ARTIGOS NACIONAIS
Recepção: 07 Janeiro 2020
Aprovação: 23 Setembro 2020
Resumo: A presente investigação objetivou compreender como os movimentos artísticos urbanos venezuelanos comunicam suas proposições. Para tanto, foram realizadas pesquisas nas redes sociais e análise das narrativas escritas e visuais dos coletivos venezuelanos: MURALeja, Urbano Aborigen e Ksa La Tribu. Com base na análise das narrativas, organizamos quatro categorias: aproximação e conceituação da Arte Urbana; coletivos de Arte Urbana; circuito da arte: produção, recepção, cultura viva e financiamento; e produções artísticas. Assim, ficou evidente a necessidade de compreender os conceitos de territorialidades, educomunicação e circuito da arte para demonstrar as relações de resistência e poder baseadas nos movimentos artísticos urbanos.
Palavras-chave : Movimentos artísticos urbanos, territorialidades, educomunicação, circuito da arte, Venezuela.
Abstract: This investigation aimed to understand how Venezuelan urban artistic movements communicate their propositions. For such purpose, research was conducted on social networks and analysis of the written and visual narratives of the Venezuelan collectives: MURALeja, Urbano Aborigen and Ksa La Tribu. Based on the narrative analysis, we organized four categories: Approach and conceptualization of Urban Art; Urban Art Collectives; Art Circuit: Production, Reception, Living Culture and Financing; Artistic productions. In the analysis, the need to understand the concepts of Territorialities, Educommunication and Circuit of Art became evident to show the relations of resistance and power based on urban artistic movements.
Keywords : Urban artistic movements, territorialities, educommunication, art circuit, Venezuela.
1. INTRODUÇÃO
Esta proposta adentra as práticas sociais, políticas, econômicas e culturais de sujeitos coletivos que interagem com contextos de transformação em diferentes escalas. O interesse pela proposta surge no contato com os Movimentos Artísticos Urbanos venezuelanos a partir das ações realizadas na Universidade Federal de Roraima (UFRR), em especial, pelo evento Grafita Roraima. Este evento anual busca a participação de artistas brasileiros, venezuelanos e de outros países que trabalhem com a Arte Urbana, aproximando-os do espaço urbano e, principalmente, do espaço educacional.
Diante dessa articulação, trabalhamos com o objetivo geral de compreender como os Movimentos Artísticos Urbanos venezuelanos comunicam suas ideologias e objetivos específicos, como: investigar a proposta dos Movimentos Artísticos Urbanos na América Latina; identificar Movimentos Artísticos Urbanos venezuelanos; observar os processos de construção comunicativa; acompanhar a estrutura comunicacional; e verificar as relações estabelecidas na comunicação artística.
Esta sinalização da preocupação social, política e econômica apresentada na produção artística urbana destes Movimentos venezuelanos foi evidenciada pelo contato com os artistas em eventos e pela experiência em atividades na cidade de Caracas, na Venezuela.
Tais preocupações são manifestadas devido à construção social alicerçada nos ideais da população. Com a Constituição da República Bolivariana da Venezuela, de 1999, o ex-presidente Chávez começou a implementar um sistema em que a “[…] Venezuela comenzó, ladrillo a ladrillo, a conformar una mega estructura tan arraigada em el pueblo que ni los opositores se atreven a cuestionarla cuando participan em cualquier campaña electoral” 1 . Premissa essa que instiga o olhar para o processo comunicativo e educacional adjacente à produção artística.
Desta forma, buscamos nesta investigação pautar nosso olhar para alguns coletivos de Arte Urbana venezuelanos e entender como e por quais elementos teórico-práticos perpassam os processos de comunicação estabelecidos por seus trabalhos.
2. METODOLOGIA
A estruturação metodológica da investigação parte de um olhar para as narrativas socioculturais escritas e visuais realizadas pelos coletivos na incumbência da compreensão da situação atual da América Latina. Bakhtin 2 ressalta que “cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação socioideológica”. Assim, esta proposta buscou investigar a construção da conjuntura que reflete o trabalho artístico produzido pelos Movimentos Artísticos Urbanos na América Latina, mas especialmente na Venezuela. Com isso, a proposta investigativa urge pela proximidade fronteiriça entre Brasil e Venezuela e a situação política pela qual o país está passando. O presidente Maduro vem realizando ações, uma delas é a criação da Agenda Econômica Bolivariana (AEB), nela
No se le pide sacrificios al pueblo, sino más bien lo contrario: que se active una vigorosa economía productiva. La AEB no renuncia al carácter humanista y democratizador de la economía defendida por el chavismo, pero sí añade la importancia de generar riqueza, de crecer distribuyendo
3 .Desta forma, trabalhamos com alguns Movimentos Artísticos Urbanos que vêm produzindo artisticamente e buscamos verificar como desenvolvem suas ações diante das condições sociais e econômicas vivenciadas na Venezuela.
As ações dos Movimentos e o registro visual realizado pelos artistas nas ações artísticas propostas pelo grupo são os materiais que usamos para a análise. Além desse processo, trabalhamos, com mais afinco, com as narrativas escritas (questionário) e visuais (produções artísticas) dos membros dos Movimentos Artísticos, no sentido de compreender a construção artística e a preocupação na construção de uma ideologia coletiva. Destacamos que a escolha dos Coletivos e dos artistas ocorreu pela proximidade deles com o trabalho que realizamos na Universidade Federal de Roraima e pela participação de atividades acadêmicas no Decanato de Educación Avanzada – Caracas, Venezuela.
Assim, na escolha dos Coletivos e artistas, Connelly e Clandinin nos auxiliam a entender as narrativas quando nos dizem que estas são
[…] tanto el fenómeno que se investiga como el método de la investigación. ’Narrativa” es el nombre de esa cualidad que estructura la experiencia que va a ser estudiada, y es también el nombre de los patrones de investigación que van a ser utilizados para su estudio […]
4 .As narrativas dos sete integrantes de três coletivos: MURALeja, Urbano Aborigem e Ksa La Tribu proporcionaram a percepção de elementos necessários para compreender as articulações realizadas pelo Movimento Artístico.
Com isso, na análise, organizamos categorias que dimensionam os elementos comunicativos, educacionais e artísticos presentes na proposta dos Movimentos Artísticos Urbanos da Venezuela. Isso pode ser evidenciado pois, para Bardin 5 , a análise, enquanto método, apresenta-se composta de uma série de técnicas de análise das comunicações, as quais passam a utilizar procedimentos de sistematização do conteúdo das mensagens. Desse modo, foram organizadas quatro categorias de análise significativas para o desenvolvimento do objetivo da investigação.
3. CIRCUITO DA ARTE NA ARTE URBANA
Discutir os Movimentos Artísticos Urbanos e o trabalho comunicacional requer a compreensão de como ocorre este processo de comunicação e recepção. Assim, buscamos na proposta de Circuito da Cultura, de Johnson 6 , elementos que nos permitam construir uma proposta de Circuito das Artes que envolva a criação, mediação e consumo, além de permitir pensar no processo educomunicativo. Nussbaumer 7 nos ajuda a desenrolar o Circuito da Arte quando nos traz o elemento do financiamento como central no desencadear do circuito. Assim, nessa proposta, a poética do artista apresenta-se como uma prática sociocultural advinda das experiências dele e a obra como produto da cultura que, com o processo de mediação, passa a atingir e a impactar os diferentes segmentos sociais. O Circuito da Arte pode ser assim representado, com base nas proposições alicerçadas pelo Circuito da Cultura de Johnson 8 e pelas considerações de Nussbaumer 9 .
Com base nessas estruturas, percebemos que as produções artísticas urbanas passam por processos de comunicação que são próprios da estrutura artística delineada pelo contexto contemporâneo e, especificamente, pela Arte contemporânea. Isso pois o artista e o espectador ganham novas funções nesse processo e começam a requerer conhecimento de todos os elementos: produção/poética; texto/leitura/comunicação; culturas vividas/consumo e mecenato/financiamento.
No elemento da produção/poética, há a estruturação das formas culturais realizadas a partir do processo de criação da poética do artista. Poética, aqui, é entendida como processo mental e material de produção e construção artística. Segundo Marly Meira 11 , a poética dá existência a um trabalho de construção dialógica, de compromisso entre o artista e a obra.
Neste sentido, a poética enquanto produção artística ocupa-se, na Arte Urbana, de elementos ousados e cotidianos, apresentando-os como constituintes da obra de arte e comunicando ao espectador a sensação de inquietude, de apropriação da coisa inútil, é uma arte vinculada e articulada ao espaço público.
No texto/leitura/comunicação, adentrando o campo educacional e comunicacional da produção artística, o artista apropria-se de suas habilidades técnicas de produção para abstrair e se expressar ao espectador, utilizando-se de diferentes elementos. Contudo, neste momento, a apropriação dos conhecimentos artísticos e do espaço urbano estabelecem uma vinculação direta com o processo educativo de mediação, a partir do momento em que a recepção da obra adquire um status de produção de sentido pelo espectador, dependendo do seu conhecimento do assunto.
A falta de conhecimento sobre Arte, Arte Urbana, em nosso caso, evidencia um risco eminente de apropriação equivocada da mensagem estabelecida pelo artista. Segundo Escosteguy 12 , “o risco é assumir a autonomia da leitura em oposição a autoridade do texto, suprimindo ainda a produção do que está sendo consumido”. Na Arte Urbana, a autoridade do texto é deixada de lado e o leitor/espectador passa a realizar a compreensão da obra. Passamos assim a verificar duas condicionalidades de leitor/apreciador, o que busca compreender “o que a obra diz de mim” e/ou “o que a obra quer dizer”. Ambas as perspectivas são plausíveis, mas requerem um processo educacional o qual instiga a percepção aguçada do espectador.
O processo de texto/leitura demanda assim a conexão com as práticas dos grupos sociais, realizando com isso uma aproximação com os elementos culturais ativos em cada meio social 13 . A educomunicação, aqui, além de ser uma vinculação dos conceitos de comunicação e educação, adentrando nas ações e possibilidades de trabalho com os saberes culturais, apresenta-se como um elemento essencial para a apropriação do texto/leitura pelo espectador. Advinda dos pressupostos teóricos de Paulo Freire e Celéstin Freinet da área da Educação e de Jesús Martín-Barbero e Mario Kaplún da comunicação, no contexto contemporâneo, a educomunicação surge como uma proposta de que o consumo cultural, e em nossa pesquisa o consumo da Arte Urbana, seja efetivado por sujeitos que são educados para a comunicação, passando por ações pedagógicas que viabilizem o processo de ensino e aprendizagem dos elementos necessários ao Circuito da Arte 14 .
Assim, muito além da utilização dos meios comunicacionais, a educomunicação opera como um processo de aprendizagem de estratégias comunicativas com ou sem o uso de instrumentos midiáticos e tecnológicos. Isso faz com que em vez de “confiná-los em um papel de meros receptores, é preciso criar as condições para que eles gerem mensagens próprias, pertinentes ao tema que estão aprendendo” 15 .
Com isso, a compreensão das culturas vividas pelo artista e pelo espectador são fundamentais para que haja a recepção e, consequentemente, o c onsumo da obra. Consumo, aqui, é vinculado à apropriação simbólica do conceito (sendo ele visto como entendimento, aprendizagem, aproximação, identificação) pelo espectador e não necessariamente o consumo em termos materiais da obra. É neste momento que as ações educomunicacionais proporcionam o consumo e a difusão dos temas propostos, a partir do momento em que os próprios sujeitos, ao consumirem, deglutem e retornam para a sociedade.
Desse modo, artista e espectador necessitam de uma relação social que apresente interesses comuns que os interliguem, suplantando assim a vinculação e o consumo do espectador da obra do artista. Isso ocorre mesmo aquele sendo um sujeito com relações educacionais, sociais, culturais e históricas distintas das expressas pelo artista. Contudo, o artista necessita do conhecimento do lugar a ser exposto e do público a ser atingido, a fim de que sua construção ideológica seja consumida pelo espectador.
O consumo deixa de ser a troca/compra de bens materiais e passa a ser espaço de diálogo, de articulação comunicativa de ensino e aprendizagem entre sujeitos e entre obra e espectador, adentrando ao processo de apropriação de culturas e simbologias.
Além desses elementos do circuito cultural proposto por Johnson 16 , Nussbaumer 17 nos alerta para o processo de financiamento/mecenato da produção artística, o qual também passa por modificações. Há algumas décadas, o financiamento de obras e, em especial, o financiamento cultural era quase que exclusivo do estado ou de alguns mecenas. Hoje, a iniciativa privada começa a ganhar espaço e a vincular-se à prerrogativa de arte como negócio, situação que incita preocupação sobre as produções artísticas, tendo em vista que os patrocínios/financiamentos contemporâneos podem acabar por atender mais aos interesses da iniciativa cultural privada do que ao artista.
Nesse viés, percebemos que a Arte Urbana passa a dinamizar um complexo sistema de produção, comunicação, consumo e financiamento que se articula ao mercado consumista da Arte. Situação bastante complexa de ser trabalhada nos territórios investigados, Brasil e Venezuela, e no contexto contemporâneo de produção artística. Contudo, associa-se também aos processos educomunicacionais, alicerçando assim propostas educacionais que são dinamizadas de forma artística para um público cada vez maior, em vista da apropriação dos meios comunicacionais.
Nesse sentido, cabe à Arte decantar os elementos da técnica e da organização disciplinar, restando a materialidade de imaginação e da representação das coisas. É nesse viés que a Arte Urbana contemporânea se estrutura: na inconstância e na efemeridade dos materiais, dos símbolos, das identidades.
A Arte Urbana – neste estudo um olhar mais atento ao muralismo, pois é uma das produções de Arte Urbana bastante exploradas pelos artistas venezuelanos – torna-se foco de análise e compreensão estrutural do Circuito da Arte. Ambos, muralismo e grafite, são linguagens artísticas que ganham corpo a partir do momento em que levam a arte para os espaços públicos, dando a possibilidade de ensino/aprendizagem e apreciação pelos diferentes sujeitos.
Aguçam, com isso, o olhar para o processo educomunicativo, o que instiga a compreensão da recepção e consumo da obra. Esse processo é relevante no sentido que a ideologia proposta pelo artista em suas produções em algumas situações necessita de um processo de mediação educomunicativa para que haja uma compreensão artística do que está sendo exposto. E essa apropriação da obra pelo sujeito e do sujeito pela obra é realizada de diferentes formas, mais especificamente, a partir do século XXI, com as conexões via rede. Com isso, vislumbramos ainda mais a necessidade do trabalho da educomunicação potencializando o trabalho educativo que apresenta uma consolidação estrutural e do trabalho comunicativo em rede que toma novas proporções e invade o espaço educacional, artístico e a sociedade como um todo.
Assim, buscamos compreender a Arte Urbana quando ela perpassa pelo Circuito da Arte, procurando entender o espaço social e as estratégias educomunicacionais utilizadas para a consolidação deste processo. Essas estratégias, segundo Torrow 18 , são alavancadas a partir do apoio das redes sociais existentes, proporcionando a divulgação das ações e das ideologias em maior escala, mas que, em uma interlocução com os lugares educacionais, potencializam o alcance.
4. ARTE URBANA EM VENEZUELA: O TRABALHO COLETIVO DE ARTISTAS URBANOS
A fim de estabelecermos um processo de análise das narrativas visuais e escritas (questionários) dos artistas investigados, buscamos trazer neste momento alguns elementos que foram centrais para o entendimento da construção comunicacional destes coletivos.
Destacamos que o processo de coleta de informações ocorreu através de acompanhamento nas redes sociais dos coletivos e dos artistas investigados. Ainda, foi solicitado que respondessem a um questionário narrando alguns elementos do seu contato com a produção na Arte Urbana.
Foram enviados os questionários para dez artistas venezuelanos. Destes dez, sete responderam ao questionário e auxiliaram no desenrolar da pesquisa, adentrando as especificidades dos vários coletivos de que fazem parte, mais especificamente dos coletivos MURALeja, Urbano Aborigen e Ksa La Tribu.
Nesse sentido, com base na análise, organizamos categorias que nos possibilitaram trabalhar com o objetivo de nossa investigação. Estas categorias foram organizadas com base nos tópicos dos questionários e articuladas aos objetivos específicos da investigação ( Tabela 1 ).

Fonte: Elaboração própria.
As categorias e subcategorias organizadas nos proporcionam apresentar uma estrutura de análise que possibilite compreender como os Movimentos Artísticos Urbanos venezuelanos comunicam suas proposições. Assim, na categoria “Aproximação e conceituação da Arte Urbana”, temos três subcategorias: Vivências, na qual buscamos trazer um pouco da experiência dos artistas e da forma como aproximaram-se da Arte Urbana. Neste momento, buscamos entender como os sujeitos individuais se associam a um coletivo.
A organização de coletivos que lutam pelos ideais de forma artística passa a visibilizar elementos de opressão que o pensamento de raiz eurocêntrica ignorou ou desvalorizou 19 . Santos 20 nos apresenta essa vinculação dos coletivos com a necessidade de descolonização dos saberes, alicerçando e alavancando outros ideais que não os dos colonizadores ocidentais. Com isso, os artistas nos colocam que
Mi acercamiento con el arte urbano surge de la necesidad de recuperar espacios públicos y de esparcimiento común. Comenzó en el 2008 aproximadamente en pleno proceso político del Gobierno de Hugo Chavéz, cuando muchos jóvenes decidimos conglomerarnos a hacer comunidad a través del arte, en espacios de pobreza extrema y barrios de la ciudades.
(Mijares)Assim como Mijares, os demais artistas sinalizam diferentes formas de aproximação com a Arte Urbana, contudo todos apresentam, em sua inserção nos coletivos, a preocupação social. Situação essa discutida na subcategoria Processo educomunicacional, em que buscamos adentrar a concepção de Arte Urbana, instigando a proposta de ela ser um meio de educar e comunicar para as massas.
Para mí la importancia del arte urbano es comunicar, y lograr decible la contemplación del arte para la comunidad. Además de que promueve la creatividad y las ganas de usar esos momentos de ocio para pintar y expresar y evitar que jóvenes y niños entren em el mundo de la delincuencia […] buscamos que las intervenciones de arte urbano generen algo em la población sea incomodidad o felicidad convertir la calle em un museo que cualquier persona pueda ver, observar, contemplar, sin duda es nuestra misión.
(Hernandéz)As proposições de Hernandez sinalizam a preocupação que é mostrada pelos artistas para o caráter educativo e comunicacional das ações, buscando sempre a interação, a aproximação com as culturas vividas e, assim, a consolidação do consumo artístico.
Para comunicarmos algo, para produzirmos o processo de consumo cultural no sentido estabelecido pelo Circuito da Arte 21 , o artista necessita estabelecer um processo de conhecimento da cultura vivida pelos sujeitos que vivem no local onde irá propor a comunicação. É preciso estabelecer um diálogo entre artista e espectador no sentido de proporcionar aproximação, reflexão, repulsa. Os estudos de Vygotski 22 e Dewey 23 mostram que o processo de mediação constitui um importante meio para a consolidação da aprendizagem e, com isso, a aproximação com a cultura vivida. Freire 24 propõe a aprendizagem a partir da mediação, colocando a ideia de que ninguém aprende sozinho. Dessa forma, as ideias socioconstrutivistas são apresentadas como um processo de mediação do sujeito com o mundo em um limiar de desenvolvimento cognitivo.
Na subcategoria da Produção artística de resistência adentramos nos ideais e nas lutas alicerçados pelos movimentos sociais. Ideais estes calcados na luta e na valorização dos saberes tradicionais. Nessa categoria podemos ter um olhar mais amplo da constituição ideológica dos Movimentos Artísticos Urbanos da América Latina, mas também com uma forte especificidade para o território da Venezuela. Isso fica evidente na fala dos pesquisados e revela-se de forma intensa na narrativa de Terán:
El Movimiento Urbano en Venezuela es vanguardia para la confrontación política y social por lo que siempre ha tenido un puesto privilegiado en el sector popular, ahora cuenta con un grupo de jóvenes quienes han hecho de este arte un salto al futuro con nuevas técnicas gráficas a través del graffiti.
Assim, estes movimentos sociais e esses coletivos colocam “[…] em sus banderas de lucha y las dos dificultades de la imaginación política progresista y mencionadas son precisamente los factores que determinan la necesidad de tomar alguna distancia con relación a la tradición crítica eurocéntrica” 25 .
Todas as vivências e experiências dos integrantes dos coletivos perfazem a construção de seus ideais comunicacionais imagéticos, alicerçados por ações educomunicacionais que atingem as raízes que afetam as culturas vividas por eles e pelo coletivo que representam.
Essas análises nos aproximam da categoria dos Coletivos de Arte Urbana em que passamos a vislumbrar a potência dos Coletivos enquanto movimentos sociais estruturados e organizados por ideais comuns de luta e reivindicação. Podemos perceber na subcategoria Multiplicidade de Coletivos a diversidade e os ideais apregoados por estes a partir do momento em que os artistas citam alguns dos coletivos que conhecem.
Comando Creativo, Urbano Aborigen, Nativa Crea, Ejercito comunicacional de libertación (ECL), Bravo Sur, SDS crew (sur oeste unido), CMS crew (cómanse mis sobras), VO crew (via oeste), DMC crew (Demencia), PSC crew, SP crew (simbiosis perfecta), FC crew, PSC crew y otros Ramon Pimentel, Shamaniko, Ache Roja.
(Hernandéz)Na subcategoria Ações coletivas adentramos no trabalho que vem sendo realizado e com uma aproximação maior com os coletivos MURALeja, Urbano Aborigen e Ksa La Tribu.
Esses Coletivos de Arte Urbana aprofundam-se na conotação de reflexões críticas e vinculadas às culturas vividas, aos saberes de um povo situado na América Latina e que, a partir de uma sociologia das ausências e da constante articulação para uma sociologia das emergências, marcam as distâncias da tradição crítica ocidental, possibilitando alternativas as quais chamamos de epistemologias del sur26 .
Assim, os coletivos em suas amplas configurações nos mostram oportunidades de interlocução e atuação, sendo estas, em suas diversidades, os territórios de reivindicação, luta e resistência, mobilizados pelos jovens, pelas classes pobres, pelos grupos sociais localizados à margem da sociedade. E com isso, o que podemos perceber é que a história escrita dos colonizadores não pode calar a história artística que, na sua mestiçagem tropical e virgem, capta e seduz graças a sua relação com a cultura pré-colombiana e sua ancestralidade 27 . Arte Urbana, em sua essência imagética, busca educar e comunicar seus ideais através da Arte.
Já na categoria Circuito da Arte: produção, recepção, culturas vividas e financiamento trabalhamos com a proposta do Circuito da Arte 28 , procurando estabelecer aproximações com a Arte Urbana. Na subcategoria Recepção e divulgação focamos o olhar para os processos de mediação na recepção da Arte Urbana pela população e nisso o papel educativo e dos meios de divulgação e das redes sociais.
Los ciudadanos apoyan el arte urbano, les ha cambiado la perspectiva acerca de cómo valorar el arte, la respuesta ha sido positiva, lo han manifestado por las redes sociales, se apropian de los espacios y es ocre un sentido de pertinencia, cuando hay sentido de pertinencia se empiezan a cuidar los espacios.
(Romero)A educomunicação encontra-se no processo de recepção como um forte elemento que fortalece e dissemina os coletivos. Na subcategoria de Financiamento e pertencimento damos destaque às dificuldades e às estratégias alicerçadas para o desenvolvimento das ações nos territórios em que vivem os coletivos, pois o apoio dado a eles é quase inexistente, seja por meio dos meios de comunicação oficial ou dos órgãos de financiamento.
Sólo sé de contratos, tanto de entes públicos como privados. Algunos privados patrocinan a cierto tipo de artistas.
Empresas y medios privados interesados en captar consumidores y/o público joven suelen contratar a diseñadores o artistas urbanxs venezolanxs para sus estrategias de marketing, pero no estoy segura de que vaya más allá de eso .
(Liendo)Essa categoria nos possibilitou encontrar elementos que articulam a estrutura educomunicacional da Arte Urbana com o processo de recepção e apropriação dos territórios investigados, e como estes territórios passam a estabelecer relações de poder a partir da produção artística embora as dificuldades econômicas do país.
Destacamos que as considerações apresentadas pelos Coletivos e os trabalhos de intervenção 29 realizados por estes nos direcionam para elementos importantes na consolidação de um movimento de valorização dos ideais sociais, políticos, econômicos e culturais que adentrem em uma proposta de descolonização dos saberes 30 e radicalização de distinções 31 .
Na última categoria Produções artísticas trabalhamos com duas subcategorias: Territorialidades abordando a amplitude e o hibridismo presentes nas produções artísticas e as relações de poder que passam a estabelecer 32 .
Quando Duran nos coloca que “Bueno he estado a lo largo de todo el territorio, comunidades barrios avenidas, nombrar seria quedarme corto”. Percebemos a amplitude que o trabalho dos coletivos abarca. Já na subcategoria Linguagens etécnicas diversas adentramos no processo de construção das Linguagens e técnica de Grafite/Muralismo dentre outras tantas apresentadas pelos coletivos, trazendo imagens dos trabalhos e das ações desenvolvidas.
Ganz 33 nos sinaliza para a importância do material na Arte Urbana quando coloca que
[…] a lata de spray, ferramenta tradicional do grafite, continue sendo indispensável para os grafiteiros do mundo todo, as opções de materiais disponíveis hoje em dia – tinta óleo ou acrílica, aerógrafo, giz pastel oleoso, pôsteres e etiquetas, entre outros – são muito diversas e tem ampliado a esfera de ação dos artistas
34 .Essa amplitude de distintos materiais é decorrente das dificuldades de acesso ao material spray mas também a mistura de duas grandes linguagens: a do Muralismo e a do Grafite, as quais hoje apresentam uma simbiose em seu processo de produção, explorando amplamente as várias possibilidades de utilização de materiais e técnicas que possam estar presentes na territorialidade urbana e, em seu potencial, possam comunicar suas ideologias artisticamente.
Um exemplo do trabalho realizado pelo coletivo Ksa La Tribu nos mostra um exemplar de produção voltada ao cenário de resistência e valorização da cultura negra, intensificando a inserção social e a resistência étnica do povo negro.

O que podemos sinalizar é a forte ação educomunicacional realizada pelos coletivos como instrumento mobilizador de ideais calcadas na liberdade, na apropriação e pertencimento dos sujeitos à sociedade. Sociedade que com a luta dos Movimentos artísticos difunde potenciais diversidades e possibilita a inserção e pertencimento do sujeito aos territórios.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos apontamentos realizados por esta investigação adentramos em situações inquietantes e que merecem destaque ao tratarmos da aproximação com o Circuito da Arte.
Diante da análise das narrativas escritas e das produções artísticas dos coletivos, há inúmeros elementos que são acionados na consolidação destas ações. Nesta investigação, trouxemos conceitos teóricos que transversalizam o trabalho artístico são eles: o conceito de territorialidades, o conceito de educomunicação e o conceito de Circuito da Arte.
Muito distante de qualquer conclusão, salientamos aqui que estes três elementos perpassam todas as propostas dos Coletivos de Arte Urbana a partir do momento em que ocorre a preocupação com as culturas vividas e com o território a ser trabalhado. Em uma situação específica da territorialidade latino-americana, percebemos fatores marcantes alicerçados pela luta, pela resistência e pelo processo de descolonização exógena e endógena. Esta etapa é consolidada por ações vinculadas a um conceito de educomunicação que, em sua essência, busca, a partir de um trabalho teórico-prático, a aproximação e a inclusão da sociedade nas ações artísticas propostas e, com isso, a disseminação dos ideais quando há a apropriação da proposta.
Temos clareza que todos estes momentos de percepção das territorialidades e do trabalho com processos educomunicacionais fazem parte do Circuito da Arte. Circuito este que, em uma conjuntura mais ampla de Circuito da Cultura apresentado por Johnson, é redimensionado em nossa investigação com uma proposta de Circuito da Arte que foca o campo artístico e apresenta os passos necessários para a consolidação de um trabalho de produção e recepção da obra de Arte em diferentes locais.
O que fica dessa investigação é a percepção da riqueza de elementos sociais nos coletivos de Arte Urbana e a potência que eles apresentam em grupos minoritários, ampliando e impulsionando ideais cada vez mais ousados e necessários para o reconhecimento das diversidades. Assim, ao nos propormos compreender como os coletivos de Arte Urbana venezuelanos comunicam seus ideais, fica evidente a necessidade de compreensão das territorialidades, das discussões educomunicacionais e do funcionamento do Circuito da Arte alicerçadas por eles, mesmo que implicitamente, em suas ações coletivas.
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Notas
Autor notes
E-mail: leila.baptaglin@ufrr.br