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Percepções docentes a respeito da educação especial e educação inclusiva
Teachear’s perceptions about special education and inclusive education
Percepciones de los docentes sobre la educación especial y la educación inclusiva
Percepções docentes a respeito da educação especial e educação inclusiva
Reflexão e Ação, vol. 32, núm. 1, pp. 98-118, 2024
Universidade de Santa Cruz do Sul
Recepción: 07 Agosto 2023
Aprobación: 17 Mayo 2024
Resumo: Discussões a respeito da Educação Especial e Inclusiva ainda geram muitas contradições. Isso, além de impactar nas percepções docentes, interfere diretamente na garantia do direito de aprendizagem dos estudantes público-alvo da Educação Especial. Por essa razão, nosso objetivo neste artigo foi analisar as implicações históricas e políticas nos discursos e práticas docentes, a respeito da EE e da EI. Para isso, foi utilizado como ferramenta de coleta de dados um formulário online destinado a quinze docentes dos Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio. Fundamentados na Pesquisa Colaborativa e por meio da Análise Textual Discursiva, ficou evidente que os conceitos a respeito destas duas áreas de conhecimento estão mesclados. Além da fragilidade na compreensão dos termos, estes, ao serem analisados dentro de um contexto histórico e político, evidenciaram que os discursos docentes ainda podem estar fundamentados na perspectiva integracionista e no modelo médico de inclusão.
Palavras-chave: Diversidade, Pesquisa Colaborativa, Práticas Inclusivas.
Abstract: Discussions about Special and Inclusive Education still generate many contradictions. This, in addition to having an impact on teachers' perceptions, directly interferes with guaranteeing the right to learning for Special Education students. For this reason, our objective in this article was to analyze the historical and political implications in teaching discourses and practices regarding EE and EI. For this, an online form was used as a data collection tool for fifteen teachers of Integrated Technical Courses to High School. Based on Collaborative Research and through Textual Discursive Analysis, it became evident that the concepts regarding these two areas of knowledge are merged. In addition to the weakness in understanding the terms, these, when analyzed within a historical and political context, showed that the teaching discourses may still be based on the integrationist perspective and the medical model of inclusion.
Keywords: Collaborative Research, Diversity, Inclusive Practices.
Resumen: Las discusiones sobre Educación Especial e Inclusiva aún generan muchas contradicciones. Esto, además de impactar en la percepción de los docentes, interfiere directamente en la garantía del derecho al aprendizaje de los estudiantes de Educación Especial. Por ello, nuestro objetivo en este artículo fue analizar las implicaciones históricas y políticas en los discursos y prácticas docentes en torno a la EE y la EI. Para ello, se utilizó un formulario en línea como herramienta de recolección de datos para quince docentes de Cursos Técnicos Integrados a la Enseñanza Media. Con base en la Investigación Colaborativa ya través del Análisis Discursivo Textual, se evidenció que los conceptos referentes a estas dos áreas de conocimiento se fusionan. Además de la debilidad en la comprensión de los términos, éstos, al ser analizados en un contexto histórico y político, mostraron que los discursos docentes aún pueden basarse en la perspectiva integracionista y el modelo médico de inclusión.
Palabras clave: Diversidad, Investigación colaborativa, Prácticas Inclusivas.
INTRODUÇÃO
A crescente diversidade dos alunos, devido ao direito universal à educação, desafiou o sistema regular de ensino (Pulkkinen et al., 2020). A Educação Inclusiva (EI) amplia a todos o direito à educação, fundamentada na perspectiva de uma educação de qualidade, equitativa e com a aprendizagem ao longo da vida (Juma, Lehtomäki e Naukkarinen, 2017). A partir desta perspectiva, foram realizadas uma série de reformulações nas políticas públicas para que o sistema regular de ensino estivesse de acordo com os princípios filosóficos desta nova perspectiva da educação (Silva, et al., 2020).
A EI é uma perspectiva ampla que se refere ao processo de redução de barreiras à aprendizagem dentro do sistema regular de ensino, de forma a atender a todos os sujeitos que dela participam (Pulkkinen et al., 2020). Segundo Francisco, Hartman e Wang (2020), a proposta da EI é oferecer a todos os alunos, incluindo os com deficiência, a garantia de oportunidades equitativas em serviços educacionais eficazes, com o objetivo de preparar todos os estudantes para uma vida produtiva em sociedade. Contudo, de acordo com Pulkkinen et al. (2020), a definição de EI varia na literatura e muitas vezes é compreendida como o local de oferta da Educação Especial (EE).
A EE é uma modalidade de ensino que varia ao redor do mundo, quanto ao público atendido e às práticas desenvolvidas. Ela pode ser desenvolvida em escolas especiais bem como na rede regular de ensino de acordo com a perspectiva assumida pelo governo local, por meio das políticas públicas. Quanto ao seu público, pode ser restrito às Pessoas com Deficiência, Transtorno do Espectro Autista e altas Habilidades e Superdotação, como ocorre no Brasil, ou pode ser ampliada a todos os alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE).
O termo “inclusão” foi usado no contexto da EE pela primeira vez na Declaração de Salamanca em 1994 e, a partir desta, difundido globalmente (Francisco, Hartman e Wang, 2020). Segundo Bueno e Souza (2018), a EE enquanto espaço de conhecimento tem por referência outros campos, o que contribui para a dinâmica contraditória de sua própria história e desenvolvimento, inclusive, na definição do seu público-alvo. Por essa razão, existem uma diversidade de conceitos e concepções sobre esta modalidade de ensino.
Pletsh (2020) aponta que a EE precisa ser compreendida dentro de uma perspectiva histórica, considerando seus fundamentos filosóficos, métodos e procedimentos. De acordo com a autora, além de uma modalidade de ensino que disponibiliza recursos especializados, é uma área de produção de conhecimento. Por essa razão, Manzini (2018) afirma que, para a EE atender à perspectiva inclusiva, é necessário que além de definir o seu público-alvo, haja investimentos na formação de docentes do ensino regular e do Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Um fenômeno observado em vários países que implementam a EE na perspectiva da EI é a necessidade de qualificação dos docentes para o desenvolvimento de práticas inclusivas. De acordo com Chitiyo et al. (2019) o desenvolvimento profissional docente (DPD) é importante para manter um alto padrão de qualidade na aprendizagem dos estudantes, influenciando diretamente no sucesso da EE e da EI. Contudo, a organização de um plano de DPD para atender às necessidades formativas dos docentes tem sido um desafio constante.
A dificuldade em projetar programas de DPD sustentáveis se dá pela influência de uma variedade de fatores (Ali, 2020). Dentre elas os valores, atitudes/crenças, práticas culturais, comportamento da comunidade, bem como as circunstâncias político-econômicas (Al Shoura e Che Ahmad, 2020). Além destes fatores, de acordo com Ruppar et al. (2018), a mudança sistêmica promovida pela EI requer a colaboração ativa e estratégica entre múltiplas comunidades de prática (escola, distrito, famílias e alunos).
Considerando a diversidade de conceitos e de fatores que influenciam tanto na formação quanto na prática dos docentes, consideramos que compreender as percepções docentes a respeito da EE e da EI é uma etapa importante quando se pretende desenvolver uma atividade de DPD. Por essa razão queremos compreender em quais perspectivas históricas e políticas as percepções docentes a respeito da EE e da EI estão fundamentas. Entendemos que são a partir das perspectivas docentes que suas práticas são organizadas e desenvolvidas.
Nossa hipótese é que os docentes ainda não compreendem a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, mantendo suas práticas fundamentadas no modelo médico de deficiência, em que o principal objetivo era a reabilitação da PCD. Tal fato implica em abordagens didáticas e metodológicas especializadas impactando a prática docente. Além disso, essa perspectiva fortalece a ideia de que a aprendizagem destes estudantes deve ser desenvolvida por profissionais especializados criando barreiras para a inclusão destes estudantes na rede regular de ensino.
Compreender as percepções docentes é um ponto relevante em pesquisas que abordam atividades de DPD. A partir das percepções docentes é possível organizar sessões reflexivas de modo a atender às necessidades formativas dos docentes contribuindo para sua prática e ampliando as oportunidades de aprendizagem dos estudantes. Por essa razão, nosso objetivo foi analisar as implicações históricas e políticas presentes nos discursos e práticas docentes a respeito da EE e da EI.
CAMINHOS METODOLÓGICOS
O presente artigo está fundamentado na perspectiva da Pesquisa Colaborativa (PC). A PC é uma metodologia na área de educação que compreende que o conhecimento se constrói por meio da interação entre sujeitos, agregando conhecimentos teóricos e práticos (Santos e Magalhães, 2016; Ibiapina, Bandeira e Araújo, 2016). É desenvolvida a partir da inter-relação de saberes que partem da demanda do contexto educacional por meio da interlocução entre os conhecimentos acadêmicos e as práticas docentes (Gava, Rocha e Garcia, 2018).
De acordo com Gava, Rocha e Garcia (2018), a PC fundamenta-se na perspectiva sócio-histórico-cultural, viabilizada pela abordagem da Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky, sendo considerada uma pesquisa intervencionista. Desta maneira, investigar os conhecimentos prévios dos participantes é uma etapa fundamental.
Este artigo refere-se à etapa inicial de uma pesquisa de doutorado que tem por objetivo investigar as necessidades formativas, apontadas por docentes do ensino técnico integrado, para a efetivação de práticas inclusivas. Para tanto, foi encaminhado, via e-mail institucional, um questionário por meio do Google Forms, com o objetivo de compreender quais as percepções dos docentes a respeito da EE e da EI.
Participaram desta etapa da pesquisa 15 docentes dos Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio do Instituto Federal Farroupilha. Todos os participantes concordaram em participar da pesquisa ao assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Aos participantes foi garantido o sigilo e preservado o anonimato de todos os participantes do estudo.
Neste momento foram analisadas duas questões pertinentes aos conhecimentos prévios dos professores participantes, sendo elas:
1) Qual a sua percepção de Educação Especial?
2) Qual a sua percepção de Educação Inclusiva?
Estas questões são necessárias a esta etapa da pesquisa, pois indicaram a partir de quais perspectivas os docentes elaboram e fundamentam suas práticas para o ensino do PAEE. Estas percepções foram localizadas e discutidas a partir dos contextos históricos e políticos. Os resultados foram submetidos à Análise Textual Discursiva (ATD) de Moraes e Galiazzi (2016). De acordo com os autores a ATD é uma metodologia de análise de natureza qualitativa. O objetivo da ATD é produzir novas compreensões sobre fenômenos e discursos, de forma a deixar que os fenômenos se manifestem. Desta forma, além da impregnação intensa nos discursos sociais o pesquisador participa da transformação da realidade produzindo novos significados em um movimento interpretativo de caráter hermenêutico. Trata-se de um processo auto-organizado composto por processo cíclico dividido em três momentos: desmontagem dos textos, estabelecimento de relações e captação do novo emergente.
Para auxiliar no processo de categorização, serão utilizadas as nuvens de palavras. As nuvens de palavras são representações gráfico-visuais que destacam as palavras que aparecem com maior frequência. Assim, de acordo com Mc Naughth e Lan (2010), essa composição das palavras permite que se tenha uma visão gráfica dos tópicos gerais. Desta forma, as nuvens de palavras serão utilizadas como ferramenta para dar suporte à unitarização e às categorias emergentes, a partir dos discursos do corpus da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
AS PERCEPÇÕES DOCENTES A RESPEITO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A Educação Especial é a modalidade de ensino que tradicionalmente atende à população escolar com deficiência e desde seus primórdios está intimamente ligada às ciências médicas e da psicologia (Vásquez-Burgos et al., 2020). De acordo com os autores, estas disciplinas condicionam o desenvolvimento e evolução das Pessoas com Deficiência (PCD) a partir de uma concepção fundamentalmente orgânica e inerente ao indivíduo. Os autores destacam ainda que é a partir desta concepção que surge a necessidade de detectar e classificar o “transtorno” e a implementação do atendimento educacional especializado com o objetivo de reabilitação.
Da segregação à perspectiva integracionista há uma busca pela “normalização” ou adequação do estudante ao meio escolar. Gattermann e Possa (2021) realizaram um importante estudo a respeito dos conceitos de norma e normalização com base em Foucault. De acordo com os autores, a norma é como um modelo a ser seguido, contudo, não é universal ou fixado, mas estabelece características do que é socialmente aceitável.
A perspectiva inclusiva visa ao acesso e à qualidade de ensino a todas as pessoas, independente das suas condições físicas, sociais, emocionais, linguísticas ou culturais. A perspectiva da EI é caracterizada pela migração da abordagem médica ou de reabilitação para uma estrutura predominantemente educacional (Vásquez-Burgos et al, 2020). Obedecendo a perspectiva médica, por muito tempo a EE tinha como objetivo a necessidade de cura, pois as PCD eram vistas como doentes, sendo necessário a busca pela cura, tratamento, reabilitação, para só assim garantir a sua participação social (Soares, 2020).
Segundo Mueller (2021), os estudos relacionados à EE têm se concentrado principalmente em perspectivas centradas no déficit, da negociação do estigma. Tal fato, na perspectiva da autora, se deve aos significados sociais e culturais que muitas vezes carregam rótulos negativos com relação à deficiência. Segundo Menezes e Turchiello (2020), fala-se em inclusão escolar desde o final do século passado. Contudo, ao ouvir docentes e buscar referências a respeito da EE e EI, surgem mais dúvidas que explicações.
Para analisar as perspectivas docentes a respeito da EE e da EI, na etapa de fragmentação do discurso proposta pela ATD, fragmentamos os discursos categorizando-os em público contemplado e espaço de atuação e conhecimento, para mais tarde num segundo momento realizar a análise desses discursos de forma contextualizada. Optamos pelo uso das nuvens de palavras para evidenciar as caracterizações que mais aparecem nos discursos docentes a respeito da delimitação dos públicos atendidos pela EE e pela EI. Na primeira nuvem (Figura 1) analisamos o público contemplado pela EE e na segunda nuvem (Figura 2), o público contemplado pela EI.

Nas duas imagens é possível observar que, em ambas, estudantes com Necessidades Educacionais Especiais/ Específicas são citados. O que mais difere entre os públicos descritos nas duas figuras é que na EI há uma forte referência a palavra “todos”, bem como a referência desta, como um direito. De acordo com Koloto (2021), o ano Internacional das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas (1981) e a Declaração de Salamanca (1994), foram o ponto de virada da educação das pessoas com deficiência. O autor complementa apontando que a Declaração de Salamanca é fundamentada pelo princípio da inclusão de todos os alunos, com deficiência ou não.
As políticas e estruturas legais internacionais estabelecem as bases para uma prática educacional mais inclusiva em defesa de muitas pessoas, com ou sem deficiência (Kealy et al., 2021). Contudo a criação de múltiplas políticas e seus desdobramentos não garantem o direito à educação e à aprendizagem, podendo até mesmo ser um instrumento de distração e distorção de significados. Estudos já têm indicado que os conceitos de EE e EI têm sido tratados como sinônimos tanto por pesquisadores, profissionais da educação e, inclusive, legisladores (Breitenbach, Honnet e Tonetto, 2019; Carvalho, 2013).
Definir as diferenças e congruências entre a EE e a EI nem sempre é uma tarefa fácil. Na literatura, nas políticas públicas, bem como nos discursos docentes e de pesquisadores, muitas vezes, estes termos parecem como sinônimos. Contudo, mesmo sendo ações complementares, entre elas existem diferenças significativas que vão da garantia de direitos às práticas docentes.
Nas duas figuras acima, é possível perceber que os docentes descreveram os públicos referenciados em três dos documentos que são frequentemente citados em pesquisas a respeito da EE e EI: A Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), a Declaração de Salamanca (Unesco, 1994) e a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008). Na figura 3 representamos, por meio de uma nuvem de palavras, o público descrito pelos três documentos supracitados:

Ao longo do tempo a relação da sociedade com o ensino formal foi mudando e a escola passou a ser responsabilizada também por essas mudanças (Thesing e Costas, 2019). O que antes era privilégio de poucos foi, por necessidade do desenvolvimento social, expandido para todos por meio dos direitos universais. Contudo, a expansão do direito à educação exigiu, do sistema tradicional de ensino, várias reflexões necessárias para que o direito de aprendizagem também fosse garantido. De acordo com os autores a EI deve ser vista como uma política pública que representa avanços necessários na conquista de direitos de acesso à educação (Thesing e Costas, 2019).
Na figura 3 encontramos termos em comum aos citados nos discursos dos docentes (crianças com deficiência, Necessidades Educativas Especiais e Educação direito de todos). Com isso, podemos observar que, ainda que os docentes tenham conhecimento do conteúdo destes documentos, são conhecimentos sem muito aprofundamento. Isso pode ser observado ao realizarmos uma análise profunda destes resultados, pois fica evidente que uma parcela significativa de estudantes fica excluída das ações inclusivas pelos docentes.
Com objetivo de compreender como se dão as ações docentes na perspectiva inclusiva, buscamos nos discursos analisados, evidências a respeito da atuação e conhecimentos relacionados à EE e EI. Por meio desta análise, surgiu a segunda unidade de análise: Educação Especial e Inclusiva, enquanto espaço de atuação e conhecimento, representada na figura 4. As categorias emergentes nos discursos docentes foram: Educação Especial na perspectiva integracionista e Educação Especial na perspectiva inclusiva.

Apesar de as palavras ensino e aprendizagem aparecem em destaque, em razão da sua repetição nos discursos docentes, parte destes discursos fazem referência à integração, ao atendimento especializado e aos estudantes “típicos”. Por meio de tais referências, observa-se que apesar da discussão ser a respeito da perspectiva inclusiva, ainda é possível notar resquícios da perspectiva integracionista. Tais dados, podem influenciar diretamente nas práticas docentes bem como no comprometimento docente com relação à aprendizagem dos estudantes da EE. Por meio destas análises, evidenciaram-se duas categorias emergentes: Heranças históricas e sua impregnação nas práticas docentes; e A permeabilidade dos conceitos e marginalização dos sujeitos.
HERANÇAS HISTÓRICAS E SUA IMPREGNAÇÃO NAS PRÁTICAS DOCENTES
Dentro dos discursos analisados foi possível perceber que a EE se dá pela inclusão de estudantes com deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades/Superdotação no ensino regular. Quanto ao que significa a inclusão enquanto prática de ensino e direito de aprendizagem, os discursos apresentam diferentes perspectivas. Desta maneira, vamos localizar nestes discursos, por meio da definição histórica e política, os sentidos elaborados.
A discussão a respeito da compreensão e diferenciação da EE e da EI não é nenhuma inovação em termos de pesquisa, bem como sua localização conceitual ao longo de sua trajetória histórica. O fato é que, apesar de ser uma temática amplamente discutida no meio científico, muitos docentes ainda não têm clareza sobre quem são os sujeitos público-alvo da educação especial (PAEE), nem o que significa de fato a inclusão destes nos espaços escolares e nos processos de ensino e aprendizagem. Contudo, esta discussão é extremamente pertinente quando se deseja discutir a qualificação das práticas inclusivas.
Essa “crise de identidade”, como apontado por Pletsch (2020), ocorre, pois, a EE se configurou ao longo da história como um sistema de ensino paralelo à escola regular. Desta forma, podemos afirmar que a EE já existia enquanto área de conhecimento antes mesmo da proposta de EI. Este fato é uma compreensão importante para a discussão dos pontos de resistência à inclusão do PAEE no ensino regular, pois como apontam Francisco, Hartman e Wang (2020), as ideologias são fortemente influenciadas pelos eventos históricos que a produzem.
Ao longo do tempo a EE passou por quatro fases: exclusão, segregação, integração e inclusão. A exclusão é compreendida pelo tempo em que as pessoas com algum tipo de deficiência foram privadas de seus direitos básicos, sendo alvo de ações impiedosas e preconceituosas que foram da eliminação sumária à proteção assistencialista (Barro e Junior, 2022; Garcia e Favaro, 2020). Já a segregação foi o período em que as pessoas com deficiência viviam e aprendiam junto com “seus semelhantes” em instituições especializadas (Francisco, Hartman e Wang, 2020). Neste período então, surge uma pedagogia especializada e institucionalizada, influenciada pelo modelo médico de deficiência (Gonçalo et al., 2022).
Segundo Paula e Carvalho (2019), foi no final dos anos 60 e início dos anos 70 que o paradigma da integração das pessoas com deficiência foi incorporado à EE. Esse movimento ocorre quando os pais de crianças com deficiência começaram a se mobilizar exigindo a reintegração deles na sociedade e no sistema regular de ensino (Gonçalo et al., 2022). Neste momento surgem as classes especiais dentro das instituições regulares de ensino, numa perspectiva de escolarização condicionada, em que a permanência do estudante dependia de seu grau de adaptação ao contexto da escola regular (Baptista, 2018).
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os direitos fundamentais começaram a ser protegidos, assegurando, desta forma, a educação gratuita (Francisco, Hartman e Wang, 2020). De acordo com os autores, vários países promulgaram leis que permitiam que indivíduos com deficiência fossem educados junto com estudantes “normais”. Neste momento, iniciam as discussões sobre o que conhecemos hoje como EI e o direito universal à educação.
Na análise dos discursos docentes, podemos verificar fortes resquícios das perspectivas segregacionistas e integracionistas, em que fazem referência à normalidade:
D3: “(...) alunos que não se encaixam nos parâmetros tidos como normais”;
D5: “(...) estudantes com níveis diferentes dos considerados dentro de uma normalidade. Atendendo tanto altas e baixas habilidades”.
D12: “(...) aos que têm peculiaridades que afetam seu processo e os tornam diferentes da “norma”.
A referência à normalidade indica duas questões importantes para reflexão sobre os processos inclusivos. A primeira é a ideia de que normalidade pode estar relacionada ao modelo médico de deficiência em que as intervenções médico/pedagógicas buscavam a educação ou reabilitação dos sujeitos para sua efetiva integração à sociedade. De qualquer maneira, a referência a norma traz indícios de que estes sujeitos estão “fora” das expectativas sociais/ educativas.
A segunda delas é a ideia de “norma/ normal” relacionada com a homogeneidade, que segundo Pletsch (2020), ainda está presente nos discursos escolares e cuja perspectiva pode indicar resistência à diversidade, bem como a possibilidade de educação destes sujeitos em espaços segregados. Essa perspectiva fica evidente quando os docentes se referenciam à EE como uma área de conhecimento e prática segregada, normalmente relacionada ao atendimento educacional especializado, como apresentado nos trechos a seguir:
D5: “É aquela que realiza atendimento especializado”;
D8: “Formação sobre estudantes com necessidades específicas”;
D10: “(...) educação adaptada voltada para alunos com necessidades específicas”;
D11: “(...) adaptação do material e conteúdo para cada estudante, ou seja, uma educação especializada”;
D13: “(...) prática de ensino que envolve cuidados específicos em função de peculiaridades do aluno”.
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um subsídio para a inclusão do PAEE nas escolas regulares (Araújo et al., 2020). Na perspectiva de Teixeira e Copetti (2020), o AEE é um serviço ofertado para colaborar com o processo de escolarização dos estudantes PAEE, no entanto a inclusão deste estudante não é responsabilidade exclusiva do educador especial. Com isso ressaltamos que o atendimento especializado em nada compartilha com as ideologias propostas pelas classes especiais. Desta forma, é importante discutir sobre o papel do AEE na inclusão dos estudantes como atividade de caráter complementar e suplementar, mas jamais substitutivo ou eximindo os docentes do ensino regular da responsabilidade da educação dos estudantes PAEE (Teixeira e Copetti, 2020).
A perspectiva de cidadania plena é outra questão bastante evidente nos discursos docentes ao referenciarem a educação enquanto direito universal:
D5- “(...) estudantes com diferentes níveis de conhecimento.”
D7- “(...) todo o cidadão no ambiente escolar.”
D9- “(...) assegurar o direito constitucional de todos e todas à educação.”
D14- “(...) integração de todos os sujeitos.”
A educação, como direito de todos, garante o acesso universal e gratuito à educação. De acordo com Santos, Amorin e Paula (2020), esta perspectiva traz muitos desafios para o exercício da docência quando se diz respeito ao desenvolvimento de práticas que beneficiem a todos os estudantes independentemente das suas condições de aprendizagem. Desta forma, esta reorganização do ensino exige o rompimento de paradigmas de forma a garantir que os estudantes PAEE ingressem na escola comum e nela permaneçam com igualdade de oportunidades desenvolvendo-se dentro de suas potencialidades (Silva et al., 2020).
A igualdade de oportunidades deve considerar de forma ampla a diversidade dos sujeitos que compõem o sistema regular de ensino. Reindal (2021), aponta que a diversidade normalmente é abordada em discussões sobre educação especial e inclusiva, mas raramente são abordadas em contextos mais amplos de forma a refletirem em interpretações de objetivos educacionais mais abrangentes. De acordo com os estudos do autor tais discussões ficam restritas às dimensões das capacidades destes sujeitos e não necessariamente quanto ao papel da educação no desenvolvimento humano, ignorando as questões de subjetividade nos processos de aprendizagem.
A proposta de EI é definida como aquela que se volta à cidadania plena em que as diferenças são reconhecidas e valorizadas (Barro e Junior, 2022). Desta maneira, a inclusão vai além do acesso e previsão de recursos, mas significa a garantia do direito de pertencer a um espaço social (Rosa et al., 2020). É nesta perspectiva que a PC se torna uma abordagem significativa tanto para os espaços formativos, quanto para a construção de conhecimento científico por meio da pesquisa.
DA PERMEABILIDADE DOS CONCEITOS À MARGINALIZAÇÃO DOS SUJEITOS
As políticas públicas que sustentam a educação especial e a perspectiva da educação inclusiva ao longo de suas trajetórias “fundiram-se”. Segundo Francisco, Hartman e Wang (2020), esta justaposição tem sido responsável pela geração de perspectivas variadas entre as partes interessadas, desde legisladores, docentes e pais. Tal evento além de causar uma enorme “confusão” colaborou com a exclusão de sujeitos nos processos de ensino e aprendizagem.
A definição de EI varia bastante na literatura e tem sido frequentemente compreendida como a oferta de EE (Pulkkinen et al., 2020). A primeira vez que o termo inclusão foi utilizado no contexto da EE, foi na Declaração de Salamanca em 1994, indicando que a escolarização das crianças com deficiência seria viabilizada em escolas regulares cujos contextos fossem inclusivos (Francisco, Hartman e Wang, 2020). A partir deste momento, o papel da EE é alicerçado nos direitos humanos e torna-se uma possibilidade por meio de uma educação realmente inclusiva (Pletsch, 2020).
Estando relacionada à Declaração de Salamanca, a EE destinada às pessoas com deficiência associa-se a um termo mais amplo conhecido, ainda hoje, como estudantes com Necessidades Educativas Especiais. De acordo com Manzini (2018), esta expressão, que mais tarde foi reformulada pelos pesquisadores como Necessidades Educacionais Especiais (NEE), abrangia um público muito mais diverso e numeroso. A proposta da EI é oferecer a todos os estudantes (incluindo aqueles com deficiência), oportunidades equitativas de ensino no sistema regular de ensino (Francisco, Hartman e Wang, 2020).
Desta forma, podemos definir a EI como uma política pública destinada ao processo de escolarização amplo e obrigatório que avança para beneficiar a aprendizagem e desenvolvimento da maioria da população (Baptista, 2019, Silva et al., 2020). Sendo assim, na perspectiva dos autores, a EI é um princípio filosófico, discutido como fio condutor para melhorar o acesso e condições de ensino. De acordo com Barro e Junior (2022), a inclusão educacional por meio do apoio a diversidade de raça, classe social, etnia, religião e habilidade, com o objetivo de eliminar a exclusão social.
Desta forma, quando a EE assume uma perspectiva inclusiva e tem suas clientelas associadas pela Declaração de Salamanca, muitas políticas públicas acabaram assumindo a perspectiva mais conveniente. Tal fenômeno é observado em pesquisas que analisam a temática em diferentes países. Este fato pode ser notado pela análise dos discursos dos docentes entrevistados, em que foram identificados quatro grupos distintos como PAEE: estudantes com Necessidades Especiais, estudantes com Necessidades Específicas, Pessoas com deficiência e padrão de normalidade.
D10: “(...) alunos com necessidades especiais”;
D2: “(...) estudantes com necessidades educacionais específicas”;
D11: “(...) alunos com alguma deficiência e/ou altas habilidades”;
D3: “(...) alunos que não se encaixam nos parâmetros tidos como normais”.
Os estudantes com deficiência, PAEE, antes da perspectiva inclusiva, eram atendidos em classes e ou escolas especiais (Pletsch, 2020). De acordo com a autora, essa divisão entre escola regular e escola/ classes especiais, privilegiavam uma concepção segmentada do desenvolvimento humano, selecionando os sujeitos a partir do conceito “normais e anormais” (Pletsch, 2020). Tal perspectiva é influenciada pelo modelo médico, que tinha como objetivo a reabilitação fomentando a desigualdade, discriminando e oprimindo os sujeitos por meio da cultura da normalidade.
Quando o modelo social de deficiência começa a ser discutido em âmbito educacional, a necessidade de eliminar as barreiras para a aprendizagem destes sujeitos e de organizar serviços de apoio ao desenvolvimento destes estudantes começaram a ser pensados. Neste momento, o termo Necessidades Educativas Especiais se torna amplo demais para sustentar as práticas que além de inclusivas, deveriam também ser em algum momento especializadas, de forma a garantir a aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes com deficiência. É neste momento que uma “nova geração de políticas públicas” começa a ser articulada.
Para Manzini (2018) a necessidade de definir a clientela de determinado serviço é essencial para que seja organizado o planejamento financeiro de forma a atender às demandas da população. Além de uma questão de organização financeira é também a provisão de recursos humanos e materiais para dar o suporte necessário a todos envolvidos. Garcia e Favaro (2020), complementam argumentando que além dos pontos elencados é necessário programas de combate ao preconceito envolvendo a comunidade, formação continuada e a disponibilização de serviços para os setores educativos.
Posteriormente, o PAEE é restringido pela Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 (Manzini, 2018). É a partir deste documento que o PAEE é determinado e compreendido como estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação (Manzini, 2018). A partir de então, estes estudantes além do direito a matrícula no ensino regular passaram a ter direito também ao Atendimento Educacional Especializado por meio da implantação das Salas de Recursos Multifuncionais como oferta complementar ou suplementar às atividades da sala regular.
Com a reorganização das políticas públicas, as instituições de ensino iniciaram o processo de adaptação de seus Projetos Políticos Pedagógicos e de outros documentos institucionais normativos para o atendimento dos estudantes PAEE. Os Institutos Federais instituíram o Núcleo de Apoio às pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE). É a partir da normativa que regula o NAPNE, que o termo, necessidades específicas, passa a ser difundido dentro dos Institutos Federais. De acordo com Zerbato, Vilaronga e Santos (2021), o NAPNE é o núcleo responsável pela promoção de ações inclusivas dentro dos IFs. Apesar deste núcleo atender ao PAEE, suas ações e alcance não se resumem a este. Desta forma, este núcleo está em consonância com o público descrito na Declaração de Salamanca como Necessidades Educacionais Especiais (NEE).
Mas afinal, qual a relevância da discussão a respeito da definição conceitual e histórica do PAEE? Com a política de EI, a escola e os docentes terão que dar conta da diversidade como um todo. Sendo assim, qual o objetivo desta discussão?
O primeiro ponto é, como apontado por Manzini (2018), que definir o PAEE colabora com o planejamento de recursos financeiros e humanos a fim de garantir os direitos de aprendizagem destes estudantes dentro do ensino regular e não mais em escolas especializadas. O segundo ponto é que observando os estudantes PAEE pela perspectiva inclusiva surge a necessidade de construir uma nova perspectiva de ensino. O terceiro é perceber que por meio da justaposição dos termos EE e EI muitos sujeitos foram excluídos da previsão de recursos especializados importantes para o suporte à aprendizagem, revelando que a escola inclusiva ainda é uma ideologia, pois não encontra o suporte necessário para efetivar suas ações.
É a partir destes pontos que iniciamos nossa análise das práticas de inclusão dos estudantes PAEE. Ela pode ser vista apenas como uma modalidade de ensino ou como uma prática, como evidenciamos nos discursos docentes:
D9- “Uma modalidade de ensino responsável por assegurar a inclusão e a diversidade nos espaços educacionais. Ela deveria garantir recursos orçamentários e humanos (...).”
D1- “(...) inclui-los no processo de ensino-aprendizagem regular por meio da adaptação das práticas de ensino.”
D12- “A educação inclusiva tem como objetivo garantir o direito de todos à educação. A ideia é que todos tenham direito à educação em um só ambiente.”
D9- “Acredito que ela tem como pontos de partida o respeito às diferenças e o entendimento de que os processos de aprendizagem são singulares.”
D15- “Apesar de também considerar a singularidade de cada estudante, entendo que a Educação Inclusiva visa garantir que todos os alunos possam conviver e aprender de forma coletiva, dividindo o mesmo espaço e tendo a oportunidade de desenvolver as suas potencialidades.”
De acordo com Barro e Junior (2022), a EI possibilita a inovação de práticas de ensino e a transformação dos valores da escola tradicional, considerando que estudantes com diferentes capacidades de aprender possam estar nos mesmos espaços. Essa ideia fica evidente quando os docentes apontam que a escola inclusiva garante a convivência dos estudantes de forma a aprender e desenvolver suas potencialidades de forma coletiva. Por essa razão, Araújo, Lima e Martins (2022) afirmam que a inclusão de estudantes PAEE exige dos docentes a constante reflexão de sua prática.
A perspectiva inclusiva, diferente da perspectiva segregacionista, não tem como objetivo a normalização dos estudantes PAEE, mas o seu desenvolvimento. Por essa razão a EE está além da definição como uma modalidade de ensino transversal, mas é uma área de conhecimento interdisciplinar a respeito da aprendizagem significativa dos estudantes por ela atendido (Pletsch, 2020). Para que a EE possa se consolidar como área de conhecimento interdisciplinar, além dos investimentos em recursos materiais e humanos, há a necessidade de investimentos em formação docente, bem como de pesquisas na área.
É por essa razão que, enquanto pesquisadores, investimos na pesquisa colaborativa de forma a compreender a realidade e elaborar conhecimentos pertinentes ao contexto prático. Só desta maneira, analisando a EE com uma perspectiva pedagógica, será possível romper de fato com a perspectiva do modelo médico, em que a busca pela normatização deixa de ser uma barreira e a aprendizagem significativa e a diversidade passam a ser uma constância.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso objetivo neste artigo foi analisar as implicações históricas e políticas presentes nos discursos e práticas docentes. Com relação as implicações históricas podemos perceber que a relação entre deficiência e normalidade ainda estão presentes. Tal fato está diretamente relacionado com o modelo médico de deficiência, bem como a Educação Especial integracionista, que apesar de admitir que estes estudantes estivessem na escola, sua participação era condicionada pela busca da normalidade. A norma, aqui declarada pelos docentes, se refere principalmente às questões relacionadas a homogeneidade presente na perspectiva da escola tradicional.
Com relação às implicações políticas, percebemos que os próprios documentos legais são contraditórios. Esse fato contribui para a falta de compreensão dos objetivos da Educação Especial e Educação Inclusiva. A substituição dos termos PCD e NEE é um exemplo, onde foram associados seus públicos, que são distintos, e suas ações, que são complementares.
Analisar a percepção docente a respeito da Educação Especial e Educação Inclusiva vai muito além de uma análise conceitual. É por meio destas falas que podemos compreender em que perspectivas estão fundamentadas suas ações pedagógicas. Elas nos dão indícios de necessidades formativas, barreiras atitudinais e das questões que precisam ser desmistificadas a respeito das temáticas.
Mesmo que o docente tenha que dar conta da aprendizagem de todos os estudantes sendo eles PAEE ou não, delimitar este público é imprescindível na hora de planejar recursos financeiros, materiais e humanos. O que “difere” os estudantes PAEE dos demais são os direitos que garantem sua permanência no contexto de ensino regular, como Atendimento Educacional Especializado e Salas de Recursos Multifuncionais, por exemplo. Com relação à sua aprendizagem, são os docentes que a devem garantir por meio de suas práticas a sua inclusão.
Neste sentido, se o docente ainda compreende a EE numa perspectiva fundamentada no modelo médico de deficiência, pode sinalizar que sua prática de ensino está voltada para as limitações deste estudante e seus objetivos, para a superação/ normalização delas. Quando o docente assume a perspectiva inclusiva, ele compreende a diversidade e os diferentes estilos e possibilidades de aprendizagem. Além de perceber a diversidade, estes docentes compreendem a inclusão no ensino regular como uma oportunidade além da socialização, mas também de desenvolvimento.
Neste estudo ficou evidente que ainda não há um consenso entre os docentes sobre o que é a EE e a EI, seus fundamentos e processos. Como podemos ver, alguns ainda trazem fortes referências às questões de normalidade, bem como ao ensino especializado. Apesar de apresentarem certo conhecimento sobre as determinações das principais políticas públicas, estes conhecimentos ainda são bastante genéricos, indicando a necessidade de esclarecimentos por meio de espaços formativos e reflexivos. Como apontado na literatura, essas limitações não são exclusivamente docentes, pois a própria literatura, bem como as políticas públicas também apresentam essas lacunas.
Estas reflexões sugerem a necessidade de aprofundar as pesquisas em EE para que esta possa se consolidar como uma área de conhecimento interdisciplinar. Enquanto apenas o caráter clínico das deficiências ganharem destaque nas discussões a respeito da EE e do PAEE, superar o modelo médico no contexto escolar permanecerá sendo um desafio. Consolidar a EE como uma área de conhecimento pedagógico auxiliará na formação dos docentes, na elaboração de planejamentos mais inclusivos, bem como na superação de muitas barreiras que ainda impedem que a inclusão de estudantes PAEE seja uma realidade efetiva.
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Notas