Artigo

REFLEXÕES SOBRE O RACIONALISMO CRÍTICO E A CIENTIFICIDADE DA ADMINISTRAÇÃO

REFLECTIONS ON CRITICAL RATIONALISM AND THE SCIENTIFICITY OF ADMINISTRATION

Rafael Altoé FROSSARD
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Joelma Aparecida ZOBOLI
Centro Universitário São Camilo, Brasil

REFLEXÕES SOBRE O RACIONALISMO CRÍTICO E A CIENTIFICIDADE DA ADMINISTRAÇÃO

Caderno de Administração, vol. 31, núm. 2, pp. 28-42, 2023

Unuversidade Estadual de Maringá

Recepção: 25 Agosto 2022

Aprovação: 11 Agosto 2023

RESUMO: O objetivo deste trabalho é refletir sobre a evolução epistemológica do Racionalismo Crítico e a cientificidade da Administração. Para alcançá-lo, empregou-se a pesquisa bibliográfica para recuperar materiais sobre Karl Popper, Imre Lakatos e demais autores, além de perpassar pelos principais pesquisadores brasileiros tangentes à cientificidade da Administração. As discussões evidenciam que o Racionalismo Crítico foi influenciado pelos convencionalistas, como Henri Poincaré e Pierre Duhem, além disso, dentro dos demarcadores popperianos e lakatosianos, a Administração pode ser considerada uma ciência, embora alguns autores apontem que ela não possua os mesmos critérios das ciências naturais e carece de validade e relevância dos constructos. Dentro dessa seara, a Administração não tem o dever de adotar os mesmos parâmetros das ciências naturais, ao passo que a falta de rigor metodológico é um ponto a ser melhorado, mas, ainda assim não pode ser utilizado para desmerecer os pesquisadores da Administração. Ademais, acredita-se que a ciência administrativa tem muito a evoluir com os ensinamentos de Karl Popper, ao aprenderem mais com os fracassos ao invés de se apegar com casos de sucesso. A despeito dessas questões, a Administração também pode ser considerado uma ciência convencional, visto que seus constructos estão relacionados à utilidade empírica e ao fornecimento de orientações eficazes para as demandas organizacionais.

Palavras-chave: Ciência Administrativa, convencionalismo, epistemologia, Karl Popper, racionalismo Crítico.

ABSTRACT: The objective of this work is to reflect on the epistemological evolution of Critical Rationalism and the scientific nature of Administration. To achieve this, bibliographical research was used to recover materials on Karl Popper, Imre Lakatos, and other authors, in addition to going through the main Brazilian researchers on the scientificity of Administration. The discussions show that Critical Rationalism was influenced by conventionalists such as Henri Poincaré and Pierre Duhem, in addition, within the Popperian and Lakatosian demarcations, Administration can be considered a science, although some authors point out that it does not have the same criteria as the natural sciences and lacks validity and relevance of the constructs. Within this field, Administration does not have the duty to adopt the same parameters of the natural sciences, while the lack of methodological rigor is a point to be improved, but even so, it cannot be used to discredit Administration researchers. Furthermore, it is believed that administrative science has a lot to evolve with Karl Popper's teachings by learning more from failures rather than getting attached to success stories. Despite these issues, Administration can also be considered a conventional science because its constructs are related to empirical utility and provide effective guidelines for organizational needs.

Keywords: Administration Science, conventionalism, critical Rationalism, epistemology, Karl Popper.

INTRODUÇÃO

De acordo com Silveira (1996), a escola epistemológica do Racionalismo Crítico (RC) surgiu na Áustria, durante o século XX, com a exposição do livro A Lógica da Pesquisa Científica, escrito por Karl Popper, que criticou a concepção do positivismo clássico e defendeu a falibilidade do conhecimento. Desse modo, um novo paradigma ganhou força para explicar o que é a ciência e o seu desenvolvimento.

No entanto, a escola do RC também sofreu críticas quanto à sua visão epistemológica. Do lado dos detratores, muitos acreditavam que o falseamento proposto por Popper o aproximava dos positivistas lógicos. Complementarmente, acusava-se o RC de ser uma visão remasterizada da escala convencionalista, que enfatiza as convenções e regras adotadas pela comunidade científica. Em ambos os casos, Popper rechaçou à exaustão suas possíveis ligações com os positivistas clássicos e convencionalistas.

Tendo em vista esse contexto, pode-se utilizar os demarcadores de Karl Popper e Imre Lakatos, dois dos principais expoentes do RC, para estudar a Administração como uma ciência. A arte de administrar é tida como uma das mais antigas na história humana. Contudo, com o advento da Revolução Industrial e a racionalização do trabalho, por parte de Frederick Winslow Taylor, a Administração ganha status científico, com aprofundamento teórico e posteriores aperfeiçoamentos (Senf et al., 2015).

Nesse contexto, o objetivo deste artigo é discorrer sobre e evolução do RC e suas similaridades com o movimento convencionalista, além de investigar a cientificidade da Administração conforme os demarcadores científicos propostos pelos autores do RC. Logo, responder-se-á seguinte pergunta: a Administração pode ser considerada uma ciência?

Outros pesquisadores, ao avaliarem a ciência administrativa, trouxeram importantes contribuições. Walter e Augusto (2008) abordam a temática, mas sem focar exclusivamente no RC. Já Damke, Walter e Silva (2010), Senf et al. (2015) e Molinari Bispo e Mello (2017) trataram do assunto ao abordarem autores marcantes dessa linha epistemológica, como Karl Popper e Imre Lakatos. Todavia, nenhum deles procurou aprofundar essa temática junto à corrente convencionalista.

Ao passar para a metodologia empregada, delimita-se no campo bibliográfico. De acordo com Severino (2007), consiste no levantamento de artigos, teses e livros para a construção de um referencial teórico, apontando os principais autores que discorreram sobre determinado objeto.

Este trabalho está organizado em três seções. A primeira recapitula o contexto filosófico e epistemológico até o surgimento dos racionalistas críticos, inclusive, apresenta-se contrapontos desses pensadores com os convencionalistas e os argumentos por trás da cientificidade da Administração. Em seguida, a segunda seção discute, com base no conhecimento construído no referencial teórico, a cientificidade da Administração. Por fim, a última seção finaliza este trabalho com as considerações finais.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

DO EMPIRISMO E RACIONALISMO AO PÓS-POSITIVISMO

Antes do surgimento formal do positivismo como corrente epistemológica, havia um amplo debate entre cientistas racionalistas e empiristas durante o século XV ao XIX. O primeiro grupo, liderado, principalmente, por René Descartes, enfocava na razão como método principal para a obtenção do conhecimento, tudo que não pudesse ser dedutivamente raciocinado seria devidamente descartado (Fernandes, 2014).

Já o segundo grupo, capitaneado por John Locke e David Hume, valorizava a experiência sensorial do indivíduo. Locke (1999) afirma que o ser humano nasce como uma tábula rasa, desprovido de características, e sua experiência determina a conquista da fantasia, da razão e do conhecimento. Nesse contexto, o autor deixa nítida a prevalência da indução sobre a razão, pois, o homem só poderia atingir a racionalidade através da empiria.

Todavia, Hume (2004), embora também pertencente ao movimento empirista, diferencia-se de Locke (1999) quando propôs o clássico problema da indução. Na visão do escocês, estabelecer generalizações com base em um número limitado de observações não é condição suficiente para inferir conclusões universais, ou seja, o método indutivo, por si só, não pode ser justificado racionalmente.

Também devido ao problema indução, Hume também foi capaz de influenciar os debates filosóficos dos séculos seguintes. Mas, é importante ressaltar que o autor, mesmo apresentando as limitações do referido método, justificou-o por meio do caráter psicológico, em outras palavras, o ser humano agarra-se à repetição dos hábitos e costumes. Assim, a indução só se torna justificável pela dependência psicológica (Oliveira, 2019).

De maneira a superar o dilema entre o racionalismo e empirismo, Immanuel Kant, já no século XVIII, faz a síntese entre as duas correntes. Kant (2016) acreditava que o conhecimento sensorial não só é composto pelas experiências, pois existem estruturas inatas dentre do cérebro, as quais permitem a existência, também, do racionalismo. Ao ignorar o dualismo sobre a gênese do conhecimento, advindo por meio da dedução ou indução, Kant estabelece que o conhecimento é construído pela interação entre a mente humana e o mundo externo.

Apesar de toda a discussão no pensamento filosófico e epistemológico, seja pelo dilema dedução/indução ou pela síntese de Kant, Auguste Comte, uma das figuras paternas mais importantes do movimento positivista, conseguiu trazer o indutivismo ingênuo à tona no século XIX. Ademais, Émile Durkheim foi outro autor importante para a popularização do positivismo sociológico entre os séculos XIX e XX.

Conforme Bloise (2020), os principais traços do programa positivista remetem a métodos padronizados e com resultados generalizáveis, neutralidade do pesquisador, além de forte presença do indutivismo. Em continuidade, Saccol (2009) revela que o positivismo pressupõe uma ontologia realista ou objetivista, porque acredita-se na existência da realidade independentemente dos pensamentos ou opiniões.

Todas as características, citadas anteriormente, acerca do positivismo podem ser associadas à fase clássica do movimento, também conhecida como positivismo ingênuo. Em vista de superar as supostas limitações do positivismo ingênuo, mas sem renegar toda as suas contribuições, surgem os pós-positivistas. Silva e Russo (2018) afirmam que essa linha de pensamento evoca a reformulação do positivismo tradicional. A base ontológica de realismo, em que a realidade existente independentemente de percepções ou construções mentais, é mantida, porém com ressalvas, isso pois o ser humano é incapaz de compreender toda a realidade à luz de seus olhos.

Alguns dos princípios básicos do positivismo passaram a ser questionados já no século XX, por conseguinte, tornou-se urgente a remodelação do paradigma, surge, portanto, a escola pós-positivista. Galvão et al. (2016) explicita que o rompimento se dá através da crítica ao método indutivista e à generalização de pesquisas para a construção de leis universais, as demais características foram mantidas. Em adição, os postulados científicos são postos em constante dúvida, o objetivo já não é mais verificar, mas sim falsear as hipóteses, que são previamente estabelecidas.

Dentre os pensadores pós-positivistas, Karl Popper, criador do RC, defendeu a utilização de hipóteses falseáveis. De acordo com Popper (2004) todo enunciado científico deve ser suscetível à falseabilidade, aqueles que estiverem à deriva dessa lógica serão considerados como não científicos: “As soluções são propostas e criticadas. Se uma solução proposta não está aberta a uma crítica pertinente, então é excluída como não científica, embora, talvez, apenas temporariamente” (Popper, 2004, p. 16).

Outro ponto comum no programa racionalista crítico foi a crítica perspicaz à indução. Essa crítica não é recente, Laux (2012) explica que David Hume, então no século XVIII, desconfiava da capacidade preditiva das observações científicas, em outras palavras, se muitas pesquisas empíricas constarem que todos os cisnes são brancos, não significa a não possibilidade de sua existência. Ao prosseguir no raciocínio do autor, as informações referentes ao passado são apenas capazes de fornecer explicações para aquele determinado local e contexto, estendê-las ao futuro é um erro.

Dessa maneira, como Hume, Popper (2004) não poupou críticas à lógica indutiva, utilizar casos singulares para explicar questões universais é uma prática falaciosa. Portanto, a melhor maneira de reforçar o pensamento não é através de validações, mas pela busca de falseamentos às hipóteses pré-estabelecidas. É esse um dos principais pressupostos que separam este trabalho do positivismo clássico, pois assume-se posição crítica à indutividade.

Embora concorde com Hume quanto ao problema da indução, Popper discorda da instância psicológica. Hiller e Allgayer (2014) argumentam que a aquisição do conhecimento se dá por meio da elaboração de teorias, em detrimento das experiências e repetições. Dessarte, pode-se criticar o conhecimento apenas quando sai da subjetividade psicológica para a objetividade teórica materializada (Hiller; Allgayer, 2014).

Outro pressuposto comum ao positivismo clássico é a neutralidade do pesquisador, todavia, essa premissa passa a ser negada. Silveira (1996), ao analisar a obra de Popper, refuta a premissa de que o cientista deve ser isento e encontrar observações neutras, porque toda teoria já está inerentemente contaminada com algum viés. Isso não significa que os pesquisadores devem abdicar do conhecimento científico, mas apenas uma reflexão para o concebimento de hipóteses que melhor descrevam a realidade, mesmo que seja impossível encontrar uma verdade que expresse fidedignamente o mundo real.

Porém, Popper também sofreu críticas concernentes à falseabilidade. Na tentativa de melhorar a falseabilidade radical de Popper, Imre Lakatos sugere o Programa de Investigação Científica - PIC. Lakatos (1974) vê a ciência pela competição entre programas de pesquisa concorrente, estabelece-se um núcleo duro irrefutável (heurística negativa), que contém as bases do programa, entrementes, há a membrana protetora (heurística positiva), mais flexível e sujeita a alterações. O autor reconhece problemas no PIC, método de sua autoria, ao notar que é uma versão radical do convencionalismo, corrente que será detalhada posteriormente.

Ao tratar sobre a epistemologia de Lakatos, Silveira (1996) admite que os PICs são divididos em progressivos e regressivos. Os programas progressivos ou teoricamente progressivos são aqueles que preveem e explicam fatos novos, por isso, tendem a incorporar novos elementos e a ter continuidade. Porém, os regressivos estão estagnados, não conseguem prever e explicar novos acontecimentos, assim, as bases teóricas crescem em ritmo superior aos dados empíricos.

Dado que esta seção teve como finalidade sintetizar a evolução filosófica até o surgimento dos pós-positivistas e do RC, a próxima seção deste referencial pretende contextualizar a escola convencionalista e suas possíveis relações com o RC.

CONVENCIONALISMO

Seja em Popper ou Lakatos, muito se discute que ambos os autores receberam influência do convencionalismo de Henri Poincaré e Pierre Duhem. Paz (2013) argumenta que essa corrente não considera todos os conhecimentos científicos verdadeiros, mas sim convenções entre os cientistas, que podem se transformar ao longo do tempo.

O conhecimento, no convencionalismo, é organizado em correntes firmes e que sofrem mudanças gradativas até serem reformuladas completamente. O progresso científico, ou a busca pela verdade, pode não ocorrer na transição de uma vertente ideológica para outra. Há, nesse pensamento, o reconhecimento de proposições falsas para predições. Nessa visão, as teorias são repostas por outras mais significativas, a exemplo da Revolução Copernicana (Lakatos, 1974).

Poincaré (2017), que vivia em época de profusão do positivismo comtiano, criticou ferozmente Auguste Comte e seus discípulos, pois, para ele, as verdades científicas eram meras convenções entre os pares. Mais adiante, o filósofo põe em dúvida o empirismo radical ou stricto sensu ao afirmar que o conhecimento é um construto do ser humano ao invés de ser o reflexo neutro e objetivo da natureza. Por conseguinte, os cientistas elaboram hipóteses que, se ratificadas, transformam-se em leis, essas últimas convencionadas pela academia.

Consequentemente, Poincaré distancia-se das tradições positivistas e empiristas ao enfatizar que o pesquisador não é meramente um mero registrador de dados e informações advindos da natureza. Em vez disso, ele reconhece a importância de uma abordagem refinada, descartando o empirismo ingênuo em favor de uma visão mais crítica e reflexiva sobre a construção do conhecimento científico.

Assim como Poincaré, Duhem (2014) acreditava que a ciência é composta por uma união de hipóteses interconectadas e que não pode ser testada isoladamente através da verificação de uma única predição. Ademais, foi um forte defensor do convencionalismo, sustentando que a escolha de uma teoria científica é inspirada por convenções, acordos práticos e questões estéticas, além das evidências empíricas. Portanto, as teorias científicas são escolhidas por fatores práticos, e a verdade de uma teoria não pode ser estabelecida apenas com base em observações.

Ao passo que Popper ficou famoso por popularizar a falseabilidade, a Duhem pode ser atribuído o título de precursor da ideia. Em sua obra, o autor diz ser impossível enumerar todas as possíveis hipóteses acerca de um fenômeno e eliminar todas elas, até que sobrasse só uma para ser testada. Consequentemente, o cientista nunca estará seguro de estar certo de atingir a totalidade das hipóteses e suas verdades, visto que não seria possível testar as hipóteses isoladamente.

Ainda que Poincaré e Duhem tivessem muitas divergências, haja vista que ambos eram convencionalistas, também havia divergências. Enquanto Duhem alegava a impossibilidade de testar isoladamente as formulações científicas, defendendo que a teoria científica é composta por um conjunto interconectado de hipóteses, Poincaré sustentava que as hipóteses eram, em grande parte, convenções ou escolhas arbitrárias, tornando-as, dessa forma, não refutáveis apenas com base em fatos observacionais.

O diferente enfoque entre Poincaré e Duhem se traduz em elementos que os distanciam no que se refere à teoria do conhecimento. Por um lado, Poincaré sustentava que o conhecimento científico está vinculado à necessidade de explicar os fenômenos reais e à utilidade prática das teorias. Para ele, a verdade das teorias está associada à sua capacidade de prever e explicar os fenômenos observados na natureza. Por outro lado, Duhem adotava uma abordagem mais pragmática, enfatizando a importância da coerência e coesão interna das hipóteses e teorias científicas. Para Duhem, a verdade científica não é determinada apenas pela correspondência com a realidade empírica, mas sim pela consistência lógica e interdependência entre os componentes teóricos de uma teoria.

Sobre a decisão de mudar os pressupostos de determinada teoria ou projeto de pesquisa, Oliveira (2019), baseada no pensamento de Duhem, declara que a evolução das teorias científicas são uma aproximação entre teoria e fenômeno observado. Em consequência, a tarefa do cientista é: “[...]” salvar as aparências”, na medida em constrói teorias destinadas a fornecer conseqüências em conformidade com as leis experimentais.”. (Oliveira, 2005, p. 51).

Quanto à ligação do RC com o movimento convencionalista, Popper (2004) contrapõe-se também aos convencionalistas, o mesmo afirma que o conhecimento científico deve ser passível de testes empíricos, e seu valor é determinado pela capacidade de resistir à refutação. Ao contrário do convencionalismo, que pode levar ao dogmatismo e relativismo epistemológico. Porém, para Oliveira (2005), mesmo que Popper queira se desvencilhar ao afirmar que a concepção epistemológica e filosófica do RC não coaduna com o convencionalismo, sua obra recebe consideráveis influências de Poincaré, Duhem e outros autores convencionalistas. Resultante desse processo, a falseabilidade e outros traços importantes de Popper encontram respaldo nos convencionalistas clássicos.

No que tange à relação do convencionalismo com Lakatos, o cientista húngaro também tentou se distanciar da corrente. Lakatos reconheceu que a mudança teórica e a revisão de hipóteses são naturais na evolução da ciência. No entanto, ele rejeitou a ideia de que as teorias científicas são meras convenções e enfatizou a importância de critérios objetivos, como a consistência lógica e a adequação empírica, para avaliar a força de um programa de pesquisa.

Feito o percurso epistemológico e filosófico sobre o convencionalismo, suas concepções, críticas ao positivismo e semelhanças com o Popper e, consequentemente, com o RC, a próxima seção refletirá sobre a ciência em relação aos demarcadores de Popper e Lakatos.

O QUE É CIÊNCIA?

Com base na seção anterior, recorrer-se-á aos preceitos de, principalmente, Popper e Lakatos, para fundamentar a visão epistemológica de ciência. Através desses autores, responder-se-á quatro questões importantes fundamentais: (a) o que é o conhecimento científico? (b) como se desenvolve? (c) de que forma é acessado? (d) o foco está no método, sujeito ou objeto?

De acordo com Marconi e Lakatos (2003), o conhecimento se divide entre popular, filosófico, religioso e científico. O primeiro deles, popular, é passado de geração em geração e carece de profundas reflexões, pode ou não ter validade científica. Já o filosófico constitui-se de hipóteses que não podem ser postas à observação, utiliza-se da razão para a construção de argumentos sólidos. Por outro lado, o religioso baseia-se na fé e em escrituras sagradas, não pode ser tocado ou sentido na realidade objetiva.

Por fim, o científico possui metodologia própria de investigação, busca estabelecer hipóteses e comprová-las ou descartá-las, Marconi e Lakatos (2003) elencam quatro características pertencentes a essa forma de conhecimento: (a) contingencial - as hipóteses precisam ser testadas empiricamente -; (b) sistemático - as teorias são ordenadas e têm uma sequência -. (c) verificabilidade - as pressuposições precisam ser comprovadas -; (d) falível - não é definitivo e pode ser refutado a qualquer momento por novas descobertas -.

Na lógica popperiana, o conhecimento científico é a junção de proposições mais aproximadas da realidade, não necessariamente verdadeiras. Nesse mesmo diapasão, as teorias são tentativas humanas de explicar problemas cotidianos e de superar os paradigmas anteriores, em vista disso, Popper rejeita a indução ao defender que a ciência começa pela dedução, pois, o ser humano a cria através de formulações mentais (Caropreso, 2006).

Caropreso (2006) complementa que o alcançar a verdade é impossível no RC, visto que, diante da possibilidade de novas descobertas, qualquer pressuposto pode ser falseado. A melhor maneira de garantir a robustez das premissas é testá-las à exaustão, então, caso sobrevivam, tornar-se-ão mais resistentes às provações.

Ao passar para o segundo questionamento, entender-se-á o desenvolvimento da ciência através da batalha entre PICs e da falseabilidade, conforme citado nas seções anteriores. O conhecimento científico avança por meio do embate entre programas concorrentes, cada qual com heurísticas positivas e negativas distintas. Com o passar do tempo, as teorias mais robustas, que possuem maior poder explicativo sobre a realidade, continuarão em voga.

Outro critério importante para a evolução da ciência é a falseabilidade. Entende-se que o conhecimento é transitório e falível, o que é tomado como verdade hoje, futuramente poderá ser falseado. Em decorrência disso, voltar-se-á a investigação científica para afirmações que possam ser refutadas: “Para Popper, a natureza da pesquisa científica é criar um conhecimento novo ou aplicá-lo a uma determinada situação, com a intenção de falsear ou confirmar uma determinada proposição.”. (Campanario; Chagas Junior; Ruiz, 2012, p. 137).

Em complemento, Silveira (1996) mostra que o conhecimento é um prosseguimento de ideias anteriores, que foram estabelecidas e aperfeiçoadas ao longo de séculos. Por isso, torna-se árdua a tarefa de descartar uma teoria por completo, pois, ao chegar nesse estágio, significa que foi encontrada outro pressuposto para substituir o antigo paradigma científico vigente.

Ato contínuo, encontrar-se-á a resposta do terceiro questionamento nos métodos dedutivos e indutivos. De acordo com Popper (2004), começa-se a investigação com uma hipótese passível de ser negada, fase dedutiva, após isso, o pesquisador buscará comprovar, com observações, a hipótese experimentalmente ou empiricamente, sendo essa a fase indutiva.

Quanto ao quarto questionamento, o acento epistemológico do racionalismo reside no método. De acordo com Molinari Bispo e Mello (2017), o âmago conceitual de Popper é sua metodologia, que preza pela aplicação do método hipotético-dedutivo e sua inerente falseabilidade. Já em Lakatos, os autores acreditam que seu acento esteja na organização, por isso, a ênfase remete ao ordenamento dos PICs, como se constituíssem um método próprio.

Resumo das respostas às perguntas epistemológicas
Quadro 1
Resumo das respostas às perguntas epistemológicas
Fonte: Elaboração própria com base em Popper (2004) e Lakatos (1974).

Após a apresentação da resposta aos questionamentos, aglutinou-se as respostas epistemológicas no Quadro 1, conforme os preceitos do RC. Logo, dar-se-á início à discussão do problema do conhecimento na Administração.

Salienta-se a importância dos demarcadores popperianos e lakatosianos para a discussão do problema proposto nesta pesquisa. Dessa maneira, a próxima seção pretende refletir sobre a cientificidade da Administração.

A CIENTIFICIDADE DA ADMINISTRAÇÃO

Ao que tudo indica, não existem respostas conclusivas quanto à cientificidade da Administração, todavia, este tópico evoca as contribuições de Walter e Augusto (2008), Damke, Walter e Silva (2010), Senff et al. (2015) e Molinari Bispo e Mello (2017)

Ao se debruçarem sobre a referida questão, Walter e Augusto (2008) apontam que a ciência administrativa é atacada por não possuir os mesmos demarcadores científicos das ciências naturais e por não terem resultados válidos e relevantes. Ao discorrerem sobre os autores argumentam que é inválido utilizar os critérios, exclusivos das ciências naturais, para diminuir as ciências sociais e, consequentemente, a Administração.

Todavia, um ponto sensível à Administração se refere à falta de validade e relevância das contribuições científicas. Os autores mostraram que 62% dos estudos publicados em periódicos norte-americanos carecem de qualquer forma de validação dos resultados, ao mesmo tempo, 92% dos trabalhos rejeitados em um periódico específico se deram em virtude da falta de contribuição à literatura. Mesmo na realidade brasileira a carência de validade e relevância se repetem, visto que mais da maioria dos artigos não explicitam as hipóteses ou pressupostos teóricos testados, bem como outras questões que perpassam as mais variadas pesquisas, sejam elas quantitativas ou qualitativas.

Apesar das críticas quanto à falta de validade e relevância, existem argumentos epistemológicos para a defesa da Administração como uma ciência. Damke, Walter e Silva (2010), utilizando o raciocínio de Popper, advogam que diversas pesquisas administrativas apregoam: (a) identificação do problema de pesquisa; (b) formulação de hipóteses; (c) corroboração ou rejeição das hipóteses. Portanto, se os pressupostos podem ser falseados, tal como ocorre nos princípios gerais da Administração de Fayol, não há motivos para invalidar sua própria cientificidade.

A visão de Damke, Walter e Silva (2010) pode ser corroborada indiretamente por Campanario, Chagas Junior e Ruiz (2012). Nas ciências sociais aplicadas a observação da realidade ou sua simulação constituem um elemento imprescindível para a evolução desse campo, por conta disso, observa-se a adoção de mecanismos estatísticos e neurocientíficos no intuito de conceber novos conceitos e teorias. Logo, para Popper a natureza da ciência é criar conhecimentos novos, com a intenção de falsear ou corroborar determinada proposição, algo que também pode ser aplicado à Administração.

Contudo, o pensamento de Popper, sozinho, pode não ser suficiente para solucionar algumas das principais críticas contra a Administração, dentre elas, diz que sua fragmentação em diversos campos a impede de ser ciência. Tendo em vista esse impasse, Damke, Walter e Silva (2010) defendem que a Administração lida com fenômenos sociais em constante mutação, principalmente pelo cenário econômico extremamente competitivo, sendo algo inerente aos administradores. Ademais, analisar a Administração como uma coisa só, desconsiderando suas principais áreas de estudo é um erro, pois a demarcação científica de Lakatos pode embarcar todas as áreas em diferentes PICs, assim, tornando-as científicas.

Na mesma linha epistemológica anterior, Senff et al. (2015) e Molinari Bispo e Mello (2017) também defendem a cientificidade da Administração com base em Popper (falseabilidade) e Lakatos (PIC). Nesse contexto, Senff et al. (2015) repetem os mesmos argumentos citados anteriormente no que tange à visão de Popper e Lakatos acerca da cientificidade da Administração, todavia, os pesquisadores vão além ao reforçar a importância de adotar procedimentos metodológicos para garantir contribuições valiosas.

Por outro lado, Molinari Bispo e Mello (2017) enfatizam a importância do pesquisador informar e justificar o posicionamento epistemológico de um trabalho científico (em nenhum momento os autores citam o contingente de trabalhos sem posicionamento epistemológico), justamente pelo fato de a Administração ser uma ciência pluralista. Aliás, faz-se uma distinção importante entre a ciência e a prática administrativa, enquanto a primeira tem o status de ciência, a segunda é apenas considerada uma prática, visto que tem como objetivo gerar resultados para as organizações.

Em síntese, seja em Senff et al. (2015) e Molinari Bispo e Mello (2017), empreende-se que a escolha dos pressupostos filosóficos e epistemológicos corretos são vitais para a Administração, contribuindo para a formação de teorias que possam ser úteis às organizações e melhorem sua eficiência e eficácia.

Com base no referencial teórico proposto, a próxima seção apresenta a apreciação dos autores deste artigo quanto à cientificidade da Administração.

DISCUSSÃO

Antes de mais nada, deve-se rebater dois argumentos contrários à cientificidade da Administração: (1) não possuir os mesmos demarcadores científicos das ciências naturais; (2) falta de rigor metodológico.

Por essência, as ciências naturais buscam explicar os fenômenos, enquanto as ciências sociais pretendem entendê-los. Nesse contexto, se os objetivos são diferentes, qual seria a razão para exigir da Administração os mesmos demarcadores científicos da Biologia, Física ou Química? Poder-se-ia argumentar, como um bom positivista clássico, que os cientistas da natureza tendem a analisar os fenômenos tais como eles são, sem juízo de valor e com neutralidade, dessa maneira, a superioridade das ciências naturais estaria ratificada.

Mas, conforme visto em Popper (2004), o cientista natural é tão partidário quanto os demais, sendo impossível eliminar seus interesses extracientíficos e evitar sua influência no decorrer da pesquisa científica. Nessa visão, Popper ainda afirma que roubar o partidarismo do pesquisador equivale a tirar sua própria humanidade. Desse modo, o cientista não é o profissional que abandona seus valores pessoais, mas assim aquele que, através de suas paixões, persegue a verdade científica, esta última inalcançável por definição.

Outra crítica costumaz dentro da comparação da Administração com as ciências naturais, refere-se à falta de verificação de hipóteses por parte dos administradores. Assim como no caso da neutralidade tal argumentação é frágil, haja vista que o falseamento dos enunciados, proposto por Popper, pode ser utilizado pelos administradores tanto em pesquisas quantitativas (hipóteses) quanto qualitativas (pressuposto teórico).

Na boa prática popperiana, o enunciado precisa ser, necessariamente, falível para ser considerado científico. Afirmar que os enunciados da Administração não são falíveis é um erro amador, uma vez que muitas teorias administrativas são formuladas de maneira testável e passíveis de refutação.

Mesmo se Lakatos fosse empregado para analisar a cientificidade da Administração. A Administração possui diferentes programas de pesquisa, cada qual com metodologias e hipóteses diferentes. Portanto, o fato de a Administração possuir várias escolas e ser multidisciplinar incentiva a concorrência entre os PICs que, em última análise, permite a evolução do conhecimento administrativo.

Concernente à suposta falta de rigor metodológico, trata-se de uma crítica insuficiente para retirar os demarcadores científicos da Administração. Embora muitas pesquisas empíricas possam mostrar que os estudos na área carecem de vários elementos metodológicos, tal fato diz mais respeito ao possível despreparo ferramental de uma parcela dos pesquisadores do que à cientificidade da Administração. Nesse caso, esse problema é contornável, basta oferecer capacitação aos profissionais. Em um nível superior, cabe aos teóricos estabelecer enunciados falseáveis e testá-los empiricamente. Assim sendo, a não observação do rigor metodológico representa uma falha passível de conserto, enquanto, se os principais enunciados administrativos fossem infalíveis, não haveria nenhum modo de remediar o problema.

Rebatidas duas das principais críticas à Administração, pode-se defender que existem elementos suficientes para defendê-la como ciência. Tendo em vista os demarcadores científicos de Popper e Lakatos, constata-se que a epistemologia do RC respalda no método. Portanto, para Popper, bastaria que os administradores estabelecessem hipóteses falíveis e as testassem empiricamente, já nos preceitos de Lakatos, a existência de programas de pesquisa concorrentes entre si seria desejável.

No entanto, os críticos da Administração podem questionar se esses demarcadores científicos estão de fato sendo seguidos no campo. Eles podem solicitar estudos que analisem se os administradores realmente formulam hipóteses passíveis de falsificação e se as testam de maneira rigorosa e empírica no contexto real das organizações. A falta de aplicação efetiva desses critérios poderia alimentar argumentos de que a Administração carece de rigor científico.

Para enfrentar essa questão, os pesquisadores da Administração devem se empenhar em conduzir estudos robustos e metodologicamente, filosoficamente e epistemologicamente sólidos, com amostras representativas e análises estatísticas adequadas. Além disso, é essencial que os resultados e conclusões sejam comunicados de maneira clara e transparente, permitindo que outros pesquisadores avaliem e repliquem os estudos para verificar a consistência dos resultados.

Ao seguir essas práticas, a Administração estará fortalecendo seu embasamento científico e conquistando maior confiança no meio acadêmico e empresarial. Com o compromisso de aprimorar constantemente suas metodologias e buscar a solução de problemas relevantes para as organizações, a Administração tem o potencial de solidificar sua posição como uma ciência rigorosa e relevante, capaz de contribuir significativamente para o avanço das práticas administrativas e empresariais.

Todavia, defende-se, aqui, que a ciência administrativa ainda tem um longo caminho a ser percorrido para aumentar sua credibilidade. Ainda nos dias atuais, muitos administradores, pelo compreensível receio de prejudicar as organizações e levá-las à falência, apegam-se a métodos indutivos que deram certo no passado, mas que não têm nenhuma garantia de funcionarem futuramente. No entanto, apegar-se a métodos antiquados pode ser um obstáculo para o progresso e a inovação nas organizações.

Conforme é observado em Mattos (2003), ainda predomina na Administração a epistemologia do positivismo clássico ou ingênuo, visão científica que privilegia o método indutivo e a observação empírica. Sem embargo às contribuições do positivismo clássico para o avanço da ciência, deve-se ter em mente que alguns de seus preceitos, como a utilização da indução em absoluto e a neutralidade do pesquisador, já foram desmascarados ao longo do século XX. A ênfase no método indutivo e na observação empírica, embora tenha suas contribuições, pode não ser suficiente para enfrentar os desafios do ambiente de negócios atual.

O principal alicerce das empresas e seus agentes são as experiências acumuladas, ou seja, o método indutivo é predominante na Administração. Então, principalmente pelo fato de lidarem com problemas do mundo real e serem impedidas de errar constantemente, o que implicaria em falência, as organizações recorrem às melhores práticas, apontadas por gestores e “gurus” do mercado. Em superação a essa questão, Mattos (2003) fornece uma solução, baseada em Popper, para resolver os problemas supracitados na Administração. Ao invés de os gestores se perguntarem por que determinada ação funcionou, questão essa que carrega experiências e não é preditiva, deveriam perguntar por qual motivo as outras práticas não funcionaram, em consequência, aprender-se-á mais com o fracasso e o falseamento total ou parcial das premissas.

Para aumentar a credibilidade da ciência administrativa, é necessário um movimento em direção a abordagens mais abertas e baseadas em evidências sólidas. O entendimento de que o sucesso passado não é garantia de êxito futuro é fundamental para evitar armadilhas e decisões equivocadas. Os administradores devem se questionar por que determinadas ações falharam ao invés de ficarem presos nos mesmos paradigmas do passado. Desse modo, reconhecer a importância de outras abordagens, como o método hipotético-dedutivo de Popper, permitiria uma compreensão mais abrangente e profunda dos fenômenos administrativos. Caso os enunciados propostos pelos administradores sejam falseados, novos pressupostos podem ser abertos para testagem, gerando um ciclo de avanço ainda maior dentro da Administração.

Ainda que este trabalho não tenha analisado a cientificidade da Administração de acordo com o paradigma convencionalista, cabe um breve comentário sobre esta questão. Levando em consideração Poincaré e Duhem, os modelos administrativos comumente são utilizados como convenções oportunas para explicar e prever fenômenos organizacionais. Logo, poder-se-ia dizer que a Administração é uma ciência convencional, onde a validade de suas teorias está mais relacionada à utilidade prática e à capacidade de fornecer orientações eficazes para os desafios organizacionais. Todavia, essa visão vai de encontro ao falseamento popperiano, porque não há necessariamente hipóteses falseáveis na epistemologia convencionalista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho investigou as semelhanças entre o RC e convencionalismo, além de refletir sobre o caráter científico das ciências administrativas. Ampliando as contribuições de Damke, Walter e Silva (2010), Senf et al. (2015), Molinari Bispo e Mello (2017) e outros estudiosos.

Como fora possível observar, não há uma resposta conclusiva para as questões apuradas, porém, a Administração pode ser considerada científica, ainda que possa haver limitações, como a falta de procedimentos metodológicos adequados. Além disso, pode-se dizer que o convencionalismo possui paralelos com o RC (principalmente na ideia da falseabilidade e na evolução do conhecimento), apesar da rejeição de Popper.

De uma perspectiva racionalista crítica, a Administração tem todos os demarcadores necessários para ser uma ciência, ademais, mesmo na visão convencionalista a resposta ao problema de pesquisa seria a mesma. No entanto, deve-se apontar aqui o perigo de muitas investigações científicas na área: a confiança no indutivismo ingênuo. Em geral, desaconselha-se a utilização de práticas puramente indutivos, sendo necessária a adoção do método hipotético-dedutivo, visto o caráter falível da ciência. Assim, os administradores podem aprender com os erros ao invés de se apegarem aos métodos que deram certo no passado, mas que podem não funcionar futuramente.

Dentre os principais argumentos, defende-se que a falta de demarcadores das ciências naturais a suposta não validação e confiabilidade da Administração não são satisfatórias para tirar seu caráter científico. Pelo contrário, a ciência administrativa é um campo interdisciplinar e conta com a contribuição de diversas áreas do conhecimento, assim, exigir os mesmos critérios dos naturalistas é uma prática abusiva. Mais além, desconsiderá-la por, supostamente, não ter contribuições válidas e relevantes também é infundada, pois, se o pesquisador utilizar os instrumentos metodológicos corretos, além de justificar o estudo em uma base filosófica e epistemológica, resultados pertinentes às organizações podem ser encontrados.

Quanto a possíveis limitações, este estudo não revisou a bibliografia estrangeira frente à cientificidade da Administração, atendo-se apenas aos autores nacionais. Dessa forma, torna-se pertinente revisar as principais contribuições internacionais para que novos argumentos e abordagens venham à tona.

Além do mais, sugere-se que outras visões epistemológicas, como a convencionalista, sejam abordadas para a análise da Administração como ciência, contribuindo para a extensão do debate. Por se tratar de um tema complexo e multifatorial, novas análises sobre a cientificidade do campo administrativo são bem-vindas e devem ser encorajadas pela academia.

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