Artigo
Recepção: 25 Novembro 2021
Aprovação: 30 Abril 2022
DOI: https://doi.org/10.4025/cadadm.v30i1.61687
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo identificar as principais dificuldades encontradas por pessoas transgêneras em sua inclusão e permanência no mercado de trabalho. Para alcançar esse objetivo, a metodologia escolhida foi a pesquisa quantitativa descritiva com o uso de questionários com perguntas abertas e fechadas. O questionário foi elaborado e aplicado por meio da ferramenta Google Forms e divulgado através de perfis que abordam temas do público transgênero por meio das redes sociais WhatsApp, Facebook, Instagram, LinkedIn e lives de influencers. Os questionários foram direcionados a pessoas da população transgênera, sem distinções específicas de gênero, idade, etnia, tamanho e tipo de família, classe econômica, localidade e região, a fim de obter a maior abrangência possível, no período de 08 a 25 de junho de 2020. Foram obtidas 106 respostas válidas. Os resultados foram analisados por meio de estatística descritiva usando o Microsoft Excel®. Os resultados mostram que, na etapa de seleção, a entrevista é uma das principais barreiras e, quando aprovado e contratado, a integração com demais funcionários e o respeito à sua identidade de gênero são grandes obstáculos vivenciados em questões que compreendem desde o seu direito de utilizar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero até sua permanência no ambiente de trabalho e oportunidades de crescimento. O que leva à conclusão de que esse tema precisa ser muito trabalhado tanto internamente no departamento de gestão de pessoas quanto na empresa como um todo.
Palavras-chave: Diversidade, Inclusão, Recrutamento e Seleção, Transgêneros.
ABSTRACT: This work aims to identify the main difficulties encountered by transgender people in their inclusion and permanence in the job market. To achieve this goal, the methodology chosen was quantitative descriptive research using questionnaires with open and closed questions. The questionnaire was prepared and applied using the Google Forms tool and disseminated through profiles that address their subject to transgender people, using the social networks WhatsApp, Facebook, Instagram, LinkedIn and Lives of Influencers. We directed the questionnaires to people who belonged to the transgender population, without specific distinctions on gender, age, ethnicity, size and type of family, economic class, place and region. Aiming to have the widest possible scope. The questionnaire was released in the period from 08 to 25 June, 2020. We obtained 106 valid answers. The results were analyzed using descriptive statistics with help of Microsoft Excel®. The results show that, in the selection stage, the interview is one of the main barriers and, when approved and hired, integration with other employees and respect for their gender identity are major obstacles experienced in issues ranging from their right to use the bathroom according to your gender identity until your stay in the workplace and opportunities for growth. Which leads to the conclusion that this topic needs work, both internally with people in the management department and in the company.
Keywords: Diversity, Inclusion, Recruitment and Selection, Transgender.
1 INTRODUÇÃO
A diversidade é um dos temas mais abordados e defendidos atualmente, tanto dentro das organizações quanto fora. Buscam-se meios de reverter institucionalmente as desigualdades existentes na sociedade, a fim de oferecer tratamento igualitário no acesso a diversas oportunidades.
As pessoas trans sofrem com a invisibilização de suas demandas também na produção científica brasileira. O estudo de Rodrigues, Silva e Araujo (2019) delineou um panorama de artigos que abordavam a transgeneridade considerando artigos científicos de periódicos indexados, publicados entre os anos de 1976 a 2017; observando os dados das áreas do conhecimento, os autores (onde há afiliação brasileira de pelo menos um autor), e resultou no total de 293 estudos compreendendo em sua maioria as ciências da saúde (102), que englobam artigos sobre saúde coletiva, cirurgias, clínica médica, entre outros; e ciências humanas (92), que englobam as áreas: psicologia, antropologia, sociologia e história, e outras, ciências biológicas (3), linguística, letras e artes (19), ciências sociais aplicadas (11), ciências exatas e da terra (5), outros (70). Entre os estudos que constam esta área, 62% são de psicologia (RODRIGUES; SILVA; ARAUJO, 2019), mostrando que os estudos sobre a população trans ainda se concentram nas questões de saúde dessa população, sem grande ênfase em outras áreas. Contudo, ainda se carece de pesquisas que se concentrem exclusivamente nas experiências de pessoas transgêneras no mercado de trabalho (LAW et al., 2011). Além de que a maior limitação para os pesquisadores neste campo continua sendo a escassez de pesquisas em nível populacional que capturem informações sobre identidade de gênero não binária e características e experiências relevantes no local de trabalho. A maior parte dos estudos realizados ainda baseia-se em amostras de conveniência de indivíduos trans. Embora esses métodos ofereçam informações valiosas, eles não fornecem estimativas generalizáveis de experiências de emprego e resultados da comunidade em relação à população cisgênera.
É definida como transgênera qualquer pessoa da qual a identidade de gênero, expressão de gênero ou comportamento não está em compatibilidade com aqueles habitualmente associados com o sexo que lhe foi outorgado no nascimento dentro do binário masculino/feminino. Estão incluídos não só aqueles que foram submetidos à cirurgia de redesignação, mas também aqueles que fazem uso de hormônios e outros medicamentos para ajudar na transição do corpo físico como também todos aqueles que vivenciam - na sociedade - o gênero do qual se identificam (LAW et al., 2011). O termo transexual, muito utilizado no passado, caiu em desuso devido à falsa conotação de orientação sexual, sendo eles denominados homens trans e mulheres trans, travestis, não binários e etc. O prefixo trans é utilizado como um termo abrangente que se refere a todas essas identidades e é oriundo do latim com significado de “além de”, “o lado oposto” ou “o outro lado”.
Quanto à inclusão desses profissionais no mercado de trabalho, existem algumas pesquisas que tratam dessas questões, tais como Barclay e Scott (2006), Law et al. (2011), Patrick e Kumar (2012) e Bozani et al., (2019). Barclay e Scott (2006) descrevem a lógica legal e comercial de se ter uma política voltada aos transgêneros. Law et al. (2011) examinaram as experiências gerais no local de trabalho e as características individuais e organizacionais que influenciam as atitudes profissionais dos funcionários trans, especificamente a utilidade de divulgar a identidade trans como estratégia para melhorar as atitudes no trabalho e os fatores individuais e da organização os impactam.
Além disso, pesquisas mostram que uma boa gestão da diversidade no local de trabalho traz benefícios para as organizações. Bozani et al. (2020) estudaram como as empresas que implementaram guias no local de trabalho e adotaram estratégias informadas de recursos humanos afetaram perfis corporativos e comportamentos organizacionais da equipe. Analisaram como essas estratégias impactaram na criação de uma cultura mais inclusiva no local de trabalho para pessoas trans e LGBT. Os autores sugerem que a utilização de políticas inclusivas, com foco na questão de gênero no quadro de funcionários, tem potencial de impactar positivamente nos resultados organizacionais das empresas.
Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo identificar as principais dificuldades encontradas por pessoas transgêneras em sua inclusão e permanência no mercado de trabalho. Essa pesquisa busca contribuir com o tema confrontando a realidade brasileira por meio da percepção dos profissionais trans e suas experiências em relação à gestão da diversidade nas organizações. O gerenciamento bem-sucedido da diversidade pode levar a funcionários mais satisfeitos, mais comprometidos e com melhor desempenho e, potencialmente, melhor desempenho financeiro para uma organização (PATRICK; KUMAR, 2012), o que justifica esta pesquisa e reforça a necessidade de pesquisas futuras sobre o tema.
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 DIVERSIDADE E INCLUSÃO
O conceito de diversidade compreende aceitação e respeito, significa entender que cada indivíduo é único e reconhecer nossas diferenças individuais ao longo das dimensões de raça, etnia, gênero, orientação sexual, status socioeconômico, idade, habilidades físicas, crenças religiosas, crenças políticas ou outras ideologias; é a exploração dessas diferenças em um ambiente seguro, positivo e favorável. Trata-se de compreender uns aos outros e ir além da simples tolerância para abraçar e celebrar as ricas dimensões da diversidade contida em cada indivíduo (PATRICK; KUMAR, 2012).
Para que a inclusão no mercado de trabalho aconteça, deve-se ter a consciência de ir além da abertura da vaga dentro da empresa, é necessário fazer com que o colaborador sinta-se incluído e participante do meio após a contratação (TORRES; PÉREZ-NEBRA, 2004). A diversidade no local de trabalho se refere à variedade de diferenças entre as pessoas em uma organização. Isso parece simples, contudo a diversidade abrange raça, gênero, grupo étnico, idade, personalidade, estilo cognitivo, educação e muitas outras questões. A diversidade envolve não apenas como as pessoas se percebem, mas também como percebem os outros; essas percepções afetam suas interações. Para que uma ampla variedade de empregados trabalhe efetivamente na organização, os profissionais de recursos humanos precisam lidar de forma eficaz com questões como comunicação, adaptabilidade e mudança (PATRICK; KUMAR, 2012).
A necessidade da mão de obra diversificada trata da troca de experiências em grupo e como isso constrói relações com desenvolvimento interpessoal, considerando que agrega valor ao “diferente”. Valorizar as pessoas independentemente da sua condição sexual, etnia, credo, etc. é uma questão ética, de respeito ao ser humano, constituição de sociedade e interação social. A diversidade deve ser tratada como uma pauta estratégica dentro de uma organização, como meio de se destacar e dar maior abrangência aos seus colaboradores e ao seu público (TORRES; PÉREZ-NEBRA, 2004).
Uma força de trabalho diversificada é um reflexo de um mundo e de uma cultura organizacional em mudança. A cultura organizacional é a personalidade básica de uma empresa, como as pessoas interagem e trabalham, além de ser um dos principais fatores que influenciam a capacidade de inovação da organização (DUTRA; ALMEIDA, 2018). Respeitar as diferenças individuais beneficiará o local de trabalho, criando vantagem competitiva e aumentando a produtividade do trabalho.
A maioria dos locais de trabalho é composta por pessoas de culturas diversas, logo as organizações precisam aprender como se adaptar para ter sucesso (GREEN et al., 2002). A gestão da diversidade beneficia os associados ao criar um ambiente justo e seguro, onde todos têm acesso a oportunidades. As ferramentas de gestão em uma força de trabalho diversificada devem ser usadas para educar a todos e podem incluir códigos de ética, regulamentos e leis.
A gestão da diversidade no ambiente de trabalho é um processo que visa criar e manter um ambiente de trabalho positivo, onde as semelhanças e diferenças dos indivíduos são valorizadas. A literatura sobre gestão da diversidade enfatizou principalmente a cultura organizacional; seu impacto na abertura da diversidade; práticas de gestão de recursos humanos; ambientes institucionais e contextos organizacionais para pressões, expectativas, requisitos e incentivos relacionados à diversidade; práticas percebidas e resultados organizacionais relacionados ao gerenciamento da diversidade dos funcionários; e várias outras questões (PATRICK; KUMAR, 2012).
Existem desafios para gerenciar uma população de trabalho diversificada. Gerenciar a diversidade é mais do que simplesmente reconhecer as diferenças nas pessoas. Atitudes e comportamentos negativos podem ser barreiras para a diversidade organizacional porque podem prejudicar as relações de trabalho e prejudicam a moral e a produtividade do trabalho (ESTY; GRIFFIN; HIRSCH, 1995). Atitudes e comportamentos negativos no local de trabalho incluem preconceito, estereótipos e discriminação, que nunca devem ser usados pela administração para práticas de contratação, retenção e rescisão (GREEN et al., 2002).
2.2 INCLUSÃO DE PESSOAS TRANSGÊNERAS NO MERCADO DE TRABALHO
O acesso ao trabalho decente (que oferece circunstâncias adequadas de trabalho e remuneração digna) compõe o melhor cenário para atender as necessidades sociais básicas, por oferecer uma solução efetiva ao acesso de oportunidades que favorecem a autorrealização e autoestima, contribuindo para o avanço na escala social. Portanto, é necessário que as empresas e o Estado desenvolvam estratégias que garantam a todos a inclusão social por meio do trabalho digno, contribuindo com a taxa de crescimento econômico (SACHS, 2004).
O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou 31 Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, onde reconheceu-se o papel do Estado de preservar e resguardar o respeito aos direitos humanos através de mecanismos de reparação judicial e não judicial ao não cumprimento desses direitos pelas empresas (ONU, 2010).
No Brasil, em 2018, passou a tramitar o Projeto de Lei do Senado nº 134, elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que dispõe sobre o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero aprovada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, tendo como base legal o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana elencado no rol de Princípios Fundamentais da Constituição de 1988 (BRASIL, 2018). Segundo o Artigo 2º do Capítulo 1, que discorre sobre as Disposições Gerais do Projeto de Lei, os transgêneros e intersexuais devem ter reconhecida igual dignidade jurídica e direitos comuns. O Artigo 3º atribui à sociedade e ao Estado garantir o exercício pleno da cidadania, igualdade de oportunidades e ao direito à participação na comunidade, reconhecendo principalmente as atividades sociais, políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas (BRASIL, 2018).
Quanto ao Direito à Identidade de Gênero, esse projeto descreve que transgêneros e intersexuais possuem direito à livre expressão de sua identidade de gênero; seguridade ao acesso ao mercado de trabalho, independente da identidade de gênero; o registro do nome social na carteira de trabalho serem assim identificados no ambiente de trabalho, entre outros direitos. É vetado a não admissão e eliminação de um candidato ou imposição de qualquer espécie, proibir, restringir ou dificultar a promoção no serviço privado ou público e a demissão por discriminação direta ou indireta, como também estabelecer ou manter diferenças salariais entre colaboradores que praticam a mesma função em razão de sua identidade de gênero (BRASIL, 2018).
Evidencia-se, assim, que há normas nacionais e internacionais que determinam o encargo de diversos protagonistas sociais - incluindo as empresas - e que não bastaria apenas ter responsabilidade social corporativa, devendo as empresas reformular a cultura organizacional, a fim de coibir tais atos discriminatórios e de exclusão social (ALMEIDA; VASCONCELLOS, 2018).
Embora existam iniciativas de legislação, nacionais e internacionais, para proteger as pessoas trans e uma crescente conscientização sobre a necessidade de proporcionar justiça no trabalho, ainda existem muitos obstáculos (BARCLAY; SCOTT, 2006). Esses obstáculos manifestam-se em diversos momentos como na entrevista de emprego, por discriminação (velada ou não), no processo de transição (empregabilidade antes, durante e depois do processo), para o uso do banheiro, entre outros. A transição (também conhecida como reafirmação de gênero) envolve os processos sociais e/ou médicos de alterar a expressão e/ou atributos físicos de alguém para melhor alinhar-se com a identidade de gênero (PEARCE, 2018 apud SHEPHERD, HANCKEL, 2021).
Quando se trata desta população, enxerga-se, por parte dos empregadores, os transgêneros como ambíguos, não se encaixando nos padrões pré-estabelecidos aos gêneros feminino e masculino, ignorando completamente os demais gêneros existentes (ADELMAN et al., 2003). Basta uma rápida olhada nos anúncios de emprego para deixar claro que o mercado de trabalho possui uma estrutura segmentada pelo gênero, definida pela dicotomia convencional homem/mulher. Muitos valores subjetivos e avaliações estão embutidos nesta divisão sobre aquilo que um homem ou uma mulher pode ou deve fazer. Pessoas com uma ambiguidade de gênero poderiam causar confusão e sentir rejeição por não se encaixarem facilmente nos nichos que existem no mercado de trabalho. A mesma ambiguidade pode ser vista como algo capaz de perturbar o desempenho da função, principalmente num mundo onde muitas ocupações se exercem vinculadas à apresentação e conservação da imagem (ADELMAN et al., 2003).
Louro (2001) complementa o tema dizendo que o mercado de trabalho é ainda mais restrito quando se trata da população transgênera, devido à pauta da normatização e padrões definidos como aceitáveis pela sociedade. O estigma carregado pelas pessoas transgêneras refletem em obstáculos para a inserção no mercado de trabalho devido ao preconceito e à discriminação por parte de empregadores, que, alimentados pela ignorância, utilizam “critérios de seleção” que pouco têm relação com a atividade a ser desenvolvida.
[…] O empregador deve limitar-se a obter dados somente no que se refere à capacidade profissional do empregado. Quando aquele que não se contenta em receber dados profissionais do candidato ao emprego e decide invadir a vida privada deste, por investigar as suas características pessoais, sem qualquer conexão com a natureza da prestação de serviços ou com a organização do trabalho, restará clara a conduta discriminatória praticada pelo empregador (BARROS, 2009, p. 61).
Entrando especificamente na questão da discriminação, Renault e Rios (2010) afirmam que a discriminação, qualquer que seja a sua natureza, deve ser repudiada, inclusive a que ocorre nas relações de trabalho, visto que constitui uma das maiores violências contra a dignidade da pessoa humana, pois priva a vítima de direitos básicos, criando dificuldades para a melhoria de sua condição de vida, o que resulta em desigualdade social. Ela restringe a experiência, mobilidade, vontade e impõe diferentes formas de humilhação (RENAULT; RIOS, 2010). Dado que o mercado de trabalho tem se tornado cada vez mais criterioso e crítico, a contratação de pessoas trans, travestis e intersexos, muitas vezes, vira um preconceito disfarçado de critério (RENAULT; RIOS, 2010).
2.3 TRANSIÇÃO DE GÊNERO NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL
Quanto às questões que surgem no período de transição, os indivíduos transgêneros relatam uma variedade de emoções relacionadas à transição. A transferência de um emprego para outro ou uma mudança permanente na carreira deve ser a escolha do indivíduo em transição. Alguns gestores ou empresas podem transferir indivíduos em transição para outro departamento como uma maneira de ajudar seus colegas de trabalho a se adaptarem à transição. Essa opção pode ser atraente porque os indivíduos trans podem manter seus benefícios e tempo de empresa (PEPPER; LORAH, 2008).
Os indivíduos também podem precisar fazer a transição para um local de trabalho diferente, seja por reações negativas dos colegas de trabalho ou por escolha pessoal. Os funcionários trans provavelmente encontrarão graus variáveis de reações negativas, se não preconceito explícito, discriminação ou violência relacionadas à sua transição (BROWN; ROUNSLEY, 1996 apud PEPPER; LORAH, 2008).
Além das mudanças na interação dos colegas de trabalho, os funcionários trans também sofrem outras alterações relacionadas ao local de trabalho como resultado de sua transição. Essas mudanças parecem diferentes para homens e mulheres trans (SCHILT, 2006; SCHILT; WISWALL, 2008 apud LAW et al., 2011). Por exemplo, Brown e Rounsley (1996 apud PEPPER; LORAH, 2008) afirmaram que um obstáculo na manutenção do emprego é que alguns colegas de trabalho podem ter dificuldade em esquecer a aparência da pessoa como seu gênero designado no nascimento. Mesmo que os colegas de trabalho sejam bem-intencionados e apoiem, eles podem usar pronomes impróprios acidentalmente ou referir-se ao indivíduo transgênero por seu nome anterior. A experiência com seus colegas de trabalho podem ser fontes de apoio, tensão ou possivelmente ambos.
Até a decisão sobre qual banheiro usar é uma preocupação significativa que os indivíduos transgêneros precisam negociar (PEPPER; LORAH, 2008). Independentemente de qual seja a resolução final do conflito sobre o uso do banheiro, é importante explorar esse problema e debater soluções que possam amenizar o empregador, mantendo a dignidade do trabalhador O problema torna-se um foco para eles e seus colegas de trabalho, porque é uma ocorrência visível e inevitável (PEPPER; LORAH, 2008).
Enfrentar cada um desses obstáculos dependerá de fatores situacionais e individuais; alguns indivíduos podem experimentar todos esses obstáculos, enquanto outros podem não ter problemas com nenhum deles. Independentemente disso, é importante considerar e discutir os aspectos que são relevantes para suas situações, bem como destacar preocupações de que eles talvez ainda não estejam plenamente conscientes em sua jornada de transição. Ajudar os trabalhadores trans a se conscientizarem dos possíveis obstáculos e opções pode não facilitar sua transição, mas isso os ajudará a fazer planos bem pensados ao iniciar sua nova jornada (PEPPER; LORAH, 2008). Como em outras formas de discriminação injusta, ser trans não possui relação com a capacidade de uma pessoa de realizar seu trabalho e é importante gerenciar essas situações no trabalho para manter a eficiência e as boas relações de trabalho. Pessoas com habilidades e ambições semelhantes devem ter chances de vida semelhantes e os formuladores de políticas devem fornecer a todas as pessoas aproximadamente igual acesso a oportunidades educacionais e de emprego (ZINK, 2011; RAWLS, 1971 apud BOZANI et al., 2020).
Law et al. (2011) examinam as experiências gerais no local de trabalho e as características individuais e organizacionais que influenciam as atitudes profissionais dos funcionários trans. Os resultados revelam que o apoio organizacional, a centralidade da identidade trans e o grau em que eles divulgam para indivíduos fora do trabalho, todos preveem comportamentos de divulgação de funcionários trans no local de trabalho. Esses comportamentos de divulgação estão positivamente relacionados à satisfação no trabalho e ao comprometimento organizacional e negativamente à ansiedade no trabalho. Essas relações são mediadas por reações de colegas de trabalho. Esta pesquisa expande o conhecimento sobre diversas populações de funcionários e oferece a teoria e alguns dos primeiros dados empíricos em larga escala coletados sobre as experiências de funcionários trans no local de trabalho.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa classifica-se como um estudo descritivo, pois busca conhecer a realidade estudada, suas características, seus problemas e descrever os fatos e fenômenos (TRIVIÑOS, 1987). O objetivo aqui proposto é identificar as principais dificuldades encontradas por pessoas transgêneras em sua inclusão e permanência no mercado de trabalho. Para alcançar o objetivo proposto, optou-se pela realização de pesquisa de natureza quantitativa, do tipo survey e com corte transversal.
A pesquisa quantitativa foi escolhida por empregar instrumentos estatísticos na coleta e tratamento dos dados em busca de mensurar as relações entre determinadas variáveis (ZANELLA, 2013). O questionário foi criado no app de formulários online Google Forms. Sua divulgação e aplicação foi realizada inteiramente em ambiente virtual por meio das redes sociais Whatsapp, Facebook, Instagram, Linkedin e lives de influencers com perfis transgêneros a fim obter dados que abrangem a maior quantidade de respondentes possível. Contudo, esse meio de coleta limita a população de respondentes ao público trans que têm acesso a esses meios de comunicação. A coleta de dados (primários) ocorreu no período de 08 a 25 de junho de 2020.
A população habilitada para participar desta pesquisa foram pessoas trans, sem distinções específicas de idade e gênero, que tenham experienciado, ao menos, um processo de seleção de emprego. Para análise de dados foram realizadas técnicas de análise estatísticas descritivas e utilizados os softwares Microsoft Excel® e SPSS®. O questionário foi elaborado com base na literatura sobre o tema.
Foram feitas perguntas relacionadas ao perfil profissional, percepção sobre as etapas de recrutamento, seleção e crescimento dentro da empresa. Como filtro, foi questionado apenas se o respondente era ou não transgênero. A pesquisa resultou em 106 respostas válidas.
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1 PERFIL PROFISSIONAL
A pesquisa realizada mostrou que apenas 37,7% dos indivíduos estão trabalhando sob o regime CLT, 24,5% trabalham no mercado informal (autônomo, PJ, terceirizado, entre outros) e 37,7% estão desempregados. Os resultados são mostrados no Gráfico 1:

Os resultados mostram que 37,7%% não têm acesso ao trabalho digno para atender as necessidades sociais básicas que favorecem a autorrealização e autoestima, contribuindo para o avanço na escala social (SACHS, 2004), podendo este número ser ainda maior se levado em consideração que os respondentes que estão em trabalho informal podem não ter condições adequadas de trabalho e remuneração e, consequentemente, não ter seus direitos garantidos perante às leis trabalhistas vigentes, como auxílio-doença em caso de necessidade e direito à aposentadoria, como mostrado no Gráfico 1.
Para entender o acesso ao mercado de trabalho pelos profissionais estudados, é importante descrever as qualificações (repertório teórico) e competências (referentes às habilidades e aptidões necessárias para exercer a função) que esses profissionais possuem, já que estas influenciam consideravelmente no acesso ao mercado de trabalho, apesar de não serem os únicos fatores relevantes. Para Harbison (1974), a “formação de capital humano” trata-se de um processo de formação e adição de pessoas que possuem as habilidades, a educação e experiência essencial para o desenvolvimento econômico e político de um país.
Tratando-se da escolaridade, 85,7% da amostra possuem ensino médio completo ou um grau superior, conforme Gráfico 2. Além do grau de escolaridade, verificou-se que 58,5% dos que contribuíram com a pesquisa possuem curso de capacitação profissional. Normalmente, esses cursos têm como fundamento a preparação do cidadão para ingressar no mercado de trabalho em uma empresa ou área com a qual a pessoa se identifica.

Esses números indicam que não se pode atribuir à baixa escolaridade e qualificação o fato de o profissional transgênero passar por mais dificuldades no mercado de trabalho. Esse argumento torna-se mais claro quando confrontamos esses números com o módulo Educação, da PNAD Contínua 2019. O PNAD 2019 demonstrou que mais da metade (51,2%) dos brasileiros adultos não concluíram o ensino médio (IBGE, 2020), enquanto na amostra dessa pesquisa apenas 6% não concluíram essa etapa.
Quanto às competências, fica evidenciado que mais da metade desses profissionais possui comprovação de experiência na área de atuação, porém apenas 37,7% estão atualmente em um emprego formal. Quando somamos a isso o fato de que 58,5% possuem curso de capacitação profissional, pode-se inferir que a baixa qualificação profissional não deveria ser um problema para pessoas transgêneras em sua inclusão e permanência no mercado de trabalho, inclusive em emprego formal.
4.2 RETIFICAÇÃO DE GÊNERO E DIVULGAÇÃO
Apesar do projeto de lei de retificação de gênero, o projeto de lei João W. Nery, de 2013 (BRASIL, 2013), a retificação ainda é um processo custoso e moroso, além da falta de conhecimento dos direitos por muitas pessoas. De acordo com a coleta de dados, 47,2% dos respondentes possuem retificação de gênero nos documentos, porém não raro enfrentam dificuldades no ambiente de trabalho por não ter sua identidade respeitada. Como mostrado na afirmação do respondente a seguir, é possível identificar um exemplo das dificuldades enfrentadas no ambiente profissional:
Após a exteriorização de minha identidade de gênero, trabalhei em três empresas (duas públicas e uma privada), sendo que duas delas não respeitaram a minha identidade de gênero, e na minha opinião, ainda levará um bom tempo até que a maioria das empresas (públicas ou privadas), se conscientizem em respeitar e aceitar em seus quadros de funcionários as pessoas transgêneros. (Respondente A).
O uso do nome social trata-se de um procedimento mais simples e rápido, no entanto, por diversas vezes traz ao indivíduo um certo tipo de constrangimento ou até mesmo abuso por parte das empresas e/ou colegas de trabalho. Abaixo, segue o depoimento de um respondente relatando os constrangimentos, humilhações e problemas vivenciados em relação ao nome de registro não ser retificado: 36,8% fazem uso do nome social e 16% não fazem uso de nenhum tipo de retificação.
Enprego [SIC] em que eu não tinha nome retificado, eu “pastei” tanto que umas de minhas exposição foi perante ao núcleo do rh e abri uma solicitação ética e a pessoa foi desligada do cargo, nessa [SIC] empresa atual que estou na hora de contratação puxaram meu nome no banco e como nenhum órgão é atualizado (sistematico) [SIC] “pq” sou retificado e regularizei tudo. eu [SIC] tive que explicar o porquê apareceu outro nome, mas eles foram super atenciosos, porém em loja eu não me expus sobre meu gênero e se alguém da equipe sabe, nunca ninguém veio me perguntar sobre nada. E permaneço assim pelo meu receio de passar oque [SIC] passei em outra empresa. (Respondente B).
Os dados obtidos indicam que, para 74,53% dos respondentes, as empresas em que tiveram vínculo empregatício estavam cientes da transgeneridade desses profissionais. Segue depoimento de um dos respondentes que exemplifica as dificuldades enfrentadas por pessoas desses grupos no que tange o conhecimento das empresas sobre a transgeneridade dos profissionais:
Eu nunca contei em uma empresa que eu sou trans, colocava o nome social no currículo e me apresentava assim, trabalhava por um tempo e quando iam assinar minha carteira, eu precisava contar que eu era trans, logo em seguida eu era demitido. Até que desisti de arrumar emprego e comecei a trabalhar por conta própria. Hoje trabalho com modificação corporal. (Respondente C).
Deveria ser evidente para as organizações e colaboradores que o fato de um profissional ser transgênero não influencia diretamente em nada em sua competência e habilidade para desenvolver sua função e na produtividade deste. Portanto, a decisão de explicitar a transgeneridade para a empresa e os demais colaboradores, em tese, deveria ser de escolha do próprio indivíduo.
Os dados mostram que, dos respondentes que fazem uso do nome social, apenas 23,5% desses têm a percepção de que suas identidades de gênero são respeitadas nas documentações administrativas, crachás e acessos, contra quase 28,3% que têm a percepção contrária.
Para os respondentes que possuem retificação nos documentos pessoais, a assimilação do respeito às suas identidades transgêneras inverte-se, sendo positiva para 41,5% dos respondentes e negativa para outros 6,6%.
O respeito ao nome social ou de registro retificado em todas as documentações administrativas, crachás, e-mails, logins e demais ferramentas de trabalho não trará maiores custos para a organização. Além de ser dever da empresa, é também fator essencial para proporcionar um ambiente acolhedor e de respeito.
Segue o depoimento de outro respondente relatando o preconceito que lhe causou transtornos psicológicos, como uma amostra da nossa cultura enraizada no preconceito:
Eu tive um enorme problema na empresa “(nome ocultado)”, no crachá o nome está a [SIC] social, porém nos sistemas não, com isso, folha de ponto, holerites ficam com nome de registro, houve assédio por parte da supervisão e coordenação, Rh não mostrou nenhum interesse de mediar alguma intervenção, com isso fiz uma denúncia no núcleo dediscriminação [SIC] e preconceito da defensoria social, na qual acionaram a organização, após essas denúncias, foi adotado nome social em todas unidades, fui exposto e sofro perseguição por ter buscado meu direito, entrei em estado de ansiedade, afastado por síndrome do pânico, ao retornar do período e [SIC] afastamento, fui mandado embora por JC indevida; Abri processo trabalhista, onde não foi comprovado o nexo casual [SIC], porém o juiz deu veredito, em primeira estância [SIC] ganhei por danos morais, acesso e preconceito, agora aguardo resposta da segunda. (Respondente D)
4.3 O MERCADO DE TRABALHO
A pesquisa realizada demonstra a falta de oportunidades direcionadas para pessoas transgênero em vagas de emprego publicadas pelas empresas, a menos que a candidatura seja preenchida em empresas com projetos de empregabilidade para pessoas deste público. Esses dados mostram que, mesmo com tantos movimentos de igualdade promovidos nos últimos tempos por boa parte da sociedade, e com práticas adotadas por algumas empresas visando disseminar a diversidade no seu cotidiano, ainda existem muitas barreiras a serem quebradas quando se fala em empregabilidade e inserção desses grupos no mercado de trabalho. Isso pode ser demonstrado na fala do Respondente E:
Acredito que só consegui me inserir no mercado de trabalho devido a retificação dos meus documentos. Infelizmente, ainda vivemos em um mundo completamente preconceituoso, onde as pessoas divulgam uma imagem ao apoio a diversidade e por trás vivem vomitando seus preconceitos velados e/ou não tão velados assim. (Respondente E).
Quando perguntado aos respondentes sobre respeitarem a sua identidade de gênero durante a participação no processo seletivo, os dados mostram que 39% responderam “nunca ou quase nunca são respeitados”, 42% disseram que “geralmente são respeitados” e apenas 20% disseram que sua identidade de gênero é sempre respeitada durante o processo seletivo. Isso mostra o quanto as empresas precisam se reestruturar de forma contínua, visando acompanhar as mudanças e movimentos que vêm ocorrendo em prol da sensibilização por igualdade e apoio à diversidade dentro e fora das organizações. Isso reafirma a importância e as vantagens de ter um time diversificado, como mostrado na fala do Respondente F:
Sou transexual e iniciei a transição há alguns anos, dessa forma já atingi um nível se adequação física e estética ao gênero ao qual me reconheço muito grande, e com isso, atualmente, não sofro muito preconceito e discriminação. Acredito que esse fator seja primordial para qualquer pessoa em minha condição conseguir colocação e permanência no mercado de trabalho. (Respondente F).
Analisando os dados obtidos na pesquisa sobre candidaturas e o recrutamento de pessoas transgêneras para vagas disponíveis, em uma escala de 1 a 5, onde 1 está para “nunca sou chamado” e 5 para “sempre sou chamado”, os dados demonstram que, mesmo possuindo o perfil ideal para preencher a vaga, apenas 5% responderam que são sempre chamados para entrevistas, 36% geralmente são chamados e 59% nunca ou quase nunca são chamados. Mesmo sendo realizada com um pequeno número de pessoas pertencente a esse grupo, esta pesquisa traz à tona as dificuldades enfrentadas pelas pessoas citadas acima quando buscam se inserir no mercado de trabalho. Mesmo possuindo todas as qualificações exigidas pela vaga, o preconceito e a discriminação são os principais motivos de exclusão do mercado de trabalho.
Esses dados corroboram os resultados encontrados até mesmo por pesquisas realizadas em outros contextos, como o trabalho de Waite (2021) que encontrou evidências de que, entre os funcionários públicos federais canadenses, pessoas com diversidade de gênero experimentam taxas significativamente mais altas de discriminação e assédio no emprego, em relação a homens e mulheres cisgêneros. Com exceção daqueles com deficiência, os funcionários com diversidade de gênero têm as taxas mais altas de discriminação e assédio no emprego autorrelatados, em comparação com mulheres cisgêneras, minorias visíveis e povos indígenas. Segue abaixo o depoimento de um do Respondente G que evidencia o preconceito existente e reforça os resultados dos dados apresentados acima:
Desde que me assumi trans e comecei minha feminização, não consegui emprego, mesmo tendo um absurdo de capacitação na área, hoje além de inúmeras técnicas de gastronomia, e uma vasta experiência com moda e confecção, inclusive regulagem e manutenção de máquinas não sou nem chamada para uma entrevista, meu currículo é pesado, além dos quesitos acima, ainda tenho vasto conhecimento em informática, designer gráfico, arte final, entre outros.
Os únicos lugares que abrem espaços pra [SIC] travestis e transexuais são salões de beleza e somente porque acreditam que dá mais movimento pela confiança que as clientes tem [SIC] no trabalho. O Brasil é uma vergonha quando se trata de inclusão de travestis e transexuais no mercado de trabalho. (Respondente G).
De fato, o ramo da beleza, por conta do estereótipo, ainda é o principal segmento no qual pessoas pertencentes a essas minorias - mais comumente para mulheres trans e travestis -encontram oportunidades de trabalho; em contrapartida, o mundo corporativo ainda é onde encontra-se maior dificuldade de inserção desses profissionais. Como afirmado por Maria (2020), “limitar o trabalho das travestis e transexuais às categorias profissionais convencidas como apropriadas a elas, faz com que estas pessoas se sintam à mercê da marginalização”.
Como já destacado na literatura e confirmado pelos resultados encontrados no campo, apego de empregadores em padrões de gênero e em levantar questões sobre a vida pessoal do empregado, disfarçadas de critérios de seleção, criam obstáculos desnecessários no acesso dos profissionais transgêneros ao mercado de trabalho (LOURO, 2000). Isso prejudica até o próprio processo de seleção, que deveria concentrar-se em avaliar a capacidade do profissional (BARROS, 2009).
4.4 PERMANÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO
Quando perguntado aos respondentes qual etapa eles consideravam mais difícil durante o processo de inserção no mercado de trabalho, na escala onde 1º lugar está para “mais difícil” e 6º lugar para “menos difícil”. As etapas consideradas mais difíceis durante o processo de inserção no mercado de trabalho foram as etapas de candidatura, ser selecionado para o processo seletivo, seguidas por ser aprovado na entrevista, integração no ambiente de trabalho, oportunidade de crescimento e permanência no ambiente de trabalho.
Esses problemas vão de encontro às recomendações da literatura, como de Patrick e Kumar (2012), sobre a necessidade de os profissionais de recursos humanos terem a capacidade de lidar com a diversidade dos funcionários, questões éticas (TORRES; PÉREZ-NEBRA, 2004).
Segue depoimento de um respondente que exemplifica o porquê, mais do que contratar transgêneros, é preciso que a empresa forneça um ambiente seguro e favorável para a permanência e crescimento profissional desses colaboradores:
Após a exteriorização de minha identidade de gênero, trabalhei em três empresas (duas públicas e uma privada), sendo que duas delas não respeitaram a minha identidade de gênero, e na minha opinião, ainda levará um bom tempo até que a maioria das empresas (públicas ou privadas), se conscientizem em respeitar e aceitar em seus quadros de funcionários as pessoas transgêneras (Respondente H).
A sociedade como um todo vem avançando de forma positiva em relação à diversidade, considerando os últimos anos. Como os resultados mostram, muitas das causas da dificuldade de permanência dos profissionais nas empresas estão relacionadas a questões internas.
De modo geral, as organizações precisam passar por uma reconstrução de valores e cultura. Isso pode ser feito por meio de palestras, cartazes demonstrando a importância da diversidade e respeito ao próximo com o intuito de mudar a percepção e a visão dos colaboradores sobre preconceito e discriminação, visando evitar qualquer tipo de preconceito e sempre lembrar que as relações de trabalho devem ser pautadas no respeito e que a diferença entre um profissional e outro é a eficiência, a habilidade e a competência e tudo isso, definitivamente, não está relacionado à identidade de gênero. A literatura mostra que a diversidade pode ser usada até mesmo como uma fonte de vantagem competitiva, ao fazer a empresa ganhar destaque com a comunidade e seus clientes (TORRES; PÉREZ-NEBRA, 2004).
4.5 RESPEITO À IDENTIDADE DE GÊNERO NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL
Quanto à preparação da equipe dentro da empresa para lidar com profissionais transgêneros, mais de 87% dos respondentes afirmaram que, em geral, as equipes estão pouco preparadas para lidar com essa realidade.
Também foi indagada a frequência com que, durante a participação no processo seletivo e entrevista, os respondentes sofrem constrangimentos e/ou discriminações por causa de sua transgeneridade. Essa falta de preparo já se apresenta durante o processo seletivo/entrevista de emprego, conforme ilustra o depoimento da vivência de um dos respondentes:
Trabalho com PJ numa empresa de tecnologia na parte fiscal, hoje me encontrei profissionalmente e financeiramente, desejo em breve abrir a minha empresa voltada a contratação do público trans (pois já perdi oportunidades porque a entrevistadora disse-me “não temos um banheiro para você”). Já sofri muito no decorrer do caminho, principalmente na faculdade. Um excelente trabalho desenvolvido por vocês. Sou de Curitiba - PR (nascido em Londrina - PR), homem trans com 28 anos. Hoje me senti extremamente importante em responder esta pesquisa, obrigado pela representatividade (Respondente I).
Isso evidencia que há uma necessidade urgente de capacitação dos profissionais de recursos humanos para que as empresas possam integrar efetivamente os colaboradores transgêneros, como também dar treinamento aos demais colaboradores para utilizarem tratamento adequado com os trabalhadores transgêneros.
Isso corrobora os resultados de outras pesquisas, como a de Santini, Tosta e Nunes (2018) que estudaram o assédio moral no trabalho contra homossexuais, onde foi levantado que o assédio manifesta-se de modo diverso do que para com trabalhadores heterossexuais, como descrito pelos autores:
O contrário das pesquisas envolvendo trabalhadores heterossexuais, as quais as principais estratégias hostis estão relacionadas à deterioração proposital das condições de trabalho e isolamento e recusa de comunicação, nesta pesquisa houve mais incidência de situações de atentado contra a dignidade, de forma direta, visível e coletiva. Tal categoria representa estratégias como: frases ofensivas, zombarias, críticas injuriosas, insinuações, chacotas e outras situações (SANTINI; TOSTA; NUNES, 2018, p. 163).
Existem empresas e organizações não governamentais focadas nos treinamentos de sensibilização das especificidades da população transgênera e que também prestam consultoria corporativa, podendo instruir e auxiliar as empresas a harmonizar a cultura e prática empresarial já existente com o respeito às identidades de gênero, tornando-as mais inclusivas, como é o caso da Transempregos que atua desde 2013 capacitando profissionais e empresas e fazendo a ponte entre eles (TRANSEMPREGOS, [2022?]). Segundo os resultados da pesquisa, 64% dos respondentes consideram a gestão muito pouco ou nada preparada para lidar com a existência de colaboradores LGBTQI+ em suas equipes, mostrando a importância de iniciativas para solucionar esse gap.
Algumas mudanças podem ser realizadas visando tornar o ambiente mais inclusivo e evitar constrangimentos e depreciações aos colaboradores e clientes transgêneros que podem ser confundidos e discriminados devido a pistas de ambiguidade do corpo, sobretudo sobre pessoas intersexo e não binários e outros que não se enquadram e não se reconhecem no binarismo feminino ou masculino, como é o caso dos espaços como banheiros, vestiários e afins. Além das placas escritas como “feminino” e “masculino”, há uma infinidade de expressões gráficas usadas para dirigir-se ao gênero que reforçam o padrão cisheteronormativo e binário do imaginário social, onde, por exemplo, utilizam uma imagem representativa de uma mesquita em formato fálico para indicar o banheiro de “homem” e outra com apologia aos seios para a “mulher”(ALVES; MOREIRA; JAYME, 2021).
Os dados colhidos indicam que, para 33,96% dos respondentes, as empresas posicionam-se a favor do direito ao uso dos banheiros, vestiários e afins e que os demais colaboradores respeitam; 30,19% responderam que, embora a empresa não se posicione, os demais colaboradores respeitam; e 18,87% sentem que não são respeitados, mesmo que a empresa se posicione a favor. Isso enfatiza a importância no cuidado da distinção de gêneros nesses espaços e tendo uma política de combate à discriminação e preconceito, a empresa colabora para evitar prejuízos à integridade de todos os colaboradores.
Outro ponto observado nas análises dos dados é referente à cultura e à prática adotada pelas empresas em relação à adesão da diversidade. Os resultados são mostrados no Gráfico 3:

Como é possível observar, embora algumas empresas divulguem a aderência à diversidade, 62,26% das empresas não desenvolvem práticas perceptíveis de apoio e proteção à diversidade de seus colaboradores, o que deve refletir significativamente na vivência profissional e psicológica deles.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo foi discutir a inclusão e permanência de transgêneros no mercado de trabalho, focando nas barreiras encontradas por esses profissionais. Os resultados mostram que as etapas consideradas mais difíceis pelos participantes são: ser selecionado para o processo seletivo, seguidas por ser aprovado na entrevista, integração no ambiente de trabalho, oportunidade de crescimento e permanência no ambiente de trabalho. Também são relevantes as dificuldades da gestão das organizações e outros colaboradores em respeitar a identidade de gênero dos empregados, com destaque pela convivência com os demais funcionários, assim como garantia de direito ao uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero do funcionário.
Entretanto, somente garantir os direitos não são suficientes para fazer com que esses profissionais tenham acesso às mesmas oportunidades que os demais. A cultura das empresas tem grande influência nessas questões, como destacado pelas dificuldades em termos de permanência no emprego e crescimento profissional. Além de que ter um ambiente organizacional diversificado pode trazer ideias e perspectivas diferentes, sendo vantajoso para a empresa, como já mostrado pela literatura. Para que isso ocorra, é necessário existir empatia e respeito às peculiaridades de cada grupo, conscientizar os colaboradores de todos os níveis hierárquicos.
Como limitações da pesquisa, pode-se citar o tamanho reduzido da amostra e o meio de coleta. Como a pesquisa foi disponibilizada via internet, isso impossibilitou que a população transgênera menos favorecida participasse da pesquisa, por isso não é possível afirmar que representa de forma completa o perfil dos profissionais transgêneros do país. Além disso, não foi questionado sobre a identidade de gênero, idade, etnia, tamanho e tipo de família, classe econômica, município de residência dos respondentes, o que limita as comparações a serem realizadas.
Como sugestões de estudos futuros, pode-se aprofundar as questões de integração e permanência no ambiente de trabalho, oportunidades de crescimento e procedimentos de entrevista e seleção das pessoas, critérios demográficos e geográficos, assim como comparar as preocupações desse grupo com outros grupos de profissionais.
REFERÊNCIAS
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