RESUMO: O estudo teve por objetivo identificar o panorama das produções acadêmicas que abordam os efeitos do aumento da precarização do trabalho nos novos desenhos de carreiras. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que, através de uma busca realizada nas bases de dados da ISI Web of Science (WoS), Scopus/Elsevier, Scientific Electronic Library Online e EBSCO, identificou artigos que abordaram tal temática no período entre 1995 e 2018. Os resultados do estudo evidenciam o crescimento de publicações da temática nos últimos anos, com destaque para estudos realizados na Inglaterra, Alemanha e Brasil. No que diz respeito aos temas analisados, constatou-se que estes versam sobre diversas atividades, mas especialmente sobre carreiras de docentes, das indústrias criativas e da saúde e de profissões que exigem maior qualificação do trabalhador. Entretanto, as profissões com menor complexidade ou que exigem baixa escolaridade apresentaram poucos estudos, sinalizando baixo interesse da comunidade acadêmica. Além disso, constatou-se que os estudos privilegiaram categorias como gênero, raça, idade, bem como aspectos singulares como a precarização subjetiva e a influência de fatores ideológicas e/ou status social que podem ser considerados “atraentes” no trabalho precarizado.
Palavras-chave: Carreira, Precarização do Trabalho, Relações de Trabalho, Precarização, Pesquisa Bibliográfica.
ABSTRACT: The study aimed to identify the panorama of academic productions that address the effects of increased job insecurity on new career designs. This is a bibliographic search that, through a search conducted in the databases of ISI Web of Science, Scopus/Elsevier, Scientific Electronic Library Online, and EBSCO, identified articles that addressed this theme in the period between 1995 and 2018. The results of the study show the growth of publications on the subject in recent years, with emphasis on studies elaborated in England, Germany, and Brazil. With regard to the themes analyzed, whereas these deal with various activities, but especially about careers of teachers, the creative industries and health, professions that need a greater qualification from the worker. Yet, professions with less complexity or requiring low education showed few studies, indicating little interest from the academic community. Also, it found that the studies favored categories such as gender, race, age, as well as singular aspects such as the subjective precariousness and the influence of ideological factors and social status that considered “attractives” in precarious work.
Keywords: Career, Precariousness at Work, Work Relationships, Precariousness, Bibliographical Research.
Artigo
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E CARREIRAS: PANORAMA DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A TEMÁTICA
PRECARIOUS WORK AND CAREERS: OVERVIEW OF ACADEMIC PRODUCTION ON THIS THEME
Recepção: 02 Novembro 2020
Aprovação: 07 Maio 2021
O trabalho no século XX sob o capitalismo é marcado por uma série de transformações e reestruturações produtivas, que passam a demandar flexibilidade e um dinamismo que supostamente não estaria comportado nas relações tradicionais de trabalho assalariado, resultando em um processo de precarização do trabalho (CASTEL, 1998). Este processo vem sendo discutido como consequência da implementação de novas formas de organização e de gestão do trabalho, o surgimento de novas formas contratuais, terceirização, “pejotização” e a proletarização de diversos setores das classes médias (ANTUNES, 2018), bem como as recentes alterações das legislações social e trabalhista (ANTUNES, 2011a; CAMPBELL; PRICE, 2016). Neste contexto, a precarização do trabalho torna-se não mais a exceção, mas a regra do atual modelo de acumulação do capitalismo (ANTUNES, 2018).
Essas diversas modificações ocorridas nos aspectos socioeconômico, cultural e política, entre outras, verificadas na sociedade moderna (GIDDENS, 2002), influenciaram também o desenvolvimento de diversos padrões de carreira (ARTHUR; LAWRENCE, 1989; ROSEBAUM, 1989), que representam ilustrações das distintas formas de estruturar e fazer carreira em trabalhos no contexto contemporâneo. Entretanto, negligenciam aspectos da coletividade e dos contextos sociais.
Com isso, verifica-se a relevância de se analisar os impactos que a precarização das relações de trabalho vem produzindo nas carreiras, o que é reforçada pela importância destinada aos aspectos contextuais nos estudos sobre carreira (GUNZ; MAYRHOFER; TOLBERT, 2011). Conforme apontam Gunz e Peiperl (2007, p. 211), “é virtualmente impossível separar a carreira do contexto”. Assim, a magnitude destinada aos aspectos do contexto, em parte relevante dos estudos de carreira, motivou a realização da presente pesquisa que teve por objetivo identificar o panorama geral das produções acadêmicas que abordam os efeitos do aumento da precarização do trabalho nos novos desenhos de carreiras.
No presente trabalho, argumenta-se que, dentre outros efeitos, tal processo tem impactado no desenvolvimento e na concepção das carreiras, o que torna relevante entender os termos do debate acerca dos efeitos da precarização do trabalho nos novos formatos de carreiras. A proposição de pesquisar artigos que abordassem tal temática relacionada aos estudos sobre carreiras deveu-se à constatação de que é comum encontrar estudos que analisam a precarização em seus aspectos macroestruturais (ALVES, 2013; SOUZA; LEMOS, 2016), porém pouca atenção vem sendo dada aos impactos que tal fenômeno produz nas trajetórias de carreiras individuais ou grupais, na medida em que são afetadas pelo contexto onde se inserem. Dessa forma, postula-se que essa relação mereça atenção, posto que as mudanças no contexto contemporâneo do trabalho, que têm na precarização seu efeito mais deletério, influenciam as estruturas em que as carreiras são construídas e reconstruídas. Esta pesquisa, portanto, busca contribuir para a discussão de carreiras, ao mapear o estado da arte da literatura que discute as carreiras em um contexto marcado pela crescente precarização do trabalho.
Para atingir o objetivo proposto, este artigo foi dividido em cinco partes, iniciando-se por esta introdução. Na segunda e terceira partes são apresentadas breves considerações conceituais sobre os temas - carreira e precarização. Na quarta, é apresentada a metodologia e as análises (quantitativa e qualitativa) dos resultados obtidos. Por fim, são apresentadas as considerações finais do artigo com a análise geral dos achados do presente estudo.
A origem da palavra carreira é derivada do termo latino carraria, que significa uma estrada de carruagem (GUNZ; PEIPERL, 2007; RAMOS; BENDASSOLLI, 2013). Os estudos sobre carreira nas organizações tiveram grande crescimento desde a década de 1960 com a contribuição de diversos pesquisadores, com destaque para os trabalhos de Thompson, Dalton, Derr, Driver, Bailyn, Van Maanen, Schein, Loius, Bray, Storey, Harrel (GUNZ; PEIPERL, 2007). Todavia, como afirmam os mesmos autores, é a partir dos anos 1970 que este tema passa a ser considerado um campo de estudo legitimado no âmbito dos Estudos Organizacionais.
A concepção tradicional da carreira mantinha relação com a origem do termo, que se refere ao caminho percorrido pelo indivíduo e direcionado pela organização, tendo implícito um contrato mediante o qual o trabalhador se comprometia a dedicar-se à empresa durante sua vida profissional e esta, em contrapartida, garantia a estabilidade no emprego. Este contrato psicológico estabelecido entre as partes era baseado na estabilidade e previsibilidade (CHANLAT, 1995). Entretanto, após os anos 1980, a palavra carreira passou a ser empregada em diferentes situações que alteraram o entendimento e a conceituação existentes até então, modificações influenciadas pelas alterações econômicas ocorridas em meados da década de 1980 e início de 1990, bem como pela introdução de novas tecnologias no mercado de trabalho (ANTUNES, 2011a; DRUCK, 2013).
Essas modificações ocorridas nas últimas décadas impulsionaram um novo consenso sobre a compreensão do que é o mercado de trabalho, que passou a ser mais flexível e com sistemas de empregos nacionais desregulamentados (MAYRHOFER; MEYER; STEYER, 2007). Como resultado dessas transformações, observou-se o surgimento de novas formas de organização do trabalho, tais como o formato em rede ou virtual, que configuram e caracterizam os arranjos contemporâneos que, muitas vezes, ocultam relações de trabalhos precárias e inseguras.
Com isso, surgem novos padrões de carreiras, conforme observou Bendassolli (2009), ao apresentar alguns modelos emergentes de carreira. Esses modelos se propõem a responder às transformações no mundo do trabalho que vêm se definindo pelo aumento da incerteza e pela ruptura com os padrões tradicionais de vínculos trabalhistas, criando um cenário de precarização do emprego (ANTUNES, 2008). Os novos modelos de carreiras, cuja ênfase está na autodeterminação e agência do indivíduo (SOUZA, 2019a), são identificados pelos seguintes nomes: carreiras sem fronteiras (ARTHUR, 1994); carreiras proteanas (HALL, 2004); craft career (POEHNELL; AMUNDSON, 2002); carreira portfólio (BORGEN; AMUNDSON; REUTER, 2004); carreira multidirecional (BARUCH, 2004); carreira transicional (DUBERLEY; MALLON; COHEN, 2006); carreira narrativa (BUJOLD, 2004) e carreira construcionista (BLUSTEIN; SCHULTHEISS; FLUM, 2004).
A literatura que versa sobre esses novos formatos de carreira, apesar de levar em conta o contexto no qual esses modelos emergem, não discute o impacto da precarização do trabalho - resultado deletério das transformações produtivas em curso - no desenho de tais carreiras. Os novos formatos são descritos como atualizações que as carreiras vêm sofrendo, mas tais descrições, eivadas de sentidos positivos, não relacionam as atualizações à precarização das condições de trabalho em curso, desde finais da década de 1980 (ANTUNES, 2011a). Em um dos poucos trabalhos que fazem essa associação, Souza, Lemos e Silva (2020, p. 95), ao discutirem criticamente o construto “carreiras sem fronteiras”, enfatizam que este termo vem servindo de “instrumento de mobilização da força de trabalho, contribuindo para ressignificar, sob a forma de autonomia e liberdade de escolha, a precariedade do trabalho sob esse novo paradigma”. Sem desconsiderar leituras críticas como essa, postula-se, no presente trabalho, que tal associação poderia ser discutida com maior frequência.
A constatação da pouca ênfase dada pela literatura sobre carreiras aos efeitos do aumento da precarização do trabalho nos novos desenhos de carreiras reforçou a motivação da presente pesquisa, que buscou mapear a produção científica que discute essa relação. Apesar da diversidade de definições para o termo carreira, neste estudo utilizar-se-á o conceito de carreira, apresentado por Gunz e Peiperl (2007, p. 4), que entendem carreira como a “sequência envolvendo experiências de trabalho de uma pessoa ao longo do tempo”. A escolha deveu-se ao fato de se considerar esta definição ampla e capaz de acolher a diversidade de atividades relacionadas ao trabalho existentes na atualidade, bem como a ênfase dada ao efeito desta atividade sobre as pessoas, com o passar do tempo.
A origem do termo precariedade remonta à descrição de Bourdieu (1963), ao mencionar o termo francês précarité (precariedade/insegurança), em sua pesquisa de 1960 sobre a classe trabalhadora na Argélia (CANGIÀ, 2018). Posteriormente o termo precarização foi utilizado nas investigações sociológicas, no final dos anos 1970, que relacionavam o termo à família e à pobreza nas situações em que a precariedade econômica e social se tornaram rotineiras na vida de certas famílias nas quais alguns de seus membros (pai ou mãe) trabalhavam regularmente (SÁ, 2010).
Contudo, verificou-se o afastamento da ideia de precarização relacionada às condições de pobreza da família. O maior uso do termo relacionado ao conceito de emprego sem estatuto ocorreu quando autores como Caillé (1994), Bourdieu (1998) e Boltanski e Chiapello (2009) passaram a analisar o fenômeno da precariedade no trabalho em uma ótica crítica, alertando sobre os aspectos nocivos deste fenômeno para os indivíduos. Destaca-se, dentre esses estudos, o trabalho de Castel (1998), que aborda a precarização relacionada à crise do emprego assalariado que afetaria, também, empregados com contratos de trabalho estáveis. O autor defende a impossibilidade de se realizar comparações sobre a precariedade no emprego entre os vários países da Europa, uma vez que o termo teria, na época, significados distintos, não sendo utilizados para representar, por exemplo, no Reino Unido, os trabalhos considerados “pobres” ou “ruins” ou, ainda, na Alemanha, quando se referiam aos trabalhos de tempo parcial (CASTEL, 1998).
Atualmente, o tema precarização no trabalho tem recebido atenção crescente no âmbito das ciências sociais (AGERGAARD; UNGRUHE, 2016; MILLAR, 2014; NEILSON; ROSSITER, 2005; VALLAS; CUMMINS, 2015), verificando-se sua associação às condições socioeconômicas de vulnerabilidade, resultante de processos contemporâneos do mercado que levam trabalhadores de diversas categorias profissionais a enfrentar situações de marginalização e exclusão. Outras peculiaridade estão relacionadas à falta de identidade baseada no trabalho seguro e à sensação de incerteza e insegurança associada ao trabalho flexível - que pode ser o emprego temporário ou por tempo parcial, o emprego informal ou as ocupações autônomas (CANGIÀ, 2018).
As formas de precarização do trabalho são diferenciadas em suas características e, muitas vezes, apresentam-se dissimuladas em práticas descritas como de “flexibilização”, que podem ser salarial, de duração do trabalho, funcional ou organizativa (ANTUNES, 2008). Essas práticas geram insegurança e tornam-se normalizadas mesmo em setores e atividades que costumavam ser vistos como seguros, além de serem utilizadas como instrumentos de governança (FORKERT; LOPES, 2015). Assim, conforme observado por Druck (2013), a precarização passa de uma condição marginal e extraordinária, para compor o centro do desenvolvimento capitalista, generalizando-se por toda a parte.
A flexibilização das normas laborais, que também é relacionada à terceirização e à mediação de mão de obra, apresenta grande variação entre os países, uma vez que depende das políticas de emprego e da legislação trabalhista local. No Brasil, as alterações recentes ocorridas nas legislações trabalhistas, em especial a promulgação da Reforma Trabalhista (BRASIL, 2017a) e da Lei da Terceirização (BRASIL, 2017b), aumentaram a precarização do trabalho, conforme sinaliza o estudo de Souza e Lemos (2016).
As mudanças recentes na legislação brasileira devem aprofundar o processo de flexibilização das relações de trabalho, em especial para determinados grupos que são mais vuneráveis, como, por exemplo, os trabalhadores jovens. O ensaio teórico de Martins e Rocha-de-Oliveira (2017) apresenta reflexões sobre este tema e indica que a inserção dos jovens no mercado de trabalho é marcada pela precariedade.
A instabilidade e a insegurança no trabalho, características específicas que eram observadas anteriormente em atividades laborais pouco qualificadas, atualmente passam a afetar transversalmente diferentes categorias de trabalho (SMITH, 1997). Esta mudança sinaliza que a precarização agora está encontrando seu caminho para a vida de uma multidão de indivíduos no mundo que são indistintamente afetados pela dinâmica do capitalismo global (CANGIÀ, 2018; NEILSON; ROSSITER, 2005).
Assim, apresentados os aspectos conceituais considerados relevantes sobre os temas carreira e precarização, a seção seguinte tratará dos procedimentos metodológicos deste estudo.
O presente trabalho caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica que se propõe a identificar e apresentar os estudos que abordam os efeitos do aumento da precarização do trabalho nos desenhos de carreira, tendo por intenção compreender o que já foi explorado sobre esse tópico através da síntese dos estudos científicos recentes (LEAVY, 2017). A partir das informações obtidas buscou-se construir um panorama a respeito do estado da arte deste tema específico. Esse panorama pode servir para a ampliação do conhecimento no campo estudado, com vistas a contribuir para preencher lacunas existentes na literatura, além de servir como ponto de partida para o delineamento de pesquisas futuras (CRESWELL, 2010).
A composição do corpus de análise foi realizada através da coleta de dados nas bases de artigos da ISI Web of Science (WoS), Scopus/Elsevier, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e EBSCO, que abrangem os principais periódicos com alto fator de impacto. A busca foi realizada em julho de 2018, utilizando-se as palavras-chave “carreira” e “precarização”, bem como as palavras equivalentes na língua inglesa “career” e “precarity”. Para refinar a pesquisa foram definidos os seguintes critérios: categorias correlatas às ciências sociais, à gestão, aos negócios e ao desenvolvimento profissional. O tipo de documento pesquisado nas bases de dados foi artigo, e o período de abrangência da busca foi de 1995 até julho de 2018. Contudo, apesar dessa definição ampla de período, o resultado apresentou apenas artigos publicados após o ano de 2009, sinalizando que somente a partir deste ano começam a aparecer as primeiras publicações sobre a temática.
O resultado inicial da investigação nas quatro bases apresentou cinquenta e cinco artigos. Após a identificação dos títulos dos artigos com seus respectivos autores, foram identificados os repetidos, isto é, aqueles que apareciam em mais de uma base. Tais repetições foram expurgadas, passando-se a dispor de trinta e seis artigos, na seleção final. Na etapa seguinte, passou-se para a leitura dos resumos com a finalidade de verificar sua efetiva relação com o tema e, após este procedimento, foram descartados cinco artigos por não estarem de acordo com os critérios estabelecidos previamente para a busca. Restaram, assim, vinte e nove trabalhos para serem analisados. Esse corpus apresentou estudos vinculados a diversos campos disciplinares, tais como Antropologia, Economia e Educação, indicando o caráter interdisciplinar desta temática e alinhando-se com a reivindicação de Gunz e Periperl (2007) acerca dos estudos de carreira. Foram encontradas as seguintes quantidades de artigos em cada uma das bases pesquisadas: doze artigos na WoS; nove artigos na Scopus; seis artigos na SciELO e dois artigos na EBSCO.
Após essa etapa, foi realizada a verificação das informações bibliométricas disponíveis nas bases dos periódicos pesquisados e na SCImago Journal & Country Rank (SJR), com vistas a obter as informações sobre o quantitativo de citações dos artigos, o fator de impacto dos periódicos e outras informações. Posteriormente, os artigos que versavam sobre a mesma atividade profissional foram agrupados para que a leitura ocorresse na sequência dos grupos com o propósito de facilitar a verificação de eventuais semelhanças ou diferenças - internamente aos grupos. Ao final, foi realizada a leitura de cada artigo para extrair informações sobre o seu conteúdo, especificidades e descrições que relacionavam o trabalho com a precarização na atividade examinada no estudo, além das contribuições e conclusões que os trabalhos apresentaram.
Ao analisar-se o conjunto selecionado, constatou-se que cada artigo foi publicado em um periódico diferente. tais publicações abrangeram dez áreas de pesquisa e estão especificadas no Quadro 1. Este resultado revela que a produção sobre a temática pesquisada encontra-se dispersa entre diferentes áreas de conhecimento, o que indica seu caráter multidisciplinar. As informações foram obtidas no portal de indicadores bibliométricos SCImago Journal & Country Rank (SJR), que utiliza o índice bibliográfico Scopus, baseado em citações e que analisa o prestígio científico do periódico, além de permitir comparações de periódicos de diferentes áreas do conhecimento.

As três principais áreas com maior quantidade de publicações foram: a) Educação; b) Administração e Economia, e c) Sociologia, que receberam, respectivamente, sete, seis e quatro artigos, correspondendo a mais da metade das publicações. Também se analisou o fator de impacto das revistas, o escore do quartil de área (Quadro 2), sendo que três revistas (Educar em Revista, Saúde em Debate, Journal of Labor and Society) não continham informações na base SJR.

Após a análise dessas informações constatou-se que quinze revistas estavam classificadas no primeiro quartil (Q1) de sua área, ou seja, uma grande parte dos artigos foi publicada em revistas bem qualificadas, sendo que apenas duas revistas estavam no quarto quartil (Q4). Ao verificar-se o país de origem das revistas, constatou-se que os trabalhos se concentraram em sete países, sendo três os principais que receberam mais de 80% das publicações, ou seja, 26 artigos foram divulgados em revistas do Reino Unido, dos Estados Unidos e do Brasil (Quadro 3).


No escopo de análise observou-se que a publicação do primeiro artigo ocorreu no ano de 2009, quando apareceu apenas uma publicação; no ano seguinte foram publicados três artigos, mas, em 2011, nenhum artigo foi publicado. No período de 2009 a 2014 a quantidade de publicações manteve-se baixa, porém verificou-se um aumento de publicações após 2015, chegando-se a oito publicações em 2017 e, até de julho de 2018, já havia cinco publicações, podendo-se observar uma tendência de aumento nas publicações e, possivelmente, no interesse pela temática, conforme se observa na Figura 1.

Ao analisar-se as citações dos artigos (Figura 2), verifica-se que o artigo de Bendassolli (2009), o único publicado neste ano, é o mais citado, entretanto, tal quantidade de citações pode ser justificada pelo tempo de sua divulgação, superior a dez anos, além da qualidade desta publicação. Após 2014 verificou-se também o aumento das citações, o que é provavelmente explicado pelo crescimento da quantidade de publicações após esse ano, conforme constata-se na Figura 2, em que se destacam três publicações, em anos mais recentes, desenvolvidas por Nunes, Santini, Carvalho e Cordoni Junior (2015); Campbell (2016); e Leonard (2016), que tiveram, respectivamente, vinte e duas; dezesseis; e dez citações.
A Figura 3 apresenta o gráfico com o conjunto de países onde as pesquisas abordaram os fenômenos analisados, recebendo maior destaque a Inglaterra, com nove estudos, seguida da Alemanha e do Brasil, com quatro, e, na sequência, os Estados Unidos e a Itália, com três publicações. O somatório das publicações nesta figura é maior que o quantitativo de artigos, pois alguns estudos realizaram pesquisas em mais de um país.

Ao finalizar-se a leitura dos artigos, estes foram agrupados em cinco categorias. As três primeiras reunem artigos que abordam os efeitos da precarização do trabalho em carreiras e/ou atividades profissionais específicas: 1) Precarização de Carreiras Tradicionais; 2) Precarização de Carreiras da Indústria Criativa e do Setor de Esportes; 3) Precarização de Carreiras Periféricas. A quarta categoria reúne os artigos que abordam a precarização nas carreiras de mulheres e, o quinto, apresenta um artigo que trata a relação entre a precarização do trabalho e carreira de forma crítica (Quadro 4).

Com base nesse agrupamento, considerando as possíveis aproximações teóricas nas discussões apresentadas, optou-se por realizar uma análise qualitativa dessas publicações. Dessa forma, a próxima etapa do estudo abordará a análise do conteúdo dos artigos, por categoria.
A análise qualitativa dos vinte e nove artigos foi realizada, conforme descrito anteriormente, por categoria temática (Quadro 4), a saber: carreiras tradicionais e qualificadas, carreiras culturais; carreiras periféricas, carreira e gênero e leituras críticas. A seguir é apresentada cada um dos cinco grupos que estruturam este tópico.
Neste tema foram reunidos os artigos que tratavam da precarização do trabalho em carreiras qualificadas e tradicionais, no sentido de serem historicamente consolidadas e “estáveis”, como a das áreas de educação (professores e estudantes) e saúde (médicos e profissionais de saúde, em geral).
Em relação às carreiras acadêmicas, os estudos realizados por Luka et al. (2015), Forkert e Lopes (2015), Leonard, Halford e Bruce (2016), Enright e Facer (2017) e Willson (2018) representaram a maior parte dos artigos desta categoria e abordaram aspectos da precarização do trabalho no contexto do início da carreira acadêmica. Verificou-se que várias situações relatadas ocorreram com acadêmicos no início de suas carreiras ou, como apresentam no termo em inglês, early career academics (ECAs). As universidades “neoliberais”, termo utilizado por Luka et al. (2015), Forkert e Lopes (2015) e Willson (2018) e que segundo esses autores é resultado da globalização das políticas de educação que tornaram as instituições de ensino locais em que a precariedade é evidenciada pela prevalência de contratos a termo (temporários), especialmente para quem se encontra em início de carreira.
Além disso, observou-se nas pesquisas de Leonard, Halford e Bruce (2016) e Forkert e Lopes (2015) uma ampliação de critérios de qualificação, não necessariamente ligados à carreira acadêmica, mas que em alguma medida estendem o período entre a formação e o emprego formal. Estas duas pesquisas abordaram aspectos do trabalho acadêmico não remunerado na Inglaterra. O primeiro trabalho analisou as circunstâncias que levam os estudantes a realizarem estágio não remunerado em organizações não-governamentais (ONGs). Como conclusão, o estudo demonstrou que o sentido do trabalho, a possibilidade de realizar um trabalho social e político foram as principais motivações para que os estudantes aceitassem a atividade sem remuneração, mesmo que isso envolvesse a rejeição de alguns dos privilégios tradicionais facultados aos graduados bem qualificados, além disso, outra justificativa foi a possibilidade que tal decisão poderia influenciar o futuro de suas carreiras.
Forkert e Lopes (2015) realizaram um estudo que examinou casos de resistência contra a propaganda de anúncios sobre o trabalho não remunerado no meio acadêmico, uma prática que, entre outras, consideram ocorrer no contexto da precarização do trabalho e das reformas no setor de ensino superior do Reino Unido. Os achados da pesquisa sinalizam a existência de uma crítica crescente contra a exploração desse tipo de atividade, que se aproveita do desespero de alguns pós-graduados, em início de carreira, na busca por obter experiência na atividade de docência e pesquisa. Identifica-se, nos estudos citados, uma característica comum às situações de precarização, que é a predisposição de ocorrerem no início das carreiras acadêmicas.
Analisar aspectos da carreira docente foi o objetivo de outros dois trabalhos desenvolvidos por Vieira e Souza (2010) e Alves, Azevedo e Gonçalves (2014). O primeiro, realizou pesquisa empírica sobre as situações de trabalho e emprego nas instituições de educação infantil na cidade de Belo Horizonte, Brasil, em que foi evidenciada a existência de profissionais com status e formação/qualificação diferenciados, bem como variadas modalidades de relações de emprego sem destacar relação com a precarização. O segundo, um estudo realizado em Lisboa, Portugal, analisou o grau de satisfação na profissão, os aspectos mais e menos valorizados no trabalho e a situação destes profissionais ao completarem de um a cinco anos de conclusão da licenciatura. Os autores destacaram que entre o grupo de licenciados em educação havia uma tendência à precarização dos vínculos contratuais e uma disposição para auferir, em média, rendimentos ligeiramente inferiores.
Ainda dentro da área de educação, observou-se que a maior parte das publicações abordaram ambientes acadêmicos universitários (graduação e pós-graduação), todavia o trabalho realizado por Campbell e Price (2016) abordou trabalhos temporários executados por estudantes de nível médio na Austrália. Os achados deste artigo sinalizaram que os efeitos negativos sobre os estudantes que trabalham são pequenos, pois sua participação no trabalho precário também é reduzida, uma vez que as atividades realizadas pelos estudantes são em meio turno, além de terem acesso a fontes alternativas de renda e/ou suporte familiar.
Na área da saúde, o artigo elaborado por Marques e Macedo (2018) debate as transformações político-organizacionais e suas consequências na desregulação e precarização das relações de trabalho no setor de saúde de Portugal, no contexto dos países do sul da Europa. Neste estudo os autores apresentam alguns sinais que refletem os conflitos existentes entre uma agenda de gestão empresarial com as missões de um Sistema de Saúde Pública universal e a serviço da sociedade portuguesa, que estão mais visíveis nas seguintes situações: reduções salariais, congelamento de carreira, instabilidade contratual, desmotivação profissional, intensificação do ritmo de trabalho e desqualificação dos serviços.
Em contrapartida, o trabalho de Nunes et al. (2015), no qual se constatou uma abordagem menos aprofundada do tema precarização, teve como propósito caracterizar o perfil e as relações laborais dos trabalhadores da atenção básica em saúde em municípios de pequeno porte localizados no estado do Paraná, Brasil. Os achados desse trabalho indicaram a existência de baixa precarização nas relações de trabalho, em que maior parte dos vínculos era do tipo estatutários (admitidos por concurso público) e de regime celetista (contratos pela Consolidação da Leis Trabalhistas - CLT).
O tema precarização estava relacionado a discussões que abordaram a correlação entre a Saúde e Segurança no Trabalho (SST) e a precarização das relações de trabalho nos estudos realizados por Giraudo, Bena, Leombruni e Costa (2016) e Becker e Engel (2018). O primeiro apresentou um estudo quantitativo realizado na Itália, que usou a base de dados Work History Italian Panel (WHIP), sistema de previdência do governo, em que analisaram as relações entre o risco de lesão ocupacional e o grau de precariedade das carreiras no trabalho entre os jovens, que são os principais envolvidos na flexibilização do mercado de trabalho. As conclusões desse estudo indicaram uma associação positiva entre o risco de lesão e o nível de fragmentação da carreira, além de uma desvantagem para os trabalhadores precários, que enfrentam riscos significativamente maiores de lesões leves e graves.
Becker e Engel (2018) também realizaram um estudo quantitativo que tinha como objetivo identificar as características específicas dos trabalhadores temporários em comparação com todos os outros, para isso utilizaram-se de informações dos institutos públicos de pesquisas da Alemanha (Bonn e BAuA Berlin - BiBB), bem como entrevistas telefônicas auxiliadas por computador. Os resultados identificaram diferentes condições de trabalho e padrões de Saúde e Segurança no Trabalho (SST) em relação ao status de emprego e foram interpretados como um sintoma da crescente precariedade laboral.
Neste grupo foram reunidos artigos relacionados às carreiras da indústria criativa e setor de esportes (BLYTHE, 2001), como músicos, atores, profissionais de mídia, designers e jogadores de futebol, cujas trajetórias são marcadas por certa instabilidade. O primeiro estudo do grupo foi desenvolvido por Umney e Kretsos (2015), que analisou casos de músicos de jazz em início da carreira com atuação em Londres. No artigo os autores vincularam a literatura sociológica sobre a precariedade e o curso de vida com um foco específico no processo de estabelecer uma carreira na música, e verificaram que a capacidade de administrar a precariedade era influenciada por fatores estruturais, em especial, o suporte socioeconômico, semelhante ao verificado por Campbell e Price (2016) no estudo sobre estudantes do nível médio que tinham suporte familiar. Algo inusitado nesses estudos, e sinalizado por Umney e Kretsos (2015), é que os trabalhadores criativos, como são considerados os músicos, muitas vezes são seduzidos a abraçar a precariedade do trabalho por fatores ideológicos, tais como a natureza lúdica e prazerosa do trabalho e seu prestígio social (MCROBBIE, 2002; NEFF, WISSINGER, e ZUKIN, 2005, apud UMNEY; KRETSOS, 2015).
Elefante e Deuze (2012) abordaram as condições precárias no (novo) trabalho de mídia nos Estados Unidos, em que é revelada certa ambiguidade, pois ao mesmo tempo em que a mudança contínua, a inovação, a flexibilidade e a fluidez são atrativos desta profissão para muitas pessoas, estes aspectos também geram situações que levam à precarização do trabalho com exigências de flexibilidade (individual e coletiva). Por exemplo, demandas e projetos que mudam com rapidez e necessitam ser entregues em curto espaço de tempo, sendo que muitas vezes as pessoas trabalham sem contratos, sem formalizar relacionamento com clientes ou empregadores e, às vezes, sem qualquer tipo de salário oficial ou remuneração. Verifica-se, com isso, certa harmonia com os achados de Umney e Kretsos (2015), ao identificarem que a precarização parece estar associada às características de algumas carreiras, como foi o caso de músicos e profissionais de mídia.
Na atividade de designer, os estudos de Alps (2017) e Gurova e Morozova (2018), realizados em países da Europa, apresentam afinidades ao observarem que as situações vivenciadas pelos trabalhadores neste contexto de precarização do trabalho poderiam instigar o surgimento de atuações coletivas e de solidariedade. Os autores argumentam que, ao observarem circunstâncias semelhantes às suas em outras pessoas da mesma profissão, os diplomados em designer estariam se dando conta de que atuam em um contexto de trabalho precário, o que seria a base para uma ação política dos jovens designers.
O estudo desenvolvido nos Estados Unidos por Chow (2014) apresenta um paralelo entre o treinamento de atores e a administração das empresas com foco na produção, sendo que nesse trabalho e igualmente nos estudos realizados por White e Smeaton (2016) e Chow (2017), o tema precarização foi abordado superficialmente ao referir-se apenas ao contexto do ambiente em que os estudos foram realizados. Os trabalhos realizados por White e Smeaton (2016) analisaram, na Inglaterra, os aspectos da crescente pressão competitiva que resulta na intensificação e na precarização do trabalho, que também afetam os trabalhadores maduros (late career), ou seja, trabalhadores acima dos cinquenta anos de idade (FELDMAN, 2007), gerando conflito com as expectativas de tratamento mais favorável ao final da carreira. O estudo de Chow (2017)apresentou aspectos cotidianos dos trabalhadores criativos na China, em que muitos se deslocavam para centros urbanos e suas histórias eram marcadas por decepções, frustrações e ajustes contínuos, que foram categorizadas pelo autor como sendo experiências de precarização.
Finalmente, o artigo desenvolvido na Europa por Agergaard e Ungruhe (2016) versou sobre a precarização de imigrantes com mão de obra altamente qualificada (atletas transnacionais de futebol). Os achados do estudo identificaram processos de precarização ambivalentes em vários pontos da carreira dos atletas. A temporalidade dos processos de precarização torna-se aparente ao se comparar o grande número de homens e mulheres jovens que se esforçam para migrar, em comparação aos poucos indivíduos que se tornam jogadores profissionais no exterior, mas muitas vezes lutam com desafios profissionais depois de suas carreiras. Essa precariedade não se baseia exclusivamente na opressão, na miséria e na exploração, entretanto, conforme destacam os autores, a migração laboral é também impulsionada pela esperança e pela imaginação de um futuro melhor e por dificuldades que podem abrir novas oportunidades.
No terceiro grupo temático desta pesquisa foram reunidos estudos que abordaram o processo de precarização do trabalho em carreiras periféricas, de grupos minoritários ou vulneráveis, desqualificadas, caracterizadas pela precariedade das condições e relações de trabalho. As “carreiras periféricas” seriam aquelas que estão afastadas do centro das atenções dos pesquisadores, que, em geral, são encontrados poucos estudos e podem ser consideradas como invisíveis aos “olhos” da academia, poderia assemarlhar-se à ideia de carreira outsider, composta pelo tipo de trabalhadores mencionados por Becker (BECKER, 2008), porém com sentido de dar maior ênfase ao desinteresse acadêmico.
O estudo realizado por Guégnard e Mériot (2010) analisou a atividade de camareira de hotel em vários países da Europa. Os autores compararam a qualidade do emprego deste trabalho, com ênfase para o duplo aspecto das restrições da gestão trabalhista do empregador e para a construção das trajetórias profissionais dos empregados em países da Europa. Os resultados apresentados evidenciaram a precariedade e a subordinação, em que a qualidade do emprego das camareiras é idêntica nos países estudados, sendo que a maioria das camareiras inicia sua carreira com contratos efêmeros e irregulares, por tempo parcial, e experimentam insegurança no trabalho e todos os aspectos negativos da flexibilização do trabalho.
O último estudo deste grupo foi elaborado por Eckelt e Schmidt (2015), que abordaram aspectos do contexto econômico da Alemanha e as dificuldades dos jovens para inserção no mercado de trabalho. Os resultados deste estudo indicam que os jovens não esperam por ascensão social com a obtenção de mais educação, sendo que, na transição da escola para o trabalho, eles lutam por uma existência mais ou menos segura, evidenciando-se certa forma de identidade precária dos trabalhadores.
O quarto grupo reuniu cinco artigos, sendo que a maioria não examinou com profundidade os aspectos da precarização, uma vez que apenas apresentavam esse fenômeno como contexto do ambiente em que as situações estudadas eram vivenciadas. Esse foi o caso do estudo realizado na Holanda por Hennekam e Bennett (2017), em que os resultados sugerem que o assédio sexual é prevalente, além de considerarem como parte da cultura ocupacional e do avanço na carreira. Em outro estudo, Elman e Chesters (2017) discutiram aspectos das políticas públicas que podem reduzir as barreiras dos homens adultos à obtenção de educação superior nos Estados Unidos. Os achados dessa pesquisa indicam que a entrada tardia na educação de nível superior e a conclusão do curso de graduação de homens adultos foram fortemente motivadas por fatores econômicos, incluindo a precariedade do mercado.
Os artigos de Leite (2017) e Knoll (2017) abordam aspectos relacionados com a carreira das mulheres. O primeiro, sobre o processo de feminização do jornalismo, que se deu de forma articulada aos processos de precarização, banalização, autonomização e profissionalização da carreira. Os achados desse estudo, realizado na cidade de São Paulo, Brasil, indicaram que houve um amplo ingresso de mulheres, tanto nas universidades como no mercado de trabalho, porém este fato não alterou significativamente as estratificações entre homens e mulheres no jornalismo. Além disso, observaram influências de ordem geracional indicando a existência de contrastes na autopercepção entre as jornalistas mais jovens, recém-formadas, e aquelas com maior tempo de experiência e trajetória profissional. A segunda pesquisa, realizada na Suíça, investigou os problemas ocupacionais e específicos da vida cotidiana enfrentados por mulheres com trabalho remunerado após o nascimento dos filhos, concluindo que, além das reclamações trabalhistas, há interrupção ou ameaça no desenvolvimento da carreira dessas mulheres, sendo que um dos fatores decisivos foi a baixa seguridade social da maternidade no país.
Cangià (2018) revisitou, em seu artigo, o conceito de precariedade por meio do foco em mulheres que, para acompanharem seus cônjuges em missões no exterior em diferentes países, decidem deixar o emprego e, às vezes, passam a cuidar dos deveres da família, situações em que explorou algumas relações sócio-emocionais envolvidas (relações familiares, papéis de gênero, expectativas sociais) e o papel da imaginação. As conclusões da autora desafiam a definição de precariedade como única condição sócio-econômica e de vida de um grupo específico (o sujeito precário) e sugere como essa noção precisa ser vista como inseparável da subjetividade, do afeto e das relações sócio-emocionais (Biglia e Martí, 2014 apud Cangiá, 2018).
O último artigo deste grupo, um estudo realizado na Inglaterra por Guihen (2017), analisou as maneiras pelas quais as mulheres vice-diretoras de escola - como potenciais aspirantes à direção - percebem o papel deste professor. Os dados revelaram que, enquanto tomavam decisões sobre seus futuros profissionais, a maioria das mulheres mantinha imagens duais e contraditórias de liderança secundária, uma imagem consistia no papel atormentado pelo risco, pelo desempenho funcional e pelo estresse, enquanto o outro se concentrava na capacidade gerencial que os professores têm de transformar vidas e comunidades.
O último grupo foi composto pelo estudo desenvolvido por Bendassolli (2009), sendo considerado o que mais se aproximou do objetivo do presente trabalho. Trata-se também do trabalho mais citado dentre os analisados e nele o autor buscou analisar as transformações do modelo tradicional de carreira, bem como as contribuições de diferentes campos do conhecimento como a sociologia das profissões, psicologia do trabalho e administração para a formação dos estudos de carreira, indicando as diferentes leituras que o tema recebeu nas últimas décadas.
No artigo o autor argumenta que as leituras inscritas na dicotomia agência x estrutura apresentam, isoladamente, suas limitações. As leituras que enfatizam a agência apontariam uma leitura essencialista do sujeito, além de depositarem nele a responsabilidade completa por suas condições de sucesso e fracasso. Por outro lado, as abordagens que enfatizam a estrutura limitariam o sujeito estritamente às configurações socioeconômicas e políticas nas quais estão inseridos, conferindo pouca margem para a ação individual. Dessa forma, Bendassolli (2009) argumenta que a carreira deve ser compreendida, para além desta dicotomia, relacionando-a com a precarização e outros fatores, de forma a enquadrá-la, como uma construção social, inscrita tanto nos âmbitos individual, grupal, societal e organizativo mais amplos, possibilitando uma perspectiva de análise mais crítica e abrangente dentro do quadro esboçado em seu trabalho.
Essa ponderação do autor reforça a importância que os estudos sobre carreira considerem, com mais ênfase, os aspectos do contexto social que conduzem à precarização do trabalho, em especial por se tratar de um fenômeno que vem aumentando nos últimos anos (ANTUNES, 2011b; DRUCK, 2013). Este posicionamento também é reforçado nesta pesquisa, na medida em que se observa a carência de estudos que abordem, de forma mais crítica, a interface entre a formação da carreira do indivíduo e os aspectos contextuais que circunscrevem essa formação.
Encerrada a apresentação dos dados e das análises dos artigos selecionados nesta revisão de literatura, na próxima seção serão expostos os aspectos principais que se considerou relevantes no presente estudo.
Com base nas análises realizadas, verificou-se que os estudos que abordam os temas carreira e precarização no trabalho, de forma articulada, ainda se encontram em uma fase incipiente, apesar dessa relação ser pertinente, no contexto atual, marcado por crescente precarização do trabalho que tende a afetar a forma como as carreiras são construídas. Este cenário pode indicar a existência de uma lacuna para novos estudos, sobretudo pelas evidências da ampliação dessas publicações nos últimos quatro anos do período analisado, ou seja, a partir de 2015, conforme constata-se na Figura 1, sinalizando um aumento no interesse desta temática.
Considera-se como limitação do presente estudo o fato de reunir trabalhos de distintas áreas das ciências humanas e sociais, resultado do caráter multidisciplinar dos temas carreira e precarização, ao passo que a diversidade de disciplinas, como, por exemplo, geografia, educação, economia, saúde, apresentam distanciamento considerável entre os conceitos para os referidos temas, bem como o posicionamento mais ou menos crítico ao abordar o tema precarização.
Outra limitação da pesquisa diz respeito ao fato de a busca por artigos nas bases selecionadas ter se circunscrito aos termos “carreira” e “precarização”, o que pode ter eventualmente excluído da amostra artigos que abordavam esses temas, mas que não os contemplavam em suas palavras-chave.
A análise dos artigos permitiu identificar os caminhos percorridos pelos pesquisadores dos temas em questão, bem como os achados encontrados em seus estudos, objetivo central deste trabalho. Dentre os achados merece destaque a constatação de que a precarização é também encontrada em carreiras e profissões que exigem maior qualificação do trabalhador, como as carreiras docente, jornalística e médica. Ademais, verificou-se a abrangência da precarização, que atinge uma diversidade de atividades, passando o fenômeno da precarização a ser estudado em carreiras tais como a de jogador de futebol, músico, artista, jornalista, professor, médico, dentre outras. Contudo, verificou-se que as profissões com menor complexidade, ou que exigem baixa escolaridade, obtiveram pouco interesse dos pesquisadores, sendo encontrado apenas um estudo sobre as camareiras de hotéis na Europa (GUÉGNARD; MÉRIOT, 2010). Evidencia-se, assim, outra lacuna nos estudos analisados e, para preencher este espaço, sugere-se a realização de novos estudos que abordem carreiras de profissionais com menor qualificação, o que possibilitaria tornar visíveis os sujeitos de classes populares, cujas carreiras parecem não despertar o interesse da comunidade acadêmica, mesmo que tais carreiras representem grande parte dos postos de trabalho criados no Brasil na década de 2000 (SOUZA, 2019b).
O agrupamento dos artigos por temática possibilitou identificar os tópicos que receberam maior atenção dos estudos, com destaque para as carreiras tradicionais e qualificadas, além das carreiras da indústria criativa, que reuniram a maior parte dos estudos, respectivamente, com doze e oito trabalhos. Também sobressaíram as pesquisas desenvolvidas em três países: Inglaterra, Alemanha e Brasil, que, juntos, totalizaram pouco mais da metade das publicações.
Outro aspecto dos estudos que merece destaque diz respeito ao fenômeno observado, nas carreiras docentes e da área de saúde, relativo à precarização do trabalho de indivíduos mais jovens e/ou no início de suas carreiras (early careers), indicando que tais profissionais estariam mais propensos a vivenciarem situações de precarização no trabalho. A aceitação dessas condições de trabalho teria por fundamento a expectativa de tratar-se de algo temporário e que poderia influenciar positivamente no futuro de suas carreiras. Apesar disso, foram encontrados indícios de que os profissionais maduros (late career) também são afetados pela precarização, o que nos leva a presumir que este fenômeno não é exclusivo da fase inicial da carreira.
Outro achado relevante se refere aos trabalhos sobre gênero, ao se constatar que os aspectos relacionados à precarização do trabalho também podem favorecer o assédio sexual de mulheres no transcurso de desenvolvimento de suas carreiras no ambiente de trabalho.
Constatou-se, também, que a precarização deixa de ser verificada apenas objetivamente e seus impactos passam a ser identificados em aspectos subjetivos, conforme retratado nos estudos empreendidos por Cangià (2018) e Agergaard e Ungruhe (2016). Aspectos dessa subjetividade também podem ser verificados em decorrência da sedução existente em aceitar o trabalho precarizado por fatores ideológicos, que envolvem aspectos lúdicos e prazerosos, além do status social, como é o caso da carreira de músico, em que ser precarizado pode ser considerado algo atraente (UMNEY; KRETSOS, 2015).
Ademais, verificou-se que o tema precarização teve maior centralidade e ênfase nas discussões apresentadas nos estudos da área de saúde. Por exemplo, o estudo de Giraudo, Bena, Leombruni e Costa (2016), que contou com envolvimento de diversos pesquisadores e utilizou dados oficiais do governo que evidenciaram existir uma correlação significativa entre a precarização e o agravamento da saúde e segurança no trabalho. Da mesma forma, foi verificada a associação positiva de lesão e o nível de fragmentação da carreira, sendo que os trabalhadores precarizados enfrentam riscos significativamente maiores de lesões no ambiente laboral (GIRAUDO et al., 2016).
Ao concluir-se as análises dos artigos que abordaram conjuntamente o tema carreira e precarização no trabalho, considerou-se que cinco trabalhos destacaram-se dos demais, no que tange à sua capacidade de integrar as duas temáticas, a saber: os artigos de Bendassolli (2009), Agergaard e Ungruhe (2016), Cangià (2018) e Marques e Macedo (2018). Além disso, argumenta-se que, face à produção reduzida de trabalhos que contemplem tal interface, muitas oportunidades de pesquisas se descortinam para aqueles que quiserem se debruçar sobre tal temática.






