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A produção da cachaça artesanal e o ensino de Ciências na Educação do Campo
Artisanal cachaça production and science teaching in rural education
La producción artesanal de cachaça y enseñanza de ciencias en la educación rural
A produção da cachaça artesanal e o ensino de Ciências na Educação do Campo
Reflexão e Ação, vol. 31, núm. 1, pp. 177-195, 2023
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 07 Abril 2022
Aprobación: 07 Abril 2022
Resumo: Ao destacar uma prática tradicional, a produção artesanal da cachaça, buscou-se apontar suas possibilidades pedagógicas a partir de uma perspectiva dialógica Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), por meio da análise de entrevista semiestruturada com um produtor de cachaça. Possibilitar que seja problematizada a realidade da comunidade local, a valorização das práticas sociais e culturais e a emancipação humana, contribuiu para o desenvolvimento de um ensino de ciências crítico e reflexivo. Reforçando, ainda, um compromisso com a Educação do Campo, a qual tem suas premissas alicerçadas na valorização dos modos de vida dos camponeses.
Palavras-chave: Cachaça, CTS, Educação do Campo, Ensino de Ciências.
Abstract: By highlighting a traditional practice, the artisanal production of the cachaça, we sought to point its pedagogical possibilities from a dialogical perspective of Science, Technology and Society (CTS). Through the analysis of a semi-structured interview with a cachaça producer. Making it possible to problematize the reality of the local community, valuing social and cultural practices and human emancipation, contributed to the development of critical and reflective science teaching. It also reinforces a commitment to Rural Education, which has its premises based on the valorization of the peasants' ways of life.
Keywords: Cachaça, CTS, Rural Education, Science Education.
Resumen: Al destacar una práctica tradicional, la producción artesanal de cachaça, buscamos señalar sus posibilidades pedagógicas desde una perspectiva dialógica de Ciencia, Tecnología y Sociedad (CTS), a través del análisis de una entrevista semiestructurada con un productor de cachaza. Permitir problematizar la realidad de la comunidad local, valorando las prácticas sociales y culturales y la emancipación humana, contribuyó al desarrollo de una enseñanza de las ciencias crítica y reflexiva. También refuerza una apuesta por la Educación Rural, que tiene como premisas la valoración de los modos de vida de los campesinos.
Palabras clave: Cachaça, CTS, Educación Rural, Enseñanza de las ciencias.
INTRODUÇÃO
A Educação do Campo nasce em um contexto de lutas dos movimentos sociais para uma Educação de qualidade que atenda as demandas dos sujeitos do campo (CALDART, 2009, 2012; MOLINA; FREITAS, 2011). Tais demandas são decorrentes da equivocada compreensão que a Educação, para o sujeito do campo, deveria ser alicerçada em uma educação elementar, com principal objetivo de “retirar o “atraso” do campo” (CARCAIOLI, 2014, p. 27), denominada como Educação Rural. Essas lutas são, então, a busca de uma Educação contra-hegemônica, que possibilitasse aos envolvidos desvelar as contradições em que estão inseridos.
Nesta perspectiva, a Educação do Campo visa opor-se à Educação Rural por advogar para aqueles que no campo vivem um ensino de qualidade ao promover o diálogo entre os conhecimentos tradicionais e os científicos, de modo que a realidade dos camponeses seja o centro dos processos de ensino e de aprendizagem. O ensino nas escolas do campo deve ser oriundo do saber local. Para Kolling, Cerioli e Caldart (2002, p. 13 - 14),
[...] temos uma preocupação prioritária com a escolarização da população do campo. Mas, para nós, a educação compreende todos os processos sociais de formação das pessoas como sujeitos de seu próprio destino. Nesse sentido, educação tem relação com cultura, com valores, com jeito de produzir, com formação para o trabalho e para a participação social.
Preocupação essa que a Educação do campo evidencia ao valorizar e destacar as várias culturas e os modos de vida dos camponeses, “[...] contribuindo com o projeto de sociedade desses sujeitos” (MORENO, 2014, p. 184).
No que se refere ao Ensino de Ciências, há muito se discute sobre a necessidade de que os processos de ensino e de aprendizagem ultrapassem as fronteiras dos conceitos e busquem desenvolver a compreensão das implicações sociais, culturais, econômicas e éticas do conhecimento que está sendo construído.
Dissociando-se, assim, de uma aprendizagem mecânica e sem significado, contribuindo para a superação do que Paulo Freire denominou como “educação bancária” (FREIRE, 2005), com vistas a uma aprendizagem mais significativa, ancorada na vivência e conhecimentos dos estudantes. Tendo em vista que a educação bancária, “implica em uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade” (FREIRE, 2005, p. 80).
Dentre as muitas abordagens já consagradas no Ensino de Ciências, damos destaque a Abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) para contribuir com a construção da compreensão supramencionada (AULER, 2007a, b; AULER; DELIZOICOV, 2001; RITTER; MALDANER, 2015; SANTOS; MORTIMER, 2002; SANTOS, 2008, 2012; SANTOS; AULER, 2019; TEIXEIRA, 2003).
Por meio das práticas ligadas à Abordagem CTS, a Ciência deve ser compreendida como uma das formas de interpretação do mundo, influenciada por aspectos econômicos, sociais e políticos, de modo que nenhuma neutralidade associada a ela é possível (AULER, 2007a, b; RITTER; MALDANER, 2015; SANTOS, 2008).
As discussões sobre Tecnologia, por sua vez, abarcam reflexões acerca da obsolescência programada, das lógicas econômicas que regulam o modo do consumo, da descartabilidade, entre outras. Evidenciando, ainda, que aspectos indesejáveis relacionados à tecnologia não são decorrentes de seu uso, uma vez que, como apontam Santos e Auler (2019, p. 487) “[...] a ocorrência desses é previsível. Representa uma decorrência dos interesses, das características, dos valores que, materializados no produto científico-tecnológico, assumem determinadas características”.
O eixo Sociedade ressalta uma leitura crítica da realidade (AULER, 2007a, b; AULER; DELIZOICOV, 2001; SANTOS; AULER, 2019). A delimitação de tais eixos não é rígida, pelo contrário, eles se interpõem. Neste contexto, preconiza-se que os processos de ensino e de aprendizagem tenham a vida e o contexto dos estudantes como seu centro, o que dialoga com as ideias de Freire (1992, p. 78-79), quando afirma
[...] E não se diga que, se sou professor de biologia, não posso me alongar em considerações outras, que devo apenas ensinar biologia, como se o fenômeno vital pudesse ser compreendido fora da trama histórico-social, cultural e política. Como se a vida, a pura vida, pudesse ser vivida de maneira igual em todas as suas dimensões na favela, no cortiço ou numa zona feliz dos “Jardins” de São Paulo. Se sou professor de biologia, obviamente, devo ensinar biologia, mas ao fazê-lo, não posso selecioná-la daquela trama.
Assim, o Ensino de Ciências por meio dessa abordagem tem o potencial de possibilitar que o estudante problematize sua realidade e questões da comunidade em que está inserido, (AULER, 2007a, b; AULER; DELIZOICOV, 2001; SANTOS; MORTIMER, 2002; SANTOS, 2008, 2012; TEIXEIRA, 2003).
É nesse sentido que essa compreensão de abordagem CTS, em que uma realidade local pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob uma ótica da cultura científico-tecnológica e sob uma ótica da cultura sócio-humanística, favorecendo e propiciando uma aproximação entre essas culturas. Haja vista que essa compreensão também é muito defendida pela Educação do Campo, consideramos que a abordagem CTS se faz muito pertinente no contexto de problematização da realidade dos sujeitos do campo.
Com base nesses pressupostos, no presente trabalho buscou-se destacar e compreender uma prática tradicional, a saber a produção artesanal da cachaça, na voz de um produtor familiar da comunidade Moreira, que se localiza no município de Rio Pardo de Minas – Minas Gerais (MG), indicando as possibilidades pedagógicas dessa produção e suas relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, de modo a contribuir com a construção de práticas educativas alicerçadas nos pressupostos da Educação do Campo.
A CACHAÇA COMO SÍMBOLO DE IDENTIDADE NACIONAL
Considerada como símbolo de identidade nacional brasileira, a cachaça tem origens ainda no período colonial, quando a principal atividade econômica era a produção de cana de açúcar. Com um histórico diretamente ligado ao trabalho escravo (BRAIBANTE et al., 2013), essa produção se iniciou nas décadas de 1530 e 1540 e servia inicialmente de matéria prima para a produção de rapadura nos engenhos, passando também a ser utilizada na produção da cachaça.
Rapidamente houve uma alta procura da população pela cachaça, pois era mais barata e encontrada em abundância em relação às outras bebidas portuguesas. O sucesso da bebida fez com que muitos engenhos daquela época dessem mais espaço à produção de cachaça do que a do açúcar (PINHEIRO; LEAL; ARAÚJO, 2003). “Os vinhos de Portugal sofreram as consequências da predileção popular. Diminuição sensível e depois alarmante na exportação. A Companhia do Comércio [...] recorreu à Ciência do Conselho da Coroa. A solução foi genial. A metrópole precisava de açúcar e produzia aguardente” (CASCUDO, 2014, p. 21).
Como consequência desse processo houve a proibição do comércio da bebida em toda a colônia. Dentre as medidas tomadas pelo governo português na tentativa de impedir a produção e comércio da cachaça, destaca-se a não permissão do funcionamento de engenhos na Capitania de Minas, bem como a criação de tributos sobre a bebida. Entretanto, o que se notava era que a produção da cachaça se desenvolvia na clandestinidade. Essa produção e consumo de modo ilegal colocaram a cachaça como símbolo de resistência à coroa portuguesa.
Já neste século, oficialmente, em 2001 a cachaça foi consagrada como bebida autenticamente brasileira, por meio do Decreto nº 4062 de 21 de dezembro, o qual define as expressões “cachaça” e “cachaça do Brasil” como indicações geográficas e de origem e uso exclusivamente brasileiros (BRASIL, 2001). Na esteira desse movimento de patrimonialização da cachaça vieram outros decretos estaduais, como a Lei nº 16.688 de 2007, que declara como patrimônio cultural de Minas Gerais o processo tradicional de fabricação de cachaça em alambique (MINAS GERAIS, 2007) e a Lei nº 13.606 de 2008 que considera a cachaça patrimônio cultural e imaterial do Estado de Pernambuco (PERNAMBUCO, 2008). Aliado a esses processos de reconhecimento, a cachaça, atualmente movimenta um mercado de trabalho expressivo. Em 2003 estimava-se que existiam no Brasil mais de um milhão e meio de trabalhadores ao redor da bebida, cerca de quarenta mil produtores e cinco mil marcas disponíveis para o consumo .PINHEIRO; LEAL; ARAÚJO, 2003).
Cabe destacar que a região do Alto Rio Pardo, no norte de Minas Gerais, região em que o estudo aqui apresentado foi desenvolvido, possui uma significativa produção de cachaça. A título de ilustração, a produção dos municípios de Rio Pardo de Minas e Indaiabira, próximos geograficamente, em 2006 ultrapassou cinco milhões de litros do produto obtidos de 320 alambiques, sendo a maior porcentagem oriunda do pequeno produtor familiar (DAYRELL; BARBOSA; COSTA, 2017), o que denota a importância da produção do produtor familiar para a economia local.
Nessa perspectiva, para além de seu fundamental papel histórico na economia nacional, a cachaça destaca-se como um dos mais importantes símbolos da cultura popular brasileira, sobretudo no que concerne ao imaginário, refletindo a memória e a identidade do povo brasileiro.
Com esse papel de destaque no acervo de símbolos de nossa cultura, bem como sua importância econômica e social no contexto dos produtores familiares, consideramos a cachaça e o processo artesanal de sua produção como uma temática privilegiada para um ensino e aprendizagem em Ciências pautado na experiência humana local.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa, aqui relatada, foi desenvolvida em acordo com os pressupostos da abordagem qualitativa (YIN, 2016). Com o intuito de compreender o processo da produção artesanal da cachaça e suas relações com a comunidade, foi realizada uma entrevista semiestruturada com um produtor de cachaça.
De modo a garantir o anonimato do participante da pesquisa, o identificamos como Martin. Morador da comunidade Moreira, na zona rural de Rio Pardo de Minas (MG), há aproximadamente 35 anos, o único da comunidade a produzir cachaça de modo artesanal e familiar. A entrevista foi realizada no dia 19 de junho de 2019, na casa do entrevistado e teve a duração de 58 minutos.
A partir da análise da entrevista foram identificadas as possibilidades pedagógicas dessa produção, a partir do diálogo entre ciência, tecnologia e sociedade (AULER, 2007a, b; AULER; DELIZOICOV, 2001; RITTER; MALDANER, 2015; SANTOS; MORTIMER, 2002; SANTOS, 2008, 2012; SANTOS; AULER, 2019; TEIXEIRA, 2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para melhor compreensão esta seção foi dividida em três subseções, a saber:
1. “A produção artesanal da cachaça de Martin”, em que se detalham os procedimentos para a produção artesanal da cachaça por meio da voz do produtor em diálogo com a literatura especializada;
2. “A produção de cachaça: os porquês dessa escolha”, em que são discutidas as motivações para a escolha em produzir cachaça, as quais dão ao leitor a compreensão dos aspectos sociais ali implicados e;
3. “Possibilidades pedagógicas da produção artesanal da cachaça, a partir do diálogo entre Ciência, Tecnologia e Sociedade: uma síntese”, em que se propõe um esquema analítico que destaca a potencialidade de se alicerçar as práticas pedagógicas em um contexto próximo ao dos estudantes.
A PRODUÇÃO ARTESANAL DA CACHAÇA DE MARTIN
A produção artesanal de Martin iniciou-se a partir de sua mudança para comunidade Moreira e da aquisição de um engenho, há cerca de 22 anos. Martin aprendeu todo o processo artesanal da produção da bebida com um senhor de outra comunidade, que fica a aproximadamente 30 quilômetros de distância de Moreira, aqui denominado como velho Chico: “[..] ele trouxe um pequeno alambique para mim. Ele me ensinou a fazer a cachaça. [...] Nós fomos moer a cana e fazer o fermento, preparando o alambique” (MARTIN, 2019).
O primeiro passo para a produção de cachaça é a plantação da cana-de-açúcar. A plantação de Martin conta com cinco variedades, as quais estão na Fig. 1. [...] A cana tem várias qualidades, a primeira cana que eu comecei foi a Java, a Ozina, depois foram aparecendo outras qualidades de cana: a brejeira, a brejeira por derradeiro, cana pista, cana caiana cabo, a caiana preta (MARTIN, 2019).

A plantação da cana de açúcar é mais propicia em ambientes com mais umidade, para que um melhor desenvolvimento e, consequentemente, um aproveitamento mais amplo em quantidade e produtividade. Normalmente, a cana de açúcar é plantada no início do ano, nos meses de janeiro a março, onde a planta absorve maior quantidade de água, esses períodos facilitam a germinação dos brotos e minimizam a quantidade de germinação de doenças nos brotos (SAKAI, 2017). No Quadro 1 estão presentes algumas das principais características de canas plantadas no Alto Rio Pardo, região onde fica localizada a Comunidade Moreira, conforme apontado por Monção e Dayrell (2007). Como é possível observar, todas as canas utilizadas por Martin apresentam potencial para produção de cachaça.
| Variedades | Principaiscaracterísticas |
| 120 | Melhor para terras mais arenosas, lugar não encharcado, mais engrossada, fermento não acaba. |
| Açúcar ou Lagoa | Bom para lugar muito úmido, resiste a enchente e encharcamento, não precisa limpar a palha, capina apenas 1 vez por ano, não tem pinico, [refere- se a coceiras que a palha desencadeia ao tocar na pele]. Boa para cachaça, grau brix até 28o, produz rapadura branca, boa para rapadura, mas não é boa para dar o ponto. |
| Branca | Sem pinico, baixo rendimento, muito dura, quebra engenho, não resiste encharcamento. |
| Brejeira | De cor amarelada, não tem pinico na palha, resiste a lugar encharcado, boa para rapadura e cachaça. |
| Caiana branca | Macia, boa para chupar, garapa fina com sabor especial, tem pinico na palha. |
| Caiana preta | É mais desenvolvida que a caiana branca, e tem pinico na palha. |
| Chibanca | Folha larga, dura e espetada, solta as folhas com facilidade, colmo de cor de uva, desenvolve bastante, tem pinico na palha, não precisa limpar a palha, boa de caldo, boa para cachaça, mas dá rapadura escura. |
| Fita branca | Boa para chupar, boa para caldo, garapa excelente, exigente em terra de cultura forte, exige umidade adequada, tem que fazer limpeza da palha |
| Fita preta | Boa para chupar, boa para caldo, garapa excelente, exigente em terra de cultura forte, exige umidade adequada, tem que fazer limpeza da palha. |
| Java amarela | Garapa alva, boa para moer, para cachaça e rapadura, produz rosário, indicada para começar o fermento, precisa fazer limpeza da palha. |
| Java antiga | Garapa alva, boa para moer, para cachaça e rapadura, produz rosário, indicada para começar o fermento, precisa fazer limpeza da palha. |
| Java rosa | Tem pinico, precisa fazer limpeza da palha. |
| Usina | É a mais plantada, cana fina, terra fraca, de cor vermelho vinho claro, boa para crescer, para brotar, não tem pinico na palha, até 5 cortes, (precisa limpar a palha) não precisa limpar palha, boa para rapadura e para cachaça, fermento dura até 90 dias, resiste encharcamento, dá mais mão de obra para moer porque quebra muito. |
| Uva | De cor branca e cinzenta, palha fina, tem pinico na palha, gosta de terra de cultura mais forte, terra úmida, porém não resiste a encharcamento, precisa limpar a palha, boa para rapadura e para cachaça. |
| Xangô | Tem pinico, 2 a 3 cortes, precisa limpar palha, fermento não acaba, não resiste encharcamento. |
| Xangô preta | É a melhor, até 5 anos. |
Após a colheita da cana, esta passa pelo processo chamado de moagem, onde ocorre a extração do caldo. Para o produtor, o corte e a moagem da cana devem ocorrer no mesmo dia, “[...] Então apanhou, mesmo dia moeu” (MARTIN, 2019)”, de acordo com os ensinamentos do velho Chico. Tal procedimento evita contaminações e deteriorações da cana (MONÇÃO; DAYREL, 2007; SAKAI, 2017)
A Fig. 2 ilustra a primeira moenda da família, que requeria o uso de bois para seu funcionamento e a atual moenda, elétrica e de fácil manuseio. No início de sua fabricação de cachaça, ele usava animais de outras pessoas, pois não tinha os animais para fazer o maquinário funcionar. Isso indica o estreitamento dos laços presentes nas comunidades, em que a solidariedade é a linha condutora desses relacionamentos.

Sr. Martin aponta que sua maior dificuldade foi aprender a fazer o que denomina como fermento. No modo artesanal de produção de cachaça costuma-se acrescentar fubá, milho moído cru ou tostado, farelo de arroz ou suco de limão para contribuir na fermentação (PINHEIRO; LEAL; ARAÚJO, 2003; SAKAI, 2017). Ao ser questionado qual o fermento que usa na fabricação da cachaça, Sr. Martin diz que “[...] Milho, eu só faço a de milho, torro o milho e jogo nos coxos, aí vai jogando pouquinho de garapa todo dia, não falhava um dia, no caso. Quando ela parou de ferver pode ir para o alambique”.
O fermento adicionado tem como função acelerar o processo de fermentação, atuando como catalisador.
A fermentação alcoólica do caldo da cana-de-açúcar ocorre devido à presença de micro- organismos como os da espécie Saccharomyces cerevisiae, levedura popularmente conhecida como fermento de pão. A sacarose presente no caldo da cana é convertida em glicose e frutose pela enzima invertase das leveduras e, posteriormente, transformadas em etanol e dióxido de carbono (BRAIBANTE et al., 2013, p. 5).
Quando cessa a fermentação, o caldo é levado para o alambique. A destilação é feita em um equipamento feito de cobre (Fig. 3), que é aquecido em sua base pela queima do bagaço da cana ou de madeira. Sakai (2017) aponta que essa é mais uma das características que distingue a produção artesanal da praticada em larga em escala, se nesta última o equipamento é de cobre, nas primeiras, costumeiramente, utiliza-se colunas de destilação e tonéis de aço-inox.

O processo de destilação é assim descrito do ponto de vista da Ciência:
[...] Uma coluna oca acoplada à parte superior da panela do alambique favorece a condensação de vapores de baixo teor alcoólico, devolvendo-os, por refluxo, à panela. Isto aumenta o teor alcoólico nos vapores e devolve ao vinho substâncias de baixa volatilidade que atribuem mau gosto e acidez elevada ao destilado. [...] Esse dispositivo está conectado a uma tubulação encurvada como um “pescoço de cisne”, onde irá ocorrer uma condensação parcial dos vapores e a sua condução para a serpentina, onde a condensação se completa. Como esse aparelho opera de modo descontínuo, a cada “alambicada” o destilado é separado em três porções: a primeira é a cabeça (5% a 10% do destilado total); a segunda o coração (80% do destilado) e a terceira a cauda. A cabeça e a cauda são descartadas ou incorporadas em um novo vinho a ser destilado, enquanto o coração corresponde à cachaça propriamente dita, contendo ao redor de 47,5% v/v de etanol, a 20oC. (PINHEIRO; LEAL; ARAÚJO, 2003, p. 5).
Após os processos supramencionados, a cachaça é envasada e pode ser comercializada.
A PRODUÇÃO DE CACHAÇA: OS PORQUÊS DESSA ESCOLHA
Durante a entrevista, o Sr. Martin explicitou as razões da escolha de sua produção em detrimento ao cultivo de mandioca, a cultura mais desenvolvida na região em termos de área de plantio (Tab. 1).
| Produto | Área (hectares) | Produção (Ton.) | Valor produção (R$) |
| Mandioca | 3.400 | 44.200 | 10.254 mil |
| Cana-de-açúcar | 2.480 | 148.800 | 11.904 mil |
Na fala de Martin percebe-se que ele vislumbra mais benefícios em plantar cana e obter seus derivados: “[...] Mexer com cachaça é melhor que com mandioca, a mandioca fica 2 anos lá na roça depois tira, rala, moe, deixa de molho, e não sei mais o que” (MARTIN, 2019).
Ao relatar que a fabricação da cachaça é melhor, ressalta o tempo que se gasta plantando a mandioca e produzindo seus derivados, tendo em vista que a mandioca demora mais tempo do que a cana para se desenvolver. A título de ilustração para a produção da farinha os passos devem ser os seguintes: plantação da mandioca; espera de cerca de dois anos para que se complete o seu ciclo, para assim estar propícia para a colheita. Os demais processos são: descascamento, ralação, prensagem (para possibilitar a separação do resíduo líquido chamado de manipueira, que tem alto teor de ácido cianídrico, sendo altamente tóxico para seres humanos e animais), segunda ralação, secagem (torrefação ao forno) e peneiração (ARAÚJO; LOPES, 2009; OLIVEIRA; MIRANDA; VALDANHA-NETO, 2021).
A partir da análise da Tabela 1, observa-se que a produção da cana de açúcar concentra quantidade de hectare menor em relação a mandioca, no entanto, a produção da cana chega a quase 150 mil toneladas produzidas no ano, quase três vezes maior que a quantidade de mandioca produzida (SOUZA, 2017). Tais dados fortalecem o argumento do Sr. Martin. Isso demonstra que o senhor Martin conhece esses dados sob uma outra perspectiva, suas vivências lhe propiciam a compreensão que é mais vantajoso trabalhar com a cana, seja no plantio ou na produção dos derivados.
O entrevistado, ao ser questionado sobre o valor da cachaça que ele produz, menciona que “para quem sabe, quem entende o que é cachaça, todo mundo gosta, teve gente que já comprou até 50 tubos” (MARTIN, 2019). Para além do valor monetário, nota-se que o valor sentimental que o produtor atribui a seu produto é amplo, ao reconhecer seu alcance, seja para aqueles que a revendem e aqueles que a consomem diretamente sem intermediários. Cabe apontar que a cachaça produzida por Martin não é certificada.
A esse respeito, torna-se importante destacar que a certificação se refere principalmente as análises da documentação do produtor, também são levadas em conta a vistoria na estrutura física, nos procedimentos e nas características do produto, critérios estabelecidos pelo Regulamento de Avaliação da Conformidade da Cachaça publicado pela Portaria 126 de 28 de junho de 2005 do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). Os Decretos 2.314, de 04/09/1997, 4.062 de 21/12/2001 e 4.851 de 21/10/2003 do Governo Federal, bem como a Instrução Normativa nº 56 de 30/10/2002 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) dispõem sobre uma série de requisitos como padronização, classificação, registro, inspeção, produção e a fiscalização para a cachaça no Brasil (SORATTO; VARVAKI; HORII, 2007).
Na defesa dessa certificação divulga-se que os produtos dos pequenos produtores poderiam ter a oportunidade de competir com grandes marcas do mercado (INMETRO; SEBRAE, 2015). Sendo assim, o Programa Nacional de Certificação da Cachaça, criado pelo INMETRO e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), juntamente com o MAPA, no discurso oficial, aponta alguns dos benefícios de uma cachaça certificada, quais sejam: “[..] acesso a novos mercados tanto no Brasil quanto no exterior; mais credibilidade do consumidor no produto, que reconhece no selo de identificação do INMETRO” (INMETRO; SEBRAE, 2015, p. 6-7).
Por sua vez, Martin argumenta que, uma grande parte dos pequenos produtores não adere a essa certificação pelos altos custos de investimentos e a imprevisibilidade de retorno. A responsabilização dos produtores para se adequarem aos critérios estabelecidos para a obtenção da certificação e o custo elevado de tais adequações, podem obrigar os pequenos produtores a trabalharem na clandestinidade na produção e venda de cachaça. Em sua fala, Martin compreende a necessidade da criação de uma cooperativa para que essa certificação se efetive: “[...] de uma cooperativa, a demanda tem demais, se viesse, melhorava. Se fosse uma coisa bem-organizada” (MARTIN, 2019). O que evidencia que ele não é contrário a mudanças, desde que seja para coletividade local.
Cabe apontar que a ausência de certificação não impede a comercialização da cachaça produzida. Um dos modos mais usuais de venda de sua cachaça é na feira e no mercado municipal, com algumas frutas que ele produz na sua comunidade.
Esses dados demonstram a forte presença da clandestinidade da produção e venda de cachaça e da dificuldade, vislumbrada por Martin, para aderir a um programa de Certificação, como acima mencionado.
Torna-se importante esclarecer que, para Martin, a cachaça é vista como um complemento a renda familiar. Na fala do produtor, a cachaça não é a principal fonte de renda da família e sim uma fonte extra, para ajudar a complementar. Mesmo tendo outras opções de renda como cultivo de hortaliças e a criação de animais, como porcos e aves, e sendo aposentado, não deixa de produzir, pois gosta do que faz e se sente bem em fabricá-la, desenvolvendo uma prática social quase que extinta na comunidade, uma vez que é o único a produzi-la.
POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS DA PRODUÇÃO ARTESANAL DA CACHAÇA, A PARTIR DO DIÁLOGO ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE: UMA SÍNTESE
Souza e Brick (2017) alertam que a utilização de materiais das escolas urbanas nas escolas do campo pode sugerir ao sujeito do campo que a escolarização do meio rural é inferior ao do meio urbano, de modo que subestima o contexto rural como produtor de conhecimentos e, de alguma forma, pode fazer com que os camponeses neguem sua cultura, seus saberes, o que pode implicar que não os leve adiante.
Assim, consideramos que o trabalho pedagógico por meio da história e descrição da produção artesanal de Martin tem o potencial de possibilitar a construção de práticas pedagógicas alicerçadas em uma compreensão próxima ao que Freire (2005) defendeu como educação problematizadora, contribuindo para o fortalecimento da Educação do Campo (CALDART, 2009; 2012; CARCAIOLI, 2014; MOLINA; FREITAS, 2011; SOUZA; BRICK, 2017). A Fig. 4 apresenta uma síntese das possibilidades pedagógicas identificadas a partir do diálogo entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.

1. No eixo Ciência, o contexto da produção artesanal da cachaça pode se configurar com um interessante ensejo para a discussão de alguns conceitos científicos, destacado pelas esferas laranja.
2. Em Tecnologia, referente as esferas cinza, apresentamos temáticas importantes, no entanto sem esgotá-las, a serem discutidas com os estudantes, a saber: a apropriação mais igualitária e, a imposição de uma necessidade de aquisição.
3. Em Sociedade, esferas em amarelo, propõe-se que sejam discutidas: a análise da realidade local, lógicas econômicas que sufocam a produção familiar, a valorização das práticas sociais e a necessidade manifestada pelo entrevistado de organização por meio de cooperativas.
No que se diz respeito ao eixo Ciência, a principal preocupação reside na possibilidade que, a partir de uma situação concreta e local, os estudantes possam ampliar seus conhecimentos no que se refere ao modo como a Ciência interpreta essas questões, sua implicação na sociedade e, o reafirmar do diálogo possível e necessário entre os conhecimentos tradicionais e os científicos. Estudos têm demonstrado a proficuidade e importância de processos de ensino e aprendizagem pautados nos saberes da tradição (PIRES; SILVA, 2021; GOULART et al., 2021). Sobre esse aspecto, Roseli Salete Caldart (2009, p. 45) afirma que
[...] esta compreensão sobre a necessidade de um ‘diálogo de saberes’ está em um plano bem mais complexo do que afirmar a valorização do saber popular [...]. O que precisa ser aprofundado é a compreensão da teia de tensões envolvida na produção de diferentes saberes, nos paradigmas de produção do conhecimento. E do ponto de vista metodológico isso tem a ver com uma reflexão necessária sobre o trabalho pedagógico que valorize a experiência dos sujeitos (Thompson) e que ajude na reapropriação (teórica) do conhecimento (coletivo) que produzem através dela, colocando-se na perspectiva de superação da contradição entre trabalho manual e trabalho intelectual, que é própria do modo de organização da produção capitalista.
Assim, para além da necessária e urgente valorização dos saberes populares, advoga-se da necessidade de apropriação dos conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade como uma questão de justiça social. A Figura 5 retoma a síntese desses conhecimentos presentes na Figura 4 e delimita uma das possibilidades de sua construção: sua discussão em cada etapa da produção da cachaça.

Como é possível evidenciar na Figura 5, o estudo da produção artesanal da cachaça por produtores familiares se mostra como um contexto fértil para a abordagem de inúmeros conhecimentos científicos escolares, sobretudo quando discutidos a partir das principais etapas para se chegar ao produto. Partindo da matéria-prima da cachaça, a cana de açúcar e suas diversas variedades, tópicos como a acidez e basicidade do solo podem ser trabalhados em total consonância com o contexto local, haja vista a importância das diversas formas de cultivo no campo e uma outra compreensão, a partir da cultura científica, acerca da análise e tratamento do solo. Uma problematização muito interessante e pertinente de se promover em um contexto educativo, especialmente nas aulas de Ciências, é compreender, do ponto de vista científico, os melhores períodos para o cultivo da cana de açúcar e sua relação com o período de chuvas, do processo de absorção de água e da germinação dos brotos. Além disso, a própria variedade de espécies de cana de açúcar pode ser alvo de discussão e ampliação de conhecimentos, no que se refere as particularidades de cada espécie e a viabilidade ou não para o uso da matéria-prima para a produção de cachaça, açúcar, álcool etc.
A etapa da moagem se mostra fecunda para a abordagem de uma gama diversa de conteúdos conceituais. O diálogo de saberes tradicionais, tais como os do velho Chico, ao ensinar que o corte e a moagem da cana devem ocorrer no mesmo dia, com saberes científicos acerca da ação de microrganismos, podem potencializar a compreensão do procedimento no combate a contaminações. Ainda sobre o procedimento, conhecimentos sobre a separação de materiais, como métodos mais adequados para a separação de diferentes sistemas heterogêneos. Associado aos aspectos tecnológicos do maquinário utilizado na moagem, os estudantes podem reconhecer a importância da troca de tecnologia da moenda, de tração animal para tração elétrica e, por meio de estudos, como por exemplo de máquinas simples, refletir e promover melhorias nos artefatos dessa etapa da produção. De modo a expandir esse conhecimento, é nesse contexto que os estudantes podem discutir a aplicação das máquinas simples ao longo da história, além de propor soluções e invenções para a realização de tarefas mecânicas cotidianas.
O processo de fermentação alcoólica do caldo da cana de açúcar é uma etapa privilegiada para o estudo bioquímico das reações metabólicas de micro-organismos que consomem açucares e produzem etanol e dióxido de carbono. Nessa etapa é possível investigar os principais fatores que influenciam na fermentação. Fatores físicos, como a temperatura e a pressão osmótica; fatores químicos, como pH, oxigenação, nutrientes minerais e orgânicos; e fatores biológicos, como espécie, linhagem e concentração da levedura. É nesse momento que se pode buscar compreender as receitas regionais utilizadas para o fermento como o fubá, o milho moído cru ou tostado, o farelo de arroz e o suco de limão, conforme ilustrou Martin em sua entrevista. Seria o limão utilizado para o ajuste de acidez no processo de fermentação? A qualidade desses substratos interfere na quantidade de nutrientes para a multiplicação das leveduras? Com questionamentos como estes e, a depender do nível de complexidade do tratamento desse processo, é possível a abordagem de inúmeros conhecimentos científicos que possibilitariam uma leitura científica muito produtiva acerca da produção artesanal da cachaça.
Por fim, o processo de destilação na produção da cachaça é outro momento de muito potencial didático. Além do próprio processo de destilação, como um procedimento físico de separação de misturas homogêneas, inúmeros outros conhecimentos científicos escolares podem ser explorados. A título de ilustração, destacamos os estados da matéria, que podem ser estudados, por exemplo, por meio da investigação das mudanças de estado físico da matéria e sua explicação com base no modelo de constituição submicroscópica. Além disso, conceitos como temperatura, calor e sensação térmica e suas diferenças de equilíbrio termodinâmico em variadas situações cotidianas e, principalmente na produção da cachaça. O conhecimento acerca dos diferentes tipos de materiais quanto a sua condutividade térmica, isolantes ou condutores, bem como as formas de propagação de calor, podem proporcionar aos alunos justificar a utilização de determinados materiais nos tonéis de destilação, de cobre ou aço-inox como apontou Martin.
A produção artesanal de Martin possibilita, ainda, observar as transformações ocorridas no que se refere a utilização de maquinários, como por exemplo a moenda, que no passado era de tração animal e atualmente é elétrica. Nesse sentido, a comparação entre as duas tecnologias, evidenciadas na figura 2, permite que seja feita uma análise crítica em relação ao acesso à tecnologia. Referente ao eixo Tecnologia, esse processo é favorável a uma discussão sobre as lógicas econômicas que dificultam o acesso a produtos tecnológicos por grande parte da população, bem como a imposição de uma necessidade de aquisição em uma lógica consumista com objetivo final de acúmulo de capital (SANTOS; AULER, 2019). Claramente, observa-se aqui um aspecto CTS que incide nos efeitos da tecnologia sobre a sociedade, em que novas tecnologias disponíveis podem influenciar sobremaneira o estilo de vida de um grupo (SANTOS; SCHNETZLER, 2010).
Discussões como a venda da produção de cachaça em Rio Pardo de Minas auxiliam a compreender as lógicas econômicas que sufocam a produção familiar, no eixo Sociedade, o que contribui para uma leitura crítica da realidade (AULER, 2007a, b; AULER; DELIZOICOV, 2001; SANTOS; AULER, 2019). A não visibilidade das produções artesanais, dos acordos informais e a escassez de políticas públicas para o pequeno produtor, beneficia empresários e prejudica a produção da cachaça do produtor familiar. Esses dados demonstram a forte presença da clandestinidade da produção e venda de cachaça.
A esse respeito, um outro aspecto que merece atenção é um possível paralelo acerca do processo de proibição, clandestinidade, resistência e posterior liberação com taxação da cachaça, no Brasil Colônia e, o processo de certificação vivido atualmente pelos produtores familiares. A continuidade do trabalho desenvolvido por Martin, as margens da certificação, evidencia como a cultura tradicional tem resistido às pressões do mercado para continuar existindo. Esse fenômeno é responsável pela diversidade social/cultural existente hoje no país.
À GUISA DE CONSIDERAÇÕES
O presente estudo, neste artigo relatado, ao dar visibilidade a produção artesanal da cachaça e dar voz ao discurso não oficial, costumeiramente silenciado, aqui na presença do pequeno produtor de cachaça artesanal não certificada, reforça seu compromisso com a Educação do Campo, com a valorização das várias culturas e os modos de vida dos camponeses. Para além de valorizar os saberes envolvidos na produção artesanal da cachaça e sua profícua inserção nas escolas do campo, de modo que os conhecimentos tradicionais possam dialogar com os científicos, é preciso problematizar e desvelar as questões que permeiam esses saberes e suas permanências.
A cachaça tem lugar de destaque no contexto brasileiro, especialmente, por se configurar desde o período do Brasil Colônia, como um símbolo de resistência e da cultura popular brasileira, refletindo, assim, a memória e a identidade do povo brasileiro. Nesse sentido, compreender a produção artesanal da cachaça de um pequeno produtor, a partir de em uma perspectiva que dialógica entre ciência, tecnologia e sociedade pode possibilitar que seja problematizada a realidade e questões da comunidade; a valorização das práticas sociais e emancipação humana, a fim do desenvolvimento de um ensino crítico e reflexivo.
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