função de coordenadora pedagógica, venci o Prêmio Educador Nota 10 e, em seguida, fui Educadora do Ano, outro prêmio disputado entre os dez educadores vencedores. Em 2022, a Adolfina foi premiada em TOP 3 no World’s Best School Prizes, promovido pela T4 Education. Essa premiação internacional se deu na categoria colaboração comunitária. Essa premiação é muito especial pra mim porque não é pessoal, é do coletivo da escola, mas cada um de nós pode ver o prêmio como seu.

Entrevistadores: De que modo se desenvolve o ensino pela pesquisa na escola municipal Adolfina Diefenthaler?

Joice Lamb: Nossa proposta desde a Educação Infantil envolve a ideia de que é necessário favorecer o pensamento autônomo, a criatividade, a curiosidade e o trabalho colaborativo. O ensino pela pesquisa pode acontecer em todas as disciplinas e anos escolares, em momentos diferentes a depender do planejamento de cada docente, mas o ponto principal é o Projeto de Iniciação Científica e a FICAdolfina (Feira de Iniciação Científica). O projeto prevê a realização de uma pesquisa por todos os estudantes, organizados em pequenos grupos, a partir do 2° ano. A pesquisa é orientada pelo método científico e cada grupo constrói um plano de pesquisa. Na educação infantil e no 1° ano, as professoras organizam uma pesquisa para a turma toda. Essas pesquisas não têm nenhum tipo de restrição para a escolha do tema. Os estudantes podem pesquisar qualquer coisa. A média de trabalhos a cada ano é de mais ou menos 140. Na FIC todos os trabalhos são apresentados pelos estudantes. Não existe uma pré-seleção ou julgamento para apresentar só os melhores. Na Feira os trabalhos são avaliados por avaliadores externos e são premiados. Entendemos que a experiência de apresentar é o mais valioso, porque o ambiente de Feira é muito diferente do comum da escola. Os avaliadores são pessoas que eles nunca viram e, talvez, não verão nunca mais. Se olharmos para o processo das feiras científicas, a lógica é sempre a da seleção. Muitos estudantes nunca iriam viver esse momento de apresentar o seu trabalho se fizéssemos um processo seletivo na escola também. A oportunidade de apresentar o seu trabalho, mesmo tendo falhas, permite que os estudantes tenham um feedback real dos avaliadores. Se a criança começa a estudar na Adolfina aos 4 anos e segue até o final do fundamental, ela vai ter a experiência de 10 Feiras de Iniciação Científica. Por isso, fazemos uma grande feira. A feira tem logotipo e arte para divulgação. Os certificados, crachás e cartazes são feitos em gráficas. As medalhas foram desenhadas especialmente para o evento. Nossa feira não perde em nada para muitas feiras municipais. Se não é possível que todos os nossos estudantes se apresentem numa grande feira, nós construímos a nossa feira aqui. Então, não ser selecionado para a Feira Municipal, que também ocorre anualmente, não tira a experiência da participação na escola.

Entrevistadores: Como funciona a comunidade de aprendizagem na tua escola e como se desenvolvem os processos de aprendizagem colaborativa?

Joice Lamb: Penso que tudo se inicia na participação democrática. Não é possível construir uma comunidade de aprendizagem enquanto ela é só ideia. Nem as melhores pessoas com as melhores intenções conseguem construir um processo colaborativo a partir apenas de conceitos de como deveria ser. É até ingênuo acreditar que isso possa acontecer e depois ficar procurando motivos para o fracasso. Na Adolfina, a possibilidade do trabalho colaborativo começa quando se instala o processo de assembleias que garante a ideia de participação democrática como um direito. A partir deste momento, a ação das pessoas envolvidas constrói aquilo que essas pessoas querem construir, que pode ser uma comunidade de aprendizagem ou outra coisa que não pensamos ainda. Num espaço verdadeiramente democrático, as pessoas estão livres para falar, para pensar, para agir. Essa liberdade coletiva se auto regula, porque é sempre mediada pelos outros. Num processo como este, não há necessidade de termos medo de que a liberdade seja “excessiva” ou que faça mal para alguém. Então, acredito que na Adolfina temos uma grande comunidade de aprendizagem que inclui a escola inteira, mas temos outras menores como as comissões, os grupos de pesquisa, as assembleias, as turmas. Cada uma suprindo necessidades diferentes, em diferentes tempos e com diferentes pessoas.

Entrevistadores: Descreva o processo escolar-democrático na escola.

Joice Lamb: Novamente, o momento central são as assembleias mensais por segmentos. Temos agora três segmentos: estudantes, professores e funcionários, familiares. Estas três assembleias acontecem mensalmente e é a partir delas que tudo acontece. Nas assembleias são tomadas decisões que impactam os outros setores da escola: o orçamento, o currículo, as atividades cotidianas, a cultura. As assembleias iniciaram em 2012 e depois disso nunca cessaram porque entendemos que são o espaço da participação democrática como direito. As assembleias não ocorrem para resolver um problema que possa ter sido identificado pela direção ou pelos professores, então elas não são consultivas, são deliberativas. De modo geral, as pessoas participantes é que trazem as demandas para discussão. Não podemos dizer nem que é um processo de baixo pra cima, não existe em cima ou embaixo, porque as grandes decisões não são deixadas para que a direção da escola defina se acata ou não. Tudo é decidido na Conferência Escolar que ocorre uma vez ao ano e delibera pontos principais que serão realizados no ano seguinte. Ao mesmo tempo, esse processo não molda a ação das pessoas, impedindo-as de tomar as decisões que seriam da sua função, impedindo-as de exercer o poder que emana da sua função. Por exemplo, os professores são aqueles que tomam a frente nas decisões pedagógicas. Eles não precisam ter a anuência prévia dos estudantes para implementar um projeto. A função deles dá esse poder, de certa forma. A questão é que, se os estudantes tiverem problemas com alguma exigência feita a eles, a assembleia é o espaço onde eles podem colocar suas demandas e serem ouvidos. Quando alguém traz um tema para uma assembleia, ele sempre é ouvido e tem espaço de argumentação e talvez de conseguir mudar aquilo que incomoda. Da mesma forma, a direção da escola ou a coordenação pedagógica não tem o processo democrático como um entrave para a execução de suas funções, mas como uma instância reguladora, de equilíbrio entre poderes e necessidades de cada uma. Por isso eu digo que as assembleias não são um espaço consultivo.

Entrevistadores: Fale sobre a relação entre os processos de democracia e de autonomia na escola em relação ao desempenho na aprendizagem.

Joice Lamb: Penso que esses processos estão completamente ligados, porque aprender verdadeiramente exige autonomia do estudante, caso contrário não é aprender, mas sim decorar códigos, datas e conceitos. A escola não é só um lugar de exercitar a memória, mas de construir um processo de aprendizagem no qual o estudante seja protagonista. Tem uma questão que eu bato muito que é a “explicação”. Os estudantes e os pais reclamam muito sobre isso: o professor não explica. Existe uma dependência da explicação do professor, de que ele diga o tempo todo como fazer, isso impede, em muitos casos, a construção da autonomia. Essa dependência é alimentada através da cultura escolar que olha para o estudante como o que não sabe e para o professor como aquele que sabe. Quando o estudante não é incentivado a ser mais autônomo, ele olha para o professor o tempo todo como aquele que vai dizer o que fazer e o próprio estudante é apenas aquele que segue. O processo democrático na escola, através das assembleias, constrói e fortalece a autonomia e o protagonismo de uma forma que não é didatizada. A experiência da assembleia se constitui diferentemente para cada um, mas não é de nenhuma forma menos potente para quem participa menos.

Entrevistadores: O que a sua pesquisa de mestrado apontou sobre o impacto da gestão democrática nos processos escolares de aprendizagem?

Joice Lamb: O ponto principal da minha pesquisa não foi o processo de aprendizagem, mas a constituição de uma outra cultura. É claro que a aprendizagem é altamente impactada por essa cultura que se forma a partir da participação democrática. Com as assembleias, os sujeitos percebem que a sua voz, a sua ação faz diferença no contexto geral. E, na medida em que o tempo passa, cada vez mais eles se sentem capazes de trazer as suas ideias e de pensar sobre as coisas. A criatividade é muito estimulada quando existe a certeza de que o que se fala é importante. Em situações de opressão, as pessoas não se permitem pensar diferente, ter esperança, ousar coisas novas. Tudo isso impacta diretamente em como se dá a aprendizagem. A questão é que, muitas vezes, a escola não se percebe como um lugar de opressão. A cultura escolar é marcada por regras, por burocracias, por falta de escuta, mas tudo isso se dá sob o pretexto de que estamos fazendo o melhor. Esse tempo de experiência democrática que eu tive me fez perceber, em comparação com meus outros anos na escola, que não se trata de falta de boas intenções. As intenções da escola, de qualquer escola, são as melhores para os estudantes. A questão é que esse “melhor” não está em discussão. E quem se desvia dessa ideia de melhor já constituída acaba sendo excluído e taxado de incapaz, preguiçoso, ineficiente, tanto estudantes como professores. Num processo democrático constituído da forma como fizemos é o coletivo que constrói essa ideia de melhor. Acredito que consegui muito achados interessantes durante a minha pesquisa. Ao olhar para a cultura da escola, identifiquei muitos dos elementos que passaram a constituir essa cultura. Considerei o currículo da escola, as práticas democráticas (assembleias e outros projetos), a organização do orçamento e o espaço escolar como aspectos observáveis da cultura. Identifiquei também nove valores partilhados pelos participantes da cultura: a liberdade de poder, a garantia de escuta, respeito e valorização das opiniões; a busca do bem comum; o reconhecimento do outro; a igualdade entre todos os segmentos; a aceitação dos conflitos como possibilidade de aprendizagem; a aprendizagem pela vivência; a escola sendo um espaço de satisfação, de ser feliz; e que juntas as pessoas são capazes do impossível. Os pressupostos básicos foram mais complexos para definir, porque não estão na “parte de cima” da cultura, são quase que invisíveis, mas orientam as ações das pessoas. Então, penso que eles são mais possíveis de questionamento. Os pressupostos que identifiquei foram: democracia; autoridade partilhada; falar coletivo; pertencimento recíproco e aprender entre nós. Tudo isso tem impacto direto na aprendizagem.

Entrevistadores: Em que medida os processos de destaques e premiações pessoais e da escola estão relacionados com as aprendizagens dos estudantes.

Joice Lamb: Penso que as premiações recebidas, tanto pela escola, como pelos estudantes individualmente, contribuem para a construção de expectativas mais altas para todos. Sabemos que muitas crianças não chegam na escola com grandes expectativas de sucesso, elas estão na escola porque é lei e todas as crianças precisam estar nela e também que a escola pública, no senso comum, não é uma escola de qualidade. Quando as premiações, os destaques, começam a aparecer, todas as pessoas da escola também são elevadas de categoria. Por exemplo, eu não estudo em qualquer escola, eu estudo numa das melhores escolas do mundo. Quando as expectativas sobre o lugar onde eu estudo, sobre mim e sobre meus colegas, sobre meus professores se elevam, eu também faço parte dessa “subida de nível”. É muito difícil manter as expectativas altas para os nossos estudantes, quando elas são baixas, não existe receita para o sucesso que funcione, porque tudo morre antes de começar, visto que “eles não são capazes”. Podemos chamar essas expectativas que eu falei por outros nomes, esperança, por exemplo, mas no final se trata da mesma coisa. As pessoas não fazem nada quando não se sentem capazes de E o senso comum a respeito da escola pública e do estudante de escola pública não ajuda. Essas premiações ajudam a questionar o senso comum, se não mudá-lo.

Entrevistadores: Como se dá a participação da comunidade externa (pais, responsáveis, associações de bairro, comércio, empresas) no processo escolar e qual a contribuição desta relação nas premiações?

Joice Lamb: Acho que existe uma participação considerável das famílias, mas dos outros sugeridos na pergunta não. Nem mesmo da Secretaria de Educação. As assembleias, a conferência, a feira científica trazem a família para mais perto e contribuem muito para construção dessa escola mais acolhedora que queremos, mas o restante da sociedade civil pouco ajuda. Ainda não encontrei nenhuma ajuda realmente relevante e nenhuma totalmente isenta de "intenções" e agenda próprias. A sociedade ainda se coloca no lugar de querer “salvar a escola” de si mesma e não sabe o que fazer com uma escola autônoma e democrática, que não vai deixar ser usada para palanque político ou para vendas fantasiadas de coisas grátis.

Entrevistadores: Qual foi seu propósito na ação docente nestas décadas de trabalho com os estudantes?

Joice Lamb: Acho que o tempo todo eu quis que os estudantes pudessem conhecer e mostrar quem são com autonomia e protagonismo, não de uma forma individualista, mas coletiva. O coletivo como espaço de promoção da superação individual é meu propósito.

Entrevistadores: Como deve ser a escola a partir de 2023, nestes tempos de tantas tecnologias, redes sociais, covid-19, entre outros?

Joice Lamb: Acho que a escola precisa se voltar para as primeiras coisas: natureza, diálogo, comunidade. A tecnologia por si só já avança na vida de todos nós. Treinar as crianças para isso não é necessário, por outro lado, as relações com a natureza, as relações de amizade e o reconhecimento do outro como igual estão se perdendo. Vemos cada vez mais crianças chegando aos quatro anos na escola sem nenhuma autonomia, cheia de medos, cheias de choros, cheias de “vontades”, sem reconhecer colegas e professores, mas com um conhecimento imenso de redes sociais. Quando dizemos que essas crianças têm que brincar, os pais estão dizendo que elas vão sem machucar, que é perigoso e tudo mais. Estamos cada vez mais criando uma sociedade com medo de viver.

A ideia de “empreendorismo” está sufocando nossas possibilidades de pensar no coletivo. Veja bem, falamos tanto de empreendedorismo na escola, querendo transformar todos em "grandes empresários”, mas deveríamos falar de cooperativismo. Os dois podem desenvolver empresas de lucro, mas só o segundo vai levar em consideração algo mais que o lucro.

Entrevistadores: Queremos lhe ouvir mais sobre esta ideia de educação para todos, o que ela implica, pois trata-se de um conceito bastante aberto, utilizado em diversos contextos e sentidos?

Joice Lamb: Quando a gente pensa nisso, a primeira ideia que temos é todos estarem na escola. Mas que escola é esta? Porque quando a gente ampliou nas últimas décadas a oferta, o Brasil como todo, superlotou as escolas, principalmente as públicas e de periferia. Então, existem várias ideias no senso comum das pessoas, de que as pessoas menos favorecidas, com mais dificuldades econômicas, não aprendem como as outras e teria que ser dado algo mais fácil/simples. Quando a gente na Adolfina começa a pensar sobre isso, porque essas crianças não estão aprendendo, a educação para todos passa a não ser a melhor palavra, mas sim aprendizagem para todos. Entretanto, educação normalmente é isso: ponho todo mundo na escola e todo mundo tem educação. Em 2012, quando a gente chega lá na Adolfina, havia um índice muito grande de reprovação e um índice de defasagem alto, bem acentuado. O que a gente enxerga logo? Não tem aprendizagem para todos nas escolas. Então quem não está aprendendo? Começamos a mapear quem não está aprendendo. Existem várias ações na Adolfina que aconteceram ao mesmo tempo e que talvez se olharmos uma ação isolada, não obteve o resultado que obteve em outro lugar. Até a gestão democrática, sem uma concepção anterior da importância da aprendizagem para todos, ia dar em um outro caminho. Ao mesmo tempo em que existia a gestão democrática, participação dos alunos e estudantes, existia também um caminho planejado por nós da gestão, que era a partir da ideia de que todos podem aprender. Para que isso se consolidasse a gente precisava olhar para como os estudantes aprendiam e também as nossas formas de entender o que eles estavam aprendendo. Eu falo muito de uma escola democrática e inclusiva, que é o que a gente quer. Ser democrática já abre a questão da participação. Eu nunca falo muito sobre uma escola de qualidade, porque quando a gente coloca a qualidade em primeiro lugar está em disputa o conceito de qualidade que está muito envolvido com uma qualidade de mercado. Qual é a qualidade de uma escola como a Adolfina? O que tem que atingir para que seja melhor para seus estudantes? Quando a gente fala sobre gestão democrática em eventos ou entrevistas, uma das coisas que muito nos perguntam é sobre a formação continuada de professores. Eu coloco a assembleia como um momento de formação continuada, porque o exercício da assembleia, é um exercício de aprendizado. Quando a gente coloca pais, professores, estudantes, funcionários da escola para discutir, estamos construindo um processo de aprendizagem. Não é nem uma aprendizagem formal, é uma informalização, então a gente entende que a participação gera aprendizagem, gera transformação. Dessa forma, todas as pessoas da escola se colocam no lugar de quem está aprendendo, o tempo todo, então isso faz diferença. Se o professor se colocar no lugar de quem está aprendendo com os seus estudantes, ele olha para eles de forma diferente, essa mudança de olhar do professor para os estudantes é que faz a diferença. A educação para todos é construída no processo democrático, processo em que aprender é uma constante e mudar de opinião também, rever posturas e analisar as situações diferentemente. Um elemento importantíssimo para o sucesso da Adolfina é o fato de que as assembleias começaram e nunca pararam, a não ser na pandemia.

Entrevistadores: Neste sentido, não é uma democracia representativa e sim participativa?

Joice Lamb: É uma coisa mais direta, todo mundo tem direito de voz em todos os momentos. A conferência é aberta para todo mundo. Nela se decide boa parte do orçamento, uma coisa importantíssima para ser gerenciada pelas assembleias. Tudo inicia com as assembleias pequenas (mensais) que são de turmas, de professores e funcionários e de pais. Durante o ano, são levantadas demandas de necessidades de serem adquiridas. Essas demandas, quando elas são coisas pequenas e que cabem no orçamento de custeio, são comparadas durante o ano. Quando é uma coisa grande, compra de capital/ algo grande, dizemos que são demandas de conferência. Por exemplo, mobiliário para sala de aula, para comprar um freezer novo para cozinha, mais ventiladores em tal sala, comprar uma televisão, qualquer coisa assim, dizemos que é demanda de capital. Na conferência, discutimos e votamos as demandas e se aprova ou não a inclusão no documento da conferência. Quando incluir no documento da conferência temos a responsabilidade de no ano seguinte implementar aquilo. Mas, às vezes, na conferência, as pessoas querem comprar tudo, mas o dinheiro não tem. Então, é necessário organizar prioridades.

Entrevistadores: Podemos dizer que fica explícito nas tuas falas desde o início da nossa conversa que a liberdade coletiva se regula. Gostaríamos de explorar um pouco essa ideia. Passamos por e ainda vivemos resquícios de um conservadorismo exacerbado nos últimos anos, ainda mais recrudescido no governo do Presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) que incidiu também sobre as escolas, a liberdade de cátedra, perseguições, discursos sobre uma “escola ideológica”, como foi vivido na Adolfina?

Joice Lamb: Eu falo que a liberdade se regula, e é uma coisa que eu acredito. Mas essa regulação nem sempre é aquilo que é bom para mim. Quando a gente tem um viés no nosso pensamento, a gente tende a achar que todo mundo tem que pensar nesse viés que a gente está pensando, e não é assim. É um espaço bastante conservador que nós temos lá, então existe sempre a regulação, através das assembleias, porque as pessoas discutem em um processo livre. Porque pode existir um processo de assembleia que é gerenciado, mas o nosso é um processo livre, porque nós nunca temos pauta, eventualmente quando acontece algo muito grave, mas os estudantes estão sempre livres. Muitas das discussões que eles fazem ali, às vezes nem vai para o caderno, porque eles estão sozinhos e estão se regulando, estão se ouvindo e falando. Esse processo transforma as pessoas, por isso que eu digo que existe uma regulação. Agora nem sempre a forma como o grupo se regulou é a forma que eu gostaria que fosse. Por exemplo, numa assembleia de pais antes do dia 20 de abril de 2023, os pais disseram muitas coisas que nós não concordávamos. Eles queriam que a gente fizesse treinamento de defesa, nós íamos treinar a criança de 4 anos para se defender de um suposto ataque. Então, nesses momentos, precisamos colocar o contraditório, levantar questões, trazer outros pais para a conversa. A assembleia tem que ser um espaço de fala e escuta, de todos os lados.

Entrevistadores: Amplie um pouco mais sobre escola inclusiva. Quando tu falas de inclusão, o que é isso?

Joice Lamb: A palavra é diversidade na escola. A escola inclusiva é uma escola que olha para as pessoas e ensina as pessoas a se olharem. Não é possível incluir alguém a revelia. A pessoa precisa se sentir incluída, se sentir parte de acordo com a necessidade de cada um e com a necessidade do coletivo. Porque, por exemplo, pense na necessidade de uma criança autista em uma sala de aula. Tem a necessidade da criança e a necessidade da turma. Não posso achar que toda aquela turma tem que escutar os gritos de uma criança autista num determinado momento, porque se retirar da sala não estou fazendo inclusão. Eu coloco aquela criança dentro da sala gritando desesperadamente e acho que estou incluindo, mas na verdade é um sofrimento. A inclusão não é apenas colocar todo mundo na mesma sala, mas ouvir, compreender e ajustar as rotinas da escola às necessidades de cada um. A inclusão é para todo mundo, então ouvir as próprias crianças é um passo importante e eles vão dar sugestões ótimas de como ajudar seu colega, se a gente permitir. A inclusão não é uma coisa de mão única. Por isso, criamos outras atividades, como o projeto #foradacaixa, em que misturam as crianças de idades diferentes para realizar oficinas juntos. Nesse projeto vivenciamos essa ideia de inclusão que eu falei antes. É um grupo totalmente diverso em que todos estão tendo uma experiência. Eu acho que a escola perde muito em experiência, trabalha muito conteúdo, e vivências não. Muita gente vai dizer para nós que o #foradacaixa é uma perda de tempo, porque damos uma hora da aula para fazer uma vivência. "Faz de 15 em 15 dias”, mas uma vivência/experiência de 15 em 15 dias não se constitui, não tem ritmo.

Entrevistadores: Temos uma questão que se relaciona com o que já estás falando, sobre este professor, esta escola pública. Em algum momento perguntamos sobre o fato da escola pública demandar um professor consciente. Como vocês constroem essa consciência?

Joice Lamb: Através das assembleias, principalmente. Todas as nossas discussões do planejamento coletivo, que não é assembleia, trazem a ideia disso, mas as pessoas vão adquirindo no seu ritmo essa consciência. Um professor que não enxerga a contradição que é a educação pública na sua própria vida, não é um bom professor. Uma coisa que eu digo que, às vezes, as pessoas se ofendem é esta questão: eu sou professora de escola pública, mas o meu filho eu não vou matricular na escola pública. Não é que eu ache que todos tenham que levar seus filhos para a escola pública, a pessoa leva o seu filho onde quiser. Mas, se a pessoa não fizer essa pergunta, não se questionar sobre o motivo de não colocar seu filho ali, não vai ter consciência nenhuma do que está fazendo. Esta contradição precisa ser levantada, para todos pensarem sobre isso. Um professor de escola pública precisa entender o contexto da comunidade onde trabalha e compreender qual é o seu lugar ali. O professor de escola pública precisa ser crítico. Penso que as assembleias permitem discussões como essa de uma forma mais consciente. O professor não pode olhar para as famílias da comunidade onde trabalha como se elas valessem menos, que a sua própria família.

Entrevistadores: Dá para sugerir então que as escolas, não de modo genérico, obviamente, elas têm como professor “um não professor”?

Joice Lamb: Eu acho que sim, porque quando a gente vai pensar em valorização do professor, olha o que nos trazem: um curso online ou uma avaliação de desempenho. Esse professor nunca está pronto, o saber que ele tem está sempre em falta, sempre precisa aprender mais. Então, alguém de algum lugar/ instituição/ONGs/MEC/universidades, alguém tem que dar para aquele professor as habilidades para que ele esteja pronto para daí ser um professor. Ele tá lá exercendo a função, lutando/batalhando mas ninguém quer saber o que ele está fazendo, as opiniões que ele tem, mas todo mundo quer ensinar um novo jeito de fazer. O tempo todo que eu falo em escola democrática, as pessoas perguntam a mesma coisa: “Como vocês fazem os professores participarem?” Eu quase tenho vontade de levantar da sala e ir embora. Eu não faço nada, os professores vão participar quando eles se sentirem ouvidos. Eles não vão participar porque eu quero, vão participar porque a participação democrática é um valor importante e eles vão entender isso quando eles enxergarem a participação acontecendo. Eu não preciso dar uma florzinha para ele participar, dar um beijinho/abracinho.

Entrevistadores: Para irmos finalizando, gostaríamos de fazer referência ao Relatório da Unesco (2021) quando no título afirma que a educação demanda por um novo contrato social. Para tanto, o documento coloca três perguntas: O que devemos continuar fazendo? O que podemos abandonar? O que deve ser inventado de modo crítico? Que contribuições podes trazer nesse sentido?

Joice Lamb: Eu acho que minhas respostas vão se misturar aí. O que devemos continuar fazendo: escola. A escola não pode desaparecer e a escola no formato que ela é, presencial com criança na escola. O que pode sumir/sair acho que é esta interferência gigantesca de elementos que não são da escola para tratarem a questão. Mesmo uma fundação bem intencionada, vai chamar os professores, mas eles não vão poder falar o que querem falar, só vão falar o que tá dentro do estabelecido. Então, é necessário reinventar essa escola, devolver a escola para os professores e para a comunidade. Como acho que fizemos na Adolfina. Dessa forma vamos conseguir reinventar de modo criativo. Todos dizem agora: “ah, o que é este novo ensino médio?” É uma ‘fiasqueira’. Tem toda a discussão que diz que queremos voltar como 20 anos atrás se não aceitamos do jeito que está posto. Não queremos voltar a nada, mas não tem como reinventar uma coisa tão complexa sem professor/ carga horária/ dinheiro, com atropelo sem trazer a escola pro debate. São oferecidos uns itinerários que ninguém quer, os estudantes mesmo que tão ali não querem itinerários queriam outra coisa. Foi vendido para ele o itinerário de empreendedorismo e daí você vai tirar coisas importantes que fazem pensar. Então o que devemos reinventar é a escuta das pessoas, escutar as pessoas que estão na escola: professores, funcionários, estudantes, famílias. Ouvir o que as pessoas querem.

Entrevistadores: Quanto você fala de escuta, o que essa escuta implica? Como se escuta bem?

Joice Lamb: Acho que a primeira coisa de escutar bem é aceitar o que as pessoas falam, não precisa necessariamente concordar, mas tem que aceitar. Existem escutas onde alguém começa a falar e as pessoas interrompem, não deixam nem as pessoas terminarem o pensamento. Isso não é uma escuta. Então, escutar é entrar juntos nessa relação mais verticalizada, tentar achar soluções. Por exemplo, nós temos um processo grande de escuta, mas, não quer dizer que nossos estudantes fazem tudo o que querem quando dizemos que se regulam. Se a gente fizesse a pergunta “O que vocês querem fazer?”, talvez a gente não gostasse de escutar as respostas. O processo de assembleias não tem perguntas dos adultos, não tem direcionamento das discussões. Os participantes das assembleias trazem as suas necessidades e conversam entre si. Quando falo de liberdade e auto regulação, digo que é preciso acreditar que as pessoas, deixadas para deliberar, vão buscar boas soluções para seus problemas. A democracia, a liberdade e a escola democrática é onde construímos o respeito pelos outros, sobre o que queremos para nós e para os outros nesse lugar. A escuta não é só escutar os alunos, mas o que eles dizem ser levado em consideração. Não pode ser uma escuta fake, sem intenção.

Entrevistadores: Mas a ideia da escuta é justamente a estabelecer a comunicação, compreender os pontos de vista para a partir dele dialogar verificando, inclusive, se entendemos o que foi comunicado.

Joice Lamb: É isto mesmo. Eu falo em escuta coletiva na minha dissertação, falo em fala coletiva. Tem uma coisa que pensamos, mas quando discutimos com os colegas, sabemos que mais gente pensa assim ou diferente. Quando a pessoa fala, ela carrega consigo, na subjetividade, uma aceitação de um grupo que estava ali. Então essa fala não é sozinha. A solidão na escola é uma coisa muito séria, tanto de estudantes como professores, todos estão juntos, mas todo mundo está sozinho ao mesmo tempo. O processo de assembleia e de gestão democrática toca nesse ponto, de não estar mais sozinho. Tem gente que quer estar sozinho, então é um jogo, um trabalho de vários ângulos. Muitas vezes, as pessoas falam “ah eu entro na Adolfina e já sei que é uma escola diferente” eu fiquei pensando sobre isso. Eu levei uma mãe uma vez pela escola, e ela parou chorando no meio do corredor. Eu até me assustei. Ela disse: “a sensação que eu tenho é que todo mundo está feliz aqui”. Todos estes processos de escuta fazem com que as pessoas sejam mais receptivas, corporalmente mais receptivas, então elas olham para você, eles sorriem, elas perguntam, chegam em mim “quem é essa ali?”. Eles não têm medo de fazer perguntas, conversar, receber as pessoas, eles dão abraço. Eles passam e sorriem no corredor e se alguém vai passar triste um outro vai perguntar “o que tá acontecendo contigo?”. Alguém vai acolher, mas isso não é um passe de mágica para fazer, precisa de tempo e de muita participação democrática.

Entrevistadores: Muito obrigado, Joice.

Notas

1 PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. 3. ed. São Paulo: Ática, 2012
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