Artigo

OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A CULTURA DA CANA-DE-AÇUCAR PARA PRODUÇÃO DE ETANOL

SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS AND THE CULTURE OF SUGARCANE FOR ETHANOL PRODUCTION

Mario Roberto dos SANTOS
Universidade Nove de Julho, Brasil
José Luiz Romero de BRITO
Universidade de São Paulo, Brasil
Fabio Ytoshi SHIBAO
Universidade Ibirapuera e Associação Princesa Isabel de Educação e Cultura, Brasil
José Carlos Martinez MELERO
Universidade de São Paulo, Brasil

OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A CULTURA DA CANA-DE-AÇUCAR PARA PRODUÇÃO DE ETANOL

Caderno de Administração, vol. 31, núm. 2, pp. 134-155, 2023

Unuversidade Estadual de Maringá

Recepção: 24 Março 2021

Aprovação: 12 Maio 2021

RESUMO: A proposta da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas de desenvolvimento sustentável para o planeta, é protegê-lo da degradação, por meio consumo e produção sustentáveis, gerindo seus recursos naturais e tomando medidas sobre as mudanças climáticas, para que possa atender às necessidades das gerações presentes e futuras. O objetivo da pesquisa foi verificar na literatura se a produção e uso do etanol da cana-de-açúcar estão contribuindo para que o Brasil possa cumprir com a Agenda 2030, a partir do levantamento de quais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são atendidos, bem como suas respectivas metas. Foram realizadas pesquisas na base de dados ScienceDirect referentes ao período 2010-2019 utilizando-se as palavras “Brazilian ethanol” e limitadas por tipo “review” e “research”. A pesquisa revelou 44 artigos diretamente relacionados ao tema pesquisado. Os artigos foram agrupados em seis categorias, por semelhança dos resultados e assim classificados: produção de alimentos; uso de água; melhorias socioeconômicas e ambientais; redução de emissões de GEE; uso de coprodutos para a geração de energia; e uso do bagaço de cana para produção do etanol de segunda geração. Os resultados, foram classificados como contribuintes para os objetivos: ODS1, erradicação da pobreza; ODS2, fome zero e agricultura sustentável; ODS6, água potável e saneamento; ODS7, energia acessível e limpa; ODS8, trabalho decente e crescimento econômico; ODS9, indústria, inovação e infraestrutura; ODS11, cidades e comunidades sustentáveis; ODS12, consumo e produção responsáveis; ODS 13, ação contra a mudança global do clima e ODS15, vida terrestre. Os artigos mostram, de uma forma geral, que o cultivo da cana-de-açúcar e a produção de etanol podem contribuir com o cumprimento, dentro desse ramo industrial, das respectivas metas da Agenda 2030.

Palavras-chave: Agenda 2030, cana-de-açúcar, etanol, objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sustentabilidade.

ABSTRACT: The United Nations 2030 Agenda for Sustainable Development proposes to protect the planet from degradation through sustainable consumption and production, management of its natural resources and action on climate change, so that it can meet the needs of present and future generations. The objective of the research was to verify in the literature whether the production and use of sugarcane ethanol contributes to Brazil's compliance with the 2030 Agenda, based on a survey of which Sustainable Development Goals are being met, as well as their respective targets. The search was conducted in the ScienceDirect database for the period 2010-2019, using the words "Brazilian ethanol" and limited by the type "review" and "research". The search yielded 44 articles directly related to the topic under study. The articles were grouped into six categories, like the results, and classified as follows: food production, water use, socioeconomic and environmental improvements, reduction of greenhouse gas emissions, use of co-products for energy production, and use of sugarcane bagasse to produce second-generation ethanol. The results were classified as contributing to the goals: SDG1, poverty eradication; SDG2, zero hunger and sustainable agriculture; ODS6, drinking water and sanitation; ODS7, clean and accessible energy; SDG8, decent work and economic growth; SDG9, industry, innovation and infrastructure; SDG11, sustainable cities and communities; SDG12, responsible consumption and production; SDG13, action on global climate change; and SDG15, terrestrial life. In general, the articles show that sugarcane cultivation and ethanol production can contribute to the achievement of the respective goals of the 2030 Agenda within this industrial sector.

Keywords: Agenda 2030, ethanol, dugar cane, dustainable Development Goals (SDGs), dustainability.

INTRODUÇÃO

O setor sucroenergético do Brasil é de grande importância para a economia mesmo decorridos mais de 500 anos após a introdução do cultivo da cana-de-açúcar no país (Branco et al., 2019). Dentro do setor, a área de biocombustível derivado da cana-de-açúcar tem chamado atenção, principalmente de países que buscam reduzir a emissão de gases adicionando etanol na sua matriz energética (Bacchi; Caldarelli, 2015).

O etanol de cana-de-açúcar tornou-se conhecido como um biocombustível eficiente e renovável, promoveu no país o desenvolvimento rural, a diversificação de fontes de energia, uma menor dependência das importações de petróleo, a redução de poluentes locais devido aos escapamentos dos veículos e reduções nas emissões de gases do efeito estufa (GEE) (Coelho et al., 2006; Goldemberg; Coelho; Guardabassi, 2008). É um produto versátil que garante concomitantemente combustíveis líquidos, eletricidade, produtos químicos e alimentos (Sozinho et al., 2018).

A bioenergia é uma importante fonte de energia renovável e deverá ter um desempenho fundamental na diversificação da matriz energética futuramente, principalmente os biocombustíveis substituindo os combustíveis fósseis líquidos no setor de transporte (Brinkman et al., 2018). Portanto, novos modelos de produção de energia renovável são necessários para reduzir simultaneamente as emissões de GEE, usar a terra com mais eficiência e substituir grandes quantidades de combustível fóssil (Souza et al., 2019).

Essa demanda provocou o aumento da produção e proporcionou que o setor sucroalcooleiro passasse a ser mais criterioso quanto à sua sustentabilidade. Procurou alinhar não apenas a sustentabilidade ambiental, mas também a socioeconômica, um aspecto importante que se reflete nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas. Esses objetivos incluem algumas metas, tais como redução da pobreza, trabalho decente, crescimento econômico e melhoria dos meios de subsistência rurais (Brinkman et al., 2018).

Nesse contexto de aumento de produção de cana-de-açúcar e de etanol e suas prováveis consequências, esta pesquisa foi verificar na literatura se a produção e uso do etanol da cana-de-açúcar estão contribuindo para que o Brasil possa cumprir com a Agenda 2030, a partir do levantamento de quais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são atendidos, bem como suas respectivas metas. A pesquisa pretende mostrar quais ODS esse setor produtivo está atendendo.

A agenda foi definida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro de 2015. A proposta da agenda de desenvolvimento sustentável para o planeta é proteger o planeta da degradação, por meio consumo e produção sustentáveis, gerindo seus recursos naturais e tomando medidas urgentes sobre as mudanças climáticas, para que possa atender às necessidades das gerações presentes e futuras (ONU, 2015). Em contraste com as agendas de desenvolvimento convencionais com foco em um conjunto restrito de dimensões, a agenda da ONU fornece uma visão holística e multidimensional do desenvolvimento (Pradhan et al., 2017).

Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) constantes da agenda são abrangentes, de natureza integrada e um princípio de indivisibilidade deve orientar a sua implementação (Bennich; Weitz; Carlsen, 2020). Essa indivisibilidade significa que os objetivos de desenvolvimento e suas metas são fundamentalmente interdependentes e interligados (Breuer; Janetschek; Malerba, 2019). No entanto, a Agenda 2030 não fornece orientações sobre o que significa indivisibilidade na prática, como os ODSs interagem ou sobre como avaliar essas interações. Não existe um consenso geral sobre o que significa adotar uma abordagem integrada aos ODSs. Portanto, navegar no cenário diversificado de pesquisa sobre interações ODSs pode ser um desafio (Bennich; Weitz; Carlsen, 2020).

Dentro do cenário brasileiro, a importância de se pesquisar se a produção e uso do etanol da cana-de-açúcar estão atendendo quais ODSs é corroborada pela participação dos derivados de cana-de-açúcar no cenário brasileiro de oferta interna de energia pois, segundo o Balanço Energético Nacional (Ben, 2021) da Empresa de Pesquisa Energética, esses derivados participaram com 19,1% da oferta interna de energia em 2020 sendo somente superados pelo petróleo e derivados que representaram 33,1% da oferta.

Este trabalho está assim organizado, após esta introdução, na seção dois apresenta-se o referencial teórico, na seção três, o método de pesquisa empregado, na seção quatro, os resultados da pesquisa e na seção cinco as considerações finais.

REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta seção, serão apresentados os temas etanol da cana-de-açúcar, Agenda 2030 e os ODSs.

ETANOL DA CANA-DE-AÇÚCAR

A cultura da cana-de-açúcar no Brasil começou durante o período de colonização, quando o foco era apenas a produção de açúcar (Silva; Bomtempo; Alves, 2019). A experiência com o uso do etanol, proveniente da cana-de-açúcar, como combustível veicular começou na década de 1930, quando o governo determinou que a gasolina fosse misturada ao etanol anidro (Santos et al., 2018).

Posteriormente, a volatilidade e o aumento dos preços do petróleo e seus derivados, juntamente com os esforços globais para reduzir os GEEs, levaram muitos países a buscar alternativas de energia renovável para suas matrizes energéticas. No Brasil, o etanol tem sido usado como combustível por uma proporção significativa de automóveis de consumo desde meados da década de 1970. Embora naquela época não existissem veículos flex-fuel, parte da frota funcionava exclusivamente com etanol e parte exclusivamente com gasolina (Martins et al., 2018). A produção brasileira de etanol aumentou significativamente estimulada pela criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) em 1975 (Vaccaro et al., 2018). O Proálcool foi um dos marcos para o desenvolvimento de um relevante mercado brasileiro de biocombustíveis (Silva; Bomtempo; Alves, 2019).

Na segunda metade da década de 1980, o mercado internacional de petróleo começou a mudar em meio à queda dos preços do petróleo, o que resultou em uma taxa de crescimento mais lenta da produção de etanol hidratado. A produção de etanol anidro, por sua vez, iniciou uma fase de ligeira queda. A combinação desses fatos causou uma estagnação da produção de etanol no Brasil, que se manteve constante até 1991, quando a produção começou a diminuir devido às mudanças na mistura gasolina-etanol (Martins et al., 2018). A partir de 2003, com a introdução no mercado brasileiro dos veículos flex-fuel, a perspectiva de fim das queimadas da cana-de-açúcar, a evolução da área de plantio e a franca expansão da mecanização da colheita e das usinas, o etanol voltou a ser fortalecido. Esse cenário perdurou até a crise financeira mundial de 2008 (Cruz et al., 2016).

Após o início da crise financeira em 2008, o potencial de demanda por etanol superou a oferta, ao contrário das expectativas do governo brasileiro. Além disso, a oferta de etanol foi fortemente afetada por uma crise causada por mau planejamento governamental em termos de controle dos preços dos combustíveis, resultando em uma crise artificial de demanda no setor de etanol. O intervencionismo do governo brasileiro na fixação dos preços da gasolina teve impactos sobre o consumo de etanol (Martins et al., 2018).

Atualmente, o Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, o segundo maior produtor de bioetanol e possui a maior frota de veículos flex-fuel ou bicombustíveis (Branco et al., 2019; Oliveira et al., 2019). O etanol da cana-de-açúcar contribui para a redução de emissões de GEEs e também é um eficiente substituto para os combustíveis fósseis dos automóveis, sendo considerado um substituto do petróleo (Coelho et al., 2006) e é consumido principalmente no setor de transportes (Andrade Jr et al., 2019).

A indústria brasileira de etanol é predominantemente composta por usinas híbridas de cana-de-açúcar de primeira geração, produzindo açúcar e etanol. Essas usinas provaram ser a opção mais econômica para a produção em larga escala de etanol a partir de biomassa e, além disso, permitem flexibilidade nesses produtos: se os preços do açúcar são mais atraentes que os preços do etanol, as usinas podem alocar a maior parte da entrada de cana para o açúcar, ou vice-versa, à produção de etanol, se o preço for mais atrativo que o do açúcar (Branco et al., 2019). A principal diferença entre o etanol de primeira geração e o etanol celulósico de segunda geração (E2G) é a matéria-prima. Enquanto o etanol de primeira geração é produzido a partir do caldo de cana, o E2G é processado a partir da celulose, ou seja, da fibra do vegetal, no caso da cana, é extraído o etanol da palha ou do bagaço, após extração do caldo (Lorenzi; Andrade, 2019). Uma das vantagens mais relevantes do etanol E2G é a possibilidade de melhorar a produção sem aumentar a área plantada (Silva; Bomtempo; Alves, 2019).

Discursos positivos sobre biocombustíveis se baseiam na premissa de que a produção e o uso de biocombustíveis podem atingir vários objetivos simultaneamente e também melhorar a segurança energética, provocar a criação de empregos e contribuir para o desenvolvimento rural. Essa expectativa de que os biocombustíveis possam atingir um conjunto de objetivos sociais, econômicos e ambientais, influencia a orientação das políticas públicas (Hunsberger; German; Goetz, 2017).

Segundo Postal et al. (2020), a população tem uma visão geralmente positiva dos efeitos da expansão da cana em sua região, embora haja espaço para melhorias. Mas, os autores advertiram que há novos problemas a serem enfrentados, como, por exemplo, contratos melhores e mais claros envolvendo o arrendamento de terras e o fenômeno que resulta no enterro de árvores isoladas para evitar o custo de legalmente ter que plantar novas árvores, o que é uma consequência negativa e indesejada, mas não da mesma forma que o desmatamento.

Existem fortes pressões internacionais impulsionando a demanda por biocombustíveis e, em particular, impulsionando a demanda por biocombustíveis produzidos de maneira mais sustentável (Sozinho et al., 2018). Por esse motivo, os mecanismos internacionais de cooperação, regulamentação e certificação tornam-se ainda mais importantes para estimular a inovação, a legislação adequada e as estratégias (Postal et al., 2020).

Na produção brasileira de etanol de cana, destacam-se dois instrumentos de gestão socioambiental, o processo de Avaliação de Impacto Ambiental (Environmental Impact Assessment [EIA]) e a certificação Bonsucro. A certificação Bonsucro é um processo voluntário que visa demonstrar aos stakeholders externos o desempenho do setor de etanol de cana em questões de sustentabilidade (Sozinho et al., 2018).

Uma outra visão sobre certificação é apresentada por Oliveira et al. (2019) que advertiram que existem muitos métodos para certificação e verificação de biocombustíveis. No entanto, são esquemas gerais e essencialmente qualitativos, e não fornecem meios para avaliar quantitativamente os efeitos da expansão de biocombustíveis baseados em culturas. A tomada de decisões, com foco em uma economia baseada em energia limpa, seria facilitada pelo desenvolvimento de um índice de sustentabilidade que incorpore medidas de indicadores ambientais, sociais e econômicos.

AGENDA 2030 DA ONU E OS ODSs

A Agenda 2030 foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro de 2015, apresentando uma visão ambiciosa de mudança transformadora para alcançar um futuro mais sustentável até o ano 2030 (ONU, 2015). A Agenda 2030 inclui 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), 169 metas a eles relacionados e mais de 230 indicadores para monitorar o respectivo progresso (Bennich; Weitz; Carlsen, 2020). É amplamente aceito que a humanidade enfrenta grandes desafios de sustentabilidade que requerem ação imediata e os ODSs são o apelo político para uma ação nessa direção (Horne et al., 2020).

O ponto central da Agenda 2030, é uma característica distintiva em comparação com outras iniciativas de sustentabilidade, é que ela deve ser tratada como universal e indivisível. A universalidade implica que a Agenda 2030 se aplique a todas as nações e atores ao redor do mundo, independentemente do nível atual de renda ou dos desafios da sustentabilidade. O princípio da indivisibilidade significa que a implementação da Agenda 2030 deve basear-se em abordagens integradas, e não em conhecimentos isolados e na formulação de políticas (Bennich; Weitz; Carlsen, 2020).

Os ODSs e metas fomentam as boas práticas até 2030 em setores relevantes para a humanidade e para o planeta: (i) Pessoas, dever de acabar com a pobreza e a fome, que todo ser humano desenvolva seu trabalho com dignidade e igualdade de forma saudável; (ii) Planeta, protegê-lo da degradação, principalmente do consumo e produção insustentável e medidas contra as mudanças climáticas, protegendo as atuais e as futuras gerações; (iii) Prosperidade, assegurar que todo ser humano possa ter sua vida com prosperidade e realização pessoal e social e que os recursos tecnológicos ocorram em harmonia com a natureza; (iv) Paz, determinação em promover uma sociedade pacífica, justa e inclusiva; (v) Parceria, mobilização do espírito de parceria global, baseado na solidariedade global, em benefício principalmente dos mais vulneráveis e pobres, com a participação de toda a sociedade, civil, empresarial, governo e pessoas (ONU, 2015b).

A natureza integrada dos objetivos e metas significa que o progresso em um objetivo ou meta está vinculado por relações causais e ciclos de feedback a outros objetivos e metas. Uma abordagem integrada e sistemática para os ODSs é, portanto, necessária para garantir que esses feedbacks sejam compreendidos e gerenciados (Allen; Metternicht; Wiedmann, 2018). Esses objetivos fornecem a estrutura política legítima sobre a qual governos, sociedade civil e empresas podem planejar, medir e comunicar sua contribuição para o desenvolvimento sustentável (Horne et al., 2020).

O Quadro 1 mostra a definição dos 17 ODSs (ONU, 2015).

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Definições
Quadro 1
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Definições
Fonte: ONU (2015).

A Figura 1 mostra a representação gráfica dos ODSs.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Figura 1
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Fonte: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (PNUD Brasil, 2020).

A implementação da Agenda 2030, exige uma parceria global revigorada para garantir a sua execução. O Objetivo 17 (Parcerias e Meios de Implementação), no tocante de cada ODS, é fundamental para a concretização com sucesso da Agenda e é de igual importância em relação aos demais objetivos e metas. A Agenda 2030 pode ser cumprida no contexto de uma parceria global revitalizada para o desenvolvimento sustentável, suportada pelas políticas e ações solidificadas (ONU, 2015b).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo caracteriza-se como descritivo, com abordagens qualitativas, por meio de análise de conteúdo (Bardin, 2009). Uma revisão de literatura é um atributo efetivo de uma pesquisa acadêmica. Uma revisão eficaz institui uma base sólida para o avanço do conhecimento. Facilita o desenvolvimento da teoria, consolida áreas onde existe abundância de pesquisas e descobre áreas onde a pesquisa é imprescindível (Webster; Watson, 2002). Para esta revisão foi empregado o método de revisão bibliográfica sistemática (Breteton et al., 2007).

Foram realizadas pesquisas na base de dados ScienceDirect referentes ao período 2010-2019 utilizando-se as palavras “Brazilian ethanol” e limitadas por tipo “review” e “research”. Essa base foi escolhida por ter periódicos relevantes, classificados no extrato Qualis A1 (2013-2016) como, por exemplo Energy Policy; Journal of Cleaner Production; Renewable Energy; Renewable and Sustainable Energy Reviews; entre outros, e também por facilidade de acesso. A pesquisa foi realizada no período de maio a julho de 2020.

A pesquisa revelou 494 artigos (70 review articles e 424 research articles). Em uma primeira revisão foram selecionados 168 artigos e, posteriormente, restaram 44 artigos diretamente relacionados ao tema pesquisado. A Tabela 1 apresenta um resumo dos artigos e os respectivos periódicos selecionados nas fases 168 artigos e 44 artigos.

Tabela 1
Resumo dos periódicos pesquisados
Resumo dos periódicos pesquisados
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Na primeira revisão foram verificados se os títulos dos artigos e as palavras-chave se referiam a produção de cana-de-açúcar e de etanol, os casos que não tinham esse objeto foram descartados, sendo selecionados 168 artigos. Na segunda revisão, além do título e palavras-chave foram lidos os resumos com o mesmo objetivo e descartados os artigos que não se enquadravam no tema pesquisado, restando 44 artigos. Foram descartados, por exemplo, artigos referentes a bases de dados das estimativas globais de emissões de GEE; qualidade do solo para plantio; efeitos dos preços do petróleo nas previsões de etanol, gasolina e açúcar; avaliação tecno-econômica da produção de hidrogênio para geração de energia utilizando um processador utilizando etanol como combustível entre outros.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A seguir, serão apresentados os principais resultados dos artigos avaliados e os possíveis ODSs que esses resultados poderão ser classificados.

ARTIGOS AVALIADOS E SEUS PRINCIPAIS RESULTADOS

Os artigos avaliados são referentes às pesquisas do sistema de cultivo da cana-de-açúcar, seus resíduos, produção de etanol, usos e prováveis consequências. A lista com as informações completas dos artigos está relacionada no Apêndice A deste trabalho.

Os artigos foram agrupados em seis categorias, por semelhança dos resultados e assim classificados: produção de alimentos; uso de água; melhorias socioeconômicas e ambientais; redução de emissões de GEE; uso de coprodutos para a geração de energia; e uso do bagaço de cana para produção do etanol de segunda geração, a seguir descritos.

a) Produção de alimentos: A demanda de etanol não deve afetar a produção de alimentos; uso de pastagens degradadas ou deslocando pastagens para a produção de cana-de-açúcar; integração cana-de-açúcar com pastagens diminui impactos climáticos; integração de produção de energia e de alimentos; espaço territorial é suficiente para elevar a produção de alimentos; área definida pelo zoneamento agroecológico é adequada para produção de cana-de-açúcar (Agostinho; Ortega, 2012; Andrade Jr et al., 2019; Branco et al., 2019; Egeskog et al., 2011; Gauder; Graeff-Honninger; Claupein, 2011; Mayer et al., 2016; Oliveira et al., 2019; Renó et al., 2014; Soccol et al., 2010; Souza et al., 2019; Walter et al., 2011).

b) Uso de água: A substituição anual de culturas e pastagens por cana-de-açúcar aumenta a disponibilidade de água; as áreas de expansão da cultura representam melhores condições de solo e climáticas e menor pegada hídrica; áreas de expansão para o cultivo incluem acordo oficial para reduzir o uso de água; uso de irrigação para a cultura de cana-de-açúcar como forma de reduzir a pegada hídrica (Fachinelli; Pereira, 2015; Filoso et al., 2015; Hernandes; Scarpare; Seabra, 2018; Scarpare et al., 2016).

c) Melhorias socioeconômicas e ambientais: A expansão da produção de etanol aumenta o Produto Interno Bruto (PIB), o emprego e o comércio; a segunda geração de trabalhadores do setor agrícola tem melhores condições de trabalho; usina de processamento de cana-de-açúcar tem efeito positivo no desenvolvimento socioeconômico do município; maior competitividade e sustentabilidade econômica das cadeias de biocombustíveis integrando produção associativa e agricultura familiar; harmonização entre os tópicos de certificações ambientais no ciclo de vida da produção de cana, ajuda a integrar a sustentabilidade na produção; esforços e investimentos estão sendo feitos pelos produtores de cana-de-açúcar com foco nas questões ambientais e sociais; produção simultânea de açúcar e etanol e zoneamento agroecológico; atendimento de critérios de sustentabilidade na produção de cana-de-açúcar; os impactos socioeconômicos da produção de cana-de-açúcar são positivos (Alonso-Pippo et al., 2013; Azadi et al., 2012; Brinkman et al., 2018; Gilio; Moraes, 2016; Maczynska et al., 2019; Moncada et al., 2018; Moraes; Oliveira; Diaz-Chavez, 2015; Rovere; Pereira; Simões, 2011; Sozinho et al., 2018; Vaccaro et al., 2018; Viana; Perez, 2013; Walter et al., 2011).

d) Redução de emissões de GEE: Distribuídos em três categorias, (i) Tecnologia flexível de veículos reduzindo as emissões de GEEs; (ii) Redução de emissões de GEEs na cultura da cana-de-açúcar; e (iii) Colheita da cana-de-açúcar sem a queima da cana, a seguir descritos:

d1) Tecnologia flexível de veículos reduzindo as emissões de GEEs: Veículos flex-fuel diminuem as emissões; diminuição das emissões quando comparadas com a gasolina; etanol é uma das melhores opções entre as tecnologias atuais de combustível para transporte; políticas de eficiência energética combinadas com políticas para incentivar o uso de biocombustíveis (Santos et al., 2018; Schmitt; Szklo; Schaeffer, 2011; Triana, 2011; Wang et al., 2014).

d2) Redução de emissões de GEEs na cultura da cana-de-açúcar: A expansão do plantio de cana-de-açúcar contribuiu para atenuar as emissões da fase de produção agrícola; análises de emissões e economias de GEEs apoiam a visão de que a expansão do etanol de cana trará economias substanciais; o longo ciclo da cultura da cana favorece a diminuição das emissões; (Bordonal et al., 2015; Egeskog et al., 2014; Garcia; Von Sperling, 2017; Moreira et al., 2016; Renó et al., 2014; Walter et al., 2011).

d3) Colheita da cana-de-açúcar sem a queima da cana: A redução de GEE tende a aumentar com a colheita sem queima; acordo oficial para o fim da queima da cana-de-açúcar; colheita mecânica sem a queima da cana (Bordonal et al., 2015; Filoso et al., 2015; Garcia; Von Sperling, 2017).

e) Uso de coprodutos para a geração de energia: O sistema de cogeração pode fornecer autossuficiência energética pela queima do coproduto bagaço de cana; uso do biogás como substituto do diesel, com digestão anaeróbia de vinhaça (um resíduo da destilação); a palha da cana-de-açúcar pode ser utilizada na produção de energia elétrica por meio da cogeração; produção de nanomateriais usando os gases gerados durante a pirólise do bagaço de cana; processos anaeróbios devem ser a principal tecnologia para tratar a vinhaça (Alves et al., 2012; Fuess; Garcia, 2015; Hofsetz; Silva, 2012; Manochio et al., 2017; Moraes; Oliveira; Diaz-Chavez, 2015).

f) Uso do bagaço de cana para produção do etanol de segunda geração: A integração energética permite aumentar a quantidade de bagaço usado na produção de etanol de segunda geração; melhorias no processo podem aumentar a quantidade de material disponível para a produção de etanol de segunda geração; o aumento da produção brasileira de biocombustíveis provavelmente estará atrelado ao uso de biomassa (bagaço de cana); o esforço de pesquisas e desenvolvimento e a comercialização do processamento industrial de segunda geração podem resultar em menores custos de produção de etanol (Dias et al., 2012; Jonker et al., 2015; Oliveira et al., 2019; Soccol et al., 2010).

Quanto aos periódicos mais frequentes na pesquisa, destacam-se: Renewable and Sustainable Energy Reviews (18,2%), Biomass and Bioenergy (15,9%), Energy Policy (15,9%), Applied Energy (9,1%) e Journal of Cleaner Production (6,8%) que juntos totalizaram 65,9% das pesquisas e os cinco estão classificados como A1 em Administração, e os periódicos Agriculture, Ecosystems & Environment e Energy são A1 em Ciências Ambientais. A Tabela 2 mostra os principais periódicos constantes do trabalho com frequência igual ou superior a duas vezes.

Tabela 2
Periódicos da pesquisa
Periódicos da pesquisa
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

A pesquisa de Ferreira, Chiareto e Mascena (2019), com o objetivo de identificar as práticas desenvolvidas pelas usinas visando a preservação e a proteção ambiental, revelou 25 ações distintas, sendo as mais comuns, redução da queima da cana e das emissões de dióxido de carbono (CO2); preservação ou restauração das Áreas de Preservação Permanente (APPs); geração de eletricidade para uso próprio; participação em programas, ações e certificações de preservação ambiental.

Os artigos pesquisados mostraram resultados, que, de uma forma geral, corroboram com os achados de Ferreira, Chiareto e Mascena (2019). Por exemplo, efeitos positivos sobre o emprego; indicadores socioeconômicos para o setor de cana-de-açúcar são melhores que o setor agrícola em geral; usina de processamento de cana tem um efeito positivo no desenvolvimento socioeconômico; a expansão da produção de etanol de cana poderá aumentar o PIB nacional; emprego gerado para classes de baixa renda; expansão da cana-de-açúcar em pastagens degradadas é adequada para o suprimento de matéria-prima de biomassa; integração da cana-de-açúcar e gado é um potencial modelo para produção de alimentos, rações e biocombustíveis; fim do processo de queima da cana-de-açúcar ocasiona maior preservação da fauna, melhoria da qualidade do ar, acelera o processo de mecanização da colheita, melhora as condições de trabalho e da saúde, e diminuiu o fluxo migratório para o trabalho manual nos processos de colheitas; otimização dos processos de produção; utilização de coprodutos na produção de novos materiais.

A seguir, serão apresentados os artigos e os respectivos ODSs.

AVALIAÇÃO DOS PROVÁVEIS ODSs

O Quadro 2 mostra os 44 artigos selecionados, o ano de publicação, os autores e os possíveis ODSs referentes aos resultados das pesquisas analisadas.

Artigos selecionados e os ODS
Quadro 2
Artigos selecionados e os ODS
Fonte: Elaborado pelos autores.

O resumo das frequências dos ODSs, nos quais os artigos foram classificados, é mostrado na Tabela 3.

Frequência de ODSs
Tabela 3
Frequência de ODSs
Fonte: Elaborado pelos autores.

Conforme a Tabela 3, os objetivos que mais se destacaram foram:

Essa constatação pode ser interpretada como os artigos avaliados tinham o objetivo de analisar o cultivo de cana-de-açúcar com foco na produção de etanol, gerando, portanto, expectativas de sistemas de produção agrícolas sustentável, produção de alimentos e geração de energia. Por exemplo, a demanda de etanol não deve afetar a produção de alimentos; aumento da área de cultivo dentro do zoneamento agroecológico é adequada; país é líder no uso de energia proveniente de fontes renováveis; uso de pastagens degradadas para expansão da área cultivada; produção em pequena escala agrega produção de energia à produção de alimentos; sistemas integrados de produção de etanol e laticínios etc. Essa constatação é corroborada por Martins et al. (2018) que citaram que o etanol e o açúcar fazem parte da mesma cadeia de produção no Brasil, compartilhando instalações de produção, logística e decisões que regulam a localização das unidades de produção.

O ODS8, “Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos” foi classificado em 17 artigos (38,6%). Por exemplo, a expansão da produção de etanol pode aumentar o PIB e o emprego; emprego gerado para classes de baixa renda; impactos socioeconômicos da produção de cana são positivos; investimentos em prol da sustentabilidade, com foco nas questões ambientais e sociais; usinas e produtores de cana-de-açúcar vêm se adaptando para um crescimento sustentável. A pesquisa de Bacchi e Caldarelli (2015, p. 209) corrobora com o resultado, citando que “[...]existe interação positiva e significativa entre a expansão do setor sucroenergético no Estado de São Paulo e o emprego e a renda.”

Outra constatação é quanto ao ODS9, “Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação” que foi classificado em oito artigos (18,2%). O setor passou por diversas fases de desenvolvimento e continua gerando pesquisas sobre novos produtos. Por exemplo, a otimização dos processos de produção e a utilização de coprodutos na produção de novos materiais ou energia. Apesar de as condições que favorecem o bagaço e a palha da cana para o uso na cogeração, um pequeno número de usinas aproveita esse potencial fonte de receita (Silva; Bomtempo; Alves, 2019). Quanto à infraestrutura, pode-se citar os benefícios microrregionais da expansão da cana que superam as desvantagens ou que as usinas têm efeito positivo no desenvolvimento socioeconômico dos municípios.

A preocupação com a manutenção do meio ambiente foi expressa pelo ODS15, “Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade” que foi classificado em seis artigos (13,6%). Por exemplo, a certificação ajuda a integrar a sustentabilidade no ciclo de vida da produção de cana; a demanda de etanol não deve afetar as florestas nativas.

Quanto à produção de alimentos, tem-se o ODS1, “Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares”, classificado em quatro artigos. Por exemplo, usar a terra com mais eficiência; geração de empregos e produção de alimentos. A preocupação com o uso da água no sistema produtivo, tanto da cana-de-açúcar quanto do etanol, o ODS6, “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos” é classificado também em quatro artigos (9,1%). A irrigação é uma forma de reduzir a pegada hídrica; a substituição anual de culturas e pastagens por cana-de-açúcar aumenta a disponibilidade de água.

Os objetivos ODS11, “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis” foi classificado com três artigos (6,8%); ODS13, “tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos” foi classificado com dois artigos (4,5%); e ODS10, “Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles” foi classificado com um artigo (2,3%).

Os objetivos 3 “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”; 4 “Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”; 5 “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”; 14 “Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”; 16 “Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis” e 17 “Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável” não constaram como resultados das pesquisas avaliadas. Esse é um resultado previsível, pois os artigos estão voltados à produção de cana-de-açúcar e etanol e os objetivos citados não estão relacionados diretamente à produção.

Apesar do lado positivo dos resultados citados, algumas pesquisas abordam problemas quanto a produção da cana-de-açúcar e do etanol e que não poderão ser enquadrados como contribuintes para o cumprimento das metas da agenda 2030:

a) Emissões de GEE, erosão do solo, qualidade da água e perda de biodiversidade, segurança alimentar, degradação do solo, deslocamento de comunidades tradicionais, saúde e questões de conflitos de terras (Postal et al., 2020);

b) Área cultivada dedicada à cana-de-açúcar aumentou em detrimento das áreas de pastagem e também de terras anteriormente dedicadas à produção de alimentos, e deu origem a preocupações com o aumento dos preços da terra e dos preços dos alimentos (Caldarelli; Gilio, 2018).

c) Aumento de área dedicada ao cultivo de cana-de-açúcar ocasionando perda de empregos, provavelmente pelo processo de mecanização da colheita da cana-de-açúcar (Gilio; Moraes, 2016);

d) Consumo de recursos naturais, tais como água, solo e área agricultável necessária para a produção da cana-de-açúcar. A produção de etanol, em larga escala, reduzirá as terras aráveis para a produção de alimentos (Pereira; Ortega, 2010).

Nesse sentido, segundo Breuer, Janetschek e Malerba (2019), para uma implementação bem-sucedida de todos os ODSs, essa ação dependerá de decifrar interações complexas entre os objetivos e seus alvos. Isso significa que a implementação dos ODSs requer processos intersetoriais para promover a coerência das políticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo da pesquisa foi verificar, na literatura, se o etanol de cana-de-açúcar no Brasil está colaborando com a Agenda 2030 por meio dos ODSs e suas metas.

Apesar de não ser a principal meta dos artigos avaliados, as possíveis contribuições que poderiam trazer para o cumprimento das metas de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, esta pesquisa procurou enquadrá-los dentro dos ODSs. Os resultados foram classificados como prováveis contribuintes para os objetivos: ODS1, erradicação da pobreza; ODS2, fome zero e agricultura sustentável; ODS6, água potável e saneamento; ODS7, energia acessível e limpa; ODS8, trabalho decente e crescimento econômico; ODS9, indústria, inovação e infraestrutura; ODS11, cidades e comunidades sustentáveis; ODS12, consumo e produção responsáveis; ODS13, ação contra a mudança global do clima e ODS15, vida terrestre. Os artigos mostram, de uma forma geral, que o cultivo da cana-de-açúcar e a produção de etanol podem contribuir com o cumprimento, dentro desse ramo industrial, das respectivas metas da Agenda 2030.

Verificou-se, também, que diversas pesquisas divergem dos valores ambientais e econômicos positivos elencados nos artigos avaliados, citando problemas decorrentes do processo (emissões de GEE, segurança alimentar, erosão e degradação do solo, conflitos de terras, perda de empregos, consumo de recursos naturais etc.). Pode-se inferir que esses problemas não são só pertencentes a um determinado setor industrial, podendo abranger outros setores.

Alguns objetivos, como ODS3, “saúde e bem-estar”; ODS4, “educação de qualidade”; ODS5, “igualdade de gênero”, ODS14, “vida na água”; ODS16, “paz, justiça e instituições eficazes”; e ODS17, “parcerias e meios de implementação”; não estão presentes nas pesquisas avaliadas. O que se infere é que esses objetivos não estão conectados ao cultivo de cana-de-açúcar e da produção de etanol, não contribuindo, portanto, para o cumprimento das citadas metas.

Segundo Hunsberger, German e Goetz (2017), é crucial desagregar as expectativas de biocombustíveis em várias dimensões: por tema, por escala, por período de tempo e pelas características sociais dos grupos afetados. Embora buscar benefícios múltiplos e integrados seja uma meta política normal e admirável, fazê-lo com sucesso exige um nível alto de pensamento desagregado.

Quanto a implementação da agenda, Breuer, Janetschek e Malerba (2019) citaram que é provável que a implementação da Agenda 2030 traga sinergias, isto é, situações em que as realizações de um objetivo contribuam para o progresso de outros objetivos, bem como contrapartidas, ou seja, situações em que o progresso alcançado em um objetivo produzirá efeitos prejudiciais a outros objetivos ou a partes deles. Nesse sentido, as interações entre os ODSs podem causar resultados divergentes (Prahan et al., 2017).

Conforme Allen, Metternicht e Wiedmann (2018), a revisão da literatura especializada emergente sobre os ODSs destacou que uma abordagem eficaz para a sua implementação, provavelmente, exigirá a priorização de objetivos e metas para se concentrar em um conjunto reduzido de prioridades altamente inter-relacionadas. No entanto, a revisão evidenciou consideráveis lacunas na prática, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. Essas lacunas são significativas, pois prejudicam a implementação efetiva e o potencial transformador dos ODSs.

Espera-se que as contribuições promovidas pela academia se tornem realidade dentro da visão 2030 dos ODSs, mas, como tudo depende de investimentos, vontade e muita energia para cumprir, é difícil prever a sua concretização plena.

Uma das limitações da pesquisa é quanto à base de dados pesquisada, pois esta ficou restrita somente aos periódicos da ScienceDirect, apesar de que tais periódicos são relevantes dentro da área acadêmica. Será interessante estender a pesquisa consultando também outras bases e pesquisando outros setores industriais.

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APÊNDICE A - ARTIGOS AVALIADOS





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