Artigos do Fluxo

Educação e Pedagogia Socialista Soviética na escola do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Education and pedagogy soviet socialist in the school of the Movement of Rural Workers Without Land

Educación y pedagogía socialista soviética en la escuela del Movimiento de Trabajadores Rurales sin Tierra

Vanderlei AMBONI
Universidade Estadual do Paraná, Brasil

Educação e Pedagogia Socialista Soviética na escola do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Reflexão e Ação, vol. 31, núm. 1, pp. 232-254, 2023

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 21 Marzo 2022

Aprobación: 03 Abril 2022

Resumo: Com este texto trazemos a pedagogia da luta dos Sem Terra, seu processo educacional e os caminhos que o MST tem para suas escolas com a pedagogia socialista soviética, cuja natureza se assenta no trabalho como princípio social. Nosso objeto é a escola do MST e sua natureza de luta social, cujo objetivo é formar o homem do MST sob os princípios filosóficos e fundamentos pedagógicos da matriz trabalho, formando o homem do trabalho, um ser que se objetiva na auto-organização, no coletivo social e no trabalho socialmente útil. O objetivo de nosso estudo é refletir sobre os fundamentos do trabalho na organização da escola do MST, cujos pilares é a luta por terra, reforma agrária e transformação social. Para esse fim, nossa investigação partiu de documentos do MST, de estudos sobre o Movimento e da pedagogia socialista soviética. O resultado do trabalho é a percepção que o Movimento está criando em suas áreas (assentamento/acampamento) o modo de produção do trabalho, cuja premissa está dada na organização do trabalho presente no MST.

Palavras-chave: MST, Pedagogia da luta, Educação do MST, Pedagogia socialista soviética.

Abstract: With this text we bring the pedagogy of the struggle of the Landless, its educational process and the paths that the MST has for its schools with soviet socialist pedagogy, whose nature is based on work as a social principle. Our object is the mst school and its nature of social struggle, whose objective is to form the MST man under the philosophical principles and pedagogical foundations of the work matrix, forming the work man, a being that is objective in self-organization, social collective and socially useful work. The aim of our study is to reflect on the fundamentals of work in the organization of the MST school, whose pillars are the struggle for land, agrarian reform and social transformation. To this end, our research came from documents from the MST, studies on the Movement and soviet socialist pedagogy. The result of the work is the perception that the Movement is creating in its areas (settlement/camp) the mode of production of the work, whose premise is given in the organization of the work present in the MST.

Keywords: MST, Pedagogy of struggle, Education of the MST, Soviet socialist pedagogy.

Resumen: Con este texto traemos la pedagogía de la lucha de los sin Tierra, su proceso educativo y los caminos que el MST tiene para sus escuelas con pedagogía socialista soviética, cuya naturaleza se basa en el trabajo como principio social. Nuestro objeto es la escuela mst y su naturaleza de lucha social, cuyo objetivo es formar al hombre MST bajo los principios filosóficos y fundamentos pedagógicos de la matriz de trabajo, formando al hombre de trabajo, un ser que es objetivo en la autoorganización, social colectiva y socialmente útil del trabajo. El objetivo de nuestro estudio es reflexionar sobre los fundamentos del trabajo en la organización de la escuela MST, cuyos pilares son la lucha por la tierra, la reforma agraria y la transformación social. Con este fin, nuestra investigación provino de documentos del MST, estudios sobre el Movimiento y la pedagogía socialista soviética. El resultado del trabajo es la percepción de que el Movimiento está creando en sus áreas (asentamiento/campamento) el modo de producción de la obra, cuya premisa se da en la organización del trabajo presente en el MST.

Palabras clave: MST, Pedagogía de la lucha, Educación del MST, Pedagogía socialista soviética.

INTRODUÇÃO

Pedagogia quer dizer o jeito de conduzir a formação de um ser humano. E quando falamos em matrizes pedagógicas estamos identificando algumas práticas ou vivências fundamentais neste processo de humanização das pessoas, que também chamamos de educação.

No processo de humanização dos sem-terra, e da construção da identidade Sem Terra, o MST vem produzindo um jeito de fazer educação que pode ser chamado de Pedagogia do Movimento. É do Movimento por ter o Sem Terra como sujeito educativo e ter o MST como sujeito da intencionalidade pedagógica sobre esta tarefa de fazer educação. E é também do Movimento porque se desafia a perceber o movimento do Movimento, a transformar-se transformando. (MST, 2005, p. 2001)

No presente texto, as reflexões feitas partem das pedagogias existentes no MST, desde a pedagogia na luta pela terra ao processo educacional criado pelo e para o Movimento, a Pedagogia do Movimento e a pedagogia socialista soviética que o MST incorporou para suas escolas, ressignificando-a de acordo com sua organização, projeto de vida e de educação. Neste processo, a pedagogia da conquista da terra se estrutura nas deliberações, forma de luta social por terra reforma agrária e transformação social que produz as ações de ocupação da terra e a montagem do acampamento, com ações políticas e mobilizações permanentes onde o sujeito Sem Terra produz conhecimento e participa das ações sob uma pedagogia que organiza, mobiliza e direciona a luta social por reforma agrária. No processo da conquista da terra, a Pedagogia do Movimento direciona a educação do MST sob suas premissas (luta por terra, reforma agrária e transformação social) à formação do novo homem em suas áreas (assentamento e acampamento), tendo por base o trabalho como princípio educacional, a coletividade como sinônimo de organização social e a auto- organização como princípio gestor. Na pedagogia do Movimento, o MST ressignificou a pedagogia criada pelos pioneiros da educação nos anos de 1917-1931 na URSS, denominada de pedagogia socialista soviética, cuja centralidade é o trabalho socialmente necessário, o coletivo e a auto- organização à formação do homem soviético, cujos meios e instrumentos de produção estão nas mãos do trabalho.

Na luta pela vida, há uma luta interna para educar homens e mulheres que tem historicidade, são sujeitos da história e encontram as situações dadas no mundo real, que precisam ser transformadas e, para isso, o sujeito consciente de sua história e com projeto de vida para além do capital. Esses são elementos fundantes da consciência de classe do indivíduo, mas precisa de uma organização social para unificá-los para as lutas sociais sob uma coletividade como, por exemplo, o MST, que busca uma unidade dos trabalhadores na luta por terra, por reforma agrária e por transformação social. Nesta unidade, Stédile, respondendo a Fernandes, diz:

[...] somos um movimento camponês que tem essa raiz da terra, essa ideologia em que entra todo mundo que queira lutar pela reforma agrária. Pode entrar o militante urbano, o técnico da Emater, o padre etc. Ninguém ficava pedindo atestado de atuação. Isso também deu uma consistência maior para o MST. Ele soube se abrir ao que havia na sociedade. [...]. (STEDILE; FERNANDES, 2012. p. 34).

Neste processo de unidade produziu-se uma pedagogia na luta pela vida, cuja centralidade é a conquista da terra. Na luta pela vida o homem cria o mundo humano, um mundo exteriorizado ao homem, que é o mundo natural transformado em social no processo de transformação da natureza aos anseios do homem. Ao produzir-se o homem também produz pedagogia e educação para a reprodução humano-social, que permite a formação do indivíduo à vida social, à vida de seu grupo social e organização da vida social pelo trabalho em condições dadas e encontradas na natureza a ser transformada à vida social do homem. Com efeito, Fromm (s/d, p. 236) destaca que “a função social da educação é habilitar o indivíduo a atuar no papel que deverá caber-lhe mais tarde na sociedade” e isto significa “modelar-lhe o caráter de tal sorte que se aproxime do caráter social e que seus desejos coincidam com as necessidades de seu papel social”.

Nesta perspectiva, o MST desenvolve formas de educação que associa a um projeto de classe, pois busca superar as cercas da ignorância, do latifúndio e do capital. Para esse fim, o MST aprende com as Ligas Camponesas e com o Movimento de Agricultores Sem Terra (MASTER), o processo da luta por terra, ressignifica-as para sua luta, que fundamenta a luta por terra e educação criando processos pedagógicos singulares à formação de seus quadros e as escolas para assegurar a escolarização dos seus sujeitos sob princípios de classe, incorporando processos pedagógicos do socialismo soviético, cuja raiz é o trabalho.

A respeito da metodologia, base de nossa investigação e exposição, será o materialismo histórico-dialético sob os estudos dos documentos do MST e dos pedagogos socialistas soviéticos, que criaram a escola única do trabalho na maior adversidade da vida material, pois não havia modelos pedagógicos para criar uma escola em uma sociedade onde os meios de produção estavam nas mãos dos trabalhadores. Neste processo, elegem o trabalho como categoria central à organização do sistema educacional para formar o homem novo, o homem do trabalho. Dessa forma, formar um ser coletivo à coletividade soviética e o MST também elege o trabalho como centralidade para formar o homem do MST, sob as premissas da coletividade e da auto- organização social. Havia na URSS dois sistemas de uso da terra, o da pequena propriedade, reunida em cooperativa e as fazendas coletivas. No MST há a propriedade é coletiva no momento do acampamento, mas depois há a distribuição dos lotes para uso individual ou familiar da terra e, em alguns lugares de assentamento está organizada em cooperativa para dar unidade e recuperar o sentido coletivo do uso da terra, conforme princípios do MST. Em casos particulares, há também há assentamento onde a posse da terra é coletiva, sem a divisão em lotes individuais, onde a organização do trabalho é coletiva para fins de produção da vida material.

Para organização textual, na primeira seção, a investigação e exposição faremos sob o tema pedagogia da conquista da terra, pois compreendemos que toda luta social cria uma pedagogia particular para as ações. E o MST, desde sua preexistência, traz formas de lutas pela terra e de resistências nessas lutas, que são formuladas de forma coletiva em seus congressos, centradas nas condições dadas e encontradas na sociedade, isto é, pela conjuntura social, política e econômica que orienta a pedagogia do MST na luta pela reforma agrária.

Na seção dois, nossa investigação e exposição será feita sobre a presença da pedagogia socialista soviética nas escolas do MST. Temos a intenção de apontar o caminho socialista da escola do MST, cuja centralidade é o trabalho no processo de formação humana, pois há uma intencionalidade na formação do novo homem, que, em essência, é a formação do militante socialista. A escola socialista soviética foi construída no esforço coletivo dos pioneiros da educação, pois não havia algo similar na história, que pudesse servir de exemplo. Do que partiram os pioneiros da educação socialista soviética à construção da escola soviética? Da centralidade trabalho, na qual o MST ressignificou para fundamentar seu sistema de educação escolar, mas sob valores e cultura do trabalho no campo. Dessa forma, o MST constrói sua escola. Constrói uma escola de base socialista no modo de produção capitalista e a estrutura sob princípios filosóficos e fundamentos pedagógicos que o Movimento construiu de forma coletiva no primado da escola do trabalho.

E, por fim, nossa investigação e exposição, sob a seção Fundamentos pedagógicos e princípios filosóficos da Escola do MST, que objetivamos compreender como o MST ressignificou a pedagogia socialista soviética para suas escolas. Para esse fim, partimos da investigação dos documentos que o MST construiu no seu devir histórico, onde os mesmos apontam vários processos formativos similares aos criados pelos pioneiros da educação socialista soviética, tais como: coletivos, auto-organização dos estudantes, inventário da realidade, complexos de estudos etc., cuja centralidade é o trabalho concreto dos indivíduos na produção da vida material, portanto o trabalho com valor social. Neste processo, o MST fundamenta histórica e filosoficamente seus processos de formação humana sob esses princípios, pois sua escola é uma escola de classe e se propõe a ser uma escola do trabalho.

A PEDAGOGIA DA CONQUISTA DA TERRA

Ela brota do aprendizado de que o que educa os Sem Terra é o próprio movimento da luta, em suas contradições, enfrentamentos, conquistas e derrotas. A pedagogia da luta educa para uma postura diante da vida que é fundamental para a identidade de um lutador do povo: nada é impossível de mudar e quanto mais inconformada com o atual estado de coisas, mais humana é a pessoa. O normal, saudável, é estar em movimento, não parado. Os processos de transformação são os que fazem a história. (MST, 2005, p. 201-202).

A terra é um território em disputa no Brasil. Nessa luta está presente os indígenas, quilombolas, ilhotas, sem-terra etc., no qual os povos se organizam para conquistá-la e, cada qual traça caminhos distintos entre si e, neste processo, cada qual cria também uma pedagogia da conquista. Nesta luta só há uma certeza, que sem se moverem de forma coletiva não se conquista a terra. Com efeito, a conquista social da reforma agrária está escrita com letras indeléveis de sangue, cuja presença nas lutas sociais por reforma agrária traz o MST como referência, sem desprezar o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Via Campesina, Comissão Pastoral da Terra (CPT) etc., que possuem estrutura e organização própria e agem de forma independente na mobilização dos trabalhadores sem-terra para conquistar da terra. A emergência da organização dos trabalhadores sem-terra é um processo social de luta pela vida, pois comer, beber, vestir-se e ter teto para se abrigar se torna imperativo na luta contra a concentração da propriedade agrária, o latifúndio improdutivo e a modernização da agricultura que provocou a expulsão dos pobres do campo com a mecanização do trabalho.

A proletarização da vida social no Brasil reforça a necessidade de mobilização e organização dos pobres expropriados da terra às lutas sociais por terra, recuperando as lutas das Ligas Camponesas, do Movimento de Agricultores Sem Terra (MASTER), cuja caminhada produziu aprendizados, experiências e acumulo de conhecimentos nas lutas diárias pela reforma agrária, o que torna o MST herdeiros e continuadores das lutas por reforma agrária. Na luta pela terra, o marco da retomada da reforma agrária se deu em 1979 no Rio Grande do Sul, quando os trabalhadores rurais empobrecidos, que foram expulsos da Reserva Indígena de Nonoai, resolveram ocupar as Fazendas Macalli e Brilhantes no Rio Grande do Sul e em 1981 mais de 700 famílias se moveram para conquistar a terra e montaram um acampamento de sem-terra na Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta (RS) e, deste processo, a resistência e o enfrentamento à ditadura militar na luta por reforma agrária, pois foram mais de três anos de luta, mobilização e resistência, o que chamou a atenção da opinião pública para as necessidades da reforma agrária no Brasil. Com isso, ganhou força e apoio social, o que levou a mobilização da sociedade pela bandeira dos acampados, renascendo, neste processo, a luta por reforma agrária e a possibilidade real de conquista da terra. Com efeito, Stédile; Fernandes (2012, p. 25) afirmou que, “a sociedade, [...], ajudou a construir o MST, porque se ela não promovesse a defesa do acampamento da Encruzilhada Natalino, as derrotas políticas que iríamos sofrer teriam adiado a construção do MST ou, então, ele teria nascido com outro sentido, com outro caráter”, pois, como processo de solidariedade, “[...] vieram pessoas do Brasil inteiro. Reunimos 30 mil pessoas numa luta camponesa em plena ditadura militar ”. (STÉDILE; FERNANDES, 2012, p. 24). A resistência e a persistência são as marcas da luta por reforma agrária. Isso os sem-terra sabem, por isso desenvolvem a solidariedade interna e procuram a empatia externa para com eles. Mas sabem também que só a luta social organizada torna-se efetiva na conquista da terra.

Como os homens se movimentam e no movimento se mobilizam e se organizam em entidades de classe, os trabalhadores rurais sem-terra promoveram em Cascavel, no Paraná, no ano de 1984, um encontro nacional dos sem-terra com o objetivo de criar um movimento camponês de abrangência nacional para o fortalecimento das lutas por terra. No encontro participaram lideranças de sem-terra, sindicalistas e diversas entidades de classe de 12 estados do Brasil. No encontro criaram o MST, tendo por centralidade a luta pela terra, por reforma agrária e, com ela, a luta por mudanças sociais no país. Nasce com uma pedagogia da conquista da terra, pois já havia experiência de lutas por reforma agrária, portanto, uma herança de luta a ser seguida pelo MST. No processo de organização dos trabalhadores sem-terra houve uma convergência de princípios da luta e unidade na luta por terra. Nesta perspectiva, Bezerra Neto (1999, p. 11) assevera:

O MST nasceu das lutas concretas pela conquista da terra, que os trabalhadores rurais foram desenvolvendo de forma isolada na região Sul, num momento em que aumentava a concentração de terras e ampliava a expulsão dos pobres da área rural, devido à modernização da agricultura e à crise do processo de colonização implementado pelo regime militar.

E a forma pedagógica das lutas pela terra passa a ser a ocupação como forma e processo de mobilização por reforma agrária, cuja experiência realizada com a ocupação na Encruzilhada Natalino servia de exemplo para a luta e conquista da terra por reforma agrária. No acampamento há uma série de pedagogias, como de organização, saúde, alimentação, relações públicas etc., que permite aos acampados se moverem para moverem as lutas sociais que está presente na intencionalidade do acampamento. Neste processo, Takau Junior (2009, p. 5) diz-nos:

A ocupação é um momento especial na vida do sem-terra, é uma ação que envolve coragem e convicção naquilo que acredita. É a partir daí que começa efetivamente sua luta por um pedaço de terra, quando se faz necessário romper com a estrutura imposta pelo sistema capitalista vigente que o coloca na condição de expropriado.

Educador do povo, o MST traz uma pedagogia viva da luta por terra, pois são fundamentadas na sua forma organizacional, pois as estruturas internas se movem com a luta e a ação está sempre presente, cujo movimento pedagógico é construído de forma dialética na luta diária pela vida e na luta pela reforma agrária. Com a tarefa de refletir sobre o movimento educacional que é o próprio MST, o setor de educação produziu o Boletim da Educação nº 08, em junho 2001, com o título Pedagogia do Movimento Sem Terra: acompanhamento às Escolas que, a meu ver, sintetiza a pedagogia da luta por reforma agrária, como segue:

Os Sem Terra se educam sendo do MST, o que quer dizer, através de algumas vivências humanas fundamentais, cada uma carregada de aprendizados, conflitos e desafios:

- a luta, suas formas e trajetória histórica;

- a organização coletiva, seu jeito e sua mística;

- o trabalho, sua reconquista e as novas relações de produção;

- o reencontro com a terra, terra de trabalho, de luta, de raiz e sentimento;

- a vida em movimento, raiz e projeto, historicidade. (MST, 2001, p. 27).

A pedagogia das lutas por reforma agrária nasce da trajetória da luta real, cujo processo está na mobilização e organização do acampamento com uma intencionalidade da conquista da terra de forma consciente. Com efeito, Lefebvre (2011, p. 46) assevera que “a produção ativa da própria consciência pelo homem intervem no processo natural de seu crescimento […] até o momento em que, por meio de um salto decisivo, o ser humano se torna capaz de uma organização consciente, racional de suas atividades”. Dessa forma, Fromm (1967, p. 33) diz-nos que “o homem modifica-se no curso da história”, pois “ele é produto da história, transformando-se na evolução desta”. Por isso, “a história é o processo da criação do homem por si mesmo, pela evolução no processo de trabalho das potencialidades que lhe são dadas ao nascer”. Neste processo, o Setor de Educação do MST observa que a pedagogia da luta é um processo de incorporação dos pobres da terra à luta de forma consciente, objetivada pela necessidade da luta pela vida, cuja essência é promover

- ao resgate ou a restituição da dignidade a milhares de famílias que voltam a ter raiz e projeto. Os pobres de tudo, aos poucos vão se tornando cidadãos: sujeitos de direitos, sujeitos que trabalham, produzem e participam de suas comunidades, afirmando em seus desafios cotidianos uma nova agenda de discussões para o país;

- à construção de uma identidade coletiva, que vai além de cada pessoa, família, assentamento. A identidade de Sem Terra como nome próprio de lutadores do povo, não mais sujeitos a uma condição de falta: não ter terra, mas sim sujeitos de uma escola: a de lutar por mais justiça social e dignidade para todos em um movimento bem maior do que o MST; um movimento da história, e que diz respeito aos destinos da humanidade inteira. (MST, 2001, p. 27).

Nascido em 1984, o MST ressignifica a luta por reforma agrária, cuja organização traz a família como elo de luta, o que implica criar uma pedagogia da luta para incorporar homens, mulheres, jovens e as crianças também na luta, pois este é um processo coletivo que o MST soube compreender e, portanto, criar uma estrutura social com base na família e, com ela, a pluralidade da vida política e religiosa, mas com um objetivo central, que é a terra como conquista social, tendo como princípio diretivo uma organização como instância superior composta de direção coletiva e um colegiado dirigente, sob o princípio de divisão de tarefas, o que traz a responsabilidade para seus dirigentes. No movimento pedagógico de construção da luta por terra, reforma agrária e transformações sociais, o MST organizou o I Congresso Nacional, que foi realizado em Curitiba (PR) no mês janeiro de 1985 e contou com a participação de 1.600 delegados. No Congresso, a palavra de ordem era pelo fim da ilusão com a Nova República. Dentre a principal deliberação está a bandeira de luta: Ocupação é a única solução.No processo da luta por terra, reforma agrária e transformação social o MST propôs formas de mobilização pedagógica com lemas que ressignificassem as lutas em cada conjuntura histórica, pois o mesmo faz a leitura da realidade e com ela se estrutura a luta por terra, que é sempre um processo pedagógico, pois os sujeitos do MST aprendem com o Movimento a se movimentarem e a darem os encaminhamentos necessários em cada conjuntura, pois há uma dinâmica social que impulsiona a organização, formas de mobilização e ação de forma coordenada em cada situação dada e encontrada na realidade social, que se move de forma dialética. Com efeito, Bezerra Neto (1999, p. 15-16) diz-nos:

No congresso de fundação, ocorrido em Cascavel-PR, no ano de 1984, o MST definiu como princípio a luta pela reforma agrária reivindicando ‘TERRA PARA QUEM NELA TRABALHA’ e uma política agrícola que assegurasse aos trabalhadores do campo a possibilidade de permanecerem em suas terras, dado que estes as vinham constantemente perdendo para os bancos, ou sendo expulsos pelos fazendeiros e grileiros. Outro princípio considerado importante pelos congressistas foi a luta por uma sociedade sem exploradores e sem explorados.

Com o lema ‘SEM REFORMA AGRÁRIA NÃO HÁ DEMOCRACIA’, procurou colocar em xeque a disposição do ‘governo democrático’ da ‘Nova República’ em fazer as reformas que a sociedade exigia, sobretudo a reforma agrária, que o MST reivindicava que fosse feita sob o controle dos trabalhadores.

Nesse mesmo período lançou o lema: ‘TERRA NÃO SE GANHA, SE CONQUISTA’, deixando clara sua disposição de lutar pela posse da terra e conquistar a reforma agrária. Mesmo com o fim do regime militar, essa era uma tarefa muito difícil para os Sem Terra devido ao esquema de repressão ainda vigente no país.

Em 1985 os trabalhadores rurais, já sob a sigla MST, realizaram o Primeiro Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Curitiba-PR), contando com a participação de 1500 delegados, quando definiram sua luta com o lema: ‘OCUPAÇÃO É A SOLUÇÃO’, sua estrutura organizativa, associativa e suas instâncias de deliberação [...].

Para não causar impacto negativo na sociedade, o Movimento Sem Terra optou por não adotar o slogan das ligas camponesas e dos trabalhadores rurais da década de 60, ‘ REFORMA AGRÁRIA NA LEI OU NA MARRA’, apontando para um lema mais suave e que se traduzia nas palavras: OCUPAR, RESISTIR E PRODUZIR. Tentando envolver as pessoas dos centros urbanos, conclamava todos para a luta anunciando: ‘REFORMA AGRÁRIA, ESTA LUTA É NOSSA’, procurando ainda demonstrar os benefícios que essa reforma traria para toda a sociedade.

Nas observações de Bezerra Neto há os princípios fundados nas contendas da reforma agrária sob a leitura correta que o MST faz de cada processo histórico, de como ela se apresente à sociedade e as novas necessidades que são criadas à organização e estabelecidas pela grande luta social por reforma agrária, cuja essência é a pedagogia a ser criada sob a leitura real do mundo, que a torna imprescindível para as ações que orientam o MST na conquista da terra. Mas esta luta vai além da reforma agrária, pois se torna uma luta por direitos sociais, direitos humanos, de direito à vida. Nesta perspectiva, Bezerra Neto (2005, p. 140) escreveu:

Segundo o MST, uma das lições que se pode tirar de sua história até aqui é de que lutar somente pela terra não basta. A luta pela reforma agrária deve ser bem mais ampla, implicando a conquista de todos os direitos sociais que compõem o que se poderia chamar de cidadania plena. Nessa perspectiva, a educação é um dos direitos, é um dos direitos, pelo qual também é preciso mobilização, organização e luta. É sempre compreendida como processo que deve envolver a participação das crianças, das mulheres, da juventude, dos idosos, construindo novas relações e consciências, incluindo a participação nas marchas, assembleias, cursos, caminhadas, trabalhos voluntários, gestos de solidariedade, ocupações, mobilizações, visando a que se aprenda e ensine, além do alfabeto, o ato de ler e escrever a realidade da vida.

No processo pedagógico da luta por terra, a “[...] reforma agrária é na verdade uma luta contra três cercas. A cerca do latifúndio, que é a mais fácil de derrubar, é só ocupar. A cerca do capital, já mais difícil, ter acesso, construir nossas agroindústrias; e a cerca da ignorância”. (STÉDILE; FERNANDES, 2012, p. 164). No processo de existência do MST, todo ato produzido pela luta por reforma agrária é um ato pedagógico, é um ato político, é um ato de revolucionar a reforma agrária, cuja luta ressignifica o direito inalienável a terra para produzir a vida material. É, em sí ntese, a luta pela vida.

PEDAGOGIA SOCIALISTA SOVIÉTICA NA ESCOLA DO MST

A educação deve desempenhar o papel central na transformação do homem, nesta estrada de formação social consciente de gerações novas, a educação deve ser a base para alteração do tipo humano histórico. As novas gerações e suas novas formas de educação representam a rota principal que a história seguirá para criar o novo tipo de homem. [...] (VYGOTSKY, 1930, p. 9).

O MST é um movimento social que construiu em suas áreas de assentamento e acampamentos uma rede escolar como meio de formar seus quadros, alfabetizar e escolarizar as crianças, jovens e adultos. Para este fim, criou o Setor de Educação para pensar coletivamente os caminhos da educação e das escolas do MST. Neste campo de ação, produziram e editaram Boletins da Educação, Cadernos da Educação, Cadernos da Escola Itinerante etc. Neste processo, criou as bases da escola do MST, fundamentando-a historicamente na luta pela reforma agrária, cuja presença nos assentamentos e acampamentos se constitui como um dos símbolos da luta e da resistência histórica por terra. Neste processo, a organização do processo pedagógico do MST se constituiu e se faz nas experiências coletivas do fazer a luta por reforma e a escola, cujo trabalho se torna um princípio coletivo, pois o que mais ensina o homem é a experiência que ele traz da vida e, neste devir, carrega o que aprendeu com a sociedade em que vive sob a forma de como se produz a vida material. É o ato de aprender também fazendo. Neste processo, o MST (2005, p. 34) assevera que “as crianças, além de aprender fazendo, vão aprender a importância social do trabalho que realizam. A importância do trabalho na escola, no trabalho em casa ou na Associação” e, neste fazer, devem aprender a organizar-se e a planejarem a luta pela vida, que esta é real e concreta. Para isso, devem aprender:

1. A se organizar para trabalhar em grupos;

2. A tomar decisões por conta própria e a assumir as consequências de suas decisões;

3. A planejar e avaliar as ações no coletivo dos alunos e dos professores;

4. A controlar o trabalho e a produtividade;

5. A superar os desvios e oportunismos dos colegas. (MST, 2005, p. 35).

No fazer pedagógico, o MST fundamentou-se em teóricos da educação popular como Paulo Freire, cuja materialidade escolar se faz por meio de temas geradores, o que possibilidade uma aproximação do educando com o mundo real, com o mundo do trabalho, uma vez que o processo pedagógico traz elementos do trabalho como tema gerador do processo de ensino e de aprendizagem. Como educador popular, Paulo Freire ainda é um símbolo do MST, mas se torna insuficiente à complexidade que a educação toma no MST. Paulo Freire é importante, mas o MST buscou nos pedagogos da pedagogia socialista soviética os processos de organização pedagógica, cuja presença do trabalho como princípio educativo se torna imperativo no processo de formação humana. Dentre os princípios pedagógicos desenvolvidos coletivamente pelo MST (2005, p. 169) está o princípio Educação para o trabalho e pelo trabalho, cuja base histórica está presente, pois traz o trabalho como organizador da vida social e da consciência histórica de transformação social. Com efeito, o MST (2005, p. 169) assume que é “[...] o trabalho que gera riquezas. que nos identifica como classe. que é capaz de construir novas relações sociais e também novas consciências, tanto coletivas como pessoais. [...]”. Traz, portanto, uma unidade de trabalho e educação como condição objetiva necessária a transformação social, cuja política de classe e meios pedagógicos forma um novo indivíduo, um ser coletivo para o trabalho coletivo na vida social. Neste processo, o MST (2005, p. 169-170) aponta duas dimensões:

a) Educação ligada ao mundo do trabalho. Isto quer dizer que nossos processos pedagógicos (especialmente as escolas), não podem ficar alheios às exigências cada vez mais complexas dos processos produtivos, seja os da sociedade geral, seja os dos assentamentos, em particular [...];

b) O trabalho como método pedagógico. Quer dizer, a combinação entre estudo e trabalho como um instrumento fundamental para desenvolvermos várias das dimensões da nossa proposta de educação. [...].

No processo de organização escolar, o MST tem no trabalho um elo fundante do seu processo pedagógico, pois é uma organização social de trabalhadores, cuja objetivação é resultado de mobilização, organização e conquista da terra, portanto, conquista da terra para o trabalho, como meio social de produção e reprodução social. A chave da reprodução é a educação e, neste sentido, uma educação do trabalho na qual todos estão inseridos. Não há vida social sem trabalho, não há sociedade sem trabalho, por isso, todos são chamados ao trabalho sob o princípio da coletividade, sob a forma de trabalho cooperado, cujo processo é assimilado no ato educacional como processo de formação e sociabilidade humana. Dessa forma, Lunatcharski (2002, p. 06) se manifesta:

Consideramos o trabalho como matéria de estudo, isto é, como ensino da técnica no seu conjunto. Consideramos o trabalho também como meio de educação, porque sabemos que é só pelo trabalho coletivo que podemos formar os traços de caráter indispensáveis a uma personalidade sólida e espiritualmente valiosa. Consideramos o trabalho também como participação dos adolescentes e das crianças no processo geral do trabalho da população. A criança deve compreender que o trabalho não é uma brincadeira, mas o elemento no qual se funda a sociedade; deve sentir-se um pequeno trabalhador no grande processo da cooperação. Mas não podemos permitir que esta cooperação não seja parcimoniosa. Manteremos neste trabalho um caráter que permita cuidadosamente construir a partir de um pedaço de pequeno homem um grande trabalhador da sociedade socialista.

Sob o princípio no qual a escola pode educar pelo trabalho, o MST (2005, p. 94) traz a seguinte observação “[…] se a escola conseguir proporcionar aos alunos uma experiência real de trabalho produtivo socialmente dividido ela estará alterando ou educando a verdadeira consciência ou mentalidade coletiva, onde a lógica que comanda é a do interesse coletivo e da partilha”, pois “ [...] se aprende que nada se faz sozinho e que fazer junto requer unidade, disciplina e solidariedade de cada um com todos”. (MST, 2005, p. 94). Com efeito, Pistrak (2003, p. 50) assevera:

[...] o trabalho é um elemento integrante da relação da escola com a realidade atual, e neste nível há fusão completa entre ensino e educação. Não se trata de estabelecer uma relação mecânica entre o trabalho e a ciência, mas de torná-los duas partes orgânicas da vida escolar, isto é, da vida social das crianças.

Reconhece Pistrak (2003, p. 30) que “a revolução e a escola devem agir paralelamente, porque a escola é a arma ideológica da revolução”, o que pressupõe o entendimento sob o qual a escola é uma estrutura de classe e nas mãos dos trabalhadores se torna uma escola do trabalho, direcionada para determinado fim, que é a formação do ser coletivo social e politicamente. Por isso, o MST constrói sua escola do trabalho e o trabalho deve ser a centralidade do processo pedagógico na formação humana. Para esse fim, Lunatcharski (2002b, p. 07) argumenta que “a escola do trabalho deve ensinar todo mundo a trabalhar. Portanto, deve cuidar-se não só de fazer assimilar as matérias ensinadas por meio do trabalho, mas também ensinar às crianças o trabalho como tal”, pois “a escola deve habituar o homem a trabalhar, deve inculcar nele métodos de uma abordagem justa deste mistério que é o mundo [...]”. (LUNATCHARSKI, 2002, p. 19). Por isso, no processo de formação humana, Pistrak (2003, p. 90) sintetiza a escola como segue:

1. A escola deve dar aos alunos uma formação básica social e técnica suficiente para permitir uma boa orientação prática na vida.

2. Ela deve assumir antes de tudo um caráter prático a fim de facilitar ao aluno a transição entre a escola e a realidade integral da existência, a fim de capacitá-lo a compreender seu meio e a se dirigir autonomamente.

3. Ela deve acostumá-lo a analisar e a explicar seu trabalho de forma científica, ensinando-lhe a se elevar do problema prático à concepção geral teórica, a demonstrar iniciativa na busca de soluções.

Deveras, na pedagogia socialista, a escola é uma totalidade imersa na totalidade da vida social em processo de formação humana sob o primado do trabalho como realidade e processo de ensino. É uma intencionalidade viva no processo de organização do modo socialista de produção. Na escola do assentamento do MST, o Projeto Político-Pedagógico do Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak e das Escolas Itinerantes do MST/PR aponta a unidade de ensino do trabalho como centralidade.

Pelo trabalho, o educando produz conhecimento cria habilidades e forma sua consciência. O trabalho tem uma potencialidade pedagógica e a escola pode torná-lo educativo, ajudando os sujeitos a perceberem o seu vínculo com as demais dimensões da vida: sua cultura, seus valores, suas posições políticas. Por isso nos desafiamos a estar vinculados ao mundo do trabalho e a educar-se para e pelo trabalho. (PARANÁ, 2009, p.29).

A ressignificação do trabalho feito pelo MST está na práxis social que subsidiam a construção da escola da Pedagogia do Movimento e as fundamentam na elaboração de seus documentos. Há, portanto, uma unidade que parte da prática para a teoria e o retorno à prática ressignificada pela teoria. Na formulação teórica, o MST traz no Caderno de Educação nº 09 a criação de Unidades de Produção também vinculadas à escola para que seja integrada ao processo de ensino, pois “faz parte do processo educativo o envolvimento do educando na produção, seja no trabalho individual seja no trabalho coletivo. Se os educandos morarem em um alojamento, o ideal é que ele tenha uma área produtiva”. (MST, 2005, p. 231). Neste processo, o documento do MST, (2005, p. 222) traz:

As Unidades de Produção estão voltadas para o consumo da escola, para contribuir com os assentamentos da região e os acampamentos, e para o mercado. É importante garantir que o retorno do comercializado seja aplicado em investimentos nas Unidades de Produção e na aquisição de material didático/pedagógico.

As Unidades precisam ser trabalhadas como espaços educativos, onde os educandos possam aprender para além dos modos de produzir que já conhecem. Não tem sentido usar estes espaços somente para reproduzir de modo mecânico o que já aprenderam a fazer fora da escola. Os educandos vêm para a escola para aprender e sistematizar outras aprendizagens.

Como totalidade, a escola do MST é uma coletividade de ensino e de trabalho, Nela, a unidade de produção é determinante para o exercício do trabalho coletivo. Na obra Poema Pedagógico, de Anton Makarenko, ele traz esse princípio organizativo, pois transformou a Colônia Gorki em uma unidade de produção. No processo de ocupação da antiga fazenda Trepke, recuperaram a estrutura física do prédio para a instalação da escola e dos alojamentos estudantis, limparam o terreno e tornaram produtivas as terras. Neste processo, Kumarin destacou:

Graças à inteligente organização da economia agropecuária e ao perseverante e harmônico trabalho dos colonistas, a situação material da colônia Gorki era próspera: o campo lhes dava trigo e hortaliças em quantidades suficientes; tinham vacas de raça, porcos, uma grande horta de frutas; administravam um moinho que não somente atendia às necessidades da colônia, mas também das aldeias circunvizinhas. (KUMARIN, 1975, p. 17 apud BOLEIZ JUNIOR, 2008, p. 118).

A Colônia Gorki se transformou em uma escola do campo, com a singularidade de ser uma unidade de produção associada ao ensino, que, a meu ver, tem um caráter de formação politécnico, associada à escola como coletividade, como totalidade. Com efeito, Makarenko (1986, p. 66) afirma o primado da escola como coletividade unidade, pois

A correta educação soviética deve organizar-se mediante a criação de coletividades unidas, fortes e influentes. A escola deve ser uma coletividade unida em que estão organizados todos os processos educativos e cada membro da coletividade deve sentir a sua dependência em relação a ela, à coletividade, deve ser fiel aos interesses dela, defendê-los e sobretudo apreciá-los. Considero incorreta a situação em que o membro tem direito de procurar a companhia mais afim e mais útil sem contar para isso com as forças e os meios da própria coletividade. [...].

Organizar a escola como coletividade, eis o princípio que Makarenko adotou como pedagogia socialista soviética e que o MST também estabelece como princípio organizativo para suas escolas. Fundamentam-se nos coletivos como unidade organizativa, sob o qual geram a solidariedade, a auto-organização, a disciplina para o trabalho e a disciplina do estudante/militante. Dessa forma, Makarenko estabeleceu os cuidados necessários à formação do coletivo, cuja essência está na capacidade laboral das crianças e dos jovens. Sob esses princípios, Makarenko (2010, p. 51) escreveu:

Ao organizar a coletividade básica segundo o critério da produção, convém necessariamente levar em consideração as diferenças etárias. Nas instituições onde não exista uma coletividade sólida e bem organizada e onde ainda não tenha sido criada uma disciplina correta, é absolutamente necessário que as coletividades básicas — destacamentos para as crianças mais novas, entre 10 e 14 anos — se organizem à parte; só como exceção se pode admitir que crianças pequenas sejam incluídas nos destacamentos dos mais velhos, mas, neste caso, é necessário verificar do modo mais escrupuloso possível as particularidades individuais; levar em conta que tipo de influência afetará o aluno, a maneira de ele ser aceito no destacamento, responsável pessoal pela sua vida no destacamento e no trabalho e a pessoa encarregada de ocupar-se dele de um modo especial.

Refletindo sobre a pedagogia soviética de Krupskaia, Samantha Lodi diz que sob o trabalho socialmente útil e educação no processo de formação humana desenvolveria o espírito da coletividade como o autogoverno escolar, pois “[...] a palavra “autogoverno” (para Krupskaia) aparece como sinônimo de emancipação e como necessária na formação do jovem não só no ambiente escolar, mesmo que seja um espaço necessário para essa ação, como também em todas as ações da sociedade”. (LODI, 2018, p. 82). Neste processo, o coletivo e a auto-organização são pressupostos necessários à formação humana sob o princípio pedagógico do trabalho, que desenvolverá tarefas necessárias à vida escolar de acordo com seu desenvolvimento físico e a capacidade de trabalho de acordo com a idade do aluno. Com efeito, Krupskaia escreve:

O autogoverno deve proporcionar hábitos para se cumprir juntos, em comum, as tarefas decorrentes da vida. Tem–se falado muito de que deve ser organizado o autogoverno de modo que todos os meninos, sem exceção, se incorporem em tarefas sociais, sendo responsável por ela diante do coletivo. (KRUPSKAIA, 1986, p.144 apud LODI, 2018, p. 82.)

Esta forma de trabalho educativo também está presente na escola do MST. Isso é fundamental para desenvolver o que Krupskaia chama de amor ao trabalho. Neste sentido, Krupskaia (1986, p. 17 - tradução nossa1) diz-nos que “os organismos de autogoverno se formam e desenvolvem de forma orgânica, em consonância com as necessidades da vida do coletivo, mas não são impostos pelos pedagogos. A emulação entre coletivos contribui para formar o amor pelo trabalho”. Neste processo, destaca-se a relevância do trabalho socialmente necessário à vida coletiva, princípio orientado pelo coletivo que se auto-organiza como célula social para dar vida à totalidade da escola. Refletindo sobre a construção da reforma agrária popular (RAP) e os princípios pedagógicos do MST, o Movimento demonstra que conhecer a realidade, como pressuposto de “atualidade”, “coletivo” e “auto-organização” no espaço de formação humana, são elementos imprescindíveis à educação política dos militantes do MST, sendo a base da construção do poder popular. Sob este princípio, Caldart (2017, p. 280-281) escreve:

[...] cresce a importância de ampliar as experiências de auto-organização dos estudantes, vinculados ao trabalho socialmente necessário e ao seu envolvimento no cotidiano da condução da vida escolar. Esta intencionalidade integra o desafio de educação política das novas gerações, especialmente na sua dimensão de formação da consciência associativa de classe e de aprendizagem da participação política, que precisa ser exercitado no cotidiano dos assentamentos e no conjunto da organização, visando à construção do poder popular. O legado russo nos ajuda a pensar esta dimensão integrada à vida da escola e no vínculo orgânico da escola com as organizações políticas da infância e da juventude.

Deveras, o trabalho é um polo imprescindível à construção de pedagogias, cuja natureza pode ser revolucionária se apontarem caminhos de transformação social. Tanto na Pedagogia Socialista Soviética, quanto na Pedagogia do MST, o trabalho é um processo de reorganização da vida social assentado como princípio educacional na perspectiva de formar um novo homem, um homem plural, cuja essência é um ser do trabalho coletivo, tanto no socialismo, quanto no capitalismo.

Na produção da vida material, a educação é um processo de transmissão da cultura educacional acumulada pelos homens no seu devir histórico, mas também é um processo de construção de uma nova forma de produção humana que, sob princípios da classe trabalhadora, a organiza para formar o tipo humano que almeja, pois “[...] a educação não é neutra” e “[...] expressa os diferentes modos de vida – tradução empírica – da articulação entre as macro- determinações (as famosas relações sociais de produção) e as micro-determinações presentes no cotidiano de mulheres e homens, isto é, das classes”. (DIAS, 2011, p. 44). Neste sentido, a educação “[...] determina as formas de pensar, agir, sentir, praticar o amor e mesmo responder aos problemas da sobrevivência material e simbólica”. (DIAS, 2011, p. 44). Com efeito, Saviani (1986, p. 14) diz-nos:

[...] todo sistema educacional se estrutura a partir da questão do trabalho, pois o trabalho é a base da existência humana, e os homens se caracterizam como tais na medida em que produzem sua própria existência, a partir de suas necessidades. Trabalhar é agir sobre a natureza, agir sobre a realidade, transformando-a em função dos objetivos, das necessidades humanas. A sociedade se estrutura em função da maneira pela qual se organiza o processo de produção da existência humana, o processo de trabalho.

Na organização do sistema educacional do MST há uma identificação com a pedagogia socialista soviética, pois se assenta na formação humana do novo homem, que pode construir relações de trabalho distintas da do capitalismo. O capitalismo é um modo de produção dominante, mas no seu interior há modos distintos de produção da vida material e o MST vem construindo relações de produção de base agroecológica, cooperativas em terras coletivas, cuja essência traz o trabalho socialmente necessário como centralidade da vida.

FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS E PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS DA ESCOLA DO MST

A organização de que fazemos parte está cada vez maior e mais complexa. A luta dos trabalhadores cresce em necessidade e força. Por isso, os desafios também aumentam e ficam mais complexos. A educação precisa assumir as tarefas que lhe cabem neste processo de fortalecimento da nossa organicidade, de clareza do projeto político dos trabalhadores e de construção prática e cotidiana da sociedade da justiça social e da dignidade humana, [...] (MST, 2005, p. 159-160).

O MST é um Movimento que foi construído na luta social pela reforma agrária. É um Movimento que traz na centralidade processos formativos imprescindíveis à luta pela terra, que é a educação de seus quadros. No processo formativo também traz processos educacionais que asseguram a certificação escolar de assentados e acampados como exige o sistema educacional para cumprir com determinado fim. Na luta pela terra, o MST traz também a luta pela escola nos acampamentos e nos assentamentos, cuja essência é uma escola com as características que o Movimento construiu no longo de sua existência, pois este se move de forma dialética na construção da reforma agrária, cujo princípio se assenta em um país socialmente justo, com a desconcentração da propriedade fundiária e tem o socialismo como objetivo. Nesta perspectiva, o Movimento se move e movimenta suas bases e partes da sociedade, que são solidárias às lutas sociais da reforma agrária empreendida pelo MST.

A luta social por reforma agrária é o caminho para democratizar o acesso a terra, pois as elites agrárias, nos processos históricos que apontavam rupturas estruturais da terra, buscaram a conciliação para conservar a estrutura fundiária e os status quo de sua existência. O Brasil, desde então, mostrou que sua natureza só se move com pressão contra a ordem social estabelecida e isto só se faz rompendo as cercas do latifúndio como rebeldia social nas lutas por reforma agrária. Este processo o MST mostrou-se capaz de realizar, organizando os pobres do campo e da cidade para ocupar do latifúndio e, com isso, provocar a democratização do acesso a terra via reforma agrária “ institucional” por meio da ocupação do latifúndio improdutivo. Neste processo, aparecem os acampamentos e, com eles, mobilizações da sociedade em torno da defesa da reforma agrária e as necessidades de lutarem por escolas, pois a vida acampada é composta por famílias, cujas crianças precisam ter acesso a escola, mas este processo deve ter uma característica peculiar, que é uma escola que ressignifique sua essência e traga os princípios das lutas sociais por reforma agrária como centralidade do processo educacional. Há uma ação e um impulso que move o sentido dado por fundamentos pedagógicos e filosóficos que move o Movimento e os orientam às lutas sociais por reforma agrária e por transformação social. Há, portanto, um QueFazer necessário às lutas sociais por educação nos territórios do MST (assentamentos e acampamentos). A marca deste processo é o Seminário Nacional de Educação em Assentamentos, realizado de 27 a 30 de julho de 1987, na cidade de São Mateus (ES), que colocou como ação de luta a tarefa política de construir a educação do MST, pois nos espaços das lutas sociais da reforma agrária (acampamento/assentamento) está a família como centralidade organizacional. O seminário, diz- nos Caldart (2017), teve como objetivo o processo de socialização das experiências que o MST já tinha acumulado neste devir e promover as discussões sobre escola e educação que as equipes de educação promoviam nos estados que o MST começava a organizar. Neste processo, a marca indelével da Pedagogia no Movimento mostra sua força de organização e princípios fundantes da escola do MST. O Movimento criou o Setor de Educação para estabelecer a unidade e os princípios nacionais da educação que o MST quer para suas bases. Com efeito, Amboni (2014, p. 25) diz-nos que

[...] o MST reafirma os princípios e novos rumos na luta pela terra, pois o sentido se amplia a partir do momento em que agrega novos componentes à luta, que é formação política e escolar do seu quadro. Para o MST, a escola passou a ser um polo de luta também na desconstrução da propriedade da terra, pois ela é sinônimo de formação da consciência revolucionária do militante.

Na consolidação da educação, o MST lançou em agosto de 1992 seu Boletim da Educação n º 01, com o título Ocupar, Resistir e Produzir também na Educação. Nele, o MST afirma o caráter de classe da sua escola e aponta Como deve ser a escola de assentamento. Há, portanto, um fundamento de classe que se objetiva na escola como espaço de sociabilidade e de formação que se quer, como quer e, por isso, uma unidade em construção sob princípios coletivos, no qual o sujeito se objetiva para a vida coletiva. Nela, está assentada um propósito de formação humana, cuja essência e natureza é o trabalho como polo diretriz, pois o projeto social do MST é a construção de um novo homem que se estrutura pelo modo de organizar a vida social e o trabalho como essência coletiva. Neste aspecto, a escola do MST é uma escola de classe, que reflete em seus métodos de ensino os objetivos de uma escola do trabalho no interior do capitalismo. É uma escola que se constrói na luta social e na resistência, sem perder o foco das lutas por reforma agrária. É a escola que se faz entre lutas sociais e práticas escolares ressignificas as lutas pela reforma agrária e pela construção de uma sociedade justa, democrática e coletiva. Neste documento traz uma base de experiência e práticas escolares já praticadas pelo Movimento no processo de formação humana, pois traz experiências da pedagogia socialista soviética ressignificada para as escolas do MST. Neste acúmulo, o Setor de Educação do MST sintetiza em 10 pontos a visão sobre a atuação da escola nos territórios do MST:

01. A Escola de assentamento deve preparar as crianças para o trabalho no Meio Rural;

02. A Escola deve capacitar para a cooperação;

03. A Direção da Escola deve ser coletiva e democrática;

04. A Escola deve refletir e qualificar as experiências de trabalho produtivo das crianças no assentamento;

05. A Escola deve ajudar no desenvolvimento cultural dos assentados;

06. O Ensino deve partir da prática e levar ao conhecimento científico da realidade;

07. O Coletivo da Escola deve se preocupar com o desenvolvimento pessoal de cada aluno;

08. O professor tem que ser militante;

09. A Escola deve ajudar a formar militantes e exercitar a mística da luta popular;

10. A Escola também é lugar de viver e refletir uma nova ética. (MST, 2005, p. 39-40).

Na organização das lutas por educação, no 6º Encontro Nacional do MST, realizado em fevereiro de 1991, na cidade de Piracicaba (SP), aprovou-se as linhas políticas da educação do MST, cuja centralidade está na formação humana de forma integral, tendo o trabalho como categoria central, a coletividade como processo organizador da vida e o estudo da realidade presente nas lutas pela terra. Há, nas linhas políticas aprovadas, os valores da pedagogia socialista soviética ressignificados para os valores da educação do MST, cuja natureza formativa associa trabalho e ensino na perspectiva da classe do trabalho e da formação do militante que, em essência, traduz a formação do homem materialmente consciente sobre o mundo real que se objetiva em classes sócias para poder superá-las. Neste aspecto, o elemento central do processo formativo traz também a realidade sob o qual a sociedade está assentada e que necessita ser transformada para a construção do novo social, que se objetiva no trabalho socialmente coletivo como possibilidade do devir histórico das lutas de classes. Para tanto, o MST se constrói nas lutas sociais e a escola que se quer é uma das frentes de construção do Movimento. Neste aspecto, as linhas pedagógicas contêm:

- Transformar as escolas de 1º grau dos assentamentos em instrumentos de transformação social de formação de militantes do MST e de outros movimentos sociais com o mesmo projeto político

- Desenvolver uma proposta de educação que proporcione às crianças, conhecimento e experiências concretas de transformação da realidade, a partir dos desafios do assentamento ou acampamento, preparando-se crítica e criativamente para a participação dos processos de mudança da sociedade.

- A prática de educação nas escolas de assentamento/acampamento deve seguir os seguintes princípios:

a) ter o trabalho e a organização coletiva como valores educativos fundamentais;

b) integrar a escola na organização do assentamento;

c) formação integral e sadia da personalidade da criança;

d) a prática da democracia como parte essencial do processo educativo;

e) o professor deve ser sujeito integrado na organização e interesses do assentamento;

f) a escola e a educação devem construir um projeto alternativo de vida social;

g) uma metodologia baseada na concepção dialética do mundo;

- Produzir coletivamente a base de conhecimentos científicos mínimos necessários para o avanço da produção e da organização nos assentamentos.

- Ampliar e fortalecer a relação entre a escola e o assentamento. E entre a escola e o MST. (MST, 2005, p. 39).

O marco constitutivo da relação pedagógica do MST são os princípios filosóficos que o Movimento construiu no seu devir educacional, pois “os princípios filosóficos dizem respeito a nossa visão de mundo, nossas concepções mais gerais em relação à pessoa humana, à sociedade, e ao que entendemos que seja educação. Remetem aos objetivos mais estratégicos do trabalho educativo no MST”. (MST, 2005, p. 160). Ao estruturar o sistema educacional, o MST fortalece a unidade política na defesa do socialismo como modo estruturante da vida social, cujos princípios filosóficos trazem à organização do processo formativo que se quer. Neste sentido, traz as diretrizes para a vida em comunidade, portanto, para a construção de uma vida social coletiva, onde o sujeito se forma sob o primado da formação do trabalho, formado como construtor do futuro e o futuro, na perspectiva do MST é coletivo. Dessa forma, o MST construiu cinco princípios filosóficos2, a saber:

1º) Educação para a transformação social Educação de classe

Educação massiva

Educação organicamente vinculada ao Movimento Social

Educação aberta para o mundo

Educação para a ação

Educação aberta para o novo

2º) Educação para o trabalho e a cooperação

3º) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana

[...] Algumas dimensões principais que queremos deixar em destaque aqui:

• a formação político-ideológica;

• a formação organizativa;

• a formação técnico-profissional;

• a formação do caráter ou moral (valores, comportamentos com as outras pessoas);

• a formação cultural e estética;

• a formação afetiva;

• a formação religiosa...

4º) Educação com/para valores humanistas e socialistas

5º) Educação como um processo permanente de formação e transformação humana (MST, 2005).

A meu ver, o sentido dado pelos princípios filosóficos é uma expressão de valoração do humanismo no campo político, com projeto de formação humana na educação de classe, pois foi pensado pelo e para os trabalhadores do MST. Neste processo, o elo de classe e a transformação social estão na centralidade do trabalho e na organização coletiva de cooperação para produzir a vida material, sem descuidar-se dos aspectos que movem os indivíduos em seu cotidiano, como a cultura, o jeito de viver, de praticar a religião e outras dimensões da vida humana. Há, portanto, uma intencionalidade na formação do sujeito Sem Terra, cuja natureza educacional é formar um militante ativo, coletivo e democrático, com base na ciência e no conhecimento que o homem acumulou no seu longo devir histórico. Neste processo, Caldart [et. al.] (2013, p. 40), sobre os princípios da educação no MST, aponta:

[...] Dessa reflexão fizeram parte os princípios do processo pedagógico, que preparam os sujeitos através da popularização do conhecimento científico; preparação para a produção; preparação para o trabalho coletivo; racionalidade democrática; vivência ecológica; revisão dos modelos tecnológicos; formação político-ideológico; reconstrução da identidade cultural popular; construção e vivência de uma ética de solidariedade e de generosidade coletiva.

Deveras, o fazer pedagógico se fundamenta no trabalho e, com ele, uma forma de existência social que o forma como indivíduo e que determina qual consciência social terá essa pessoa. Neste processo, há uma determinação social, pois no processo formativo há uma intencionalidade, cuja base está nos pressupostos filosóficos engendrados pelo grupo social. Neles, se definem a forma de consciência que se quer formar. Com efeito, Caldart [et. al.] (2013, p. 84) diz-nos que “[...] o ser humano se transforma no curso de seu envolvimento com a produção (e com o tipo de processo produtivo) das suas condições materiais de existência”. Portanto, a forma trabalho determina a consciência social do sujeito e, neste processo, a base real desse movimento dialético “[…] são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de existência, quer se trate daquelas que encontrou já elaboradas quando do seu aparecimento das que ele próprio criou. [...]”. (MARX; ENGELS, 1980, p. 18). Portanto, o ato de comer, beber, vestir-se e abrigar-se se torna práxis humana pelo trabalho, o que leva Lukács (2013, p. 43) a afirmar que “[…] a essência do trabalho humano consiste no fato de que, em primeiro lugar, ele nasce em meio à luta pela existência e, em segundo lugar, todos os seus estágios são produtos de sua autoatividade”, no qual o homem se move ao produzir a vida material e, nesta processualidade, nasce e permanece como uma atividade do homem e a “atividade é um processo de inter-tráfico entre pólos opostos, sujeito e objeto” (LIONTIEV, 1972, p. 02). Para o qual, Paro (1999, p. 160) diz-nos que “o trabalho em sua forma humana é, [...] a mediação que o homem necessita para construir-se historicamente”. Não obstante, Frigotto (2010, p. 20) argumenta que “trata-se de aprender que o ser humano – como ser natural – necessita elaborar a natureza, transformá-la, e pelo trabalho extrair dela bens úteis para satisfazer suas necessidades vitais e socioculturais”. Dessa forma, ao trazer o trabalho como centralidade educacional, o MST assume como princípio pedagógico um caráter histórico da educação, cuja processualidade determina sua forma e ação de classe no processo de formação humana. E isto potencializa a formação para a transformação social, cujo fundamento está na formação do novo homem e da nova mulher, formados na coletividade da vida e para a vida coletiva. Neste processo, a natureza filosófica da educação caminha paralelamente com os fundamentos pedagógicos3, cujo processo está presente na Escola do MST. Com efeito, o MST (2005, p. 160) assevera:

Os princípios pedagógicos se referem ao jeito de fazer e de pensar a educação, para concretizar os próprios princípios filosóficos. Dizem dos elementos que são essenciais e gerais na nossa proposta de educação, incluindo especialmente a reflexão metodológica dos processos educativos, chamando a atenção de que podem haver práticas diferenciadas a partir dos mesmos princípios pedagógicos e filosóficos. [...].

No domínio de suas ações e intencionalidade política, o MST apresenta, como fundamento pedagógico, 13 aspectos que julga importante para a formação humana no Movimento. Para tanto, aponta os caminhos do Movimento para suas atividades escolares, na qual estabelece uma relação de intencionalidade, sem perder de vista as dimensões da natureza da luta social por terra, por reforma agrária e transformação social, que é o fundamento da existência do MST. Como a sociedade é dialética e se move internamente, o MST também é dialético e se move nas três frentes de atuação política e incorpora outras frentes de luta social, que se fundamenta na trajetória clássica da luta por transformar o sujeito sem-terra em sujeito Sem Terra, o que implica formar o homem do trabalho nas entranhas do capitalismo, cuja natureza está presente nos fundamentos pedagógicos criados no devir histórico do Movimento. A educação se fundamenta no processo dessas lutas, por isso, os fundamentos pedagógicos que apresentam à Escola trazem os aspectos da luta central do MST, que aqui destaco:

1º) Relação entre prática e teoria

2º) Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação

3º) A realidade como base da produção do conhecimento

4º) Conteúdos formativos socialmente úteis

5º) Educação para o trabalho e pelo trabalho

6º) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos

7º) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos

8º) Vínculo orgânico entre educação e cultura

9º) Gestão democrática

10º)Auto-organização dos/das estudantes

11º) Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras.

12º) Atitude e habilidades de pesquisa

13º) Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais (MST, 2005)

Em nossa reflexão, vários fundamentos pedagógicos apresentam traços da pedagogia socialista soviética, a qual traz a construção do modo de produção do trabalho, cuja natureza se funda no trabalho em suas dimensões de organização social pelo trabalho socializado, com ações de coletividade e produção sob princípios úteis à vida comum, com base na vida social democrática, onde os valores humanos devem orientar a formação do homem do MST, cuja centralidade é a escola fundada sobre os princípios e fundamentos do trabalho. Com efeito, o MST (2005, p. 205) afirma:

A Escola do MST é aquela que se faz lugar do movimento destas pedagogias, desenvolvendo atividades pedagógicas que levem em conta o conjunto das dimensões da formação humana. É uma escola que humaniza quem dela faz parte. E só fará isto se tiver o ser humano como centro, como sujeito de direitos, como ser em construção, respeitando as suas temporalidades. A nossa tarefa é formar seres humanos que têm consciência de seus direitos humanos, de sua dignidade. Não podemos tratar os educandos como mercadorias a serem vendidas no mercado de trabalho. Isto é desumanizar, a eles e a nós todos.

Neste processo, o MST sabe da importância que a educação tem como instrumento de luta e transformação social. Sabe também que a educação não faz a revolução, mas o homem formado sob os princípios do trabalho pode potencializar a luta social que seja capaz de transformar a vida social. Portanto, o esforço do MST em criar os princípios filosóficos e os fundamentos pedagógicos sob as premissas do trabalho, que é a centralidade da vida e da formação social, o que permite ao MST criar nas áreas de assentamentos e acampamentos um modo de produção peculiar ao trabalho, que, a meu ver, já está em construção.

CONCLUSÃO

A sociedade é um conjunto de forças sociais consubstanciadas em classes sociais que a forma. Nela, está presente formas de educação que correspondem às determinações das classes dominantes, mas há também formas de educação nos grupos sociais que as compõe. No Brasil, a questão agrária impõe formas de luta social por terra e reforma agrária pelos povos originários, quilombolas e movimentos sociais. A questão agrária é um processo inconcluso na sociedade brasileira.

No devir histórico do Brasil contemporâneo, movimentos sociais em luta por reforma agrária surgem sob diversas bandeiras e matizes. Uns conseguem se organizar nacionalmente, como é o caso da CPT, MST etc., mas a maioria só consegue organizar-se regionalmente. O MST é uma das organizações nacionais que colocou, como marca de nascimento, a pauta da luta por terra, reforma agrária e transformação social nos seus objetivos em 1984. Como a ocupação do espaço social da luta pela terra traz a família e com ela as necessidades da formação escolar, o MST também se mobiliza para ocupar a escola e construir sua identidade escolar. Neste processo, em 1987, o MST faz história com a afirmação da luta social por escola na luta pela terra.

A história é escrita com letras indeléveis de sangue, suor e lágrimas. O MST, na ocupação da terra criou a pedagogia da conquista da terra, que se faz e se movimenta nas condições dadas e encontradas a cada conjuntura nacional. Neste princípio, a história do MST é uma pedagogia da vida, pois as necessidades primárias da vida, como comer, beber, vestir-se e abrigar-se são supridas na luta diária pela vida, a qual o MST a faz de modo coletivo, pois o MST é um coletivo, é uma unidade na luta pela vida. Portanto, a existência do MST é uma existência que se torna pedagogia da vida assentada na pedagogia da conquista da terra, cujo fundamento é a luta social pela reforma agrária. O MST é uma escola em movimenta.

Outro aspecto da escola do MST é seu jeito de fazer escola. Neste processo, criou os princípios filosóficos e fundamentos pedagógicos sob os pilares do trabalho como categoria fundante do ser social e do processo de ensino que se estrutura no coletivo, na auto-organização e no trabalho socialmente necessário. Deveras, o MST educa os seus e os educa na dinâmica da vida do trabalho na formação do novo homem. Mas esses processos não são originários no MST. O fundamento da escola do MST está na pedagogia socialista soviética, criada pelos pioneiros da educação soviética entre os anos de 1917 a 1930, que se fundamenta no trabalho como processo de ensino. O MST ressignifica a pedagogia socialista soviética para suas escolas, cuja essência pedagógica é o trabalho no campo e estruturas industriais criadas por cooperativas em suas diversas unidade de produção. Portanto, no interior do modo de produção capitalista, o MST educa os seus sob uma base pedagógica que forma um ser social socialista, um ser coletivo e humanamente solidário.

REFERÊNCIAS

1. AMBONI, Vanderlei. A escola no acampamento do MST: institucionalização e gestão estatal da escola itinerante Carlos Marighella. 287 folhas. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos (SP), 2014.

2. BEZERRA NETO, Luiz. Sem-Terra aprende e ensina: estudo sobre as práticas educativas do movimento dos trabalhadores rurais. Campinas, SP: Autores Associados, 1999.

3. BEZERRA NETO, Luiz. A educação rural no contexto das lutas do MST. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 20, p. 133-147, dez. 2005

4. BOLIEZ JUNIOR, Flávio. Pistrak e Makarenko: Pedagogia Social e Educação do Trabalho. Dissertação (Mestrado em Educação) São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008.

5. CALDART, Roseli Salete; et al. Escola em Movimento no Instituto de Educação Josué de Castro. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

6. CALDART, Roseli Salete. Caminhos para a transformação da escola: pedagogia do MST e pedagogia socialista russa. In. Pedagogia Socialista: legado da revolução de 1917 e desafios atuais. Org. Cardart, R. S.; Villas Boas, R. L. São Paulo: Expressão Popular, 2017.

7. DIAS, Edmundo Fernandes. Educação, luta de classes e revolução. In. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, v. 3, n. 43-49, p.; fev. 2011.

8. FRIGOTTO, Gaudêncio. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida. In. A Experiência do trabalho e a educação básica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010.

9. FROMM, Erich. O medo à liberdade. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, s/d.

10. FROMM, Erich. Meu encontro com Marx e Freud. 4ª ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1967.

11. LEFEBVRE, Henri. Marxismo. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.

12. KRUPSKAIA, Nadezhda. La educación laboral y La ensenãnza. Moscú: Editorial Progresso, 1986.

13. LIONTIEV, Alexei Nikolaevich. Atividade e Consciência. 1972. Tradução do inglês: Marcelo José de Souza e Silva. In. https://www.marxists.org/portugues/leontiev/1972/mes/atividade.htm. Acessado em 19/05/2014.

14. LODI, Samantha. Nadezhda Krupskaia: uma estrela vermelha – Uberlândia: Navegando Publicações, 2018.

15. LUKÁCS, Gyorgy. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2013.

16. LUNATCHARSKI, A. A Educação na Rússia Revolucionária. Jornal Livro. V. II, n° 10. Dezembro de 2002.

17. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Lisboa: Presença; Martins Fontes, 1980.

18. MAKARENKO, Anton Semiônovitch. Tradução por G. N. Filonov; In: BAUER, C. Buffa, E. (orgs.). Anton Makarenko. Coleção Educadores, Recife(PE): Fundação Joaquim Nabuco: Editora Massangana, 2010.

19. MAKARENKO, Anton Semiônovitch. Problemas da educação escolar: experiência do trabalho pedagógico (1920-1935). Moscou (URSS): Edições Progresso, 1986.

20. MST. Educação no Documento Básico do MST, 1991. In. CADERNO DE EDUCAÇÃO Nº 13. Ed. Especial. Dossiê MST Escola Documentos e Estudos 1990 – 2001. Veranópolis (RS): ITERRA, 2005, pp, 29-39

21. MST. Ocupar, Resistir e Produzir também na Educação, 1992. In. Boletim da Educação nº 01. Ed. Especial. Dossiê MST Escola: Documentos e Estudos 1990 – 2001. Veranópolis (RS): ITERRA, 2005, pp, 39-49.

22. MST. Princípio de Educação no MST, 1996. In. Cadernos da Educação nº 08. Ed. Especial. Dossiê MST Escola: Documentos e Estudos 1990 – 2001. Veranópolis (RS): ITERRA, 2005, pp, 159-179.

23. MST. O MST: Nossa história. In: http://www.mst.org.br/nossa-historia/84-86. Acesso em 14/08/2021

24. MST. Pedagogia do Movimento Sem Terra: acompanhamento à Escola. BOLETIM DA EDUCAÇÃO Nº 08. MST, Junho de 2001.

25. PARANÁ. Secretária de Estado da Educação. Projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak e das Escolas Itinerantes do Paraná. Rio Bonito do Iguaçu (PR), 2009.

26. PARO, Vitor Henrique. Parem de preparar para o trabalho!!! Reflexões acerca dos efeitos do neoliberalismo sobre a gestão e o papel da escola básica. In. Trabalho, formação e currículo: para onde vai a escola? Org. Celso João Ferretti et alii. São Paulo: Xamã. 1999. pp. 101-121.

27. PISTRAK, M. M. Fundamentos da escola do Trabalho. 3ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003.

28. SAVIANI, Dermeval. O nó do ensino de 2º grau. Bimestre, São Paulo: MEC/ INEP – CENAFOR, n. 1, out. 1986.

29. STEDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2012.

30. TAKAU JUNIOR, Iokisa. Escola itinerante: escola, Estado e MST no espaço do acampamento. XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009.

31. VYGOTSKY, Lev. A Transformação Socialista do Homem. 1930. Tradução Nilson Dória. In: http://www.marxists.org/portugues/vygotsky/1930/mes/transformacao.htm. Acessado em 12 de maio de 2013.

Notas

1 Los organismos de autogobierno se forman y desarrollan de modo orgánico, en consonancia con las necesidades de la vida del colectivo, y no son impuestos por los pedagogos. La emulación entre colectivos contribuye a formar el amor al trabajo. (KRUPSKAIA, 1986, p. 17).
2 Para cada princípio filosófico há uma exposição detalhada sobre o que o MST entende sobre os mesmos. Para nosso objetivo, destacamos e retiramos só os cinco pontos dos princípios filosóficos do Caderno da Educação nº 08, publicado em Julho de 1996, com o título Princípios da Educação no MST.
3 Para cada fundamento pedagógico há uma exposição detalhada sobre o que o MST entende sobre os mesmos. Para nosso objetivo, destacamos e retiramos os 13 fundamentos pedagógicos apresentados no Caderno da Educação nº 08, publicado em Julho de 1996, com o título Princípios da Educação no MST.
HTML generado a partir de XML-JATS por