RESUMO: Este estudo propõe um modelo conceitual elencando e relacionando aspectos de disfunção burocrática identificados na gestão de uma escola pública de referência da rede estadual do Paraná, avaliada com o maior IDEB do seu núcleo regional de educação. A Teoria da Burocracia e, especialmente, as críticas dirigidas a ela, são a lente teórica utilizada para respaldar os aspectos de disfunção burocrática que despontam do estudo de caso único. Este estudo de campo de natureza qualitativa contou com três fontes de evidências distintas (entrevistas semi-estruturadas, observações e análise documental), investigadas por meio do software Atlas T.I. Com base nos procedimentos metodológicos de Yin (2011) e Bardin (2006), foram estabelecidas cinco categorias de análise: controle, administração financeira, sobrecarga de trabalho, autonomia e relacionamento interpessoal. Infere-se que os aspectos de disfunção burocrática geram um aumento da carga de trabalho (que se torna sobrecarga), o que, consequentemente, prejudica o relacionamento interpessoal entre a equipe escolar e vice-versa. Estas informações sustentam o modelo conceitual proposto, no qual a gestão escolar é influenciada pelos aspectos de disfunção burocrática identificados no estudo de caso. Os resultados oferecem novas ideias sobre como três aspectos relevantes de disfunção burocrática (administração financeira, autonomia e controle) impactam na carga de trabalho e nos relacionamentos interpessoais na gestão de uma escola pública. As descobertas ressaltam, ainda, como aspectos de disfunção burocrática impactam na gestão escolar.
Palavras-chave: Gestão Escolar, Disfunção Burocrática, Sobrecarga de Trabalho, Relacionamento Interpessoal.
ABSTRACT: The authors propose a conceptual model relating aspects of bureaucratic dysfunction identified in the public administration. The authors use a case study from a recognized public school from Paraná, assessed with the highest IDEB of its local education system. The Theory of Bureaucracy and, specially, its criticisms directed, are the theoretical lens adopted to support the aspects of bureaucratic dysfunction that emerge from the case study. This qualitative study had three different sources of data collecting (semi-structured interviews, observations, and document analysis), investigated through Atlas T.I. Based on methodological procedures of Yin (2011) and Bardin (2006), the author develop five categories of analysis: control, financial administration, work overload, autonomy and interpersonal relationships. The results show that aspects of bureaucratic dysfunction lead to an increase in work overload, which consequently impair the interpersonal relationship among the school team (i.e. actors), and vice versa. Results offer new insights into how three relevant aspects of bureaucratic dysfunction (financial management, autonomy and control) impact on the workload and interpersonal relationships in the management of a public school. The findings also highlight how aspects of bureaucratic dysfunction when influencing school management.
Keywords: School Management, Bureaucratic Dysfunction, Work Overload, Interpersonal Relationships.
Artigo
GESTÃO ESCOLAR E OS ASPECTOS DE DISFUNÇÃO BUROCRÁTICA: PROPOSTA DE UM MODELO CONCEITUAL
SCHOOL MANAGEMENT AND THE ASPECTS OF BUREAUCRATIC DYSFUNCTION: PROPOSAL FOR A CONCEPTUAL MODEL
Recepção: 01 Novembro 2021
Aprovação: 24 Outubro 2022
Em 2019, o Brasil investiu 5,6% do PIB na Educação Básica. Este percentual posicionou-o como um dos países que mais investiu em educação, segundo relatório Education at a Glance da The Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD, 2020). Apesar do incremento no investimento na Educação Básica, o país ainda enfrenta desafios fundamentais na Gestão Pública Escolar, uma vez que seus índices ainda são baixos (SCHÜTZ; FUCHS, 2018).
Dentre múltiplos desafios, podemos citar aspectos relacionados às disfunções da burocracia (ESTRADA; VIRIATO, 2012), a falta de autonomia escolar em administrar recursos financeiros e resolver problemas diários, a sobrecarga de trabalho dos atores envolvidos, tais como excesso de aulas, horas-atividade, exigências, e o relacionamento interpessoal entre os níveis hierárquicos da escola (NASCIMENTO; CHIUSOLI, 2019). A administração desses múltiplos elementos, por vezes culmina na necessidade de controle organizacional. A inter-relação entre esses construtos faz com que a Gestão Escolar seja peça-chave do processo educativo e administrativo, uma vez que consiste na gestão das vias de acesso à educação e ao conhecimento, podendo influenciar na qualidade da educação (BRÁS, 2016).
A literatura tem apresentado aspectos desfavoráveis da burocracia na gestão escolar pública (ARAÚJO; BARP; NUMMER, 2019; LAPOLLI; GOMES, 2017), ainda mais quando se tem sobrecarga de trabalho (GOULD-WILLIAMS et al., 2014), falta de recursos financeiros (VIANA, 2019) e reduzida autonomia escolar (WITTMANN, 2008). Não obstante, o diretor educacional responsável pela gestão escolar precisa administrar múltiplos elementos, objetivando um melhor relacionamento interpessoal com diversos atores educacionais (SANTOS, 2017).
Uma vez que são escassos estudos que demonstram a interconexão dos aspectos específicos da disfunção burocrática no âmbito específico da gestão escolar (SANTOS, 2017; AFONSO, 2018; CARVALHO; OLIVEIRA; LIMA, 2014), os autores objetivam propor um modelo conceitual que elenque e relacione aspectos de disfunção burocrática identificados por meio de um estudo de caso único na gestão de uma escola pública da rede estadual do Paraná, avaliada com o maior IDEB do seu núcleo regional de educação. Embora a escola estudada possua excelentes indicadores, sendo considerada uma referência na rede estadual, ela não está isenta de problemas. Compreendê-los em profundidade é necessário para demonstrar que bons resultados acontecem mesmo quando aspectos de disfunção burocrática estão presentes, o que nem sempre aparece por meio de outros indicadores. Diante desse contexto, a pergunta de pesquisa que surge é: Como é estruturado um modelo elencando e relacionando aspectos de disfunção burocrática identificados na gestão de uma Escola Estadual?
O modelo conceitual proposto por estas autoras sugere que aspectos da disfunção burocrática dificultam a autonomia dos diretores, aumentam o controle organizacional e obstruem a administração financeira. Esses últimos construtos tendem a elevar a carga de trabalho dos atores escolares e, por consequência, prejudicar o relacionamento interpessoal, influenciando o desempenho do aluno e a eficácia escolar (MARTINS; CALDERÓN, 2019). O modelo teórico sugerido leva em consideração os diferentes níveis hierárquicos dos atores envolvidos, conforme sugerido por Hitt et al., (2007) e a carência de modelos teóricos em gestão pública escolar (OLIVEIRA; VASQUES-MENEZES, 2018).
Após essa introdução, o presente trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: referencial teórico, metodologia utilizada no estudo, resultados, o modelo proposto e, por fim, as considerações finais são apresentadas.
Para Weber (1978), a burocracia compõe um modo racional e impessoal pelo qual alguém pode aparelhar a atividade humana por meio de processos sistemáticos e hierarquias organizadas. As atividades burocráticas estão no cerne das organizações públicas e atingem os diretores das escolas que necessitam conhecer os processos administrativos, pedagógicos, educacionais e estruturais (FARRELL; MORRIS, 2003). A literatura tem apresentado evidências positivas (FERNANDES; PALOTTI, 2019; CARDOSO; MARENCO, 2019) e negativas (ARAÚJO; BARP; NUMMER, 2019) da influência burocrática na gestão pública. Diante dos aspectos desfavoráveis gerados pela burocracia, surgiram críticas ao conceito weberiano (MERTON, 1957; GOULDNER, 1955; SELZNICK, 1943), que muitas vezes produz rigidez organizacional, por meio da implementação excessiva de rotinas e normas; resistência e rigor às mudanças (e.g. elementos da Social Theory and Social StructureMerton, 1957); inércia diante das rotinas, criando obstáculos para atender as demandas do público em geral. Esses aspectos desfavoráveis, desdobrados pelos autores que seguem a linha estrutural-funcionalismo, são conhecidos como disfunção burocrática ou da burocracia.
Neste artigo a visão adotada é que os aspectos de disfunção burocrática contribuem para que os gestores escolares não consigam se dedicar integralmente às atividades de gestão escolar, dado sobrecarga de trabalho (CARVALHO; OLIVEIRA; LIMA, 2014), influenciando o desempenho do aluno e a eficácia escolar (MARTINS; CALDERÓN, 2019). O estudo atual é relacionado com a referência anterior por utilizar a teoria da disfunção da burocracia na administração escolar, diante de algumas práticas normativas e rotineiras que geram complexidade para a própria gestão (FERNANDES; PALOTTI, 2019; CARDOSO; MARENCO, 2019) e negativas (ARAÚJO; BARP; NUMMER, 2019).
A explicação teórica da disfunção da burocracia na administração escolar ocorre porque algumas práticas normativas e rotineiras podem acarretar (i) retrabalho e sobrecarga para a própria gestão (DASGUPTA; KAPUR, 2020), (ii) estratégias de gestão são afetadas e comprometidas com a administração burocrática centralizada (ESTEVES; PEREIRA; SIANO, 2005; PARO, 2010), (iii) determinadas ações gerenciais geram disfunções burocráticas (SECCHI, 2009), e (iv) pode haver alienação dos atores (NIESZ; KRISHNAMURTHY, 2014). No caso investigado, a complexidade das atividades burocráticas desempenhadas pelo gestor educacional pode ser ilustrada através do Guia Prático da Gestão Escolar organizado pela Secretaria de Estado de Educação Paraná (SEED, 2016). Esse guia busca facilitar o acesso do diretor às informações relativas à administração com assuntos que devem gerenciar. Contudo, as informações são organizadas em 30 diferentes temas, sendo 11 deles administrativos e 19 pedagógicos, dificultando a gestão de fato (SEED, 2016). Diante de tantos processos sistemáticos apresentados pela SEED, somados às funções do cotidiano, os diretores escolares, com o excesso de burocracia, acabam por sofrer falta de autonomia (WITTMANN, 2008) e sobrecarga de trabalho (CARVALHO; OLIVEIRA; LIMA, 2014), reduzindo o desempenho do aluno e a eficácia escolar (MARTINS; CALDERÓN, 2019). A seguir, alguns aspectos de disfunção da burocracia, no âmbito da gestão escolar, são expostos.
O imperativo pela manutenção do controle é esperado na Teoria da Burocracia (WEBER, 1978). O caráter formal e impessoal é o tipo de dominação presente nas organizações burocráticas administradas por gestores e respaldadas em mecanismos de controle (WEBER, 1978). Em relação ao caráter formal e impessoal das organizações burocráticas, Pereira e Motta (1987) apresentam quatro características: (i) a autoridade; (ii) normas escritas de forma exaustiva; (iii) subordinação estruturada de forma hierarquizada e (iv) divisão horizontal do trabalho. Quanto ao caráter impessoal da administração burocrática, dá-se pela contratação de indivíduos amparada em cargos com atribuições específicas e na especialização do trabalho. Portanto, a separação entre propriedade e trabalho exige formas de controle.
Na gestão burocrática, o controle é realizado por meio do acompanhamento entre o planejado e o que foi realizado, sendo assim chamado de previsibilidade (LYRIO; DELLAGNELO; LUNKES, 2017). Theory of Control sugere que o controle na burocracia é centralizado (GIDDENS, et al., 1991). Como resultado do acompanhamento, comparar e acompanhar o previsto e o realizado consubstanciam em uma maior eficiência organizacional. Contudo, é necessário compreender que as organizações que atuam sob alguma forma de “controle excessivo tornam as estruturas organizacionais tradicionais e as técnicas gerenciais arcaicas e ineficientes” (KÄRREMAN; SVENINGSSON; ALVESSON, 2002, p.70), além de inflexíveis, impossibilitando os gestores de lidarem com ambientes dinâmicos e mutáveis (SELZNICK, 1943).
Dada a centralização burocrática existente, a partir de 1995 o Ministério da Educação passou a implementar um processo de descentralização do financiamento da educação, encaminhando ações voltadas para uma distribuição eficiente dos recursos (DRAIBE, 1999), e para a implementação da LDB. Por consequência, a partir de 1997, a administração financeira das escolas públicas passou a ter alguma autonomia (WITTMANN, 2000), o que demandou da direção escolar conhecimentos muito além dos pedagógicos e científicos. O diretor escolar passou a ser autônomo (autonomy-based moral theory) e responsável por uma amplitude de atribuições, tais como: manutenção, orçamentos, prestações de conta, licitações, etc., sendo necessário conhecer e cumprir leis (FERREIRA; MARIOTINI, 2015). Soluções para o financiamento da educação vieram como Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) administrado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Esse programa gerou um repasse anual de recursos por meio do FNDE às escolas públicas do ensino fundamental estaduais, municipais e do Distrito Federal. Esse repasse de recursos do PDDE permitiu que a escola os administrasse de acordo com suas necessidades.
Os recursos financeiros apresentam grande relevância no orçamento escolar. Contudo, a administração dos recursos impacta de formas diversas na gestão escolar (AFONSO, 2018), incluindo mais sobrecarga de trabalho. Esta sobrecarga de trabalho ocorre porque o diretor escolar é responsável por aplicar os recursos, fazer demonstrações financeiras, prestar contas, captar novas fontes financeiras (VIANA, 2019), examinar o desempenho dos alunos atrelado ao repasse do FNDE, lidar com a evasão escolar, fazer devolução de sobras do PDDE e gerenciar a burocracia para processos de licitação de compras e gastos com a unidade. Todo esse processo de gestão proporciona mais desafios para o diretor de escola e sobrecarga de trabalho na busca por políticas de qualidade no ensino público.
Para Mariani e Alencar (2005), a sobrecarga de trabalho é vista como fator que impede que o docente se aprofunde em suas ações educativas e pedagógicas e é proveniente da sobrecarga de se trabalhar em diversas escolas, gerando assim distintas atividades, tais como excesso de diários de sala e fichas de avaliação, coordenação pedagógica, pressão por resultados de aprovação (DASGUPTA; KAPUR, 2020), necessidade de atender as metas estaduais/federais, além da responsabilidade que lhe cabe de preparar e ministrar aulas. Portanto, a sobrecarga de trabalho está associada à dificuldade do indivíduo em lidar com tarefas complexas, consideradas desafiadoras e, ao mesmo tempo, tais tarefas são monitoradas e controladas a fim de mensurar um resultado satisfatório em um tempo pré-determinado.
A sobrecarga de trabalho é explicada pela Teoria dos Recursos Múltiplos de Wickens et al., (2016), da seguinte forma: quanto mais atividades são desenvolvidas simultaneamente, mais as mesmas interferem umas nas outras; e, em havendo o aumento gradual da dificuldade da tarefa, o desempenho é reduzido. A explicação teórica para essa redução ocorre porque o desempenho deriva das capacidades cognitivas individuais para processar a informação dos recursos disponíveis e da maleabilidade das atividades psicomotoras (WICKENS et al., 2016). Como consequência do excesso de informação, a sobrecarga de trabalho apresenta efeitos no conflito interpessoal, estresse e tensão organizacional (SANTOS, 2017).
O artigo 15 da Lei 9.394 de 1996 da Lei de Diretrizes e Bases afirma que “os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de Educação Básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e gestão financeira”. Entretanto, o relatório da pesquisa realizada pela OCDE (2017) apresentou que os diretores brasileiros de escolas estão entre os que reportam ter menor autonomia para questões, tais como contratar e demitir professores, gerir os orçamentos financeiros, tomar decisões ou definir valores salariais dos funcionários. Neste ponto, faz-se necessário compreender o que é autonomia na administração escolar e, para tal fim, adota-se a definição elaborada por Lück (2008, p. 21):
autonomia é a característica de um processo de gestão participativa que se expressa, quando se assume com competência a responsabilidade social de promover a formação de jovens adequada às demandas de uma sociedade democrática em desenvolvimento, mediante aprendizagens significativas.
Alguns estudos têm destacado o problema da falta de autonomia na gestão das escolas públicas (FONSECA; FERREIRA; SCAFF, 2020; WITTMANN, 2000), sendo considerada uma das principais barreiras para os gestores. A necessidade de autonomia é importante porque as estratégias de administração são afetadas e comprometidas por diversos fatores, como, por exemplo, o engessamento das condições de trabalho, pouca margem de decisão e reduzido “poder para alterar algumas das dimensões da gestão escolar” (CARVALHO; OLIVEIRA; LIMA, 2014, p. 60).
Eficácia nos relacionamentos interpessoais tende a promover uma satisfação profissional e melhora no ambiente de trabalho (CAPELO; POCINHO, 2014). Na gestão escolar, o processo educativo ocorre com o relacionamento interpessoal do diretor com os diversos atores, tais como os professores, coordenador pedagógico, orientador educacional, professores, secretários, técnicos, pais e alunos. Neste artigo, sugere-se que a sobrecarga no trabalho ocasiona um prejuízo para a confiança, envolvimento e comprometimento dos envolvidos, gerando assim conflitos interpessoais no relacionamento entre os atores. É papel do gestor escolar trabalhar em favor de um clima organizacional que favoreça a harmonização e o relacionamento profissional e interpessoal, objetivando uma convivência responsável e solidária (SANTOS, 2017).
Não obstante, é comum que ocorram conflitos quando se trabalha com diferentes competências e profissionais especializados de distintas áreas. Como possível solução para esses conflitos, os gestores escolares devem atuar como mentores para o desenvolvimento interpessoal dos agentes na busca de uma administração participativa, aumentando a reciprocidade da confiança dos agentes e melhorando o desempenho (SANTOS, 2017).
Para verificar a influência de aspectos de disfunção da burocracia na administração de uma escola pública e delinear com mais clareza como esses aspectos se relacionam e impactam na gestão escolar, esse trabalho foi conduzido na forma de um estudo de caso qualitativo (YIN, 2011), no qual os procedimentos qualitativos são aplicados para estudar profundamente um fenômeno no contexto da vida real. Apontado pela literatura como um meio efetivo quando o caso a ser analisado apresenta algumas especificidades que o tornam singular ou notável de ser estudado e aprofundado (SIGGELKOW, 2007; YIN, 2011), o estudo de caso único realizado nesse trabalho contou com três fontes distintas de dados qualitativos (entrevistas semi-estruturadas, observações e análise documental), trianguladas de forma a garantir a validade dos constructos (GIBBERT, RUIGROK; 2010) e confirmando um evento, fato ou descrição específica relatado no estudo (YIN, 2011).
Os próximos tópicos detalham os procedimentos de coleta, estruturação e análise destes dados.
Neste artigo, o caso singular é o alto desempenho do colégio estudado em índices de avaliação da educação. A seleção da escola foi inicialmente realizada verificando o registro do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) por estado, município e região no site do INEP. A escolha do caso foi feita pelos seguintes parâmetros: (i) compreendia o maior IDEB do Núcleo ao qual pertence, enquadrando-se como uma Escola Pública de alto desempenho (PESSIN; DEPS, 2020); (ii) é o colégio que possui a menor rotatividade de professores, tendo uma média geral de sete anos de permanência na instituição; (iii) é o colégio com a maior lista de espera de alunos com interesse em estudar na referida unidade, na qual cerca de 200 alunos aguardam uma vaga, e (iv) a inexistência de evasão escolar nos últimos anos.
Observa-se que, mesmo que a escola seja bem avaliada e tenha bons indicadores no IDEB, ela não está isenta de problemas. O dia a dia da gestão escolar gera um desgaste evidente para os atores envolvidos, o que pode ser verificado ao longo do estudo de campo, e muitas vezes esse desgaste, gerado por aspectos de disfunção da burocracia, não aparece em indicadores. Ou seja, os bons resultados obtidos pela escola, como o alto IDEB, acabam por esconder esses problemas que são traduzidos à luz quando avaliados em profundidade. Segundo, o colégio tem um alto IDEB no seu Núcleo Regional, mas não fora dele. Terceiro, ao ter um alto IDEB (6,00), o mesmo está abaixo da sua meta (6,70). Quarto, ainda há desequilíbrio no desempenho, uma vez que há alto índice em português, mas baixo em matemática.
Com o objetivo de gerar subsídios para propor o modelo conceitual da administração escolar e relacionar os aspectos da disfuncionalidade da burocracia na gestão de uma escola pública de referência, foi realizado um trabalho de campo do tipo estudo de caso único (YIN, 2011). A escolha por este método se dá por sua capacidade de representar múltiplas visões e perspectivas dos respondentes em situações contextuais e é um meio efetivo quando o caso a ser analisado apresenta algumas especificidades que o tornam singular (SIGGELKOW, 2007).
Diferentes fontes de dados foram utilizadas para que uma triangulação adequada das informações fosse proporcionada, garantindo a validade dos construtos (GIBBERT; RUIGROK, 2010) e confirmando um evento, fato ou descrição específica relatados no estudo (YIN, 2011), no período de maio, junho e julho de 2017. As fontes de dados foram: (1) arquivos, incluindo o regimento interno e o projeto político pedagógico formulado no último ano; (2) três observações não-participantes, realizadas durante treinamento oferecido a toda equipe, reunião com a Equipe Pedagógica e acompanhamento das rotinas diárias e (3) três entrevistas com os gestores do colégio, representados pelo Diretor-Geral, Diretora-Auxiliar e Secretária Executiva, gravadas com autorização dos participantes.
Após as transcrições detalhadas dos arquivos de áudio, incluindo as falas coloquiais e expressões (MERRIAM; TISDELL, 2015), este trabalho adotou a análise temática do conteúdo. Os procedimentos de Bardin (2006) foram utilizados lado a lado, seguindo as etapas de (1) pré-análise, (2) exploração do material e (3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação, juntamente com o apoio do software Atlas T.I. Este trabalho optou por recortes semânticos, utilizando como unidade de registro o tema, cuja análise consiste em descobrir núcleos de sentido que compõem a comunicação, na qual a presença ou frequência de aparição podem significar algo para o objetivo analítico.
Os resultados são discutidos de acordo com os seguintes elementos encontrados após análise dos relatos - burocracia, controle, recursos financeiros, sobrecarga no trabalho, falta de autonomia, relacionamento interpessoal e relações hierárquicas.
A burocracia é um tema transversal na gestão pública, envolvendo diversos aspectos que vão da gestão financeira até questões de (des)centralização que influenciam os colaboradores, atores e as condições de trabalho. A partir de 1997, a administração das escolas públicas objetivou dar maior flexibilidade (ADRIÃO; PERONI, 2007). Contudo, as críticas formuladas pelos autores estruturalistas relacionadas ao conceito weberiano e que foram nomeadas de disfunções da burocracia continuam a ser um dos principais desafios da gestão pública para com a flexibilidade e, de modo especial, alguns aspectos de disfunção burocrática para a área da gestão escolar continuam existindo, conforme os relatos:
São inúmeros papéis, fora isso… tem todo o processo de gestão administrativa, (...) acho que um bom gestor teria que ser formado também em economia, em administração, porque a burocracia hoje dentro da escola, ela é grande! Todo o processo administrativo, e se você não tiver uma boa secretária pra te assessorar, o diretor vai ter dificuldade. (E2 - disfunção de várias demandas)
Além do que você tem que ter três orçamentos com toda a documentação. Pra você fazer um negócio muito transparente, você tem que ir atrás destas pessoas, muitas pessoas não tem interesse em participar de licitações de Estado. (...). Então o trabalho que você tem para buscar toda esta documentação é… (E2 - “documentação”; disfunção de múltiplos documentos)
O Estado, de uns anos pra cá dificultou muito. A escola tem que ter três orçamentos e estas três empresas têm que estar zeradinhas em relação a imposto: federal, municipal e estadual. Então, se uma empresa tiver algum problema, o diretor não pode mais pegar só o orçamento, não significa que ele vai gastar com essa empresa. Mas se essa empresa estiver devendo algum documento, certidão negativa, na prefeitura, ele tem que contratar outra para que ele possa gastar o dinheiro. (E3 - “documentação”; disfunção de múltiplos documentos).
Um outro exemplo da disfunção da burocracia está no Programa Sala de Aula Conectada. Este programa de digitalização de conteúdo pela SEED tem estabelecido exigências como a capacitação de todos os profissionais de educação, bem como o uso de um software específico para substituir o antigo Livro de Registro de Classe Impresso, chamado de Registro de Classe On-Line. Ele tem demandado esforços de adaptação e resistência de grande parte da equipe escolar, conforme anotações realizadas na Observação 2 referente à Reunião com a Equipe Pedagógica.
A parte burocrática para conferência dos lançamentos está demandando bastante tempo das 2 pedagogas da escola. Problemas com o lançamento em duplicidade de aulas (talvez a queda da internet). Outros problemas quanto ao lançamento de conteúdo, planejamento de aulas e metodologias também foram apresentadas. (Observação 2; disfunção de lançamentos e resistência).
As evidências dos relatos dos entrevistados demonstram a necessidade por manter controle e até mesmo aderir aos novos mecanismos de controle (LYRIO; DELLAGNELO; LUNKES, 2017), para que o padrão de ensino e a qualidade no nível de aprendizagem sejam elevados. O imperativo pela manutenção do controle é esperado na Teoria da Burocracia (WEBER, 1978). O controle é reforçado quando a diretora relata a aquisição de câmeras de monitoramento e levanta-se em direção ao monitor para demonstrar como se dá o processo de controle das salas de aula, corredores, quadras e áreas externas, conforme segue:
E daí uma das necessidades que a gente viu, que a gente não tinha, eram as câmeras. E daí a gente colocou primeiro nos corredores. Agora nós temos em todas as salas, a gente olha aqui. (...) Esses dias o professor falou assim: “Ai eu já fechei as cortinas!”. Daí eu falei: “Professor, não”. Ventilador, que as vezes o professor fala: “Aí, eu desliguei o ventilador”. Eu falo: “Não professor, não fez”. Porque aqui também a gente cobra essas coisas do professor. O professor não gosta muito... o povo não gosta muito de cobrança, mas tem coisa que você tem que disciplinar. (...) (E1 - Controle).
(...)A gente dá, a gente delega, lógico, a gente delega, os poderes pra alguns, pra equipe, e eles fazem a parte deles, mas a gente acompanha tuuuuuuudo [ênfase]. (...). Dai ele passa tudo o que aconteceu. Dai eu passo tudo o que aconteceu da noite no outro dia pra ela, então a gente sabe o todo da escola. (...) (E1 - Controle)
Outra coisa que eu acho de extrema importância é que aqui tudo passa pelo pedagógico. Professor não aplica uma prova se não passar pela equipe pedagógica, né... então tem que passar pelo crivo das meninas… elas vão analisar se não tiver legal… vão devolver, né… aí cria um perfil… aí tem gente que não se adapta a esse perfil, vem, vê que é dessa forma, e não quer vir mais pra cá. (E2 - Controle)
Na gestão burocrática, o controle é realizado por meio do acompanhamento e implementação e regras (LYRIO; DELLAGNELO; LUNKES, 2017). Ademais, a Theory of Control sugere que o controle na burocracia é centralizado, reduzindo a autonomia do colaborador para criar (GIDDENS, et al 1991). No caso estudado, percebe-se que o controle diante das regras e regulamentos transpõe todo o processo de gestão escolar, conforme relato do entrevistado:
Na verdade, a gente não pode tanto, tá. Mas, quando tem algum caso, de ter algum problema com professor, ou com funcionário, ele é chamado, você vai estar colocando pra ele, né [pausa]. E lavrando ata, o certo… (...). TUDO tem que ser registrado, porque as pessoas, infelizmente, as pessoas… elas só se dão conta se tiver um registro (...) (E1 - Falta de Autonomia).
Por fim, o processo de controle por meio da avaliação, pelo qual diretores, professores e agentes são submetidos aos critérios estabelecidos pela SEED. O controle torna a organização arcaica e ineficiente (KÄRREMAN; SVENINGSSON; ALVESSON, 2002). Os critérios estabelecidos pela SEED contemplam basicamente aspectos voltados ao controle dos profissionais e não focam no objetivo-fim, que é a efetividade no processo de aprendizagem. Destaca-se uma observação do entrevistado.
(...) Vem uma avaliação da SEED, já vem uma nota, de zero a dez. Daí vem assiduidade…veeeeem… são vários, vários itens ali, a gente só vai colocar a nota.... eles podem tudo, mas a gente não pode muito, né. Eu acho que agora vai vir diferente essa avaliação. (...) duas vezes por ano (E1 - Exigências)
Os relatos mostraram dinâmicas para cuidar da administração financeira. A organização financeira é fundamental para vida longa da unidade pública (AFONSO, 2018) e sua falta tende a justificar um potencial fechamento da escola (VIANA, 2019). Três formas diferentes de entrada de recursos financeiros nas escolas públicas do Paraná são: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), oriundo do Governo Federal, Fundo Rotativo (Recurso Estadual) e Cota Extra (FONSECA; OLIVEIRA, 2009). Os recursos financeiros pesam na gestão escolar, caso não bem administrado (AFONSO, 2018). A seguir, segue relato sobre como se dá a forma de aquisição dos recursos financeiros:
Esse se chama Fundo Rotativo, então nós recebemos esse fundo rotativo. (...) É, ele é mensal, ele é em 10 parcelas. Então esse dinheiro ele vem pra gente… é a manutenção da escola. Daí tem mais uma verba, que se chama PDDE, que é um dinheiro um pouco maior, para a gente fazer aquisições de (...). (E1 - Questões Financeiras)
Hoje nós temos três formas. A primeira é o PDDE, que é uma verba do governo federal, ela vem uma vez por ano, (...). Está verba ela vem para manutenção geral da escola. Nós utilizamos para pintura da escola e esse ano nós utilizamos para aquisição do sistema de segurança, então de câmeras e monitoramento em todas as salas de aula. A outra é o Fundo Rotativo, que é um dinheiro que vem do governo do estado (...) Sim… quando acontece alguma coisa que foge… que a gente não consegue… a gente tenta pedir na SEED uma Cota Extra, como já aconteceu com merenda escolar, que faltou merenda escolar e a gente pediu uma cota extra, foi enviado para a gente, mesmo… fazer tooooooooodo esse trâmite novamente para comprar. (...) (E2 - Questões Financeiras).
Por fim, outro ponto de destaque que neste colégio foi encontrado, de modo especial foi a colaboração dos pais, alinhado com o estudo de Soares e Farias (2019), os quais encontraram que cerca de 30% das famílias colaboram financeiramente com as escolas que os filhos frequentam e 25% das famílias executam atividades de desenvolvimento da escola (trabalhar em reformas ou eventos, por exemplo). A cooperação ocorre através de ações voluntárias desenvolvidas pelos pais dos alunos - quando que em caráter de urgência.
Mas aqui nessa escola a gente tem pais que colaboram muito. Nós já tivemos um ano que faltou, faltou tudo, faltou papel sulfite, faltou tudo. Os pais… a gente fez uma reunião com os pais, e contamos. Eles se organizaram e a gente manteve a escola. Foi bacana (...) (E1 - Questões Financeiras).
Um dos pontos evidenciados diz respeito aos aspectos relativos à sobrecarga de trabalho e ao peso da responsabilidade que os gestores têm sobre a vida dos atores (técnicos, professores e alunos). A sobrecarga de trabalho pode gerar retrabalho para a gestão (DASGUPTA; KAPUR, 2020). Os diretores e a secretária deixaram clara a preocupação com o impacto do seu trabalho na “vida alheia”, e o quanto encaram a gestão como parte do seu papel no cotidiano da escola. É possível perceber nos relatos a seguir:
É, e é muita coisa, e os professores estão muito sobrecarregados, e a gente vê isso. E as pedagogas também, e aí todo mundo vem....o professor reclama pra você e... as pedagogas também reclamam. Porque elas têm a parte que elas têm fazer todas as correções dos livros dos professores, então é difícil pra elas também. (E1 - sobrecarga de trabalho).
Então nós teríamos que ter um gestor pedagógico, né, pra não sobrecarregar, pra não deixar tudo por conta das pedagogas também, porque a demanda delas também é muito grande (E2 - sobrecarga de trabalho).
Eu acho que a gestão é uma responsabilidade bem maior. Porque você tem que ver o todo da escola. (...) com a criança em si, eu acho que é uma responsabilidade, tanto quanto, um médico, porque você tá ali para formar aquela pessoa, né, ele tá nas suas mãos, então ele é seu. Se algo der errado, lá na frente, a responsabilidade é nossa, e como gestora, você tem que assumir isso, tem que assumir o seu papel, porque você não tem que lidar só com a criança, tem que lidar com o pai da criança, né, com os outros funcionários no geral, né, com… o corpo docente e discente, então é, é assim, é muita responsabilidade (E1 - compromisso e peso da responsabilidade).
Há ainda uma sobrecarga das exigências estabelecidas pela SEED, sendo três principais pontos relatados e observados: (a) exigência de curso de capacitação de profissionais que estejam ou que pretendem ingressar na carreira de gestão; (b) inserção de ferramentas tecnológicas para aumentar a eficácia e a eficiência dos processos de gestão, bem como controlar o trabalho dos profissionais de educação e (c) processo de avaliação pelo qual diretores, pedagogas, professores e técnicos são submetidos sob critérios estabelecidos previamente pela SEED. No contexto do emprego no setor público, alguns preditores do processo de trabalho de conflito de papéis e sobrecarga podem ser semelhantes entre as profissões (BACHARACH et al., 1990). Adiante, tem-se um relato do entrevistado sobre as exigências:
Ah, eu já fiz um, de gestão mesmo, que teve uma duração de um ano, eu estou fazendo mais um agora, que esse é pela SEED mesmo, todos os diretores. Assim, foram obrigados [risos] a fazer esse curso de gestão. Tem uma parte que é muito boa, que a gente foi se aprofundando mais em algumas coisas, agora outras, achei que não teria necessidade. (...) Agora esse que nós estamos fazendo agora, esse… esse que agora nesse governo atual, exigiu… (...) Exigiu [expressão de cansaço]. Se você não tiver, você tá fora (E1 - Exigências).
Uma das dificuldades identificadas na gestão escolar está ligada às questões de falta de autonomia (NESHKOVA, 2014). A falta de autonomia dificulta a agilidade na tomada de decisão (NASCIMENTO; CHIUSOLI, 2019). A falta de aspectos relacionados à autonomia está presente em trechos das entrevistas e destacam-se: (1) a falta da autonomia de contratar e demitir funcionários e (2) a falta da autonomia para definir critérios de preenchimento de distribuição de aulas, como, por exemplo:
A gente fala… nossa, porque nós temos os professores que nós chamamos de professores da casa, que a gente já conhece. E nós temos os professores que são aqueles professores contratados. (...). Mas como tem uma lista, e segue uma lista, né, pela classificação desse professor, você não tem muita escolha (...) Só que no Estado é diferente, porque para você tirar um professor…[pausa]... A gente já teve três casos aqui que a gente levou pro núcleo, e que… e que não pegaram mais aulas aqui. (...) (E1 - Falta de Autonomia).
(...) As vagas que sobram depois do preenchimento destes professores concursados, elas são preenchidas com professores PSS [levanta e vai desconectar o telefone]. Esses professores PSS passam por um Processo Seletivo Simplificado, no Núcleo de Educação, nós só recebemos essa classificação não é a escola que faz. (...) A escola que muda muuuuuuito professor ela tem sérios problemas. (E2 - Falta de Autonomia)
(...) nós temos o efetivo que o último concurso foi 2006, tem o PSS, que é feito anualmente, daí quem faz todo o processo é a SEED e os núcleos, que cada núcleo vê o número de funcionários que ele vai contratar, e tem um que é contratado também, que é o Paraná Educação, (...) (E3 - Falta de Autonomia)
O conflito interpessoal é
[...] um processo dinâmico que ocorre entre partes interdependentes à medida que elas experimentam reações emocionais negativas a divergências percebidas e interferência na realização de seus objetivos, o presente artigo apresenta uma estrutura bidimensional e uma tipologia de conflito interpessoal que incorpora conceituações anteriores de conflitos interpessoais (BARKI; HARTWICK, 2004, p.216).
No que tange aos aspectos de relacionamento interpessoal, os entrevistados apresentaram dificuldades para a gestão escolar em dois pontos principais, sendo com o professor, de modo mais enfático, e com os funcionários, gerando assim conflitos interpessoais entre os atores. Se há entrave nos relacionamentos interpessoais, há uma piora na satisfação profissional e no ambiente de trabalho (CAPELO; POCINHO, 2014).
Eu acho que no início era mais difícil tratar com o professor, é…[pausa] até hoje, [ênfase], de uma forma geral. (...) De relacionamento… assim, eu como pessoa, eu não tenho problema assim, de relacionamento, mas algumas pessoas são bem difíceis. (...) E você tem assim, que ter um jogo de cintura, às vezes, para você falar com a pessoa, para ela não sair magoada, ou ofendida, porque as pessoas são bem diferentes, né, por isso numa diversidade. (E1 - Relacionamento).
Professores… então professores às vezes a gente encontra alguns problemas. (...) Mas aqui a gente tem sim, alguns problemas, com professores. [...]. Mas é difícil você chegar pro seu amigo, pro seu colega de profissão e falar pra ele que ele precisa estudar um pouco mais sobre… mas tem. Isso existe. (...) Já tivemos reclamação, do aluno… do pai. (...) Talvez seja... a metodologia que ele esteja usando, mas nós já tivemos professor aqui que ele não conhecia tão bem o conteúdo. (E1 - Relacionamento).
(...), então eu já tinha uma noção daquilo que eu iria enfrentar, né, mas o relacionamento humano eu acho que é uma das coisas mais difíceis que tem, dentro de uma gestão escolar, (...) (E2 - Relacionamento).
Quanto aos problemas de relacionamento com os funcionários, os entrevistados relataram que são pequenos problemas que ocorrem. Pesquisas anteriores revelaram que a eficácia e a satisfação da equipe sofrem quando as equipes experimentam conflito de relacionamento e problemas de relacionamento, por exemplo, conflito relacionado às questões interpessoais, normas e valores políticos e gosto pessoal (DE DREU et al., 2001). Por ser uma escola pequena, os problemas interpessoais são mais fáceis de serem contornados (FONSECA; FERREIRA; SCAFF, 2020; WITTMANN, 2000).
Olha, primeiro, serviços gerais. O que são serviços gerais, é Agente 1, que a gente chama. Eles assim, discutem muito entre eles. As vezes picuinha, entendeu? Briga, até por um pano de chão!! (...) Tem esses pequenos problemas, tá! Agente 2 a gente não tem muito problema. (E1 - Relacionamento).
Respeito pelas relações hierárquicas tornou-se característica de destaque para o referido colégio, tanto que o tornaram como referência para muitas outras escolas. O respeito pelas relações hierárquicas foi presenciado por uma das pesquisadoras, quando um pai procurou o diretor em busca de uma vaga para o filho. O diretor da escola estadual explicou a existência de uma fila de espera de mais de 200 alunos e que se fazia necessário respeitá-la (Observação 1).
A herança destes preceitos de respeito, ordem e disciplina são reforçados quando se dá uma ênfase nas relações hierárquicas no contexto escolar, sendo elas representadas pelas funções desempenhadas pelo diretor-geral, diretora-auxiliar, pedagogas, secretaria, professores, agente 1 e agente 2. Mesmo diante de uma gestão democrática, à qual tem-se dado um significativo respaldo nos últimos anos (SOUZA, 2009; ZIENTARSKI; MENEZES; SILVA, 2019), relações hierárquicas constituem uma das características de uma gestão burocrática, e essa característica não concorda com modelos democráticos de gestão.
Então [pausa] e uma coisa eu vejo, que eu vejo dificuldade, é que às vezes as pessoas não respeitam essa hierarquia. Porque eu tenho que saber que ele é o chefe geral. Como eu. O topo é o pai, então… o chefe é o diretor geral. Depois vem o diretor auxiliar, depois vem o pedagogo, depois o professor… daí assim, TEM [ênfase] que ter essa hierarquia. Só que as vezes as pessoas não respeitam isso. (...) (E1 - Relações hierárquicas)
Dada a carência de modelos conceituais na gestão escolar (OLIVEIRA; VASQUES-MENEZES, 2018), este trabalho teve por objetivo propor um modelo teórico listando aspectos de disfunção burocrática identificados na escola na qual o estudo de caso foi feito, as relações entre esses aspectos e o impacto deles na gestão escolar.
O modelo pode ser visto na Figura 1. O Modelo Teórico foi construído a partir do Caso (e de seus dados empíricos, com base na fenomenologia). A Literatura prévia forneceu sustentação ao mesmo. Infere-se que aspectos de disfunção da burocracia dificultam a autonomia dos diretores, aumentam o controle organizacional e obstruem a administração dos recursos financeiros. Essa relação se baseia no fato de que a escola lida com uma grande quantidade de papéis, processos, rotinas e procedimentos demandados pelo Núcleo Regional, INEP, FNDE e SEED. Ademais, o faz sem recursos financeiros suficientes.
Aspectos da disfunção da burocracia no âmbito da gestão escolar são destacados como: excesso de burocracia na gestão financeira, excesso de controle e falta de autonomia. Pela perspectiva financeira há dificuldades relacionadas aos tipos de entrada de recursos no colégio estadual e há, como solução, iniciativas dos gestores por novos recursos. Pela perspectiva da falta de autonomia, apesar de existir um significativo esforço para afirmar que hoje a gestão escolar é democrática e autônoma, percebe-se que ainda existe um vínculo forte de subordinação a órgãos que a controlam, como a SEED. Pela perspectiva de controle, a normativa é observar e registrar todas as ações.

Dois elementos - sobrecarga de trabalho e exigência e relacionamento interpessoal - recebem a influência de disfunção da burocracia (excesso de procedimentos), da administração financeira e da falta de autonomia. Esses três elementos tendem a prejudicar a sobrecarga de trabalho e o relacionamento interpessoal hierarquizado. Quanto à sobrecarga de trabalho e exigência, a função do diretor avança muito além daquelas definidas pelo Regimento Escolar, que compreendem tarefas rotineiras (CARVALHO; OLIVEIRA; LIMA, 2014), uma vez que ele/a se vê como responsável pela gestão administrativa-pedagógica da unidade. A sobrecarga de trabalho e exigência busca abranger como o diretor (em conjunto com professores e agentes) lida com as múltiplas demandas e como elas dificultam o processo de gestão.
Quanto ao relacionamento interpessoal na área escolar irão sempre surgir momentos de tensão e conflitos (SANTOS, 2017) e, portanto, habilidades de trabalhar em equipe, criar um clima de respeito, confiança são fatores que tendem a facilitar relacionamentos interpessoais. Os achados demonstram que o foco está em balancear as diferentes formas de relacionamento hierárquicas com os professores, secretaria, diretoria e agentes, bem como o esforço da direção em desenvolver um ambiente favorável a todos.
Dentro das questões de disciplina, um ponto de que chamou a atenção é a forma como a atual gestão busca trazer os pais para a responsabilidade sobre a educação dos filhos. Há neste momento tanto a exigência da disciplina com a pontualidade em sala de aula e frequência, como também a exigência dos pais que venham, pontualmente, para a reunião no início do ano para receber todas as orientações quanto à formação e instrução dos filhos. E como relatado, a “obrigatoriedade” da presença, não implícita, apresenta a adesão de 100% dos pais. Isto reforça os encontros de Castro (2000), a qual salienta que o contato com os pais e a participação dos pais na educação dos filhos é um caráter elementar para os diretores das escolas dar seguimento na gestão.

Poucos estudos têm buscado compreender as dificuldades enfrentadas diante da gestão escolar (POUBEL; JUNQUILHO, 2019). Alguns buscaram analisar os desafios na gestão escolar diante da percepção do diretor ingressante (MELO; MIRANDA, 2020) e as percepções sobre a gestão democrática e escola de qualidade (PETRINI; SALGUEIRO; MORAES; 2018). São escassos, no entanto, estudos que demonstram a influência dos aspectos específicos de disfunções burocráticas no âmbito específico da gestão escolar (SANTOS, 2017; AFONSO, 2018; CARVALHO; OLIVEIRA; LIMA, 2014; DASGUPTA; KAPUR, 2020).
Este artigo propõe um modelo conceitual da relação entre os aspectos de disfunção da burocracia (MERTON, 1957; GOULDNER, 1955; SELZNICK, 1943) na gestão de uma escola pública de referência. O colégio analisado é um caso peculiar devido aos seus resultados significativos quanto ao desempenho escolar, baixa rotatividade de professores e maior IDEB do seu núcleo regional de educação, baixa taxa de indisciplina e nenhuma evasão escolar. Esses bons indicadores, no entanto, não fazem com que o colégio esteja isento de problemas ou disfunções. Acontecem, apesar deles. Os resultados da pesquisa trazem à tona aspectos interessantes sobre a existência desses obstáculos causados pela disfunção burocrática (elencando e mostrando as relações entre eles), mas também aspectos sobre como a escola busca superá-los para que os bons resultados sejam mantidos, ou até mesmo melhorados. Contribuições significativas são oferecidas no âmbito da gestão escolar e para a Teoria da Burocracia, no que diz respeito a suas disfunções.
Primeiro, a respeito dos aspectos de disfunção burocrática, a pesquisa demonstra que tais aspectos são um obstáculos na gestão escolar, mesmo em uma escola que obtém bons indicadores como a investigada no estudo de caso. Toda ação se faz necessário documentar e para comprar insumos a burocracia nos últimos anos tem-se alastrado, gerando dificuldades em gastar os recursos públicos diante dos processos sistemáticos (MERTON, 1957). Este aspecto não diz respeito somente ao contexto escolar, mas também em muitas organizações públicas (ARAÚJO; BARP; NUMMER, 2019; ESTRADA; VIRIATO, 2012).
Segundo, aspectos relacionados à gestão financeira escolar, tópicos como a dificuldade de gerenciar as entradas de recursos, bem como suas aplicações foram ressaltadas. Diante disto, os diretores tentam encontrar distintos modos de buscar recursos com a cooperação e colaboração dos atores envolvidos, principalmente pelos pais dos alunos. Este ponto é um importante achado do trabalho, pois um estudo recente ressalta que, diferentemente do que acontecia no passado, a participação dos pais dos alunos tem se tornado mais ativa (SOARES; FARIAS, 2019), não somente a aspectos econômicos e financeiros, mas também através de suporte político, pedagógico e social.
Terceiro, aspectos relacionados à falta de autonomia e exigências burocráticas dizem respeito, principalmente, aos processos da SEED que restringem a ação do colégio frente a alguns desafios. Estes desafios estão relacionados à falta de autonomia de contratar os professores sob regime de PSS; à subordinação de regras, regimentos e exigências quanto à capacitação para formação de gestores, à inserção de ferramentas tecnológicas no processo de ensino e gestão e, por fim, aos processos avaliativos de toda a equipe educacional. Todos estes obstáculos encontrados avançam em direção oposta ao que é transmitido como escola eficaz (MARTINS; CALDERÓN, 2019).
Quarto, os aspectos relacionados à sobrecarga de trabalho e exigências destacaram a dificuldade de enfrentar os inúmeros papéis que o cargo de direção proporciona. Muitas vezes, para fazer com que tudo esteja funcionando, tanto o diretor geral, quanto a diretora auxiliar destacaram que executam funções que não são atribuições de seus cargos. Essas funções demandam múltiplos recursos e são explicadas pela Teoria dos Recursos Múltiplos de Wickens et al. (2016). Além disto, as novas exigências tecnológicas, como o registro on-line, estão demandando mais esforço cognitivo e temporal que acarretam em sobrecarga de trabalho dos professores, das pedagogas e da secretária para conseguirem atender aos prazos e procedimentos exigidos. Um resultado similar a este foi identificado por Carvalho, Oliveira e Lima (2014), relatando a falta de mais profissionais técnicos e de gestão na escola para apoiar as inúmeras demandas, a fim de que se cumpram metas previamente estabelecida.
Quinto, no relacionamento interpessoal, o obstáculo em destaque foi entre os gestores e os professores. Este obstáculo teve comum acordo do diretor geral e da diretora auxiliar e apresenta-se de modo especial no impasse, que muitas vezes ocorre ao fazer a compreensão de que os gestores precisam cumprir regras. Parece que o cumprimento das regras não ocorre e há um desalinhamento entre esses profissionais da educação. Entretanto, os gestores comprovaram a baixa rotatividade de professores. Tal evidência demonstra que, apesar das tensões e conflitos gerados (SANTOS, 2017), buscam criar e fomentar um ambiente favorável e agradável para todos, a fim de que haja uma convivência responsável e solidária (SANTOS, 2017). Muitos professores, técnicos e até mesmo a secretária e a diretora - auxiliar estão há mais de 15 anos no mesmo colégio, e isto é um sinal positivo de indicação que o ambiente é bom para estas pessoas permanecerem há tanto tempo.
Trabalhos Futuros. Primeiro, pesquisas futuras poderão explorar dificuldades encontradas na administração escolar de escolas particulares e traçar uma comparação entre unidades públicas e privadas, salientando as principais convergências e divergências. Segundo, trabalhos podem analisar os desafios enfrentados pelos diretores de Universidades Públicas, dentre os diferentes cargos, tais como, chefe de setor, chefe de departamento, coordenador de graduação, coordenador de pós-graduação, a fim de criar novas categorias de análise. Terceiro, um estudo quantitativo poderia ser elaborado, utilizando as categorias de análise desenvolvidas neste trabalho para explorar impactos e magnitudes dos efeitos, ou mesmo identificar hierarquicamente como os elementos aqui sugeridos influenciam o desempenho dos alunos.
Limitações. Este estudo apresenta algumas limitações. Entre elas, a escolha do caso pode ter sido um modelo de escola bastante atípico e, portanto, novos estudos são sugeridos para que se possa explorar estes aspectos em um nível mais macro, inclusive com estudos comparativos. A escolha dos elementos teóricos a priori podem ser questionados e há outros construtos que devem ser também considerados, bem como suas inter-relações. Por fim, o modelo teórico apresenta um efeito cíclico entre sobrecarga de trabalho e relacionamento interpessoal. Outros efeitos cíclicos dentro do próprio modelo podem existir e serem alvos de discussões futuras. Ressalta-se que esse trabalho, bem como o modelo conceitual desenvolvido, leva em consideração a escolha de um caso único, realizado em uma escola que se destaca entre as demais por seus bons indicadores. Esta é uma limitação, portanto, novos estudos são sugeridos com o objetivo de explorar estes aspectos de forma mais ampla, inclusive com estudos comparativos. Um caminho é identificar aspectos de disfunção da burocracia e suas relações em escolas com diferentes resultados em indicadores e em outros locais. Outras perspectivas podem emergir com novas interpretações, como a consideração de escolas públicas e privadas, salientando as principais convergências e divergências no modelo conceitual proposto. As limitações do trabalho estão no âmbito de um trabalho qualitativo. Uma sugestão para trabalhos futuros poderia, por exemplo, ser a aplicação/validação do modelo proposto em larga escala (quantitativo). Essa se mostra, portanto, uma possibilidade para a concepção de um debate no tópico proposto perante o contexto da gestão escolar, podendo levar em consideração novas lentes teóricas e metodologias que permitam desenvolver o amadurecimento destas compreensões.

