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ASPECTOS EXPRESSIVOS DO LÉXICO NO TEXTO DA CANÇÃO FILHA DO SOL
ASPECTOS EXPRESSIVOS DO LÉXICO NO TEXTO DA CANÇÃO FILHA DO SOL
Muiraquitã, vol. 11, núm. 2, pp. 361-385, 2023
Universidade Federal do Acre

Recepción: 06 Junio 2023
Aprobación: 13 Octubre 2023
Resumo: O trabalho apresenta uma análise do texto da canção de forró Filha do sol, com base nas premissas da Estilística Lexical em diálogo com as elucubrações de Bakhtin sobre os gêneros discursivos. A análise verificou que a aparente simplicidade da linguagem empregada no texto é, na verdade, uma complexa articulação de elementos lexicais e estilísticos que o enriquecem com valores expressivos que são considerados encontráveis apenas nas mais elevadas manifestações artísticas com requintado valor erudito. Reveste o texto uma rede semântica formada pelo diálogo entre diversos discursos. De fato, a intertextualidade ocorre tanto por meio dos traços dos arquétipos de mitos – como o da donzela-guerreira, o da femme fatale e os das narrativas gregas clássicas – quanto pela evocação de saberes do conhecimento popular e das tradições socioculturais – por meio da simbologia das flores e do batom– e do conhecimento científico sobre os corpos celestes.
Palavras-chave: Forró, Discurso, Estilística lexical, Intertextualidade, Mitos.
Abstract: This work presents an analysis of the text of Filha do sol, a forró song, based on the premises of Lexical Stylistics in connection with the ideas of Bakhtin on discursive genres. The analysis has verified that the apparent simplicity of the language used in the text is, in fact, a complex articulation of lexical and stylistic elements that enrich it with expressive values considered to be found only in the highest artistic manifestations with exquisite erudite value. A semantic network structured by the dialogue among different types of discourse covers the text. In fact, intertextuality occurs both through the archetypal features of myths – such as the shield-maiden, the femme fatale and those of classical Greek narratives – and through the evocation of knowledge from popular culture and sociocultural traditions – through the symbology of flowers and lipstick – and scientific knowledge about celestial bodies.
Keywords: Forró, Discourse, Lexical Stylistics, Intertextuality, Myths.
INTRODUÇÃO
As canções de forró são conhecidas na cultura brasileira como produtos de um repertório popular regional. De fato, o forró, como um gênero musical e como uma dança, é uma marca característica dos costumes e das tradições do Nordeste, relacionado a nomes como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos e Sivuca. Por ser uma manifestação popular, o forró encontra-se, em termos sociais, em um polo oposto às manifestações eruditas, não porque seja intrinsecamente inferior ou superior, mas porque estas estão associadas a um pensamento mais crítico e elitizado de uma parte da sociedade acerca da cultura (Ciacchi, 2010).
A elitização da cultura promove uma visão preconceituosa sobre as artes e os costumes, criando, inclusive, pseudoconceitos para definir o que é e o que não é arte. É notório, a respeito desse embate, o surgimento do movimento modernista como crítica sociopolítica da arte, o qual realiza uma ruptura com os valores estéticos de um passado elitista e promove a valorização da cultura popular, de caráter nacionalista, em detrimento do caráter apolítico de uma arte europeia idealizada, produzida por artistas brasileiros (Moisés, 1996).
O aspecto principal dos produtos artísticos populares é a sua inclinação à familiaridade dos receptores: a cultura popular fala a língua do povo, pois é do povo para o povo, contrária, nitidamente, à cultura erudita, a qual é feita de um pequeno grupo hegemônico para si mesmo (Ciacchi, 2010). Pelo ângulo do elitismo, tal aspecto é sinônimo de qualidade inferior, de simplicidade simplória, de ausência de conhecimento e, em relação à linguagem, de corruptela dos padrões linguísticos com maior prestígio social e de pobreza expressiva.
A fim de demonstrar como a linguagem da manifestação popular também tem seu valor artístico e expressivo, realizamos uma análise das unidades do léxico empregadas no texto da canção de forró intitulada Filha do Sol, com base nas premissas da Estilística Lexical (Cardoso, 2013, 2018; Martins, 2012; Monteiro, 1991), em diálogo com as elucubrações de Bakhtin (2015) sobre os gêneros discursivos. Temos o intuito de demonstrar como as escolhas lexicais feitas pelo enunciador ponteiam de efeitos expressivos a trama do texto e como a aparente simplicidade da linguagem empregada na referida canção é, na verdade, a complexa articulação de uma rede de elementos lexicais e estilísticos que a enriquecem com valores expressivos que, sob o julgamento de uma ideologia elitista, são considerados encontráveis apenas nas mais elevadas manifestações artísticas com requintado valor erudito.
A canção Filha do Sol constitui-se de um texto predominantemente descritivo, no qual o enunciador apresenta as características da mulher que ele mesmo denomina como filha do sol. Trata-se de uma composição de Jeová de Carvalho e Dadá di Moreno, presente no álbum Valeu a vaca, da banda de forró eletrônico Capital do Sol, mas consagrada através das gravações ao vivo da banda Mastruz com Leite. Escolhemos para análise o texto dessa canção de forró movidos tanto pela fruição e apreciação pessoal quanto pela pouca quantidade de trabalhos na seara da Linguística cujo centro de análise seja uma canção do gênero forró, com exceção dos casos em que às letras de canções são vertidos olhares para perquirir e caracterizar aspectos dialetais e/ou regionais e culturais.
Os procedimentos metodológicos partem da apreensão do texto seguida pela análise dos elementos lexicais considerados tanto na sua manifestação no plano da língua quanto, e principalmente, no plano do enunciado. Analisam-se, destarte, tanto os significados das unidades lexicais quanto os sentidos que elas engendram no texto. A análise é realizada considerando o aporte teórico constituído por elucubrações sobre o léxico e suas unidades (Biderman, 1984; Cardoso, 2013, 2018; Polguère, 2018; Vilela, 1970), sobre significação e sentido (Bakhtin, 1999, 2015; Cardoso, 2018; Sobral; Giacomelli, 2018) e sobre estilo e expressividade (Cardoso, 2013, 2018; Martins, 2012; Monteiro, 1991). Somam-se à análise do material linguístico, discussões acerca de elementos contextuais, nas quais se destacam os elementos socioculturais com os quais a obra em foco dialoga, como os mitos (Assunção, 2012; Maingueneau, 1999; Martini, 2018; Ovídio, 2017), os símbolos (Fuks; Diana; Fernandes, s/d; Miranda, 2019), outras manifestações artísticas (Gomes de Mattos, 2001) e outros produtos culturais (Marsh, 2014).
Nesse enquadramento, o estudo aqui realizado é relevante aos estudos ainda incipientes no âmbito da Estilística Lexical, porque promove a discussão acerca de um objeto ainda pouco investigado sob essa perspectiva, destacando a importância de se considerar a relação do léxico com o discurso. Constitui-se um estudo relevante também às discussões sociológicas e culturais, porque aponta a indissociável relação da língua e da linguagem com fatos socioculturais de diferentes épocas.
Além desta seção introdutória, o trabalho apresenta, nesta ordem: uma seção de fundamentação teórica, na qual se discutem as bases que servirão de apoio à análise; uma seção de análise, na qual se realiza a perscrutação do objeto em foco; uma seção de conclusões, na qual se realiza um arremate das discussões traçadas ao longo de todo o texto e, particularmente, da análise do objeto; e uma seção de referências, na qual se encontram os títulos das obras científicas, literárias e de outras naturezas mencionadas ao longo do trabalho.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nesta seção, a partir da elucubração de diversos autores, teceremos considerações a respeito dos conceitos de estilo, gênero discursivo, forró, léxico e seleção lexical, a fim de organizar as bases que servirão de apoio à análise do texto da canção Filha do Sol.
ESTILO E GÊNERO DISCURSIVO
Para o filósofo russo-soviético Mikhail Bakhtin (2015, p. 261), “todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”. Nessas atividades, o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados, concretos e únicos. Embora cada enunciado seja individual e particular, cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais Bakhtin (2015) denomina gêneros do discurso. Empregados em condições específicas de enunciação, os enunciados refletem essas condições e as finalidades de cada campo não apenas por meio do conteúdo temático ou pelo estilo da linguagem – seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua –, mas, sobretudo, por sua construção composicional. Assim, o estilo é compreendido como elemento do próprio gênero discursivo.
Na perspectiva de Bakhtin (2015), o estilo compreende a seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais que a língua oferece. Como é por meio dos enunciados concretos que a vida entra na língua, e não por meio de frases isoladas, todos esses materiais linguísticos só podem ser investigados quando considerados os enunciados em que eles estão presentes. Desse modo, “o estilo está diretamente associado ao enunciado e a suas formas características, ou seja, aos gêneros do discurso” (Cardoso, 2018, p. 25), pois “todo enunciado é [...] individual e por isso pode refletir a individualidade do falante (ou de quem escreve), isto é, pode ter estilo individual” (Bakhtin, 2015, p. 265). Aqui, notamos a noção de estilo como conjunto de características individuais, mas, no âmbito do gênero discursivo, notamos o estilo entendido como “resultado de relações entre unidades linguísticas formuláveis em termos de textos mais extensos que o período” (Martins, 2012, p.18).
Ao parecer do filósofo russo, as relações devem ser entendidas dentro do gênero, isto é, dentro do conjunto de enunciados relativamente estáveis que o compõem, porque um enunciado, na perspectiva discursiva, pode ser constituído até mesmo por uma única palavra, quando a ela é dada a entonação expressiva suficiente para que comunique. Ele afirma que “[t]anto a palavra quanto a oração enquanto unidades da língua são desprovidas de entonação expressiva. Se uma palavra é pronunciada com entonação expressiva, já não é uma palavra, mas um enunciado acabado expressado por uma palavra” (Bakhtin, 2015, p. 290). Se, por exemplo, à palavra fogo é dada uma entonação específica, como um forte grito de desespero, não se tem mais o caso de uma palavra isolada como unidade de língua, nem do seu significado, mas de um enunciado acabado, com um sentido concreto, que acontece em uma determinada realidade concreta, em condições igualmente reais de comunicação discursiva. Desse modo, apenas o contato da língua com a realidade gera a centelha da expressão, que não existe nem no sistema da língua, nem na realidade objetiva. Nessa perspectiva, a projeção do enunciado determina a escolha da unidade linguística (Bakhtin, 2015), e não o contrário, isto é, “escolhemos a palavra pelo significado que em si mesmo não é expressivo, mas pode ou não corresponder aos nossos objetivos expressivos em face de outras palavras, isso é, em face do conjunto do nosso enunciado” (Bakhtin, 2015, p. 292).
Conclui-se que, para o filósofo em apreço, a palavra em si mesmo não tem significado emocional, afetivo, “o colorido expressivo só se obtém no enunciado, e esse colorido independe do significado de tais palavras, isoladamente tomado de forma abstrata” (Bakhtin, 2015, p. 292.). É apenas no enunciado que a palavra ganha expressividade.
Contudo, essa expressividade não é própria da palavra, pois, como unidade da língua, a palavra é de ninguém, é neutra em si, possui apenas um significado de língua, isento de expressividade. A expressividade que existe na palavra decorre do seu emprego típico no gênero ou como uma ressonância de outros enunciados, de outros discursos.
Bakhtin (2015) reitera enfaticamente que a palavra e a oração são unidades da língua dotadas de significado, mas apenas o enunciado é uma unidade de sentido, pois somente ele possui a capacidade de despertar uma atitude responsiva por parte do destinatário. O filósofo russo-soviético declara que um enunciado é sempre projetado com base nas intenções do enunciador, o qual tem consigo certas expectativas em relação ao seu destinatário. Assim, o enunciado se torna efetivamente comunicativo porque, de certo modo, antecipa a resposta do outro, baseado também em enunciados anteriores à sua própria produção. Em suma, o gênero determina o que se dirá e como se dirá:
Muito amiúde a expressão do nosso enunciado é determinada não só – e vez por outra não tanto – pelo conteúdo semântico-objetal desse enunciado, mas também pelos enunciados do outro sobre o mesmo tema, aos quais respondemos, com os quais polemizamos; através deles se determina também o destaque dado a determinados elementos, as repetições e a escolha de expressões mais duras (ou, ao contrário, mais brandas); determina-se também o tom. A expressão do enunciado nunca pode ser entendida e explicada até o fim levando-se em conta apenas o seu conteúdo centrado no objeto (Bakhtin, 2015, p. 297).
Os ecos do discurso do outro em um enunciado projetado constituem o que o autor denomina de relações dialógicas, as quais se manifestam com maior ou menor intensidade, isto é, em todo enunciado concreto, encontram-se diferentes graus de alteridade. Bakhtin (2015) assevera que, se não se consideram as relações do falante com o outro, é impossível compreender o gênero ou o estilo do discurso: “[a] análise estilística, que abrange todos os aspectos do estilo, só é possível como análise de um enunciado pleno e só naquela cadeia da comunicação discursiva da qual esse enunciado é um elo inseparável” (Bakhtin, 2015, p. 306). Os enunciados são, conforme já delineado, particulares e individuais, “mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 2011, p. 262), os quais o mestre russo denomina gêneros do discurso. Como as atividades humanas constituem um campo de inesgotáveis formas de ação, os gêneros do discurso são também diversos.
Marcuschi (2008, p. 84) sustenta que o gênero, prática social e prática textual-discursiva, é uma ponte “entre o discurso como uma atividade mais universal e o texto enquanto a peça empírica particularizada e configurada numa determinada composição observável”. O texto é, pois, um objeto concreto, material e empírico resultante de um ato de enunciação. Em consonância com as ideias de Bakhtin (2015), Marcuschi (2002) considera que a expressão gênero textual é vaga para aludir aos textos que são encontrados no cotidiano. Para esse autor:
[i]mportante é perceber que os gêneros não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas. Gêneros são formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos (Marcuschi, 2002, p. 22-25).
Marcuschi (2002, 2008) ressalta o caráter comunicativo do gênero em lugar da forma e concebe os gêneros textuais como fenômenos históricos, conectados à vida cultural e social que favorecem a ordenação e a estabilização das atividades comunicativas do cotidiano. O conteúdo temático, o plano composicional e o estilo são, portanto, os três principais elementos que caracterizam o gênero. Desse modo, o autor formula o conceito de texto da seguinte forma: “o texto é um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas” (Marcuschi, 2008, p. 72), assumindo que outras formas de ações, além das verbais, estão nele presentes.
O FORRÓ, PRODUTO DA CULTURA POPULAR
A canção, como um campo da atividade humana, é um gênero híbrido, “de caráter intersemiótico, pois é o resultado da conjugação de dois tipos de linguagens, a verbal e a musical (ritmo e melodia)” (Costa, 2002, p. 107), e, como tal, articula três competências: a verbal, a musical e a lítero-musical (capacidade de articular a linguagem verbal e a linguagem musical).
A música acompanha a poesia desde a Grécia Clássica, onde as composições poéticas eram feitas para serem cantadas em companhia da lira. A poesia lírica deu origem a outras formas poéticas, como a elegia, a cantiga e o hino (Sparano, 2006). Com a metamorfose da lírica trovadoresca, a letra do poema e a pauta musical se dissociaram gradativamente. O poema passou a ser apenas lido ou declamado. Assim, a poesia resistiu durante longos séculos como apenas uma arte escrita.
No Romantismo, a associação da música à poesia ocorre novamente, devido, principalmente, à (re)valorização dos cantos folclóricos e do material popular das culturas. Na modernidade, a canção bifurca-se em dois caminhos: uma via da poesia escrita, como consequência histórica da construção da literatura, e uma via da musicalidade (Sparano, 2006). Nessa via, a canção se distingue entre erudita e popular. As canções populares apresentam certas marcas do gênero lírico que lhes deu origem, como a organização em versos reunidos em estrofes, dos quais um se torna o refrão, além de outras características, como as rimas fáceis, a facilidade de memorização e a ampla diversidade de temas.
A canção Filha do Sol é um produto artístico que se enquadra no subgênero forró eletrônico, o qual, por sua vez, é uma subcategoria do gênero musical forró, que teve origem e se mantém ainda no âmbito da cultura popular (Quadros Júnior; Volp, 2005). A palavra forró é o encurtamento da palavra forrobodó, expressão africana que significa ‘algazarra’, ‘festa para a ralé’, ‘arrasta-pé’ (Câmara Cascudo, 1972). Aparece pela primeira vez em 1949, em uma letra de música de Luís Gonzaga e Zé Dantas, chamada Forró do Mané Vito. Surge aí o gênero musical forró, oriundo do coco, do xaxado e do baião: “antigamente era um baião quadrado que o Luís Gonzaga fazia. Com o tempo teve uma alteração de acento que ficou diferente e que hoje se chama forró” (Trindade, 2004, p. 118).
O forró eletrônico, por sua vez, é um ritmo que se originou no início dos anos 1990, na cidade de Fortaleza, capital do Ceará, através do empresário Emanoel Gurgel, dono do grupo Somzoom, composto por rádio e estúdio de gravação, o qual tornou-se o responsável pela divulgação das bandas que surgiam naquela época (Silva, 2016). Esse ritmo se caracteriza pela presença de instrumentos eletrônicos, como guitarra e baixo, além da bateria no lugar da zambumba, instrumento básico do forró tradicional. O teclado tomou o lugar da sanfona, o saxofone adquiriu papel de destaque. O ritmo ganhou espaço nas festas populares de vaquejada, festas de padroeiros, festas de municípios e exposições. Trata-se, portanto, de um ritmo característico da cultura de massa (Silva, 2016).
O forró, com todas as suas vertentes, é, portanto, um produto da cultura popular, a qual é considerada, com base em valores ideológicos conservadores e elitistas, de baixo valor moral e artístico, sem nenhum valor poético, totalmente oposta à cultura erudita. Como produto popular, as canções desse gênero empregam, via de regra, uma linguagem mais próxima do interlocutor, usando textos em que figuram palavras e expressões corriqueiras, simples e atinentes à realidade cultural mais próxima, sem preciosismos linguísticos nem referências a fatos de culturas distantes. Em suma, uma linguagem do povo para o povo.
O LÉXICO: FONTE LINGUÍSTICA DA CRIAÇÃO E DA EXORESSÃO DA REALIDADE
Para falar da realidade na qual se insere, o falante usa as palavras da sua língua, que, em sua totalidade, formam o léxico daquela língua. O léxico é um sistema constituído por unidades abstratas denominadas lexemas, que se atualizam no discurso na forma de uma palavra. Um lexema é, portanto, uma generalização das formas de palavras, “uma entidade de alto nível que se materializa nas frases através de palavras específicas” (Polguère, 2018, p. 55).
Em uma perspectiva lexicológica, o lexema é uma unidade de significação objetiva da realidade, a unidade que apreende diretamente a realidade extralinguística (Vilela, 1979). Em uma perspectiva estrutural, o lexema é uma unidade de significação constituída por semas, ou traços semânticos, os quais são unidades semânticas cuja realidade é operativa e pertinente apenas no interior de um campo lexical (Vilela, 1979). Esses traços são responsáveis pelo significado mais ou menos cristalizado das palavras, pois lhe confere um núcleo básico de significação (Slama-Cazacu, 1970 apud Martins, 2012, p. 106). À forma que um lexema assume no discurso dá-se o nome de lexia (Biderman, 1984), que o vulgo chama palavra.
Através dos componentes do léxico, os membros de uma comunidade podem ver e criar o mundo, seus valores, suas crenças, seus costumes, acompanhar as invenções tecnológicas e as transformações socioeconômicas e políticas por quais passam essa comunidade, recortando realidades e definindo fatos de cultura (Oliveira; Isquerdo, 2001). Devido a essa característica, as lexias, que chamaremos também de palavras, mesmo quando se encontram isoladas, fora da comunicação, despertam em nossa mente uma representação de seres, de ações ou de qualidades de seres e modos de ações (Martins, 2012).
Toda palavra possui um núcleo significativo, que se atualiza e se completa pelo seu aparecimento em um conjunto de linguagem concreta: “as palavras exprimem a realidade justamente porque podem moldar ou completar o significado conforme a situação” (Slama-Cazacu, 1970 apud Martins, 2012, p. 106). O núcleo significativo é o significado da palavra, o qual, pertencendo à língua, é rígido e se mantém presente em todas as séries de palavras concretizadas no discurso. Esse núcleo mantém a unidade na variedade, impedindo que, sem ele, a língua se torne um caótico aglomerado de significados sempre novos.
Quando empregada efetivamente em uma comunicação, a noção base se individualiza, torna-se mais precisa pela situação do caso particular, se enriquece, se completa. A essa particularização do significado dá-se o nome de sentido (Martins, 2012), o qual, como se realiza apenas na enunciação, pertence ao discurso (Bakhtin, 1999, 2015). Por isso, o contexto extralinguístico tem crucial importância para a concretização da palavra como unidade significativa, pois “o significado completo e o tom de certas palavras só podem ser captados se o colocarmos de novo no contexto cultural do período” (Cardoso, 2018, p. 39). A palavra apresenta, portanto, significado e nuances expressivas, que se manifestam conforme o emprego mais ou menos objetivo.
A expressividade deve ser entendida como um elemento contextualmente pertinente, isto é, “qualquer rendimento estilístico só ocorre em função do contexto” (Monteiro, 1991 p. 17), de modo que mesmo o vocábulo mais banal pode carregar-se de expressividade. Nesse sentido, segundo Monteiro (1991, p. 18), “a capacidade expressiva não está no material verbal em si mesmo, em virtude de uma potência imanente, mas representa a soma das experiências linguísticas acumuladas pelo receptor”. Todavia, inúmeros vocábulos são portadores de evocações associadas à própria cultura, como resultado de valores sedimentados.
O texto da canção em foco pertence ao gênero forró e, como tal, contém palavras do uso cotidiano, corriqueiro. Nosso objetivo é evidenciar como essas palavras comuns engendram no texto uma rica teia expressiva, ponteando toda a trama de efeitos expressivos, enriquecendo-o de valores estéticos caros às grandes obras artísticas, particularmente a literatura, mas também outras manifestações. Para isso, recorremos à noção de seleção lexical, pois, tendo em vista que a expressividade emerge por meio do emprego das palavras em determinados enunciados que compõem o discurso, entendemos que, no ato comunicativo, o enunciador escolhe conscientemente os signos linguísticos que, a seu juízo, expressam os fatos da sua sensibilidade, acrescentando à sua mensagem nuances impregnadas de emotividade.
SELEÇÃO LEXICAL E A CONSTRUÇÃO DA EXPRESSIVIDADE NO ENUNCIADO
O léxico de qualquer língua se organiza por meio de estruturas lexicais e determinadas relações sintagmáticas e paradigmáticas que lhe conferem um caráter de sistema (Vilela, 1979). Porque compõe um sistema, cada palavra contribui para a delimitação de outra, o que acontece por meio dos traços semânticos, isto é, das características semânticas que compõem o significado global de cada palavra. As palavras cujos significados se relacionam constituem áreas específicas dentro do grande universo lexical, as quais são chamadas de campos semântico-lexicais: um campo semântico “é uma seção do universo lexical na qual determinada face da experiência humana está organizada por meio de um número de vocábulos” (Cardoso, 2018, p. 126-127).
O campo semântico-lexical de vias de comunicação, por exemplo, é constituído por lexemas como via, rua, ruela, avenida, travessa, beco, estrada, caminho, entre outros (Vilela, 1979, p. 142), os quais compartilham o sema via de comunicação e se distinguem por possuírem ou não os semas para carros, para humanos, sem saída, em sítios urbanos, entre outros. São os semas que garantem o significado basilar da palavra. Não obstante, empregada em um enunciado concreto, em uma situação de comunicação social e historicamente situada, a palavra adquire sentidos, os quais, apesar disso, não são aleatórios, mas construídos a partir da noção primordial, como o exemplo a senda da virtude, apresentado por Vilela (1979, p. 142): tomando como apoio o significado basilar de caminho estreito (constituído pelos semas via de comunicação e largura), o lexema senda é empregado na expressão senda da virtude nas homilias, isto é, em enunciados que constituem o discurso religioso que se manifesta no campo da atividade humana de celebração religiosa, e, em particular, da celebração da religião cristã.
Bakhtin (1999, 2015) diferencia significação e sentido, relacionando-os, respectivamente, ao sistema e ao discurso. A significação ocorre no plano do sistema, manifestando-se na frase e na palavra enquanto unidades da língua. O sentido, por sua vez, ocorre no plano da linguagem em uso e se manifesta em enunciados por meio da atualização efetiva das possibilidades expressivas da língua. O sentido decorre das relações enunciativas entre interlocutores. Todavia, não ocorre de forma independente da língua, tampouco restrito aos significados, que podem ser mais ou menos cristalizados.
No processo enunciativo, os locutores não ignoram sua experiência com o sistema linguístico, mesmo que precisem ir além e “os contextos de uso podem fazer que uma palavra de significação negativa adquira sentidos positivos” (Sobral; Giacomelli, 2018, p. 308). Na atividade enunciativa, o sentido depende de quem diz o que a quem, em que circunstância, quando e de que maneira. Os sentidos são, portanto, negociados. Em suma, podemos afirmar que
as significações não são o fator determinante, embora sejam indispensáveis para a instauração de sentidos. Nesse sentido, ainda que se considerem diferentes acepções de uma dada palavra, a produção de sentidos mobiliza essas acepções para seus fins específicos, ideologicamente marcados, em vez de restringir-se a significações cristalizadas. Importa para a concepção dialógica a mobilização de significações na língua para criar sentidos na linguagem (Sobral; Giacomelli, 2018, p. 308-309).
Cardoso (2013), por meio de uma análise das lexias empregadas no romance Iracema, afirma que a personagem alencarina é símbolo da beleza, da pureza e do frescor e que tal caracterização decorre dos campos semânticos-lexicais em que se organizam os lexemas. O campo semântico-lexical referente à beleza, por exemplo, é constituído pelas lexias cabelos negros e longos, pé grácil, morena, enquanto o campo semântico-lexical pureza contém as lexias virgem, sombra fresca e banho.
O significado do lexema morena nada indica sobre beleza, assim como o significado do lexema virgem nada indica sobre pureza. Contudo, empregadas em um enunciado concreto, que, em acordo com Bakhtin (2015), traz em si vozes de outros enunciados, as palavras morena e virgem adquirem os sentidos de beleza e pureza como resultados das ideologias de uma época e de um grupo social que associam à pele morena os ideais de beleza, assim como outras ideologias consideram a virgindade um símbolo da pureza, devido à associação do sema [+/- intacto] do lexema puro à palavra virgem, que resulta na compreensão de que aquilo que não foi tocado fisicamente (o corpo, a genitália) também não foi tocado espiritualmente.
Iracema é um texto literário e, como tal, é um material linguístico no qual à mensagem intelectiva é acrescido um conteúdo afetivo-emocional, com fins estéticos. Por isso, a palavra ali empregada não deve ser entendida apenas com o seu significado de língua que, conforme Bakhtin (2015), é neutro de ideologia; deve, ao contrário, ser analisada em função do seu contexto de manifestação, no enunciado concreto, pois somente nele podem ser percebidos os juízos de valores, as ideologias e as visões de mundo do autor (Cardoso, 2018).
O falante de uma língua tem a capacidade natural de acessar mentalmente os campos semânticos-lexicais e fazer escolhas baseadas nas relações entre itens lexicais. Contudo, como o vocabulário de cada indivíduo está diretamente associado à sua experiência acumulada e a práticas sociais e culturais adquiridas, “as escolhas lexicais são [...] delimitadas por momento histórico, lugar, idade, profissão, grau de instrução e status socioeconômico” (Cardoso, 2018, p. 45). Desse modo, as escolhas lexicais de um autor revelam elementos do pensamento humano e marcas de diversas culturas, de diversos contextos sócio-históricos.
Assim tecidos, os conceitos fundamentais à análise, faremos, na seção seguinte, a análise do texto da canção Filha do Sol, a fim de compreender e evidenciar como as escolhas lexicais feitas pelo enunciador ponteiam de efeitos expressivos a trama desse texto.
ANÁLISE DO TEXTO
A canção Filha do Sol é uma composição de Jeová de Carvalho e Dadá di Moreno. Em uma entrevista[1], Jeová de Carvalho diz que a letra lhe surgiu durante uma viagem à Áustria e foi interpretada, pela primeira vez, pela banda Capital do Sol, mas se consagrou com a banda Mastruz com Leite. Com base nessas informações, buscamos, no site Youtube, um vídeo da canção em sua primeira versão cantada pela banda Capital do Sol [2], a partir do qual obtivemos a letra da música, que transcrevemos a seguir:
Filha do Sol
Feita pra mexer com todos nós,
Joia fina ou coisa parecida,
Quem tentar dormir em seus lençóis, Passa de guerreiro a suicida.
Ébano banhado de luar,
Dentadura branca de salina, Domina brejeira a me surrar, Com seu falso jeito de menina.
(Refrão)
Ela cheira como flor de açucena,
Filha do Sol, adora Iracema,
Abelhinha principal da colmeia do amor. O perigo tá no tom, no tom, no tom marrom, O pecado tá na cor do seu batom.
Veio à terra pra nos visitar,
Chegou de carona num cometa, Certamente habita em outro lugar, Criatura de outro planeta.
Tem poderes sobrenaturais,
Tudo nela é coisa de cinema, Seus olhos morenos são fatais, Chega de repente e rouba a cena.
(Refrão)
O título da canção apresenta um sintagma nominal cujo conteúdo instaura já o objeto do discurso, anunciando que o texto discorrerá sobre um ser que é filha do Sol. A lexia filha possui o traço semântico [+ humano], de forma que o progenitor do referente que ela designa possui também esse traço. A lexia usada para designá-lo deve ser, no texto escrito, grafada com maiúscula, pois trata-se de um nome próprio, atribuído a um ser antropomorfizado. Verifica-se aqui o emprego de uma figura retórica chamada personificação: um recurso linguístico por meio do qual se atribui características de seres humanos a seres que não são humanos. Neste trabalho, quando nos referirmos ao progenitor em questão, usaremos inicial maiúscula; quando nos referirmos à estrela, usaremos inicial minúscula.
Observemos a importância da lexia sol. O sol é a estrela que ilumina a terra, ao seu redor giram os planetas e os demais corpos celestes que orbitam um sistema que leva o seu nome na adjetivação: o sistema solar. É o sistema do sol. Ele o possui. Tudo gira em torno dele. Além disso, é uma das fontes da vida na terra, pois produz a luz que aquece o planeta na medida certa para que a vida nasça, cresça e prospere. Todas essas características rendem ao sol o epíteto de astro-rei. Por isso, um ser gerado por ele é um ser de extremo poder, esplendor e valor. O título, desse modo, encapsula muitos e variados sentidos que possam ser atribuídos ao referente construído no enunciado.
A lexia filha instaura no texto uma oposição entre masculino e feminino, entre homem e mulher, e constrói um campo semântico-lexical específico, em que se organizam todos os outros lexemas que mantêm relação com aquilo que se denomina mulher. A lexia filha evoca outras lexias do conhecimento popular, muitas delas resquícios de uma ideologia conservadora e tradicional, como beleza, graciosidade e formosura. Apesar disso, como está relacionada à lexia sol, também podem ser atribuídos a essa mulher outros significados populares atribuídos ao astro-rei: força, poder, esplendor, vitalidade. Desse modo, o título constrói um referente cujas características são: beleza, graciosidade, formosura, força, poder, esplendor e vitalidade, além de outras que significados presentes nele possam evocar à mente do receptor. Notemos que o sintagma Filha do Sol não apresenta nenhum artigo antes do substantivo filha, nem definido, como a Filha do Sol, nem indefinido, como uma Filha do Sol. Entendemos essa ausência de determinação como um recurso expressivo para, já a partir do título, envolver em mistérios o referente principal desse discurso.
O título do texto pode ser entendido como um epíteto, não um nome próprio, de modo que a completa identificação desse referente torna-se imprecisa, opaca e obnubilada. Restam-nos, como forma de identificação, apenas as características que serão apresentadas ao longo da canção, tanto de forma explícita como de forma implícita, por meio das sugestões, das alusões e dos semas compartilhados por lexemas empregados. De fato, a frase que abre a primeira estrofe da canção começa com um pronome elíptico, o que atribui ao texto um ar de mistério: embora saibamos de quem se trata, o enunciador não pronuncia a forma linguística, como um recurso para instaurar o mistério e o sabor da sugestão na compreensão do enunciatário.
Após o título, o texto começa com uma forma nominal do verbo fazer. Conjugado no particípio passado, aceita a marcação de gênero: feita. Dentro da sentença a que pertence, essa forma nominal indica que tal mulher é um produto construído para um determinado fim, o qual se evidencia por meio da oração subordinada adverbial final: “pra mexer com todos nós”. O verbo mexer, nesse texto, adquire os sentidos de ‘atribular os sentimentos de...’ e ‘tirar os sentidos de...’. Esse sentido é reforçado ao longo de todo o texto e chega ao ápice em várias outras sentenças nas quais o enunciador apresenta características daquela mulher.
Nesse mesmo enunciado, o enunciador apresenta outra característica marcante do referente principal do seu texto: traços da femme fatale, aquela que é capaz de distrair, de tirar a atenção, de atribular sentimentos, de incomodar, de desnortear os seres do sexo oposto. Essa mulher representa o perigo, o degrado, o malogro do outro sexo: a femme fatale desestabiliza o homem (Assunção, 2012). Para Maingueneau (1999), a femme fatale é a mulher que assume o vulto inquietante da demi-mondaine, aquela que não pertence nem ao mundo das prostitutas, nem ao mundo das mulheres honestas, nem inteiramente ao mundo dos trabalhadores, muito menos ao mundo das mulheres sustentadas.
O mito da femme fatale surge com os acontecimentos sociais do fim do século XIX, durante os quais os diversos papéis sociais são questionados, resultando em grandes correntes ideológicas que culminaram, inclusive, no feminismo (Assunção, 2012). O arquétipo da femme fatale surge como uma objeção ao papel tradicional atribuído à mulher, que deveria ser sempre casta e submissa ao domínio masculino. Desse modo, a femme fatale não é nem mãe, nem esposa, nem prostituta, aparece simplesmente como uma mulher. Apesar disso, o arquétipo do mito da femme fatale não é novo nem nas artes em geral nem na literatura, a qual, de acordo com Assunção (2012), é o melhor veículo para o mito. Em Orlando furioso (Ariosto, 2015), por exemplo, encontra-se a imagem da femme fatale na caracterização da personagem Angélica, a qual, dotada de extrema beleza, atribula a vida de Orlando, que, sentindo-se traído pela amada, enlouquece.
Os mitos são, em geral, narrativas cujo autor não é identificável, pois tornaram-se parte de um patrimônio cultural coletivo (Santos, 2010). O tema de um mito fundamenta-se em uma tradição integrada a um sistema, geralmente, religioso. Como é um patrimônio cultural, o mito é de todos e, por isso, tem a possibilidade de se desenvolver, de se atualizar ou até mesmo de se anular. O mito sobrevive a si próprio porque se modifica: todo mito é diferença e repetição. Santos (2010) afirma que não há origem e sim repetição, mas repetição que jamais repete o antecessor no igual, repetição que é sempre outra coisa. Ou seja, o mito se repete, tornando possível uma identificação, mas essa repetição ocorre de forma diferente. Cada narrativa que reapresenta o mito o mantém e o modifica; assim, ele permanece.
No texto em análise, o mito da femme fatale aparece com leves modificações na imagem arquetípica da femme: não há a extrema conotação sexual que aparece nas modernas femmes fatales de filmes noir[3], assim como está ausente também o traço da femme fatale traidora e traiçoeira das narrativas antigas. Todavia, a figura da femme fatale é reforçada na sentença “quem tentar dormir em seus lençóis, passa de guerreiro a suicida”. Nesse enunciado, vemos novamente as primeiras características evidenciadas: força, poder e vitalidade. Em uma asserção que soa como um alerta, o enunciador diz que a tentativa de desfrutar dos prazeres dessa mulher é um caminho para a morte: não importa a força que tenha o guerreiro, o ato se configura como um suicídio. Essa afirmação reforça o caráter de femme fatale desse ser: há o convite, pois ela mexe com os sentidos do homem, tentando-o; contudo, o ousado que tentar possui-la pagará com a vida.
Antes de alertar sobre o perigo que o guerreiro corre, o enunciador atribui à mulher as características de uma joia fina ou coisa parecida. Aqui encontra-se a ideia de esplendor que emana dessa mulher: brilha como uma joia requintada, de imensurável valor. É com essa ideia de valor que se constroem os sentidos do enunciado em que o enunciador faz o alerta. A mulher não apenas é esplendorosa e formosa como uma joia fina, mas também guarda seus valores, preserva-os. Assim, podemos aventar que a mulher, embora fatal, é virgem e preserva a sua virgindade de forma cautelosa e até agressiva.
Essa característica – joia fina – evoca a imagem da virgem pura e casta. E não apenas. Cônscia do dever de guardar a sua virgindade, a virgem faz passar de guerreiro a suicida aquele que tentar profanar a sua pureza. Nesse aspecto, podemos identificar características do mito da donzela-guerreira, cujos traços encontram-se também na índia Iracema: a personagem de José de Alencar é a concretização da donzela-virgem. Como tal, Iracema é a guardiã dos maiores tesouros da sua tribo: os segredos da jurema. Como tal, Iracema devia honras a Tupã, o qual conservava sua virgindade na terra. Em Iracema, o narrador descreve de modo muito sutil a consumação do ato sexual entre Iracema e Martim Soares: “Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras” (Alencar, 2012, p. 64).
Diferentemente da indígena de Alencar, a Filha do Sol não se entrega ao ato carnal; em vez disso, como uma amazona grega ou uma valquíria nórdica, põe fim à vida daquele que se atreva a tentar deitar-se com ela. A metonímia presente na expressão “seus lençóis” é empregada para indicar o leito da donzela. O eufemismo no enunciado “dormir em seus lençóis” suaviza os matizes da imagem do ato sexual, transformando a cena descrita em uma paisagem romântica e escondendo o real perigo que aguarda o homem que ousar neles descansar. De fato, encontramos no enunciado em questão o eco da expressão estar em maus lençóis, empregada para expressar o estado difícil, ou perigoso, em que alguém se encontra.
O enunciado seguinte, “ébano banhado de luar”, embora contenha apenas três palavras lexicais, está impregnado de expressividade, muitas delas decorrentes de inferências e de alusões. O ébano é uma das madeiras mais nobres, muito escura e densa. É uma madeira muito rígida, preciosa e pesada, utilizada na fabricação de mobiliários valiosos, instrumentos musicais e objetos de arte. No texto da canção, a palavra ébano é empregada para denotar a cor da pele da mulher descrita: uma pele com tonalidades tais quais as do ébano. Outras madeiras também possuem tons escuros, mas a opção por ébano demonstra o objetivo de evidenciar que a pele não apenas tem matizes negras, como o ébano, mas a dona dessa pele, valiosa como a madeira da árvore, desperta o fascínio por sua extrema beleza e raridade; mas não só isso, é uma mulher de extrema imponência, rigidez e força, tais quais as características massivas daquela árvore.
O enunciador sabe que apenas os efeitos que tal palavra desperta e os sentidos que eles promovem não são suficientes, por isso agrega mais sentidos empregando a forma passiva “ébano banhado de luar”. Ao optar pelas nuances semânticas da passividade, o enunciador coloca o ébano como paciente da ação sobre o qual recai toda a ação do agente. Desse modo, entrevê-se uma construção comparativa, com o primeiro termo da comparação elíptico: [a sua pele é como] o ébano banhado de luar.
A lexia luar insere no texto uma ideia referente à luz, à brancura, à candidez, à luminosidade e à pureza, pois, em algumas tradições populares, tudo que é puro é também cândido e branco (daí a ideologia da supremacia racial...). Essa ideia é reiterada quando o enunciador descreve, com o recurso da metonímia, os dentes da jovem donzela: “dentadura branca de salina”. Aqui, novamente, encontra-se uma estrutura comparativa, dessa vez o comparativo como é substituído por uma preposição, como se o enunciador dissesse que os dentes da jovem são brancos como se fossem uma salina.
O emprego dessa lexia remete ao lexema sal, produto que, em épocas passadas, era considerado moeda de troca, além de, até pouco tempo, ser o produto usado para a conservação de alimentos e mesmo, na tradição popular, para a higienização de feridas. Não é ingênuo, portanto, o emprego desse lexema no enunciado, pois com ele o enunciador sugere-nos não apenas a candura e a luminosidade dos dentes da virgem, mas também a pureza e o caráter curativo do seu sorriso, uma cura não só para a carne, mas também para a alma e para os sentidos, pois essa mulher foi feita para mexer, para aturdir, para encantar e fascinar a todos.
Não podemos ignorar a escolha do lexema lua, em sua forma de lexia luar, em vez do lexema sol. Tal escolha demonstra a preocupação de evidenciar qual o tipo de luz que ilumina o ébano. A imagem da luz do sol, ardente, intensa e abrasadora, sobre o ébano não provoca as mesmas emoções que provoca a imagem da luz da lua, suave e acalentadora. O receptor do texto deve evocar, portanto, a imagem de um objeto que se deleita sobre aquela luz, a qual o torna mais cândido, e não a imagem de um objeto que arde sob o calor intenso, o qual o reduziria a cinzas. É essa, pois, a imagem de pele que o enunciador sugere: negra como o ébano, alva como o luar. Destacamos, por fim, a expressiva sinestesia, entre o tátil e o visível, na qual figura um oximoro. Embora seja filha do sol, a sua pele tem resplendências da lua. Forte e intensa como o sol; suave e branda como a lua.
Cabe, por fim, apontar a expressividade atingida com a lexia banhado, que remonta ao lexema banhar. O luar banhou o ébano, derramou sobre ele a sua alva luz, como em um banho, em que sobre o corpo se derrama a água, limpando-o de todas as impurezas. Aqui, presenciamos um recurso expressivo muito caro à arte literária: a metáfora da água, detectável não apenas na poesia (da qual Cecília Meireles é um importante exemplo), como também nas narrativas (especialmente, os contos maravilhosos e fantásticos). O ato de banhar não se realiza apenas com o derramamento da água sobre o corpo, mas também com a imersão do corpo na água e a sua permanência nela, como um banho de rio, de lago, ou mesmo de banheira ou piscina. Podemos entender que o ébano, que representa a pele da mulher descrita, foi coberto pelo luar, que não é líquido como a água, mas que metaforicamente assume essa forma. Emergido nessa luz líquida, o ébano está limpo, puro, livre de toda mácula. Aqui, novamente, podemos associar o sentido da pureza do corpo, a virgindade preservada, aos sentidos da alvura expressada.
Após as caracterizações do sorriso e da pele da jovem, o enunciador aponta, nos enunciados “domina, brejeira, a me surrar / com seu falso jeito de menina”, um comportamento da Filha do Sol. A sentença começa com o emprego do verbo dominar, demonstrando o verdadeiro poder que a moça exerce sobre o enunciador: ela o sobrepuja. O lexema brejeiro, que no discurso ocorre com a forma brejeira, em uma primeira acepção significa, de acordo com o dicionário Michaelis[4], ‘aquele que é dado a fazer brincadeiras ou gracejos’, a qual remete à inocência e à derrisão. Em uma segunda acepção, o adjetivo é empregado para se referir a alguém que tem um comportamento ao mesmo tempo ‘simpático’, ‘dengoso’ e ‘maroto’. Com o emprego da lexia brejeira, o enunciador evidencia que, embora se comporte de forma inocente e até pueril, todo o domínio que a mulher exerce é baseado no seu falso jeito de menina. Temos aqui uma nítida relação entre o ser e o parecer: a mulher, que mantém, com o máximo rigor, a pureza da sua carne, comporta-se de modo pueril, inocente, mas, na verdade, é uma mulher dominadora, marota. Eis uma reiteração do arquétipo da femme fatale: bonita, insinuante, marota e dissimulada.
Não menos expressivo nesse enunciado é o lexema surrar, pois evoca ideias de ‘surra’, de ‘castigo’, de ‘flagelo’, de ‘açoite’ e todas as outras ideias evocadas pelos lexemas que compõem esse campo semântico-lexical. Assim, compreendemos que o comportamento maroto e dissimulado da mulher repercute no enunciador como uma dor, que o aflige e para a qual não há solução, porque o contato entre seus corpos é impossível, posto que ela o protege com ferocidade.
Na parte central do texto, que se constitui como refrão na canção, o enunciador aponta diretamente a quem se refere, pois emprega o pronome anafórico ela. Mesmo que as formas verbais e nominais ao longo do texto denunciem que o enunciador se refere a uma mulher, é apenas nesse trecho que ele dá ênfase a quem se trata. Não é qualquer uma a quem ele se refere, é a ela, que cheira à flor de açucena. O emprego da palavra açucena não é um mero recurso para sugerir o doce olor que a moça exala: a açucena é uma flor que simboliza a nobreza, a altivez, a distinção, a elegância e está relacionada ao deus Apolo (Fuks; Diana; Fernandes, s. d.).
Na mitologia grega, Apolo era o deus da beleza e representava o sol, inclusive carregava o astro-rei em seu carro de fogo durante o dia, percorrendo todo o mundo do ocidente ao oriente. Em Ovídio (II, 1-4; 23-24, 2017, p. 101-103), a morada de Apolo é no Palácio do Sol, que imita as chamas e se ergue sobre altas colunas, cujo frontão é de marfim reluzente com dois batentes que brilham como prata. Coberto por púrpura manta, o deus senta-se em um trono com o brilho das esmeraldas. Além disso, ele é considerado o deus da vida, da beleza, da arte, da verdade, das profecias, dos oráculos e da criatividade (Martini, 2018). Desse modo, é flagrante a relação entre a flor, o deus grego e a estrela que nos ilumina, pois, como a moça que cheira à açucena é filha do sol, é filha também do deus da beleza. Relacionando a descrição de Ovídio e o texto em análise, encontramos alusões à luz (sol, chamas), ao brilho esplendoroso (esmeraldas, prata), à imponência da soberania, da majestade (palácio) e da alvura, da candidez, da pureza (marfim reluzente), que enriquem a descrição do referente principal do discurso, a Filha do Sol.
De acordo com Miranda (2019), açucena é uma variação do nome Susana que, por sua vez, vem do hebraico Shoushannah, uma junção de shus, ‘lírio branco’, e hannah, ‘graça’. A açucena simboliza pureza, castidade e virgindade. Na semiótica da Igreja Católica, é símbolo da Virgem Maria. Novamente, veem-se aqui os semas da beleza, da altivez, da nobreza, da candura, do esplendor. De fato, nesse trecho, o enunciador a caracteriza como “Filha do Sol” e acrescenta que, como gosto literário, a moça adora Iracema. O que estava implícito nos trechos anteriores, agora está explícito: a intertextualidade entre os enunciados produzidos, o eco de outros discursos (Bakhtin, 2015). Vê-se a descrição de uma identificação, de uma simpatia entre a mulher construída no texto e a maviosa jovem cujos lábios de mel superam a doçura do favo da jati, a guerreira tabajara Iracema. As duas se identificam em diversos aspectos e dialogam com outras imagens que existem na mentalidade ocidental, como a donzela-guerreira e a femme fatale.
No enunciado “abelhinha principal na colmeia do amor”, o enunciador emprega a lexia abelha a qual adjunge o sufixo diminutivo, que apresenta nítido valor afetivo somado ao valor lógico de dimensão. “Abelhinha principal”é uma expressão correferencial à abelha-rainha, a qual exerce a função de controle da colmeia. De acordo com o próprio José de Alencar, o antropônimo Iracema é um composto na língua guarani, formado pelas bases ira, que significa ‘mel’, e temba, que significa ‘lábios’ (Alencar, 2012, p. 19). Os processos morfológicos cuidam para que o nome temba se modifique em cema durante a composição. Dos animais que produzem mel, a abelha é o exemplar mais conhecido. Um dos enunciados que descrevem Iracema diz que nem mesmo “o favo da jati era doce como seu sorriso” (Alencar, 2012, p. 20). A abelha jati, ou jataí, é um animal de corpo frágil, não tem ferrão e produz um mel “com toque azedinho, notas herbáceas e complexidade aromática” (Landim, 2020). A doçura do sorriso de Iracema supera tudo isso.
O trecho “Filha do sol, adora Iracema, abelhinha principal da colmeia do amor” apresenta uma ambiguidade sintática que pode ser entendida como um recurso expressivo, pois, embora produza uma ambiguidade, a estrutura respeita o paralelismo sintático do texto. Ao longo de todo o texto, há vários sintagmas nominais como elementos referenciais. As frases nominais, sem verbos, cujos núcleos são substantivos (“joia fina ou coisa parecida”, “ébano banhado de luar”, “dentadura branca de salina”, “criatura de outro planeta”), têm a função de descrever, de apresentar características do referente criado e recriado ao longo do texto. Nesse sentido, a expressão referencial “abelhinha principal na colmeia do amor” pode ser entendida, na perspectiva da frase, como um aposto da palavra Iracema, cujo nome é uma composição de dois nomes de origem indígena, ira e cema, que significam abelha e mel.
Ainda na perspectiva da frase, a mesma expressão pode ser compreendida como uma sentença paratática, colocada ao lado das outras duas (“Filha do Sol” e “Adora Iracema”), tal como um termo da enumeração que começa com a expressão Filha do Sol, assim: (ela é) filha do Sol, (ela) adora Iracema, (ela é a) abelhinha principal na colmeia do amor. Contribui para essa compreensão a omissão do pronome pessoal e de um pronome relativo que, se colocado no início da frase nominal “abelhinha principal na colmeia do amor” poderia torná-la uma frase verbal, assim: adora Iracema, (que é a) abelhinha principal na colmeia do amor. Tal mecanismo, além de quebrar o paralelismo sintático, ainda causaria prejuízo à multiplicidade de sentidos do texto, reforçada pelo enunciador não apenas por meio das lexias presentes no trecho em foco, mas também pelo modo como ele organiza o enunciado. Por fim, na perspectiva do texto, a mesma expressão pode ser entendida como um mecanismo de correferenciação que pode ter como referente tanto o nome Iracema quanto o nome Filha do Sol, posto que todos os dois nomes se referem a um ser do sexo feminino. Impossível, portanto, não encontrar semelhanças entre as duas mulheres.
Ainda sobre a lexia abelhinha, consideramos importante destacar uma peculiaridade da abelha-rainha. A cópula entre esta e o zangão significa a morte para este, pois o seu órgão sexual fica preso ao corpo da fêmea, que, depois do ato, se desprende do seu fecundador. Esse aspecto, ausente no significado da palavra, pode ser recuperado por meio de um enunciado que já discorre sobre o perigo daquele que tentar conhecer os prazeres da mulher em questão: “quem tentar dormir em seus lençóis passa de guerreiro a suicida”, construindo-se, desse modo, sentidos novos à expressão. Consideramos, portanto, que a lexia abelhinha está empregada em um sentido metafórico-metonímico, pois, como a rainha da colmeia é a femme fatale, os zangões são todos os machos que por ela são dominados. Desse modo, o enunciado “abelhinha principal na colmeia do amor” expressa, de forma explícita, o caráter dócil, meigo e carinhoso da mulher; porém, de forma implícita, evoca também os traços da femme fatale.
Logo após, o enunciador reitera o caráter de femme fatale da mulher apresentada por meio do enunciado “O perigo tá no tom, no tom, no tom marrom, o pecado tá na cor do seu batom”. Aqui, entendemos que a lexia perigo está empregada com o mesmo sentido que tem a lexia tentação, pois esse é o caráter principal da femme fatale: as tentações que sua beleza e sua sensualidade despertam. A sensualidade é evocada por meio da lexia batom. Esse cosmético, acessório característico da beleza feminina e, particularmente, da femme fatale, carrega diversas simbologias, principalmente quando apresenta a cor vermelha. A palavra é um empréstimo do termo francês bâton serviteur, que surgiu no século XIX (Marsh, 2014).
Embora o ato de adornar os lábios remonte à antiguidade egípcia, é apenas no século XX que o batom ganha fama como cosmético para a beleza da mulher. Todavia, o uso da cor vermelha representava, para a sociedade da época, uma afronta. O vermelho é geralmente associado ao sangue, à infração da carne e à sucumbência aos pecados. Além disso, a cor vermelha, no semáforo de trânsito, é entendida como um alerta ao perigo. Contudo, o batom, em especial o de cor vermelha, não é apenas um material para a beleza feminina. Segundo a escritora e historiadora inglesa Madeleine Marsh (2014), a primeira e mais célebre manifestação de uso dos batons vermelhos aconteceu no início do século XX com as mulheres do Movimento Sufragista. Indo às ruas exibindo o tom nos lábios, como uma afronta e um desafio aos modelos sociais da época, elas lutavam pelo direito de votar. Desde então, o batom vermelho ganhou o status de símbolo do poder feminino, de empoderamento. Aqui encontram-se, novamente, traços da femme fatale: a mulher bela e tentadora, mas não frágil, como a mulher tradicional, senão poderosa e empoderada, aquela que reivindica, que se veste para si, para contemplar e espalhar a sua beleza e o seu poder, e não para agradar o homem, senão apenas tentá-lo, ludibriando-o.
Esse trecho sugere ainda muitas outras imagens, que o destinatário deve construir a partir das descrições já apresentadas em enunciados anteriores. A mulher tem a pele escura como o ébano banhado de luar, quase em tons marrons, o que, de fato, é asseverado no trecho “no tom marrom”; ela tem o sorriso branco, iluminado e encantador; ela exala um agradável aroma de açucena. A lexia pecado, no trecho “o pecado está na cor do seu batom”, explica por que compreendemos que a palavra perigo foi empregada com o sentido de ‘tentação’. Aqui, o texto evoca o discurso religioso, dialogando também com o mito bíblico da criação da mulher, que tenta o homem, o qual, aturdido e enfeitiçado pelo seu poder persuasivo, cai em tentação, comete o maior dos pecados traçados pelo poder divino: a desobediência ao ser supremo. De acordo com a narrativa bíblica, somente alguém com imenso poder ludibriador, que encena um falso jeito de inocente, é capaz de conduzir o outro ao pecado. No caso bíblico, este tema se concretiza por meio do pensamento da cobra fundido ao pensamento de Eva. No texto em análise, a mulher apresentada possui imenso poder sobre os demais humanos. Encerra-se, desse modo, a análise do trecho que, na canção, corresponde ao refrão. Passemos à terceira estrofe.
Esse trecho inicia-se com um pronome elíptico, fato que atribui ao texto um ar de mistério: embora saibamos de quem se trate, o enunciador não enuncia tal forma linguística, como um recurso para instaurar o mistério e o sabor da sugestão na compreensão do enunciatário. O primeiro enunciado diz: “veio à terra para nos visitar”. Com esse enunciado, podemos entender que a fascinante mulher chegou à Terra vinda de outro lugar. Instaura-se, assim, uma áurea de mistério sobre a proveniência da mulher descrita. Temos apenas a incerteza do enunciador, que, sem saber sobre a sua proveniência, diz: “certamente habita outro lugar, criatura de outro planeta”. Ele tem certeza apenas de uma coisa: ela não é daqui, é de outro lugar. Esse enunciado abre margem para acreditarmos que sua presença aqui entre os humanos não será duradoura, pois, como quem apenas visita um local diferente, em breve partirá. Talvez ela parta muito antes do que se imagina.
A brevidade da sua permanência e do seu movimento de partida pode ser percebida por meio da lexia cometa, no enunciado “chegou de carona num cometa”. Essa lexia desperta mais incertezas sobre a proveniência da misteriosa criatura, pois há particularmente dois tipos de cometa: uns são de um tipo que transita pelo sistema solar e, por isso, são vistos com periodicidade, como o cometa Halley, e outros são do tipo que entra e sai definitivamente do sistema solar em direção ao espaço interestelar, para nunca mais voltar.
Tem fins expressivos também o emprego da lexia habita, pois o lexema habitar pode significar ‘morar’; entretanto, enquanto este é empregado apenas em referência a seres com o traço [+humano] e significa o local da sua residência, o seu local de repouso, sua moradia, o lexema habitar pode ser empregado em referência a todas as criaturas vivas. Como o enunciador não tem certeza sobre a real identidade daquela mulher, emprega, pois, essa forma verbal que se adequa à expressão criatura de outro planeta, com a qual ele a define.
O vocábulo criatura, que tem a mesma base do vocábulo cria, pode ser empregado na linguagem coloquial como sinônimo de animal, ser ou pessoa e, com função denominativa, é neutra em relação aos aspectos expressivos, mas, dependendo do contexto, pode ganhar nuances expressivas de afetividade ou de pejoratividade. Notamos que o enunciador emprega esse substantivo com valores muito mais representacionais do que afetivos, pois ele não sabe de que tipo de ser se trata, posto que ela “tem poderes sobrenaturais”, embora tenha corpo e natureza humana. Por isso, o enunciador não a descreve definitivamente como um ser humano, mas como uma criatura.
A expressão poderes sobrenaturais compõe um campo semântico-lexical em que se encontram outros lexemas já apontados anteriormente: poder, força, vitalidade, todos eles formando substantivos abstratos que designam os dons que a jovem possui. Ela possui força, encanto e magia acima da natureza humana, sobrenaturais. Como filha do sol, a estrela mantenedora da vida humana na Terra, ela é uma deidade, cuja essência vital está acima daquela dos humanos.
Nos enunciados “certamente habita outro lugar / criatura de outro planeta”, encontram-se, novamente, ecos do mito da femme fatale, pois a femme fatale é um ser sem lugar, é uma encruzilhada, está em todos os lugares e em lugar nenhum, é uma nômade, “vive em um ‘não-lugar’, que seria um local que a reserva, que a põe acima ou além de qualquer lugar” (Maingueneau, 1999, p. 50, tradução nossa)[5]. De fato, o enunciador emprega duas vezes a lexia outro: “certamente habita outro lugar, criatura de outro planeta”. O enunciador não sabe definir qual, apenas sabe que não é este o lugar onde ela habita e de onde provém. Aliás, ainda aqui há a dúvida sobre a equidade desses locais: pode ser que o local de onde provém seja o mesmo onde habita, como também pode ser que o local de onde provém não seja o mesmo de onde ela veio, afinal, ela “veio à terra pra nos visitar”.
A contemplação das qualidades da mulher é tanta que, encantado com tantas qualidades, o enunciador diz que “tudo nela é coisa de cinema”. O emprego da palavra cinema evoca as produções cinematográficas, repletas de efeitos e de ficção. Tudo nessa mulher é tão perfeito que parece uma ficção. Destacamos que, mesmo ciente de que tudo pareça a ficção do cinema, o enunciador em nenhum momento sugere que ela seja uma ilusão, ou uma mentira. Trata-se, obviamente, de coisas distintas. Embora pareça fictícia, a mulher não é uma mentira, é uma verdade. Embora o seja apenas em sua criação. Novamente, a oposição entre o ser e o parecer, entre o não ser e o não parecer.
O penúltimo enunciado traz uma nova descrição da mulher, o qual resume e reitera todos os sentidos de femme fatale que viemos construindo até agora: “seus olhos morenos são fatais”. A lexia olhos é empregada aqui tanto em sentido metafórico quanto em sentido metonímico. Como metáfora, têm-se a atribuição do teor fatal aos olhos, pois, em seu sentido representacional, olhos não são fatais. Contudo, a mentalidade ocidental está repleta de narrativas fantásticas permeadas de criaturas capazes de enfeitiçar ou até mesmo matar com os olhos, como o basilisco, que povoa diversas lendas europeias, e a górgona Medusa, figura medonha dos mitos gregos. Os olhos que representam perigo, capazes de matar, ou pior, de fascinar e persuadir, são metaforizados nos olhos dessa mulher, que, como toda criatura sedutora e perigosa, também usa seus olhos como arma. Em sentido metonímico, têm-se o emprego dos dois olhos em substituição àquela que os possui. Desse modo, não são apenas os olhos que são fatais, mas toda aquela criatura que os tem. A lexia morena tece relações com o enunciado “ébano banhado de luar”, pois, como vimos, sobre o tom negro do ébano derramou-se o tom branco do luar, resultando na cor marrom. Não apenas a sua pele foi agraciada com a luz alva e pura, mas também seus olhos, que, todavia, guardam o perigo da sedução.
O último verso dessa estrofe, “chega de repente e rouba a cena”, reforça o caráter enigmático e misterioso das atitudes e do comportamento dessa mulher. Sem algum aviso prévio, ela chega e se faz presente nos locais. Assim como não se sabe de qual local do universo ela veio, assim como não se sabe onde ela habita – dúvida expressa pelo advérbio certamente, em “certamente habita outro lugar” –, também não se sabe da sua presença até o momento em que ela chega. A locução adverbial de repente, não expressa apenas o caráter súbito da chegada, expressa também o caráter incerto dessa chegada, pois nessa locução consta o substantivo repente, que também significa ‘possibilidade’, ‘dúvida’, sendo sinônimo de ‘quiçá’ e ‘talvez’. Será que vem? Será que não vem? Não sabemos. Quando chega, é sem aviso prévio. Sua presença nos locais em que chega não passa despercebida. Ao contrário, onde está torna-se o centro das atenções, “rouba a cena”. Aqui, temos o caso de um processo de retomada indireta de um referente já inserido no discurso de forma também indireta: a lexia cena evoca a lexia filme, pois um filme é composto de uma sucessão de cenas. Anteriormente, o enunciador havia instaurado no discurso esse referente por meio da lexia cinema, que pode significar tanto o local de exibição como a própria arte.
A expressão coloquial roubar a cena significa ‘tornar-se o centro das atenções’, ‘atrair para si todos os olhares’, como fazem as grandes estrelas do cinema, as grandes divas da arte ou, simplesmente, as mulheres dotadas de extrema beleza. Ou tudo isso junto. Nesse sentido, podemos notar novamente o aspecto dominante dessa mulher: sem avisar, invade os locais com sua presença e torna-se o centro de tudo: a ela são dirigidos todos os olhares, todas as atenções. Todos sucumbem à força da sua presença, da sua personalidade, do seu ser. Como acontece ao seu genitor, o Sol, em torno do qual se organiza todo o sistema solar, acontece a ela. Ressaltamos, por fim, que foram as grandes divas do cinema hollywoodiano, nas décadas de 50 e 60 do século XX, quem popularizou o uso do batom como cosmético de beleza (Deisi, 2020).
Para concluir a análise, retornemos ao título. Ele é composto por apenas dois nomes substantivos e uma preposição articulada. O primeiro substantivo, filha, aparece sem artigo que a defina ou a indefina. A omissão do artigo definido nesse caso tem um propósito expressivo, o qual está evidenciado em toda a trama do texto: os mistérios da mulher ali apresentada. Como Iracema que guarda o segredo da jurema, a mulher aqui caracterizada guarda dos seres humanos a sua virgindade, a qual defende com a ferocidade de uma amazona. Ela guarda também a sua origem, “vinda de outro planeta”; tudo nela é ficção, tudo nela é fantasia, e por que não dizer que tudo nela é mimese? Como imitação mimética, ela pode ser qualquer uma, qualquer mulher, em uma relação hiperonímica, em que ela funciona como o termo que abriga todos os demais. A mulher que é a representação de todas as demais, mas também a mulher que não é nenhuma, a não-mulher, a fantasia criada pela mente do homem sonhador. Uma obra do poeta, pois já não dizia Fernando Pessoa que o poeta é um sonhador?
Assim analisado o texto, podemos afirmar que as escolhas lexicais e a estruturação dos campos semântico-lexicais constroem representações a partir de conhecimentos armazenados na memória social, despertando no receptor a busca por conhecimentos previamente estabelecidos. As unidades lexicais, ou palavras, retiradas do léxico da língua portuguesa e empregados nos enunciados da canção constroem a imagem de uma mulher complexa, tal como as personagens de obras literárias canônicas, pois não apenas as palavras descrevem seus aspectos físicos como delineiam seu comportamento.
Cardoso (2013) diz que um campo léxico-semântico é formado por uma intricada rede de relações, que podem ser de semelhanças ou de contiguidade, de modo que algumas palavras evocam outras ao pensamento. Como podemos acompanhar ao longo da análise, palavras como ébano, salina e açucena, simples vocábulos isentos de carga emotiva, adquirem valor expressivo quando associadas a outras palavras nos demais enunciados, como luar, cometa e cinema, pois, além de possuírem semas que particularizam seus significados, as imagens que elas evocam dialogam com outras imagens construídas socialmente e armazenadas no imaginário coletivo.
Podemos, como fizemos ao longo do texto, operar uma caracterização da Filha do Sol conforme os campos léxico-semânticos presentes no texto. Todavia, é importante salientar que perpassa todo o texto um sentido de sim e não, pois, ao mesmo tempo em que sabemos da sua gênese, Filha do Sol, não sabemos de onde ela vem, “certamente habita outro lugar /criatura de outro planeta”. Ao mesmo tempo em que ela tem a força, a majestade e imponência do sol em seu comportamento, ela tem a candura e a suavidade da lua; ao mesmo tempo em que ela tem a negritude do ébano, tem a claridade do luar; ao mesmo tempo que ela tem a robustez do ébano, ela tem a delicadeza da açucena; ao mesmo tempo em que ela resguarda a sua virgindade, restando imaculada, “quem tentar dormir em seus lençóis passa de guerreiro à suicida”, ela instiga a lascívia, a luxúria, “o perigo tá no tom marrom / o pecado está na cor do seu batom”; ao mesmo tempo em que ela é modesta e está apenas de passagem, “veio à terra pra nos visitar”, ela é impactante, poderosa, e sua presença é marcante, “chega de repente e rouba a cena”. Ela é e não é pueril: “com seu falso jeito de menina”. Ela é uma ficção: “tudo nela é coisa de cinema”. Ela é dúvida e certeza, sim e não. Ela é e não é. Ela é verdade e mito. É um enigma. Ela é poesia.
CONCLUSÕES
Por meio da análise das expressões linguísticas presentes no texto da canção de forró Filha do Sol, em particular do componente lexical, este trabalho demonstrou como a simplicidade da linguagem empregada na referida canção de forró é, na verdade, a complexa articulação de uma rede de elementos, que a enriquecem com valores expressivos que são, erroneamente, considerados encontráveis apenas nas mais elevadas manifestações artísticas com requintado valor cultural.
Mostramos que o texto está impregnado de palavras que, articuladas entre si e nos enunciados concretos, adquirem diversos e variados sentidos. Reveste o texto uma rede semântica formada pelo diálogo entre diversos discursos. De fato, a intertextualidade ocorre tanto por meio dos traços dos arquétipos de mitos – como o da donzela-guerreira, o da femme fatale e os das narrativas gregas clássicas – quanto pela evocação de saberes do conhecimento popular e das tradições socioculturais – por meio da simbologia das flores e do batom – e do conhecimento científico, representado por termos referentes aos corpos celestes.
Notamos um habilidoso emprego da língua, que tece uma rica e complexa rede de sentidos, camuflada sob a veste da simplicidade dos elementos linguísticos presentes nos enunciados, em que se pode notar a força semântica das palavras e das imagens que elas evocam. Um emprego da língua em que à mensagem intelectiva se acrescenta um conteúdo emotivo e afetivo, carregando-a de expressividade. As formas de dizer presentes na canção analisada mostram que é possível dizer muito usando-se pouco. Construindo-se, portanto, como uma arte do processo linguístico.
O presente trabalho revelou que a compreensão do objeto, além de depender do ponto de vista que lhe é dado, pode usufruir de diversos pontos de vista, sem que estes produzam problemas para a análise ou gere desperdício de tempo, pois, construindo-a com um invólucro de conceitos oriundos de diversos saberes, a apreensão do objeto torna-se mais meticulosa, resultando em uma análise mais profícua.
Salientamos que o conteúdo exposto neste trabalho é fruto de uma atividade analítica de decodificação, compreensão e interpretação do texto com base em nosso conhecimento e em nossas experiências de leitura e de mundo em contato com o material linguístico explícito no texto. Todos os sentidos construídos organizam-se, pois, em torno do que o texto nos oferece e daquilo que a ele trazemos e com ele compartilhamos. Não devem, portanto, ser considerados os únicos, tampouco mais ou menos corretos.
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Notas