Dossiê
LEITURA DIALÓGICA DE POESIA NA ESCOLA: UM ENCONTRO COM A LÍRICA DE ELISA LUCINDA NA PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
LEITURA DIALÓGICA DE POESIA NA ESCOLA: UM ENCONTRO COM A LÍRICA DE ELISA LUCINDA NA PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Muiraquitã, vol. 11, núm. 2, pp. 259-280, 2023
Universidade Federal do Acre

Recepción: 05 Julio 2023
Aprobación: 07 Diciembre 2023
Resumo: O texto apresenta um recorte teórico da pesquisa “Educação literária para as relações étnico-raciais na escola: diálogos com a poesia de autoria capixaba negra”, desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Letras – Profletras -, no Ifes Vitória, cujo objetivo é o de estabelecer diálogos com a literatura capixaba de autoria negra e refletir sobre as relações étnico-raciais nas práticas de leitura no Ensino Fundamental nos Anos Finais. Para isso, almeja-se um diálogo entre a poesia de Elisa Lucinda e outros autores representativos do tema proposto: Evaristo (2009); Gomes (2011, 2012); Araújo (2015), a fim de fomentar a formação do leitor responsivo. Nesse sentido, o corpus utilizado possibilitará, por meio de uma abordagem dialógica, uma reflexão, a partir da interlocução proposta, sobre situações vivenciadas pela comunidade negra, a fim de levar os estudantes a desenvolverem sua sensibilidade e criticidade perante tais situações. Optamos por uma pesquisa bibliográfica, cujo aporte teórico se fundamentará, essencialmente, em autores que dialogarão sobre os conceitos de dialogismo e responsividade, tais como Bakhtin (2011, 2014); Bezerra (2015) Brait (2005, 2006); Fiorin (2018); Carvalho (2018, 2021) e Geraldi (2002), para observar e analisar as relações estabelecidas, pelo estudante leitor, entre as leituras e as relações étnico-raciais presentes na sociedade.
Palavras-chave: Educação literária, Literatura afro-brasileira e relações étnico-raciais, Literatura capixaba, Poesia, Responsividade.
Abstract: The text presents a theoretical excerpt of the research “Literary education for ethnicracial relations in school: dialogues with poetry of black capixaba authorship”, developed within the scope of the Professional Master’s Degree in Letters – Profletras, at Ifes Vitória, whose core objective is to establish dialogues with the capixaba literature of black authorship and reflect on ethnic-racial relations in reading practices in Elementary School in the Final Years. For this, a dialogue is sought between the poetry of Elisa Lucinda and other authors representative of the proposed theme: Evaristo (2009); Gomes (2011, 2012); Araújo (2015), in order to foster the formation of the responsive reader. In this sense, the corpus used will allow, through a dialogical approach, a reflection, from the chosen corpus, on situations experienced by the black community, in order to lead students to develop their sensitivity and criticality before such situations. We opted for a bibliographic research, whose theoretical contribution will be based, essentially, on authors who will dialogue about the concepts of dialogism and responsiveness, such as Bakhtin (2011, 2014); Bezerra (2015) Brait (2005, 2006); Fiorin (2018); Carvalho (2018, 2021) and Geraldi (2002) to observe and analyze the relations established, by the student reader, between the readings and the ethnic-racial relations present in society.
Keywords: Literary education, Afro-Brazilian literature and ethnic-racial relations, Literature in the state of Espírito Santo, Poetry, Responsiveness.
INTRODUÇÃO
O texto apresenta um recorte teórico da pesquisa “Educação literária para as relações étnico-raciais na escola: diálogos com a poesia de autoria capixaba negra”, desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Letras – Profletras do Ifes Vitória. Neste artigo, busca-se estabelecer interlocuções com a lírica de Elisa Lucinda, atriz, poeta e cantora capixaba, em uma perspectiva dialógica da linguagem, a fim de ampliar o debate acerca das práticas de leitura literária alinhadas a uma educação étnico-racial no Ensino Fundamental Anos Finais, de modo a contribuir para a construção de uma cultura escolar menos racista e excludente.
Tencionamos, além disso, divulgar os poemas de Elisa Lucinda presentes no caderno “Carta Negra”, para que a leitura de obras de autores capixabas negros também encontre lugar no contexto da sala de aula da educação básica e fomente a compreensão da importância dessas produções para uma educação literária para as relações étnico-raciais. A partir desses objetivos, por meio do cotejo teórico entre autores representativos da educação étnico-racial na escola, da leitura de poesia na sala de aula, sob a égide da perspectiva bakhtiniana da linguagem, apresentaremos a seguir o diálogo proposto neste artigo.
Desse modo, organizamos o nosso texto a partir das seguintes seções: a primeira delas, “A poesia de Elisa Lucinda: os versos do caderno “Carta Negra”, na qual apresentaremos alguns traços da lírica da poeta capixaba, em diálogo com o seu percurso no campo literário. Na seção seguinte, “As relações étnico-raciais na escola: diálogos com a leitura de poesia”, realizaremos um cotejo entre os poemas da autora capixaba e as considerações sobre a educação para as relações étnico-raciais, após a Lei 10.639/08. Em seguida, na seção “Entre versos e ritmos: diálogos com Bakhtin e o Círculo”, traremos alguns princípios da arquitetônica bakhtiniana, relativos à natureza dialógica da linguagem no campo do lirismo, para buscarmos ampliar a nossa compreensão sobre o signo poético no contexto da nossa argumentação.
Por fim, na seção “Apontamentos para novos debates”, sistematizaremos as idéias nucleares advindas da nossa interlocução entre poesia, educação literária e as concepções bakhtinianas no que tange às potencialidades da leitura poética para a edificação de práticas pedagógicas antirracistas, por meio da formação de leitores em um viés crítico que os eduquem para relações étnico-raciais na escola, para além de atividades ou propostas pedagogizantes.
A POESIA DE ELISA LUCINDA: OS VERSOS DO CADERNO "CARTA NEGRA"
No cenário literário capixaba emergiram grandes escritores ao longo das décadas. Uma delas, a década de 1990, viu um grande nome da literatura florescer: Elisa Lucinda, que se consagra como atriz e escritora. Ribeiro (2010) traz o nome de Elisa Lucinda entre um grupo seleto, assim a descrevendo entre outras escritoras:
Os nomes capixabas de maior projeção nacional atualmente, são os da poeta e atriz Elisa Lucinda (1958) que estreou na literatura, com o livro de poemas Aviso da lua que menstrua, 1990, seguido de Sósia dos sonhos, 1994, O semelhante, 1994 e Eu te amo e outras coisas, 2001 [...]” (Ribeiro, 2010, p. 119).
Elisa Lucinda Campos Gomes nasceu em 02 de fevereiro de 1958, na capital do estado do Espírito Santo, Vitória. Ainda adolescente, a escritora já demonstrava interesse pela literatura, cursando interpretação teatral de poesia. Permaneceu no estado até a década de 1980, período em que se formou em Jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo e ainda dedicou alguns anos ao magistério, no ensino primário e no ensino universitário. Mas foi com a transferência para o Rio de Janeiro que Elisa Lucinda deu início a sua produtiva carreira, primeiramente através do teatro e do cinema e, por fim, ganhando as telas da televisão brasileira, na participação de novelas e minisséries. Ainda nos últimos anos da década de 1980, recebeu premiações por atuações no cinema nacional.
A escrita não seria uma atividade que não a alcançaria, dado o seu potencial criativo e seu engajamento com o campo artístico desde cedo. Elisa Lucinda abre a década de 1990 escrevendo peças teatrais como, 60 e over (1991); A lua que menstrua (1992) e Deus (1993). Daí em diante, a escrita caminhou junto com a sua carreira de atriz. Em 1993, lança seu primeiro livro de poemas, intitulado Aviso da lua que menstrua e, no ano seguinte, o livro O semelhante. A partir daí, outras obras que formaram sua vasta produção escrita tornaram-na uma das personalidades mais notáveis no teatro e na literatura da atualidade, além de sua presença marcante na televisão brasileira através da interpretação de seus personagens. Vários de seus poemas foram também interpretados para compor o CD “O semelhante”, que contou com a participação de vários outros artistas no projeto. Assim, a autora se inseriu no campo das artes também com uma vasta produção escrita, inclusive com obras destinadas ao público infantil e passeando por vários gêneros discursivos como conto, romance, peça teatral, poesia etc.
O poema é para mim terra firma, como é, para o náufrago, uma ilha (Lucinda, 2016, p. 99).
A sensibilidade para a poesia e a consciência de percebê-la, enquanto potência em sua vida desde cedo, condicionou a escritora a desejar proporcionar seus benefícios às pessoas em condições de vulnerabilidade social também. Em 2008, é inaugurada a Casa Poema, sede da Escola Lucinda de Poesia Viva, criada para sediar encontros e oficinas, proporcionando o contato com a poesia a diversas pessoas, inclusive àquelas em privação da liberdade. É o caso do projeto Versos da Liberdade, que proporcionou o ensino de poesia a adolescentes que cumpriam medida socioeducativa.
Em meio à tão diversa produção literária, optamos em nossa pesquisa pelo recorte poético presente no “Caderno Carta Negra”, por termos como objetivo nuclear o estudo do gênero lírico como aporte para dialogar com a educação das relações étnico-raciais no ensino de leitura literária na escola. A autora apresenta em seus versos uma forma não somente poética de traduzir suas experiências, mas transmite também uma denúncia social. “Na poesia de Lucinda, percebemos o compromisso e o cuidado da poeta ao direcionar o olhar para os diferentes sujeitos socialmente marginalizados e que, na maioria das vezes, são percebidos como outros” (Aniceto; Nogueira, 2020, p. 33).
Sendo assim, o interesse está nos textos líricos produzidos pela autora capixaba, em especial aqueles que, pelo seu notável engajamento com a causa do negro na sociedade, trará elementos essenciais para os diálogos que serão propostos neste artigo.
Não quero mais que matem nossos meninos, tantos pretos lindos.
Quero em suas bocas, argumentos.
Quero em suas mãos, instrumentos (Lucinda, 2016, p. 234).
Elisa Lucinda, em sua poesia, apresenta aquilo que de mais expressivo construiu em sua carreira e como ela mesma disse em entrevista à Conexão Literatura (2017, p. 06): “[...] a poesia é para mim como carro chefe no sentido de que tudo que eu faço tem poesia no meio. É ela quem é a responsável pela trama de todo o meu tecido artístico.” É no gênero lírico que ela traz à tona seu lugar de fala, de mulher negra, que com olhar sensível para o cotidiano captura o essencial de suas experiências de vida e a externa em versos grito e, por isso, Aniceto e Nogueira (2020) afirmam que a poesia de Elisa Lucinda assume um compromisso de suscitar no leitor uma reflexão sobre os sujeitos marginalizados e seu lugar de fala.
Nas últimas décadas do século XX, percebemos que a mulher como voz autoral passou a estabelecer um diálogo com sua própria história. Diante disso, na tentativa de fazer emergir sua voz que vem da margem, Lucinda busca a legitimação do seu discurso que reivindica, na maioria das vezes, visibilidade, representatividade e respeito (Aniceto; Nogueira, 2020, p. 30).
A poesia de Elisa Lucinda assume a autoridade de lugar de fala de uma mulher negra que, embora tenha sua arte reconhecida e ascensão social alcançada, não deixa esquecida suas raízes, pelo contrário, é engajada com a pauta do negro na sociedade e as questões de gênero, construindo em seus diálogos poéticos reflexões profundas sobre tais problemáticas sociais. Isso faz da escritora e de sua obra uma voz potente nesse enfrentamento e a introduz na lista de autores que podem contribuir positivamente, no contexto escolar, para subsidiar práticas de ensino em que se possam dar condições aos estudantes de terem contato com essa linguagem capaz de suscitar profundas e necessárias reflexões como as que almejamos com esta pesquisa.
Vale ressaltar que as questões de gênero não serão o foco nos diálogos que serão estabelecidos no decorrer da pesquisa, embora o engajamento social da autora com tais seja fortemente pautado em seus versos íntimos, e, por isso, muitas vezes tradutores de sua vivência pessoal enquanto mulher negra. O que se pretende é o desenvolvimento de práticas capazes de apoiar reflexões acerca das relações do negro com a sociedade, sem restringir essa reflexão somente às questões relacionadas à mulher negra. Para além disso, é preciso perceber a voz de Elisa Lucinda de maneira mais ampla, de dentro de um movimento de ativa participação em defesa das causas do negro em uma sociedade composta, em sua grande maioria, por negros e que, no entanto, nega a esses cidadãos o usufruto de muitos de seus direitos. O que está em pauta é sua capacidade de atingir uma representatividade maior. Lucinda propõe uma autocrítica à sociedade que, de forma velada e/ou não, impõe ao negro condições distintas àquelas garantidas aos brancos historicamente. Sob essa perspectiva, sua atuação evoca reflexões sobre como as estruturas de uma sociedade racista promovem exclusões. Atualmente a escritora, atriz e cantora desenvolve atividades na área social, ligadas a projetos que atendem menores em situação de vulnerabilidade social o que a concedeu o reconhecimento da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) pelo projeto “Versos de Liberdade” levando a autora a participar da campanha Vidas Negras, lançada em 2017, no mês da Consciência Negra, uma estratégia para ampliar a visibilidade e sensibilizar a sociedade sobre o alto índice de violência contra a juventude negra brasileira.
Diante da realidade vivida pelos negros no Brasil e a estrutura de exclusão presentes inclusive nos órgãos governamentais, com acentuado agravamento desses desafios durante o governo de Jair Messias Bolsonaro, Elisa Lucinda dialogou com a sociedade, principalmente por meio das mídias digitais, protestando contra os desmandos principalmente do Ministério da Cultura do então governo. O engajamento e compreensão sobre as estruturas sociais fazem da artista uma voz consciente sobre os desafios e meios para superá-los, direcionando cobranças e conduzindo a reflexão sobre essa realidade a uma significativa parcela da sociedade. O ativismo de Elisa Lucinda pode ser percebido também em sua escrita. O engajamento na luta contra o racismo e suas consequências negativas são percebidos, assim como toda a riqueza, cultural ou material, do negro é enaltecida em sua obra, tornando-a um rico subsídio para o trabalho com a leitura em sala de aula voltada para discutir as relações étnico-raciais.
Carta negra ou o sol é para todos
A realidade grita assim: quem dá mil vezes mais chances para os brancos que para os pretos?
A televisão.
As empresas.
Os poderes.
Quem trai até hoje os abolicionistas, quem dissemina e aprimora a obra da escravidão?
Quem deixa o ator negro morrer sem fazer grandes papéis?
Quem não deixa ter papa negro?
Quem, na Bahia ou no Rio de Janeiro, barra o preto pobre no cordão?
Quem veta?
Quem despreza?
Quem domina o branco nas pequenas ações à custa ainda da grande opressão? [...] (Lucinda, 2016, p. 264).
Quanto ao questionamento acerca de uma realidade social tão injusta, mas presente nas mais variadas formas de exclusão, os versos acima expõem, à moda Lucinda de poetizar, essa realidade na denúncia que emerge de sua escrita. A autora, sempre que tem oportunidade, fala da forma como a poesia a lançou no meio artístico de uma maneira diferente, levando-a a conquistar espaços que, por mais talento que atores negros tenham, poucos conseguem alcançar. Sua poesia reflete as ideias que se configuraram a partir da experiência de uma cidadã negra que experimentou na pele o que é ser negro no Brasil, uma cidadã negra que, mesmo bem-sucedida, não deixa de sofrer, observar e avaliar as consequências de uma sociedade com racismo arraigado em sua estrutura. A análise das causas desse quadro pode direcionar respostas aos versos. Ao trazer esse sentido para sua poesia, a escritora ultrapassa os limites da escrita dando voz a uma causa. A representação que se constrói na sua obra passa a compor uma literatura capaz de fazer refletir sobre a sociedade, os papéis dos indivíduos, formas de opressão, formas de manutenção desse sistema e principalmente a urgente tomada de consciência sobre essa realidade.
[...]
O menino preto queria ser engenheiro mas o policial o mata primeiro.
Não tem apartheid? Mas sabemos onde estão cada uma destas etnias, onde encontrá-las entre a injustiça e seus pavios!
Estou cansada.
Estamos.
[...]
Trocando em miúdos, depois do genocídio de índios, seguido de quatro séculos de crudelíssima negra escravidão provou-se o irreversível dessas primeiras asneiras, pois ainda com elas matamos a justiça do presente e do futuro. Uma danosa doideira, com a obra das escravidões rasga-se a bandeira brasileira (Lucinda, 2016, p. 264-265).
Elisa Lucinda é, no cenário atual, uma voz que se posiciona e que, por meio de sua arte e sua escrita, convoca, incomoda e propõe romper com a falsa ideia de normalidade, de que não há racismo. Convida a limpar as lentes para olhar os espaços ocupados por negros e brancos e enxergar que, nessa configuração, existe algo de errado. Há um abismo entre as ofertas de oportunidades e o lado prejudicado é composto, em sua maioria, pelos negros que vão tornando ainda maiores as filas do desemprego, da evasão escolar, da população carcerária, da porcentagem de mortes em decorrência da violência etc.
Observando a expressiva contribuição da escritora no cenário literário brasileiro e discutidos os motivos sobre a necessidade de se limitar como corpus deste trabalho a sua poesia, apresentaremos, então, a obra escolhida.
“Carta Negra”, um dos cadernos que compõem Vozes Guardadas, uma coletânea de poemas, publicado em 2016 pela Editora Record, foi designado para subsidiar as oficinas de leitura de poesias para o produto educacional que será apresentado como resultado da pesquisa. A coletânea é a junção de dois livros e está organizada em duas partes: “Livro primeiro: Jardim das cartas” e “Livro segundo: Livro dos desejos”. No prólogo de seu livro, Elisa Lucinda, anuncia, em versos, o que pode ser suscitado no leitor pelos poemas reunidos durante onze anos de sua carreira e reunidos nessa obra.
[...]
Basta um olhar alfabetizado sobre a escrita palavra, e pou! Volatiza-se sua potencialidade, abrem-se as travas, e o mar de significados começa e não cessa de bater e de voar. [...] (Lucinda, 2016, p. 18).
Esses poemas, produzidos e arquivados durante anos de sua vivência com pessoas e situações do cotidiano, ganham as páginas da obra para tornar públicas as várias vozes que carregam. Os versos aqui reescritos traduzem o que se espera alcançar com as leituras dos poemas escolhidos para as leituras que serão propostas. O caderno “Carta Negra” reúne vinte e quatro poemas que vão expressar, cada um a seu ritmo, o olhar atento, mas principalmente artístico sobre a relação cotidiana da autora com o mundo. Em especial, esse caderno foi escolhido por expressar em seus poemas o olhar atento de uma mulher negra engajada. Na apresentação do caderno, a escritora toma emprestado o pensamento de Desmond Tutu em: “Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor” (Lucinda, 2016, p. 227). Isso já é um anúncio sobre o que o leitor vai encontrar na leitura cuidadosa dos poemas que a escritora foi, por anos, construindo para externar o que sua experiência de vida foi lhe proporcionando.
“Poemeto de amor ao próximo” abre o caderno escolhido. Nele o eu-lírico, em tom de advertência, chama a atenção do leitor para o respeito às escolhas alheias, referindo-se à opção sexual de cada um e apontando para a necessidade de paz diante de tanta violência alimentada pelo preconceito e não aceitação. Com a mesma força poética, os poemas “O que dizem os tambores”, “Velha dor”, “Meninos pretos” (dedicado ao cavaquinista Rodrigo Campos), “Carta escrita em coração materno”, “Violência”, “A compreensão do horror, ou o ensaio de uma guerra”, “A herança ou o último quilombo”, “As irmãs”, “Poema de várzea”, “Semelhante”, “Ouvi falar”, “Poema ainda sem nome” (dedicado a Chico César), “Boletim”, “O sujeito e a coisa”, “Melhor que o leão?”, “O carteiro alado”, “Pré-requisito”, “O ilusionista”, “Carta negra ou o sol é para todos”, “Déjà-vu”, “O trem”, “Só de sacanagem”, “Última moda” formam a coletânea. Nesses poemas, a dor, a potência cultural do negro, as angústias das mães pretas, a esperança, o analfabetismo que rouba a capacidade de compreensão e voz, as oportunidades negadas, a violência contra o jovem negro e a mulher, entre outros, são temas abordados pela escritora. A escrita simples, porém cuidadosa na escolha do léxico, dialoga com as variadas situações que permeiam o universo da cultura negra, levando a uma reflexão profunda de suas causas e efeitos e com várias vozes representativas de sujeitos sociais traduzidas pela subjetividade da autora.
É sempre um desafio abordar o gênero lírico nas aulas de leitura literária na escola, no entanto, necessário. Portanto, ao eleger a leitura de poemas, em especial, de poemas da Elisa Lucinda, uma autora capixaba negra, pretende-se que sua obra possa fomentar o debate sobre as relações étnico-raciais para uma melhor formação do leitor crítico na escola. Décio Pignatari vai dizer que “Um poema transmite a qualidade de um sentimento. Mesmo quando parece estar veiculando ideias, está é transmitindo a qualidade de sentimentos dessa ideia” (Pignatari, 2011, p. 18).
A poesia abordada como caminho para experimentar, despertar sentidos, pode ser subsídio para diálogos profundos e necessários sobre as questões étnico-raciais que se almeja. Na poesia de Elisa Lucinda, percebe-se uma expressão madura que comunica sua experiência vivida e observada, ora alegrias, ora tristezas e sofrimentos, na percepção de um problema social através de imagens construídas em forma de versos.
Elencamos o caderno “Carta Negra”, para compor nosso repertório de propostas de leitura, por entendermos que a temática que conduziu a autora na produção poética possa ser assimilada e compreendida pelos estudantes. Além disso, objetivamos que a leitura da poesia seja o fio condutor para refletirmos e debatermos temas sensíveis relacionados às relações étnico-raciais e que estão presentes nos poemas de forma muito clara e profunda e com uma linguagem acessível ao público-alvo da pesquisa.
AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA: DIÁLOGO COM A LEITURA DE POESIA
A palavra fotografa, mas não é um retrato. Nada tem de estática, nunca mais. Uma vez escrita está esperta e à espreita. Muito mais à espreita do que quando pensada.
(Lucinda, 2016, p. 18)
Sancionada em 09 de janeiro de 2003, pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, a lei 10.639/03 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O objetivo é orientar, para que seja promovida uma educação para a diversidade étnico-racial nos currículos do ensino fundamental e ensino médio.
É preciso ressaltar que tal legislação é uma conquista resultante de um engajado trabalho de grupos de estudiosos, professores, militantes, representantes da sociedade civil organizada e de representantes de setores do Estado. Essa ressalva é importante para manter a atenção sobre como toda e qualquer situação que envolva garantir minimamente uma equidade racial neste país depende de esforços direcionados a uma tomada de consciência e mobilização para que ações concretas sejam desenvolvidas.
Não há outro caminho para se iniciar essa discussão se não pela via desse alerta. É sabido e indiscutível todo o histórico da população negra no Brasil. O processo de escravização, que forneceu as condições para que essa sociedade construísse suas bases, não deixou apenas a marca das riquezas materiais que acabaram permanecendo sob o poder de uma parcela pequena dela. A atuação do negro nesse processo não lhe garantiu a atenção justa e necessária por parte daqueles que, mesmo se beneficiando de sua mão de obra, seus conhecimentos, sua cultura, iam estrategicamente impondo a ideia de superioridade de sua raça sobre a do escravizado. As relações sociais vão sendo construídas nesse cenário de exploração que produziu a imensa desigualdade social e racial na sociedade brasileira.
O racismo permeou essas relações, mostrando-se presente até mesmo dentro dos movimentos de luta contra essas desigualdades. É nesse momento que o Movimento Negro no Brasil compreende que precisa criar sua própria pauta e avançar numa luta mais centrada em suas reivindicações. A pesquisadora Nilma Lino Gomes ressalta que é nesse contexto que o Movimento Negro amadurece e entende que é preciso concentrar esforços para intervir politicamente na ruptura da neutralidade do Estado ante a desigualdade racial e assim cobrar políticas de ações afirmativas. Para isso, seria necessário que representantes do Movimento Negro se inserissem nas esferas da administração pública. Ainda segundo a pesquisadora, essa inserção é discreta, não havendo uma equidade de representação nos escalões de poder. Nesse sentido, o Movimento Negro caminha lentamente na perspectiva de criar condições para garantir, principalmente na educação, ações para que a população negra tenha mais acesso e qualidade de ensino.
Os ativistas do Movimento Negro reconhecem que a educação não é a solução de todos os males, porém ocupa lugar importante nos processos de produção de conhecimento sobre si e sobre “os outros”, contribui na formação de quadros intelectuais e políticos e é constantemente usada pelo mercado de trabalho como critério de seleção de uns e exclusão de outros (Gomes, 2011, p. 212).
A mobilização do Movimento Negro para tentar diminuir as consequências dessa herança resultou na criação da lei que impõe a discussão sobre diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação para superação dos tantos desafios existentes, contribuindo para a correção da distorção no ensino da história dos povos que deram origem à população brasileira.
As questões como a discriminação do negro nos livros didáticos, a necessidade de inserção da temática racial e da História da África nos currículos, o silêncio como ritual a favor da discriminação racial na escola, as lutas e a resistência negra, a escola como instituição reprodutora do racismo, as lutas do Movimento Negro em prol da educação começam, aos poucos, a ganhar espaço na pesquisa educacional do país, resultando em questionamentos à política educacional (Gomes, 2011, p. 112-113).
A lei 10.639/03 foi, sem dúvidas, um avanço significativo das reivindicações do Movimento Negro, no entanto, o atendimento à legislação pelas instituições de ensino perpassa sua sanção, não sendo garantido, uma vez que isso depende da contribuição dos agentes diretos de seu cumprimento, os profissionais da educação. Nesse sentido, a permanente luta por ações afirmativas voltada ao seu cumprimento continuou presente na pauta do Movimento Negro.
No cenário educacional, algumas ações ainda descoladas de um debate mais crítico sobre as relações étnico-raciais perduram e encobrem uma realidade que nos desafia a pensar novos caminhos de resistência ao racismo e às desigualdades decorrentes da história, em que os negros não puderam expressar sua voz e participar de processos sociais e políticos que os encaminhassem a uma autonomia maior em nossa sociedade.
As práticas de leitura de literatura na escola podem se configurar em importante espaço de resistência, diálogos e lutas por uma formação de leitores mais alinhada às questões sociais presentes nessas relações étnico-raciais ainda difusas no contexto cultural, principalmente no espaço escolar ainda marcado pelas profundas distorções sociais, em meio às quais fica evidente o pouco prestígio atribuído, em alguns contextos de circulação da literatura, às produções literárias de autoria negra, muitas vezes, inexistentes nas bibliotecas escolares e nas aulas de língua e literatura da educação básica.
Quando se trata da leitura do gênero lírico nas práticas pedagógicas, é uma realidade percebida e discutida por muitos professores nas escolas e estudiosos no meio acadêmico, pois a presença ainda é tímida desse gênero na sala de aula, em uma concepção crítica e dialógica. Pinheiro (2018), ao discutir sobre a situação da poesia em sala de aula, mostra que o gênero lírico é o menos abordado pelos professores nas aulas de leitura. Tal situação atravessa as etapas da educação básica. Para o pesquisador, a leitura de poesia nas primeiras séries do ensino fundamental limita-se ao ensino das estruturas, distanciando bastante dos aspectos de sentido. Nas demais séries, o problema se intensifica, pois a faixa etária se configura como aquela com maiores dificuldades em apreciar o gênero lírico, quando comparada à fase adulta.
Tais dificuldades têm, como causa, vários fatores que, segundo Pinheiro (2018), passam pela dificuldade dos próprios professores em lidar com o gênero e por isso acabam priorizando outros para suas práticas pedagógicas, mas não é só isso. Existe uma dificuldade também imposta pelos livros didáticos que priorizam o estudo da forma, quando trazem o gênero como proposta; os exemplares de obras em versos disponibilizados pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) é bem menor do que aquelas em prosa (Pinheiro, 2018, p. 13).
Para além das condições de divulgação e recepção da poesia, é preciso refletir sobre as condições de produção desse gênero que também contribuíram para as dificuldades de sua abordagem em sala de aula. Sorrenti (2013) ressalta o histórico das produções literárias em prosa e verso no Brasil e seu objetivo vinculado ao olhar pedagogizante que perdurou por muito tempo, e mais, o número de autores que se dedicam às produções poéticas é muito menor em comparação àqueles que se voltam para a produção em prosa. Segundo a pesquisadora, a produção de poesia para criança no Brasil teve “[...] o atendimento a uma demanda prática, de ordem pedagógica, com o objetivo de preservar valores didático-moralizantes (Sorrenti, 2013, p. 11).” Por esse motivo, as produções poéticas tiveram um momento em que foram sendo construídas e apresentadas para um fim que se distanciava muito do propósito de construir múltiplos sentidos percebidos na poesia-arte.
Não é difícil presumir o quanto isso, por muito tempo, pautou também o ensino de leitura de poesia, influenciando em práticas pedagógicas que pouco ou nada recorriam ou recorrem ao aspecto plurissignificativo da poesia para a formação poética do leitor. Drummond (1974) , em seu texto “A educação do ser poético”, faz a indagação sobre o fato de a escola, com suas práticas, estar ou não contribuindo para a construção do núcleo poético do ser humano. Para ele, as muitas práticas desenvolvidas em nada diferenciam a poesia da prosa, no sentido de estar apenas produzindo textos com recursos linguísticos. Para o escritor, a escola deveria “[...] considerar a poesia como primeira visão direta das coisas e, depois, como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética” (Drummond, 1974, p. 01).
Para Sorrenti (2013), é fato que a poesia, assim como a narrativa, se vê ligada à escola, mas que também esse ambiente pode ter como cultivo o desgosto por ela. Realmente, como discorre a pesquisadora, muitos são os relatos de professores sobre a problemática que envolve o ensino de leitura de poesia, indo desde a queixa sobre o tempo maior que tal abordagem necessita até a falta de conhecimento específico sobre o gênero e suas possíveis abordagens. Ainda de acordo com Sorrenti (2013), o ambiente escolar preocupa-se demasiado com o preenchimento do tempo dos estudantes com conteúdo e, por isso, destinar um tempo, além dos padrões, para dedicar-se à poesia e seus desdobramentos é visto como perda ao ensino significativo de conteúdo.
A poesia pode estabelecer uma ponte entre a criança e o mundo. Ela também constitui uma maneira de ensinar a dominar certos ritmos fundamentais do ser, como respirar. Pela expressão da fala, a criança se apropria de suas possibilidades, adquirindo o domínio de sua palavra (Sorrenti, 2013, p. 19).
Evidentemente estamos imersos em um contexto escolar em que há uma cobrança exacerbada sobre aplicação de conteúdos e avaliações dos níveis de ensino e aprendizagem, mas é preciso ter consciência de que a poesia carrega em si a capacidade de construir conhecimentos a partir de si mesma e também de desenvolver habilidades essenciais para o desenvolvimento de outros conhecimentos em várias áreas.
O pouco preparo dos professores aliado a uma tradição limitante nas produções poéticas e seus objetivos, bem como a pouca oferta de obras em versos podem ser entendidos, no contexto da educação pública, como um entrave para o ensino de leitura de poesia em sala de aula.
O exposto acima só vem confirmar aquilo que todo professor de Língua Portuguesa experimenta em sala de aula, a dificuldade de fazer com que os estudantes apreciem a leitura de poesia. Isso já é uma dificuldade na abordagem de textos em prosa e, tomando como objeto de estudo o gênero lírico, essa dificuldade dispara. Mas sabendo da importância da leitura em sala de aula e, mais, sabendo da importância do contato do leitor com a poesia, uma provocação nos toma: Em que aspectos o texto poético se torna importante para a formação do leitor? Considerando o foco de nossa pesquisa, como a leitura dialógica de poesia pode contribuir no debate sobre as relações étnico-raciais?
De que adianta formar pessoas cheias de conhecimento técnico mas individualistas a ponto de serem incapazes de perceber que são responsáveis não apenas pela construção de suas vidas particulares mas também pela da sociedade em que vivem; pessoas alienadas de suas emoções, de sua criatividade, de sua capacidade expressiva e de sua condição de ser mortal (só quando lembramos dela, podemos assumir para valer a responsabilidade pela construção de nossa própria vida e, ainda, da nossa identificação com o Outro, tão diferente de nós e tão emotivo, criativo, expressivo e efêmero como nós; [...] (Azevedo, 2010, p. 02).
Ao pensar em refletir sobre o papel do espaço formal de educação, Azevedo (2010) salienta a importância de uma formação integral do sujeito humano. O processo coletivo de ensino e aprendizagem deveria, nesse sentido, dar conta de formar indivíduos responsáveis e munidos de habilidades não somente técnicas, mas considerando as relações humanas como a chave para se construir uma sociedade mais equilibrada do ponto de vista das relações. Sendo assim, possibilitar uma educação que atenda a esses critérios passa pela necessidade de se pensar em práticas que possam dar condições para a construção da consciência sobre o aspecto humano nas relações cotidianas.
A proposta de utilizar a poesia como aporte para elaboração de práticas de ensino de leitura em sala de aula torna-se complexa, levando em consideração os desafios com o gênero já apresentados com base em Pinheiro (2018). Mas é necessário esclarecer que a poesia tem sua importância para a formação humana. Paz (1966) apresenta a poesia como um elemento inerente à sociedade. Segundo ele:
A poesia pertence a todas as épocas: é a forma natural de expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem os que não tem prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de expressão inerente à sociedade, enquanto que é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções, mitos, ou outras expressões poéticas (Paz, 1996, p. 12).
O autor mexicano apresenta de forma muito clara a diferenciação entre poesia e prosa e isso encaminha para a reflexão sobre os motivos de, em sala de aula, se elencar com maior frequência a prosa em detrimento da poesia nas práticas de leitura. Há nesses espaços a manutenção de práticas que priorizam a prosa por traduzirem o anseio dos currículos oficiais conteudistas. Sobre isso, Azevedo (2010, p. 01) alerta que “[...] informações utilitárias jamais darão conta de nossa existência concreta”. Para ele, o saber técnico tem tomado o espaço de uma formação mais humana, deixando de levar em conta, como preciso, os aspectos da condição humana, como o social, o moral, o cultural, o subjetivo, o emocional. Ainda para o autor, o espaço escolar vem coisificando a vida humana ao ponto de distanciar significativamente dela seu valor. Cabe ressaltar que o autor não desconsidera a importância dos saberes historicamente construídos pela humanidade, pelo contrário, ele enfatiza a responsabilidade em garantir o ensino sobre eles. Sua crítica está justamente na centralização somente no aprendizado desses saberes.
Ao pensar em uma prática de ensino de leitura que elenque a poesia como gênero central, reorganizam-se as prioridades do espaço formal de educação, caminhando para a possibilidade de avançar na busca pela formação de leitores humanamente mais sensíveis. Azevedo (2010) assim discorre sobre a importância da poesia e da ficção:
Textos de ficção e poesia costumam tratar de temas não passíveis de lições, métodos ou teorias: a busca do auto-conhecimento; as paixões humanas; sentimentos como amor, ódio, depressão, solidariedade, ciúmes etc.; as relações familiares; a confusão entre fantasia e realidade; nossas ambiguidades e contradições e nossos conflitos morais entre muitos outros assuntos, banais e fundamentais ao mesmo tempo, de extrema importância para todos nós (Azevedo, 2010, p. 11).
Se a educação, e em especial a formação de leitores, não se prestar a contribuir para a construção de valores voltados ao desenvolvimento pessoal, e também voltados à construção de indivíduos dotados de consciência sobre o valor do Outro e suas diferenças, de que valia para as boas relações humanas ela teria?
A abordagem de poesia voltada para a formação de leitores adquire, nesse cenário, uma importância no que diz respeito à formação humana. A poesia e sua linguagem literária de plurissignificações podem subverter a lógica fechada e limitante de textos teóricos e puramente técnicos. O sujeito leitor, assim, se vê desafiado a mover uma gama de sentidos e estes, por sua vez, acionarem o repertório de vivência desse leitor para construção de novos sentidos e, por fim, conhecimentos munidos de qualidade humana com suas emoções, sentimentos, sensibilidade, juízos de valor etc.
Para Carvalho e Alvim (2021, p. 17) “[...] a subjetividade humana é característica do gênero lírico”. Considerar que o indivíduo pode, através da leitura de poesia, desenvolver consciência sobre aspectos da complexidade humana e compreender que as relações não se constroem somente pelo saber técnico, mas também pela natureza de suas emoções, seus sentimentos, sua percepção dos fatos e reação sobre eles, é contribuir não só para o desenvolvimento pessoal, mas, sobretudo, para o desenvolvimento social desse indivíduo com ele mesmo e com os outros. A leitura de poesia pode, assim, elevar o nível de sensibilidade do leitor para o humano.
O texto poético, carregado de subjetividade e múltiplos sentidos, cobra que o leitor acione todo seu conhecimento de mundo, sua vivência humana, considerando sua bagagem social, cultural, econômica, educativa, geográfica etc. (Carvalho; Alvim, 2021). Para Pinheiro (2018), o trabalho com a leitura de poesia pode ampliar o modo de ver a realidade e com isso se descobrir outras possibilidades de vivência, o que se torna imprescindível para um trabalho de leitura voltado ao combate de comportamentos preconceituosos, antiéticos e racistas.
ENTRE VERSOS E RITMOS: UM DIÁLOGO COM BAKHTIN E O CÍRCULO
Para estabelecer uma compreensão sobre essa formação leitora discorrida até aqui, nos debruçaremos sobre os estudos que se referem aos conceitos de dialogismo e responsividade, presentes na arquitetônica bakhtiniana e também os estudos de outros autores desse mesmo campo teórico. A intenção é compreender como esses conceitos contribuirão com o foco deste artigo, que é a ampliação dos debates teóricos sobre a formação de leitores críticos na educação básica no que tange às questões que envolvem as relações étnico-raciais. Oportunizar o contato com a poesia de autoria negra pode possibilitar, como afirma Pinheiro (2018, p. 123 ), “[...] uma convivência mais sensível com o outro, consigo mesmo, com os fatos do cotidiano, com a vida e com a linguagem”.
Sob a ótica bakhtiniana, o dialogismo está na essência do discurso. O conceito de dialogismo apresentado pelo pensador russo está para a língua em seu uso real. Refletindo sobre esse conceito, Fiorin (2018) conclui que todo enunciado é dialógico. O processo comunicativo requer construção de enunciados e os enunciados são constituídos de outros enunciados, sendo a palavra do outro ou de outros a base dessa constituição enunciativa.
Sobre esse processo, Fiorin (2018) explica que a realidade se apresenta linguisticamente, ou seja, as ideias, pontos de vista e até mesmo a apreciação de outros perpassam qualquer objeto, seja ele do mundo interior ou exterior ao indivíduo. O discurso alheio constitui essa representação, sendo todo objeto permeado, perpassado, envolto por discursos alheios, cujo tom dialógico é edificado no texto poético, ampliando as suas possibilidades de leitura:
Devagar, persistente, sem parar.
caminho na estrada ancestral do bom homem.
Herdo sua coragem, Herdo a insistente dignidade daquele que morreu lutando pela liberdade.
Caminho, me esquivo, driblo, esgrimo.
O inimigo é eficiente e ágil.
(Ninguém me disse que era fácil.) Argumento, penso faço, debato no tatame diário.
Retruco, falo, insisto em toda parte no desmantelamento do ultraje (Lucinda, 2016, p. 239).
Tomando como exemplo sobre o caráter dialógico do enunciado um fragmento do poema “A herança ou o último quilombo”, de autoria de Elisa Lucinda, podemos observar a carga de discursos alheios na constituição do discurso da escritora. O eu-lírico expressa, por meio de um jogo com as palavras herança e quilombo, a luta contínua daqueles que foram ou descenderam de escravizados. O discurso que constrói metaforicamente a ideia de quilombo, não mais como um espaço físico e delimitado do ponto de vista do território, mas como o espaço ilimitado assumindo uma territorialidade sem fronteiras físicas e atemporal pois, ideológico de resistência do eu-lírico só pôde ser constituído do significado pretendido pelos discursos alheios que constituíram o objeto quilombo conhecido da realidade, bem como a carga de discursos sobre a herança que a comunidade negra herdou do regime escravocrata que impôs aos seus antepassados a condição de escravizados, e por isso, negada sua dignidade humana. Assim, “[...] compreender um signo consiste em aproximar um signo de outros signos já conhecidos; em outros termos, a compreensão é uma resposta a um signo por meio de outros signos” (Bakhtin, 2006, p. 32).
Na perspectiva bakhtiniana, a palavra é considerada um signo ideológico, já que procede de alguém e se dirige para alguém, apresentando-se como uma possibilidade de expressão de um em relação a outro, constituindo-se no contexto de uma realidade material, mas também refletindo e refratando outras realidades. Sob tal ótica, os signos existem dentro das experiências concretas e materiais de linguagem, no fluxo da comunicação verbal, em que adquirem significação a partir dos valores que espelham e que constituem os sujeitos sociais em suas práticas linguísticas alinhadas aos espaços por onde circulam e as vivem (Bakhtin, 2006).
Desse modo, por não se apresentar descolado da realidade social dos sujeitos em suas experiências concretas de linguagem, marcadas por diferentes ideologias e visões de mundo, o signo, sob tal ótica, apresenta-se como uma ponte entre a língua sistêmica e essa realidade, interligados pelas questões ideológicas (Bakhtin, 2006).
O objeto “resistência”, nesse caso, configura também o conglomerado de discursos que a vivência social da escritora possibilitou o encontro. Ao constituírem um enunciado, as palavras “herança” e “quilombo” deixam sua neutralidade de unidade da língua, porque adquirem toda a carga de emoções, juízos de valor, paixões..., constituem, assim, enunciados que compõem um discurso (Fiorin, 2018). Desse modo, apresentar e analisar um discurso literário, nas práticas pedagógicas, tendo em mente que eles se constroem a partir relações dialógicas, é contribuir para a tomada de consciência dos estudantes-leitores de que a linguagem não se restringe a um reflexo da realidade, está por trás dela um sujeito em um dado espaço ou momento histórico, atravessado por tensões, contradições e pelas experiências concretas de linguagem.
O desenvolvimento da consciência sobre essa relação sujeito - espaço - tempo e o discurso produzido pode potencializar o olhar crítico sobre a realidade evidenciada na resposta ativa e responsiva dos leitores. Nesse processo dialógico, cabe destacar a importância que o ato de ler desempenha enquanto uma prática social e que Carvalho (2014) assim apresenta:
O ato de ler, por ser uma prática social construída em meio a interações verbais dos sujeitos que a constituem, pressupõe espaços de interlocuções entre autores, leitores e professores – mediadores do processo – de modo que as experiências, os repertórios intelectuais e os discursos de toda essa comunidade leitora se cruzem nessa atividade real e heterogênea da linguagem, na qual os enunciados também heterogêneos possam caracterizar um espaço em que várias vozes sociais possam se opor, se contradizer e revelar as diferentes formações sociais que permeiam os discursos que ali se encontram (Carvalho, 2014, p. 177).
Diante dessa reflexão acerca da constituição de enunciados, é preciso reiterar o que Fiorin (2018, p. 31) diz, “Todos os fenômenos presentes na comunicação real podem ser analisados à luz das relações dialógicas que os constituem.” Sendo a comunicação real permeada pelas relações dialógicas, é interessante retomar a reflexão sobre o fato de que o processo comunicativo prevê um interlocutor. Sobre isso, Fiorin (2018, p. 36) discorre que “[...] um enunciado se constitui em relação aos enunciados que o precedem e que sucedem na cadeia de comunicação”. Os enunciados são constituídos levando em consideração um interlocutor e, logo, uma resposta é esperada. Nesse sentido, um enunciado nunca está acabado, pois ele é lançado na espera de outro enunciado, o que seria, na concepção bakhtiniana, a resposta ativa, seja no campo da concordância ou da refutação que rege a relação entre enunciados e que constituem o dialogismo.
O discurso se dá em um movimento no qual há uma ação de um sujeito que age a partir de sua realidade concreta, tomando um posicionamento em seu discurso que se materializa em um gênero da atividade humana, mas que não se fecha em si, pois se move ao outro e assim permanece aberto a respostas. Afinal, sobre a unidade básica do discurso, Bakhtin esclarece que “Todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva” (Bakhtin, 2016, p. 46). Assim, o ato responsivo e responsável prevê esse movimento com o outro e com os objetos. Esse ato responsável do sujeito é representado pela sua resposta ativa à sua realidade concreta.
A sala de aula e mais especificamente os momentos de leitura que, no texto em tela, são propostos vão ao encontro da perspectiva bakhtiniana no que diz respeito ao ato responsivo e dialógico e com a concepção de contrapalavras. Geraldi (2002), em seu texto “Leitura: uma oferta de contrapalavras”, reflete que é necessário “[...] pensar a leitura como uma oferta de contrapalavras do leitor que, acompanhando os traços deixados no texto pelo autor, faz esses traços renascerem pelas significações que o encontro das palavras produz” (Geraldi, 2002, p. 04). Para o pesquisador, vivemos às voltas com palavras. Tudo que é percebido, sentido, visto, tocado é representado linguisticamente; o próprio homem, seu espaço, os objetos, tudo é temporalizado pela linguagem. Essa relação do leitor com palavras lhe proporciona um repertório de conceitos, conhecimentos, sentidos a serem acionados, ao passo que lhe é apresentada a palavra do outro.
Como a palavra lida é sempre o momento e lugar da “startização” de muitas outras palavras do leitor, suas contrapalavras, a compreensão resulta não do reconhecimento da palavra aí impressa, aí ouvida, mas do encontro entre a palavra e suas contrapalavras (na metáfora bakhtiniana, na faísca produzida por este encontro) (Geraldi, 2002, p. 05).
O momento singular da compreensão se torna, nesse sentido, o momento do encontro. Esse encontro é regido pela manifestação da contrapalavra, essa condição sociocomunicativa que os falantes carregam. Na compreensão bakhtiniana desse momento, para além do reconhecimento da palavra impressa, a carga significativa daquilo que é dito/escrito só é revelada mediante o acionamento dessa interação verbal entre texto e leitores, visto que nessa perspectiva o texto passa a ser aquele objeto que poderá suscitar a possibilidade de interpretações diversas, já que é certa a dependência do encontro com a contrapalavra do leitor, mas imprevisível a composição dessa contrapalavra, que é única e intransferível, pois é construída pela vivência particular do indivíduo com seu meio sociocultural.
Esse fenômeno configura-se como um movimento de encontro com palavras que, segundo a concepção bakhtiniana, vai promovendo a compreensão de textos e de mundo entre os sujeitos, que, munidos dessas palavras, vão contribuindo para o arsenal linguístico e de sentido do outro, ao passo que constroem o seu, pois a palavra alheia só permanece alheia enquanto não é internalizada pelo receptor, que, ao internalizá-la, nesse processo, a torna sua e pronta para ir ao novo encontro e novas internalizações e construção de sentidos e compreensão de textos e compreensão de mundo.
Todo enunciado [...] tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do início, os enunciados de outros; depois do seu término, os enunciados responsivos de outros (ou ao menos uma compreensão ativamente responsiva silenciosa do outro ou, por último, uma ação responsiva baseada nessa compreensão). O falante termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva. O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, delimitada com precisão pela alternância dos sujeitos do discurso e que termina com a transmissão da palavra ao outro, por mais silencioso que seja o “dixi” percebido pelos ouvintes [como sinal] de que o falante concluiu sua fala (Bakhtin, 2016, p. 29).
Para o filósofo russo, essa relação dialógica entre os interlocutores é complexa e ampla. O discurso se constrói na relação com a palavra do outro. Até mesmo a elaboração do enunciado do falante é determinada pela resposta ativa do ouvinte, pois todo enunciado pressupõe essa resposta ativa.
Nessa perspectiva, Bakhtin se opõe à ideia de um ouvinte passivo, dada toda a complexidade da comunicação discursiva e sua condição ativamente ampla. Para ele, “[...] toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva” (Bakhtin, 2016, p. 25). Sobre isso, o filósofo vai esclarecer que o ouvinte assume uma posição ativa e responsiva diante da compreensão do discurso, pois, ao compreender, age aplicando, na forma de sua resposta, o uso do discurso do Outro, completando-o, seja concordando ou discordando com ele. A passividade do ouvinte ocupa um lugar abstrato e momentâneo na compreensão. A ação do ouvinte é simultânea ao discurso e se materializa na resposta subsequente a ele. Ainda para Bakhtin, essa resposta pode ser imediata ou não, podendo assumir um caráter de compreensão responsiva silenciosa, uma vez que o ouvinte pode armazená-la e utilizá-la em um momento futuro, em outra situação comunicativa, revelada na fala ou até mesmo manifestando-se no comportamento desse ouvinte, mesmo que tardiamente.
Tendo como um dos objetivos desta pesquisa a abordagem do texto poético e, portanto, disposto em uma obra literária, e a investigação sobre a resposta ativa dos leitores dessa, é importante trazer à tona a discussão que Bakhtin (2016) faz acerca de qualquer gênero como unidade da comunicação discursiva. Até aqui dialogamos sobre a complexidade da ação discursiva e sua dialogicidade, resultado da construção de enunciados enquanto unidades do discurso que estão sempre abertos à elaboração de outros. Para o pesquisador, as obras especializadas, e por isso mais complexas que o diálogo real enquanto forma mais simples de comunicação, funcionam com o mesmo limite de enunciado, ou seja, por mais complexa que seja sua construção, a teoria bakhtiniana dará condições de analisar o movimento de compreensão responsiva e resposta ativa dos estudantes leitores.
A obra como a réplica, está disposta para a resposta do outro (dos outros), para a sua ativa compreensão responsiva, que pode assumir diferentes formas: influência sobre seguidores e continuadores; ela determina as posições responsivas de outros nas complexas condições de comunicação discursiva de um dado campo. A obra é o elo na cadeia da comunicação discursiva; como a réplica do diálogo, está vinculada a outras obras – enunciados: com aquelas às quais ela responde, e com aquelas que lhe respondem; ao mesmo tempo, à semelhança da réplica do diálogo, ela está separada daquelas pelos limites absolutos da alternância dos sujeitos do discurso (Bakhtin, 2016, p. 35).
Essa perspectiva do ato responsivo sendo inerente ao leitor/ouvinte é de grande valia para a condução da compreensão do nosso objeto de pesquisa, uma vez que, tendo como objetivo refletir, através da leitura de poemas de autoria negra, sobre as relações étnico-raciais na escola e para além dela, esperamos que os alunos possam expressar essa compreensão ativa e responsiva a partir das discussões que os textos suscitarão. A intenção é dar condições para que os alunos se posicionem criticamente diante da realidade imposta à comunidade negra para quem a discriminação, o racismo, a marginalização se fazem presentes com maior incidência na sociedade em que vivemos.
A poesia de Elisa Lucinda será o subsídio para a prática de leitura a ser proposta. Uma poesia engajada, capaz de suscitar nos leitores descobertas importantes acerca da realidade vivida pela comunidade negra. “Um poema transmite a qualidade de um sentimento. Mesmo quando parece estar veiculando ideias, ele está transmitindo a qualidade de sentimento dessa ideia. Uma ideia para ser sentida e não somente entendida, descascada” (Pignatari, 2011, p. 18).
O texto poético, nesse sentido, contribuirá no processo compreensivo responsivo dos estudantes. É preciso que essa realidade seja sentida pelos estudantes que, através da leitura de poemas, poderão acionar sua compreensão sobre as relações com o outro e com suas diferenças. A sensibilização para um ato responsivo, a partir do diálogo com as relações étnico-raciais levantadas nas leituras, dará condições para que esses leitores se tornem mais críticos e ativos nos diversos campos de atuação em suas realidades.
APONTAMENTOS PARA NOVOS DEBATES
O texto em tela buscou uma interlocução teórica entre a concepção dialógica da linguagem presente nos poemas da autora capixaba Elisa Lucinda e o ensino de literatura na educação básica, de modo a propor uma abordagem de poesia voltada para a formação de leitores que amplie suas visões acerca dos discursos e práticas racistas que atravessam o nosso cenário social e não podem, de modo algum, ser naturalizados, sobretudo em espaços formativos como a escola, onde uma cultura antirracista precisa se instaurar, também, por meio da leitura crítica.
As produções poéticas da autora capixaba Elisa Lucinda poderão subsidiar práticas de leitura capazes de suscitar nos leitores descobertas importantes acerca da realidade vivida pela comunidade negra, as quais ampliarão o processo compreensivo/responsivo dos estudantes, uma vez que essa realidade precisa e deve ser evidenciada, também, por meio da leitura do gênero lírico, em uma perspectiva dialógica da linguagem que poderá acionar a sensibilidade e compreensão dos alunos sobre as relações com o Outro em suas diferenças.
Uma leitura sob a ótica do princípio dialógico da linguagem pressupõe a ideia de um ouvinte ativo, que responde de forma responsiva e responsável às provocações dos textos, ampliando a sua compreensão do discurso, de forma posicionada diante dos desafios sociais que emergem nas situações de linguagem inseridas em contextos reais que exigem respostas, proposições, concordâncias e discordâncias nos diálogos dos quais participamos. Nesse contexto, cabe observarmos em nossas práticas de leitura: a) a predisposição a uma postura dialógica dos mediadores de leitura; b) a busca por uma concepção de leitura que não seja descolada do contexto social e das questões que dele emergem; c) a necessidade da leitura na formação continuada dos professores; d) considerar nas práticas escolares a leitura como prática responsivo/ativa em que as experiências com o texto ficcional sejam compartilhadas; e e) observar que o ato de ler ultrapassa a materialidade textual, pois também deve considerar os elementos extralingüísticos que constituem a corrente da comunicação verbal.
Acrescentamos ainda em nossos apontamentos para discussões presentes e futuras a necessidade fulcral do conhecimento e da divulgação das produções literárias de autoria capixaba, ainda um pouco invisibilizadas no cenário literário local e nacional. Tais produções deveriam figurar nas bibliotecas escolares do nosso estado, bem como em outros canais de circulação que tragam à baila a cultura do nosso estado e a voz de autoria capixaba no campo da literatura, de modo a consolidar um campo cultural que não fique à margem do mercado editorial brasileiro.
Em meio aos desafios atinentes à formação de leitores críticos na educação básica, destaca-se a urgência da sensibilização dos alunos, docentes e comunidade escolar para a leitura como um ato responsivo, em constante articulação com os temas sociais que, historicamente, têm nos desafiado como cidadãos, tais quais as relações étnico-raciais que emergem na leitura dos poemas presentes no caderno “Carta negra”, escolhido como corpus para o nosso diálogo, o qual poderá engendrar condições para que esses leitores se tornem mais críticos e ativos nos diversos campos de atuação em suas realidades, sobretudo na edificação de práticas e relações escolares antirracistas.
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