Resumo: Este trabalho apresenta uma proposta educacional inovadora direcionada ao desenvolvimento de capacidades deliberativas – que é a motivação e a habilidade de uma pessoa para explicar os seus pontos de vista com base em considerações refletidas, envolvimento recíproco e comunicação mais inclusiva e respeitosa. Embasados nas teorias da democracia deliberativa e expandindo iniciativas de participação de cidadãos e experiências na área da educação, propomos uma abordagem com: (i) aprendizagem entre pares; (ii) atividades lúdicas e performativas; e (iii) discussões autênticas sobre questões políticas polêmicas. O experimento de campo ilustra como desenvolver uma compreensão conceitual dos princípios deliberativos, promover a autorreflexão e praticar discussões democráticas sobre questões conflituosas e temas controversos. Este artigo tem implicações teóricas e práticas para programas que procuram promover a comunicação democrática.
Palavras-Chave: Pedagogia deliberativa, estratégias de ensino, teoria deliberativa, aprendizagem baseada em discussão, deliberação em educação.
Abstract: This study describes an innovative educational proposal to develop deliberative skills – motivation and ability to explain points of view based on reflected considerations, reciprocal involvement, and more inclusive and respectful communication. Based on theories of deliberative democracy – and expanding citizen participatory initiatives and experiences in the area of education, we propose an approach with (i) peer learning, (ii) playful and performative activities, and (iii) authentic discussions about controversial political issues. Our experiment illustrates how to develop a conceptual understanding of deliberative principles, promote self-reflection, and practise democratic discussions on contentious issues. This study has theoretical and practical implications for programs that seek to promote democratic communication.
Keywords: Deliberative pedagogy, teaching strategies, deliberative theory, discussion-based learning, deliberation in education.
DOSSIÊ DO ANALÓGICO À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: 30 ANOS DE COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO
Desenvolvendo capacidades para a comunicação democrática: uma abordagem integrada de ensino baseada na deliberação 1
Received: 30 March 2024
Accepted: 20 May 2024
Este artigo apresenta e analisa métodos para desenvolver, nos jovens, a vontade de deliberar e as competências para se engajar em discussões sobre questões políticas controversas. Embora cada vez mais se dedique atenção à deliberação na educação formal e informal, o modo como ela deve ser ensinada e como as habilidades e atitudes devem ser desenvolvidas na prática continuam um desafio. No Brasil, ainda que programas baseados explicitamente nas teorias da deliberação sejam raros, há uma longa e influente tradição da educação pedagógica dialógica e crítica. A obra do filósofo e educador Paulo Freire 2 inspirou e sustentou distintos modelos de aprendizagem ativa em várias regiões do mundo, tais como de “modelo de clima aberto em sala de aula” ( open classroom climate ), de instrução entre pares 3 , e modelos pedagógicos de enfrentamento às injustiças sociais, às desigualdades de classes e ao racismo, entre outras assimetrias de poder 4 .
É importante também reconhecer dois desafios contemporâneos relacionados à utilização de redes sociais e de plataformas digitais no cotidiano e na educação. As estratégias de desinformação trouxeram preocupação com a confiança e com o engajamento nos processos democráticos, assim como a expansão de discursos intolerantes e o ambiente tóxico nas redes tensiona a convivência respeitosa entre grupos. Para ambos esses desafios, estratégias educativas e de letramento midiático são consideradas ações importantes para reverter as consequências danosas do consumo de informações falsas ou extremistas, ainda que também seja necessário pensar formas de se conter a produção e a disseminação de conteúdos do tipo 5 .
Iniciativas distintas de deliberação evoluíram e se entrelaçaram com projetos de educação democrática 6 para promover a participação política e cívica, a mobilização e a aquisição de capital social 7 . Algumas experiências empregaram, de forma mais explícita, princípios deliberativos nas práticas educacionais em escolas de ensino fundamental e médio 8 , escolas de ensino médio 9 , universidades 10 e educação de adultos 11 . Este artigo apresenta uma proposta metodológica inovadora para o desenvolvimento das competências necessárias à prática de discussões democráticas. Apesar da virada no desenvolvimento das teorias deliberativas para se pensar as conexões com o campo da educação, os proponentes desta ainda enfrentam uma série de desafios. Primeiro, a teoria deliberativa tem uma ampla base filosófica e uma série de controvérsias normativas 12 . Uma dificuldade reside em traduzir o conceito de deliberação em estratégias práticas de ensino: (i) como o ensino da deliberação deve ser planejado e implementado em ambientes educacionais? A partir de uma perspectiva pedagógica, o desafio não é apenas abordar um conjunto de conceitos, normas e princípios deliberativos, mas também motivar os jovens a praticarem a deliberação. Para tanto, (ii) quais métodos podem ser utilizados?
Nossa abordagem de pesquisa envolveu a compreensão conceitual da deliberação entre estudantes, bem como sua prática. A primeira parte deste artigo trata das questões conceituais, argumentando que uma definição normativamente informada nos ajuda a definir estratégias de ensino no contexto educacional e a delinear características específicas da deliberação (diferenciando-a de outros programas de educação democrática). Na segunda, discorremos sobre as questões metodológicas e desenvolvemos uma abordagem integrada, incluindo estratégias para promover: (1) aprendizagem entre pares sobre princípios e comportamentos de deliberação; (2) atividades lúdicas e performáticas; e (3) discussões autênticas em pequenos grupos. Ao resumir as vantagens de cada método mencionado acima, sugerimos essa abordagem integrada para auxiliar a compreensão dos jovens acerca da deliberação e como colocá-la em prática. Esses métodos auxiliam educadores a lidarem com desafios contemporâneos de desinformação, intolerância, divisões entre grupos e conflitos sociais.
Para ilustrar a viabilidade do ensino de deliberação, utilizamos nosso próprio experimento de campo desenvolvido no Brasil, entre 2018 e 2020, denominado “Deliberação em escolas públicas: criando capacidades deliberativas” ou “Projeto Compartilha” 13 . Concluímos delineando como uma abordagem integrada pode contribuir para a expansão do conhecimento; com apontamentos sobre a fase atual do projeto que focaliza os recursos digitais, destacando que qualquer projeto de ensino baseado nos ideais da democracia deliberativa deve levar em conta as diferentes realidades e contextos de seus participantes.
John Dewey, em seu clássico Democracia e Educação: introdução à filosofia da educação ( 2011 ), defende que as salas de aula funcionem como uma esfera pública, onde crianças e adolescentes potencialmente encontrem estudantes com diferentes posições políticas, valores morais e perspectivas. Paulo Freire 14 concebe o diálogo horizontal e autêntico como central na práxis educativa e transformadora. A troca de pontos de vista e a busca de compreensão mútua podem parecer práticas muito modestas, mas estão no cerne da democracia deliberativa.
O conceito de deliberação evoca recorrentemente controvérsias teóricas e normativas 15 . Em nossa pesquisa, seguimos os escritos de Jürgen Habermas 16 que forneceram um conjunto de princípios que definem as condições, procedimentos e meios de uma troca comunicativa deliberativa. Segundo o autor, para alcançar a deliberação 17 , participantes deveriam: (1) fornecer justificativas, considerações e explicações para suas preocupações e posições; (2) envolver-se reciprocamente com os pontos de vista uns dos outros; (3) construir uma interação livre de coerção entre interlocutores; (4) tratar demais participantes com respeito mútuo, reconhecendo os seus interlocutores como iguais politicamente; (5) estar aberto à inclusão de outros parceiros, temas, bem como outras visões ou perspectivas em discussão; (6) e proporcionar a possibilidade de alterar preferências ou reverter decisões e resultados com base em considerações críticas 18 . Neste artigo, adotamos os princípios normativos como parâmetro crítico que permite identificar quando a interação comunicativa se aproxima (ou se distancia) dos requisitos ideais.
A importância dos princípios normativos se torna mais clara quando a inclusão democrática, a reciprocidade, o respeito, as exigências de publicidade, transparência e a sinceridade (ou acurácia) são violados. Fornecer espaços, recursos, métodos ou incentivos para a prática de discussão, como capacitar participantes menos favorecidos e melhorar a habilidade de escuta do grupo, são meios para aproximar os procedimentos de uma situação de discussão ideal e compensar condições abaixo do ideal em situações reais de deliberação. Ademais, adotamos uma visão não dicotômica da razão, concebendo as emoções como um componente importante na cognição e nos julgamentos morais 19 . Também entendemos que a assimetria de poder, a autoridade e os desequilíbrios de status desempenham um papel importante nos conflitos e nos processos de reflexão, raciocínio e fala 20 . A criação de uma estrutura de oportunidades que permita aos oprimidos ou aos marginalizados articularem os seus pontos de vista requer medidas de inclusão muito mais amplas, para que as suas vozes sejam adequadamente expressas e efetivamente ouvidas, bem como para melhorar o empoderamento e a representação a fim de se alcançar o reconhecimento 21 .
Talvez uma das maiores conquistas das experiências práticas envolvendo a teoria deliberativa tenha sido oferecer diretrizes para a criação de espaços, recursos e métodos que geram discussões democráticas e construtivas. As iniciativas de deliberação prática dependem menos de estruturas institucionais prontas do que do desenvolvimento de métodos ou abordagens programáticas para alcançar na prática as condições e comportamentos acima mencionados 22 . Nesse sentido, o recente interesse da teoria deliberativa pelo ensino e pela pedagogia oferece a possibilidade de se desenvolver novas propostas pedagógicas que, por sua vez, têm a comunicação democrática no centro das atividades didáticas.
Na próxima seção, explicamos os benefícios, desafios e inovações de uma definição normativamente informada de deliberação para planejar estratégias de ensino. Analisamos esforços e iniciativas práticas para desenvolver competências e comportamentos deliberativos, ou seja, trocas comunicativas e considerações mais reflexivas ou críticas sobre questões que afetam a vida das pessoas e interações mais inclusivas e respeitosas. Deve-se notar também que as estratégias metodológicas (desenho do espaço de debate ou fórum, fornecimento de informações, tipo de moderação etc.) são, em grande parte, cumulativos.
No contexto educativo, o diálogo e as trocas comunicativas para promover o pensamento crítico existem há muitas décadas 23 . Muitos estudos exploram as discussões em sala de aula, os métodos de ensino para melhorar competências de participação cívica e política de estudantes e atitudes necessárias para lidar com questões políticas conflituosas ou controversas 24 . Entretanto, as capacidades deliberativas, vistas como a motivação e a habilidade de uma pessoa explicar os seus pontos de vista com base em considerações ponderadas e envolvimento recíproco de forma mais inclusiva e respeitosa 25 , não são equiparadas a outras virtudes cívicas, como adquirir repertório de conhecimento sobre uma determinada questão política, confiança nas instituições democráticas, na cooperação comunitária etc. Espera-se que programas deliberativos específicos e iniciativas pedagógicas se concentrem em um conjunto de capacidades de discussão, que podem melhorar (ou mitigar deficiências de) outras formas democráticas de ação política e cívica 26 .
Acadêmicos e profissionais que trabalham na pedagogia deliberativa se concentram nas normas de deliberação como diretrizes para conduzir o ensino e estabelecer interações dentro da sala de aula 27 . Segundo Longo e Shaffer 28 , essa abordagem possibilita que as interações de educadores com estudantes em sala de aula sejam baseadas na filosofia e nos objetivos da deliberação. Em suas palavras, “o trabalho da pedagogia deliberativa trata da criação de espaços: criar e manter espaço para um diálogo autêntico e produtivo, conversas que podem, em última análise, ser, não apenas educativas, mas também transformadoras” 29 . Nesse sentido, Stacie Molnar-Main 30 listou seis características principais da pedagogia deliberativa:
O foco ou o tema da aprendizagem é uma questão relevante para indivíduos e a sociedade;
A aprendizagem é altamente interativa e baseada em discussões;
Professores e estudantes partilham a responsabilidade pela aprendizagem;
O processo enfatiza a avaliação e a consideração de diferentes opções;
Múltiplas perspectivas, incluindo pontos de vista marginalizados, são consideradas de forma equilibrada;
Estudantes são tratados como cidadãos ou tomadores de decisão, muitas vezes participando de atividades de acompanhamento relacionadas a essas funções 31 .
Outra abordagem educacional baseia-se em fóruns de “mini públicos” para promover a discussão coletiva sobre questões polêmicas de interesse comum. Essas iniciativas são, normalmente, planejadas para fornecer informação qualificada e plural a participantes 32 . Espera-se que os organizadores estabeleçam a agenda de discussão, recrutem participantes, definam o estilo de moderação e, também, forneçam recursos para recomendações coletivas ou relatórios sobre resultados. Bogaards e Deutsch 33 , por exemplo, indicaram um ganho de conhecimento e uma mudança nas opiniões de participantes em decorrência de terem organizado um “dia de deliberação”, em linha com as pesquisas deliberativas de Fishkin 34 .
Recentemente, experimentos têm sido conduzidos para analisar as condições de deliberação no ensino e o seu impacto no conhecimento e nas atitudes de estudantes. Andersson 35 realizou um experimento de campo em salas de aula regulares, onde empregou pedagogia deliberativa no grupo de tratamento e ensino convencional no grupo de controle. Samuelsson 36 investigou diferentes formas de discussão com o objetivo de demonstrar como professores podem usar perguntas para promover divergências ao mesmo tempo que incentivam conclusões coletivas. Esses experimentos comparativos permitem compreender como o comportamento deliberativo emerge em contextos educacionais distintos.
Mais uma vez, princípios deliberativos (como o respeito e a inclusão) e, principalmente, a tomada de responsabilidade de cada pessoa sobre suas decisões em relação ao bem comum podem atuar como balizas para estratégias educativas, com vistas a lidar com os desafios relacionados à promoção de debates construtivos, à desinformação, à intolerância, às divisões entre grupos e aos conflitos sociais. Antes de discutir nossa abordagem metodológica, é necessária uma introdução mais específica de nosso experimento de campo.
Nossa pesquisa consistiu em um experimento de campo realizado em cinco escolas públicas de duas cidades, Belo Horizonte (MG) e Belém (PA), envolvendo 516 estudantes com idades entre 15 e 18 anos 37 . Nosso principal objetivo foi promover a compreensão conceitual da deliberação entre participantes e fornecer treinamento prático. Em cada escola, selecionamos aleatoriamente três turmas paralelas do 9º ano do Ensino Fundamental e 1º do Ensino Médio, designando duas para receber o tratamento e uma para o grupo de controle. Ao todo, houve dez turmas de tratamento e cinco de controle. O experimento ocorreu simultaneamente em 15 salas de aula ao longo de cinco meses, de março a julho de 2019. Para avaliar o impacto das oficinas no comportamento de estudantes, analisamos as discussões antes e depois do tratamento (Primeiro e Segundo Eventos de Discussão, conforme ilustrado na Figura 1 abaixo). Neste artigo, nosso foco é apresentar a proposta pedagógica desenvolvida para as oficinas do Projeto Compartilha. Em estudos prévios 38 , os leitores poderão obter mais informações sobre o desenho do experimento, a descrição dos métodos empregados e a discussão detalhada dos resultados da pesquisa.
Para entender as complexas interações da aprendizagem de deliberação com os fatores socioeconômicos e contextuais, selecionamos duas escolas públicas em bairros de classe média e três em áreas vulneráveis. Um treinamento deliberativo idêntico foi administrado em todas as salas de tratamento. Durante nossa pesquisa de campo, incorporamos princípios normativos da deliberação em várias oficinas e atividades, baseando-nos em estudos anteriores 40 . Os instrutores foram membros diversos de nossa equipe, incluindo pesquisadores e estudantes de graduação e de pós-graduação de diferentes idades, gêneros, etnias, origens sociais e áreas acadêmicas. Para garantir a preparação adequada para o experimento, conduzimos um programa piloto em ambas as cidades, no ano de 2018. Este proporcionou informações valiosas para a revisão detalhada dos desenhos, as atividades e os roteiros das oficinas. Antes do início do experimento, a equipe ministrou um treinamento intensivo para familiarizar os instrutores com suas funções e atividades de facilitação. Também estabelecemos protocolos para lidar com diversas situações em sala de aula, como desrespeito entre estudantes ou contra pesquisadores e situações que exigiam a suspensão da moderação neutra, de modo a evitar insultos e a não validar injustiças 41 . Estudantes do grupo de controle participaram apenas do primeiro e do segundo eventos de discussão, sem receber nenhum tratamento adicional.
Para avaliar as habilidades de estudantes, realizamos uma análise de conteúdo das transcrições das duas discussões. Utilizamos o Deliberative Quality Index (DQI), um índice fundamentado na ética do discurso de Habermas e reconhecido como uma das abordagens mais eficazes para pesquisa empírica em deliberação 42 . Para comparar o desempenho de participantes dos grupos de tratamento e controle, aplicamos o teste de Diferença nas Diferenças (DiD) nas proporções de todas as variáveis nos dois eventos de discussão. Além disso, conduzimos um encontro de acompanhamento ( follow up ) em duas escolas participantes da pesquisa dois meses após a conclusão.
Nosso experimento demonstrou que as capacidades deliberativas podem ser desenvolvidas e que é crucial observar as dinâmicas de cada uma delas 43 . Por exemplo, em situações em que não foi fornecido material informativo sobre o tema em discussão, estudantes de escolas em bairros de classe média apresentaram melhor desempenho no provimento de justificativas do que os de escolas em bairros vulneráveis. Em geral, os resultados indicam um aumento da participação de estudantes do gênero feminino no grupo de tratamento, contribuindo para reduzir a disparidade de gênero nas discussões coletivas. Nossas descobertas sustentam a visão de que a aprendizagem deliberativa não é unidimensional, e algumas capacidades são mais facilmente desenvolvidas do que outras. Portanto, é essencial investigar minuciosamente as condições e os mecanismos que influenciam resultados específicos em diversas situações.
Nesta seção, argumentamos que a atenção analítica aos princípios normativos deve integrar estratégias, incentivos e recursos para desenvolver e treinar capacidades deliberativas nas escolas e nos outros espaços educacionais. A tentativa de aplicar conceitos deliberativos abstratos em atividades na área da educação pode ter diferentes formas, não existindo uma “caixa de ferramentas” definida para isso. Na nossa própria pesquisa de campo, princípios normativos de deliberação foram empregados em diferentes oficinas e atividades 44 . Como já foi salientado, uma definição prática de deliberação é importante para moldar estratégias de ensino e implementar métodos, bem como para observar, medir e avaliar o impacto incremental no conhecimento e na mudança de comportamentos de estudantes. Aqui, nosso objetivo é apresentar estratégias práticas para desenvolver capacidades deliberativas.
Uma dificuldade comum enfrentada por educadores e profissionais é a criação de métodos sensíveis ao ambiente escolar, à cultura local e à dinâmica pedagógica cotidiana. Ao contrário das assembleias de cidadãos, ou seja, experiências que normalmente reúnem participantes desconhecidos entre si 45 , é necessário ter em conta o contexto em que estudantes já se socializam; se o espaço favorece ou não o intercâmbio entre grupos com diferentes origens socioeconômicas, bem como a diferenciação de gênero, divisões raciais ou outras 46 . O contexto é um fator crucial e que não pode ser ignorado quando se envolve os jovens na aprendizagem da deliberação, tanto na educação formal quanto na informal.
Neste artigo, definimos métodos como estratégias pedagógicas e “condições facilitadoras” para desenvolver capacidades deliberativas, entendendo tais “capacidades” como as “combinações complexas” de disposições e habilidades cognitivas e emocionais internas que podem ser criadas e desenvolvidas em interação com fatores socioeconômicos, fatores políticos e familiares, conforme formuladas por Amartya Sen e Martha Nussbaum 47 . As disposições internas e os traços pessoais não devem ser considerados fixos, mas “flexíveis e dinâmicos” 48 e os ambientes de construção se destinam a reestruturar as condições e fornecer oportunidades eficazes para os indivíduos adicionarem, expandirem ou transformarem suas disposições e habilidades.
Dessas preocupações surgem as três abordagens metodológicas utilizadas em nosso experimento de campo: (1) ensino dialógico e aprendizagem entre pares (sobre princípios, valores e comportamentos deliberativos); (2) um jogo criado pela nossa equipe de pesquisa para incentivar estudantes a se tornarem mais conscientes dos comportamentos deliberativos e não deliberativos em uma situação de discussão; e (3) discussões em pequenos grupos sobre questões sensíveis baseadas em eventos da vida real. Resumindo os pontos fortes de cada método e sugerindo combinações possíveis, apresentamos algumas considerações sobre os benefícios de empregar uma abordagem integrada.
A aprendizagem entre pares envolve uma série de estratégias e atividades pedagógicas ancoradas na ideia de interações colaborativas e de base horizontal. Espera-se que esse modelo contribua, na definição de Keith Topping, para a “aquisição de conhecimentos e competências através de ajuda ativa e apoio entre companheiros de níveis iguais ou equivalentes” 49 . Como já indicado, os escritos de Paulo Freire 50 , comumente conhecidos como Pedagogia Crítica, tiveram forte influência sobre diferentes teóricos e praticantes da aprendizagem ativa 51 . Para Freire, o diálogo é um componente central da aprendizagem e interações autênticas. Em vez de ver professores como transmissores e estudantes como receptores de informação, Freire recomenda estruturar a aprendizagem na troca comunicativa recíproca. O diálogo autêntico e aberto, muito alinhado com a teoria deliberativa, é considerado uma forma de desencadear a autorreflexão crítica sobre os próprios pontos de vista e experiências, a fim de expandir e/ou construir novos entendimentos com os demais parceiros da comunicação.
O Open Classroom Climate (OCC) é um modelo que apoia o intercâmbio dialógico entre educadores e estudantes e, também, entre os próprios estudantes, a fim de criar condições mais favoráveis para a aprendizagem 52 . Em contraste com a pedagogia convencional e baseado num processo unidirecional com transmissão de conhecimento de cima para baixo, o modelo OCC procura criar espaço para o diálogo e para interações recíprocas com o objetivo de ajudar estudantes a expressarem os seus pontos de vista.
Uma variante é o método Peer Instruction (PI), desenvolvido por Eric Mazur na década de 1990, que visa ajudar estudantes a estruturarem o processo de indagação, envolvê-los com conceitos básicos e explicar esses conceitos entre si 53 . No PI, professores começam a aula com uma breve exposição e, ao invés de fazerem perguntas genéricas, utilizam um “teste de conceito” em formato de múltipla escolha 54 . Estudantes respondem individualmente e, em seguida, são convidados a explicarem suas respostas para pequenos grupos com o objetivo de convencer os colegas de que sua resposta está correta. Após uma discussão, o teste conceitual é repetido e professor e estudantes revisam as respostas para esclarecer dúvidas ou reformular questões remanescentes. Estudos mostram que o envolvimento de estudantes no método PI geralmente aumenta o engajamento emocional individual e coletivo, assim como melhora a compreensão, mesmo quando a resposta correta não é alcançada 55 .
No final do século XX, o uso da aprendizagem colaborativa na sala de aula cresceu à medida que estudos revelaram diferenças qualitativas na aprendizagem entre pessoas com níveis semelhantes de competência, ou mesmo entre estudantes com habilidades diferentes. Em nossa intervenção nas escolas, o conceito de deliberação não foi versado de maneira tradicional, mas sim através de uma abordagem colaborativa, incentivando estudantes a pensarem por si mesmos e a explicarem seus pensamentos uns aos outros. Em várias atividades, estudantes foram incentivados a auxiliar uns aos outros na reflexão e na construção de respostas, em vez de dependerem exclusivamente dos instrutores para fornecê-las.
Nosso primeiro passo foi estabelecer uma compreensão básica do funcionamento da deliberação. A Oficina 1 foi projetada para que participantes identificassem e explorassem duas formas de tomada de decisão coletiva: votação e discussões deliberativas. Para isso, o instrutor informou a estudantes que a turma havia sido convidada a apresentar uma performance artística no campus da universidade dentro de três meses, reunindo todas as escolas participantes do nosso projeto. Inicialmente, participantes votaram entre quatro opções de apresentação artística: dança, teatro, música ou poesia. Após a votação, os instrutores solicitaram que estudantes explicassem suas preferências uns aos outros. Após a discussão colaborativa, a turma teve a oportunidade de alterar a decisão inicial, escolhendo entre as quatro opções apresentadas ou sugerindo uma nova forma de performance. Na maioria dos casos, estudantes participantes mudaram sua decisão através de discussão deliberativa e propuseram novas opções, combinando alternativas ou criando possibilidades.
Ao final do processo, os instrutores questionaram participantes sobre as diferenças entre votar e deliberar para tomar decisões coletivas, registrando suas respostas. Em seguida, um banner listando seis vantagens da deliberação 56 foi apresentado à turma. O objetivo era incentivar a discussão sobre suas próprias respostas, identificando vantagens relevantes que talvez não tivessem considerado previamente ou oferecendo exemplos práticos.
As Oficinas 2 e 3 foram projetadas para permitir que estudantes se familiarizassem e refletissem sobre os “Sete Pilares da Deliberação”: respeito, justificação, igualdade, inclusão, não coerção, reciprocidade e reflexividade. Um banner contendo uma breve descrição de cada princípio foi exibido na sala de aula 57 . Os estudantes foram divididos em cinco grupos e cada um desses foi encarregado de produzir um cartaz explicando um dos sete pilares, oferecendo definições e exemplos da vida real. Além disso, um aluno de cada grupo foi designado para coletar sugestões ou trocar informações com os outros grupos. Os cinco banners produzidos foram então expostos para discussões coletivas, permitindo que toda a turma examinasse detalhadamente o valor de cada norma deliberativa e discutisse suas aplicações em situações da vida real, além de explorar as sobreposições entre eles.
É crucial destacar que a abordagem metodológica entre pares possui a vantagem de envolver todos os presentes na sala de aula, ao invés de engajar apenas alguns estudantes altamente motivados 58 . As atividades das oficinas foram utilizadas para explorar a definição de normas deliberativas (como o conceito político segundo um determinado pensador), a aplicação de princípios em diferentes situações e outros temas pertinentes aos educadores. Defensores da aprendizagem entre pares argumentam que esse método é particularmente eficaz para a comunicação através da linguagem ou das perspectivas dos próprios estudantes 59 . Isso se deve ao fato de que professores e instrutores podem estar sujeitos ao “viés da especialização”, perdendo a habilidade de compreenderem os desafios enfrentados por estudantes iniciantes.
Outro benefício da aprendizagem entre pares é a maneira de lidar com processos de questionamento complexos 60 . Muitas vezes, as questões levantadas por estudantes se tornam intrincadas e difíceis de responder. Na Oficina 2, por exemplo, estudantes questionaram como aplicar os princípios deliberativos de maneira prática, observando que diferentes princípios e comportamentos poderiam se sobrepor ou serem mutuamente necessários para se alcançar discussões democráticas. Nesse cenário, o instrutor pode aproveitar as perguntas complexas para incentivar grupos de estudantes a buscarem mais informações e encontrarem respostas mais satisfatórias e bem fundamentadas.
Nas edições mais recentes, os idealizadores do Projeto Compartilha expandiram o conceito de aprendizado entre pares. De um ponto de vista “geográfico”, o projeto desenvolveu estratégias para colocar turmas de diferentes regiões do Brasil em contato através de tecnologias digitais, com interação assíncrona, respondendo questões em salas virtuais, e também com interações ao vivo, em chamadas coletivas. Notamos um aumento da curiosidade e maior engajamento com estudantes parceiros de outras regiões, com os quais geralmente eles não teriam possibilidade de dialogar. Ademais, cada turma do projeto produz um material didático audiovisual que poderá ser usado em futuras turmas ou por outros agentes interessados no tema da democracia deliberativa. Os vídeos são realizados pelos próprios estudantes a partir de sugestões dos pesquisadores, tais como: “Qual foi sua primeira impressão sobre a diferença de votar e deliberar?”; “Como você propõe explicar a deliberação para outro estudante que vai começar a participar do Projeto Compartilha?”; e “Qual a importância de um determinado princípio deliberativo nas práticas de discussão?”. Esse conhecimento, com registro de reflexão sobre boas práticas e recomendações metodológicas, é incorporado ao projeto como material didático.
O ensino convencional é frequentemente criticado pelo risco de utilizar uma linguagem hermética 61 . Pesquisadores que trabalham na área de educação, psicologia e comportamento de grupo têm enfatizado o valor dos jogos para fins educacionais, ajudando estudantes a compreenderem conceitos e suas aplicações práticas, a lidarem com a resolução de problemas complexos e a aumentarem a criatividade 62 . No ambiente escolar, os jogos são frequentemente utilizados em conjunto com outras estratégias para motivar a aquisição ativa de conhecimentos; e as performances lúdicas também são válidas para conectar diferentes posições hierárquicas de autoridade ou para lidar com questões sensíveis 63 .
No que diz respeito à participação dos cidadãos em iniciativas de consulta pública, John Gastil e Michael Broghammer enfatizaram as vantagens da gamificação especificamente para melhorar o envolvimento cívico 64 . A utilização de jogos é vista como útil para: (1) conectar com as necessidades básicas de cidadãos; (2) promover sociabilidade e empatia; (3) melhorar a autoestima e o status social; e também (4) motivar o envolvimento de agentes públicos 65 . Gastil e Broghammer sugerem que cidadãos, ao organizarem-se em grupos para discutir questões de interesse público em jogos, possam elaborar recomendações, com base nas contribuições de representantes governamentais e organizações da sociedade civil.
Em nossa pesquisa, estávamos interessados em motivar os jovens a refletir e compreender os comportamentos que favorecem ou dificultam a deliberação. Nossa Oficina 3 foi baseada em um jogo de cartas criado por nossa própria equipe de pesquisa denominado “Que perfil é esse?”, que consiste em atribuir papéis deliberativos e não deliberativos aos jogadores. Este jogo contém cartas com 20 temas polêmicos (formulados como uma pergunta) e a descrição de um argumento a favor e um argumento contrário para cada tema, extraídos de materiais de mídia por nossa equipe de pesquisa.
A seguir, cada aluno escolhe aleatoriamente um cartão contendo instruções sobre o papel a ser adotado. Três perfis operam de forma construtiva, desempenhando comportamentos desejáveis para criar ou sustentar a deliberação: (1) uma pessoa que explica cuidadosamente as suas opiniões, preferências ou preocupações, tendo o cuidado de ser compreendida pelos outros; (2) um moderador, que ajuda os outros a apresentarem seus argumentos, procurando incluir todas as pessoas participantes ou fornecendo sínteses de argumentos apresentados; e (3) uma pessoa que conta histórias pessoais relacionadas à discussão atual, dando bons exemplos. Do lado negativo, três perfis desempenham papéis disruptivos: (4) uma pessoa que fala demais, às vezes parecendo arrogante ou agressiva, e muitas vezes interrompendo os outros; (5) uma pessoa “cabeça dura”, com ideias fixas, que não escuta nem considera outros pontos de vista e insiste em repetir as mesmas propostas, independentemente do que as outras pessoas digam durante a discussão; e (6) uma pessoa que frequentemente conta histórias fora do assunto, distrai a atenção do grupo ou se desvia do tópico em discussão. Versões mais recentes do jogo foram adaptadas para incorporar perfis relacionados à qualidade da informação: (7) uma pessoa propõe reflexões sobre as fontes e sobre a qualidade da informação debatida; enquanto (8) uma pessoa utiliza a desinformação como estratégia para causar confusão e desmobilizar as discussões dentro do jogo.
Para começar, o instrutor ou jogador escolhe aleatoriamente um cartão de discussão específico e lê os argumentos conflitantes para desencadear a discussão coletiva, durante a qual cada jogador desempenha a função de perfil sorteada. Terminada a discussão, participantes procuram “descobrir” os perfis uns dos outros. Após algumas rodadas desse jogo, o instrutor pede a estudantes que deem suas opiniões sobre o desempenho de papéis positivos e negativos em uma deliberação, os seus sentimentos e as reações em relação a perfis cooperativos e perfis não-cooperativos. Por fim, o instrutor pede que façam recomendações sobre como podem desenvolver comportamentos positivos e evitar os não-cooperativos. O jogo foi pensado para ajudar a criar uma reflexão aberta e crítica, a fim de ampliar as capacidades deliberativas de forma lúdica e dinâmica.
Promover discussões em pequenos grupos é uma forma de vivenciar a própria prática dialógica e deliberativa. A discussão em grupo pode ser definida como uma atividade cooperativa entre três ou mais pessoas envolvidas na consideração (reflexão, ponderação e apreciação) de uma questão, a partir de diferentes pontos de vista 66 . Trazer questões controversas para as discussões em sala de aula, em vez de tomá-las como tabus a serem evitados, pode ser benéfico para a construção de relações mais construtivas e empáticas em contextos escolares 67 .
Contudo, discussões bem-informadas, inclusivas e respeitosas não são fáceis de alcançar, e são necessários esforços ou estratégias bem planejadas de preparação para que a experiência seja construtiva. Kathy Bickmore e Christina Parker 68 observaram que, mesmo quando professores procuram promover discussões sobre temas políticos controversos, há uma tendência a favorecer trocas imparciais e sem emoção em vez da realização de esforços significativos para processar divergências sobre temas conflitantes. Ao utilizar uma abordagem de facilitação deliberativa numa experiência com estudantes do Ensino Fundamental II, Kei Nishiyama e colegas observaram uma atitude avessa ao desacordo, uma vez que participantes acatavam as opiniões dos outros apenas para manterem a harmonia na sala de aula 69 . Segundo os autores, essa atitude pode impedir o envolvimento autêntico com os pontos de vista de cada um e bloquear a vontade de deliberar. Ao lidar com questões delicadas, Lo 70 argumenta que ao “ensinar estudantes a controlar as suas emoções políticas, navegar conflitos e negociar soluções com perspectiva de ação, a deliberação agonística tem o potencial de capacitar estudantes a se envolverem com o conflito de diferenças que existem numa sociedade pluralista”. Os requisitos do modelo deliberativo se tornam centrais nessas situações.
Em nosso experimento, a Oficina 4 foi concebida para envolver estudantes em discussões sobre questões políticas controversas. Os temas previamente escolhidos por estudantes a partir de uma lista mais ampla de questões foram política de cotas, ações afirmativas e direito ao aborto. Nossa equipe de pesquisa extraiu cuidadosamente argumentos pró e contra de materiais midiáticos, apresentando posições opostas (com valores ou preferências conflitantes) em proporção equilibrada. Foram organizados pequenos grupos compostos por 8 a 12 participantes. Para estimular a discussão, o facilitador leu dois argumentos que apoiam e dois argumentos que desafiam a política em questão. Estudantes foram instruídos a sinalizarem uns aos outros, usando gestos, se as atitudes de um participante estavam visivelmente ajudando ou dificultando a deliberação (ou seja, desempenhando papéis deliberativos ou não deliberativos). Essa oficina procurou motivar estudantes a estarem mais conscientes das atitudes comunicativas enquanto participavam de discussões controversas presentes no mundo real.
A questão proposta no Primeiro Evento de Discussão foi a liberdade de expressão e a regulamentação das mídias sociais. No Segundo Evento de Discussão, pediu-se a participantes que fizessem recomendações para mitigar o discurso de ódio e os ataques intolerantes nas redes sociais. Em vez de escreverem opiniões ou preferências individuais, solicitamos que produzissem recomendações como uma tarefa coletiva, ou seja, apresentando as propostas que surgiram durante a discussão coletiva. Em termos pedagógicos, esperava-se que o envolvimento em discussões autênticas em pequenos grupos aumentasse a autoconfiança e a capacidade prática de estudantes. Quando a discussão evolui como uma atividade deliberativa cooperativa, essa prática também ajuda a promover ou confirmar o sentido de autonomia política de participantes num contexto democrático compartilhado.
As preocupações pedagógicas na deliberação de ensino e formação são multifacetadas e requerem frequentemente ferramentas metodológicas distintas. Desenvolvemos uma abordagem integrada, baseada na aprendizagem entre pares, jogos e discussões autênticas em pequenos grupos sobre temas políticos controversos. O diálogo cooperativo e as discussões horizontais entre pares seguem o pressuposto de que a aprendizagem é um processo que se baseia na compreensão, na observação e nas experiências cotidianas das próprias pessoas.
Acreditamos que uma combinação de métodos é importante por vários motivos. Primeiro, as estratégias pedagógicas não constituem um caminho direto para objetivos claramente detalhados, devendo incluir ações destinadas ao desenvolvimento de habilidades específicas, bem como as focadas nas dinâmicas de interação em sala de aula. Em linha com os modelos baseados no diálogo e com a pedagogia crítica, a aprendizagem significativa surge quando participantes têm a oportunidade de articular os seus próprios pontos de vista e modificá-los na interação com outros, ouvindo novas ideias, considerações ou críticas para reestruturar ativamente o conhecimento. A aprendizagem horizontal e entre pares aconteceu na maioria de nossas oficinas, demandando que os próprios estudantes buscassem informações mais qualificadas e respostas cooperativas. Os jogos e as performances lúdicas têm o benefício especial de ajudar estudantes a se tornarem mais conscientes sobre comportamentos positivos e disruptivos para a comunicação democrática, ao mesmo tempo que lidam com as suas próprias emoções, conquistas e dificuldades de forma mais aberta nas discussões pós-jogo. Os debates autênticos, por sua vez, ajudam estudantes a compreenderem as suas experiências práticas, trazendo questões sensíveis para a mesa de discussão, ao mesmo tempo em que ouvem os outros, consideram outras escolhas ou alternativas e se concentram nas interações rumo à resolução.
Em segundo lugar, entendemos que uma abordagem integrada é importante porque aprender sobre deliberação e agir de forma deliberativa durante uma discussão requer uma combinação complexa de disposições, recursos cognitivos e emocionais. A aquisição ou expansão das habilidades necessárias são, assim como outras competências, passíveis de serem treinadas e desenvolvidas. Nossas oficinas foram pensadas para permitir que estudantes participassem de diversas maneiras: exercitando a voz e desenvolvendo a habilidade de se envolverem mais ativamente em discussões sobre questões políticas polêmicas; falando sobre suas próprias características e emoções pessoais em dinâmicas de pequenos grupos; e refletindo e desenvolvendo a habilidade de ouvir os outros ou fazendo um esforço para incluir participantes desinteressados. As realidades e as experiências nos ambientes escolares envolvem fatores de base social e histórica e processos contingentes que são demasiado diversos para que possamos confiar num único método de ensino de deliberação, e por isso os propostos apresentam diferentes benefícios para a aprendizagem ativa, podendo ser complementados. Assim, uma combinação de métodos que possam ser usados de forma flexível em diferentes estágios de aprendizagem provavelmente nos dará uma melhor chance de sucesso para os fins pretendidos quando comparado a um único método.
Terceiro, defendemos a ideia de que uma abordagem integrada é relevante para lidar com a complexidade que a teoria deliberativa nos apresenta. Apesar de suas limitações, os métodos auxiliam pesquisadores e profissionais a construírem situações que buscam se aproximar de condições deliberativas. Tendo em mente os princípios normativos, sentimo-nos pressionados a encontrar espaços de discussão ou desenhos de fóruns adequados, a abordar obstáculos ou deficiências percebidas e a criar incentivos ou estratégias para transformar os ambientes na direção desejada. Assim como é interessante ou aconselhável adotar abordagens integradas para ensinar deliberação, uma maior investigação é necessária para observar e medir adequadamente os efeitos de uso de métodos em diferentes contextos ou em múltiplos casos.
Este artigo se baseou na teoria deliberativa e apresentou uma série de iniciativas e estudos empíricos para incentivar os jovens a compreenderem e participarem na comunicação democrática. Afirmamos que a teoria deliberativa, por se basear num conjunto de princípios e valores, nos torna mais conscientes das diferentes dimensões e competências que devem ser desenvolvidas nos programas educacionais voltados para a criação de futuros mais democráticos. Embora um único método não permita lidar com toda a complexidade da teoria deliberativa (traduzindo-a na prática e em ações específicas), uma combinação deles – (1) aprendizagem entre pares; (2) jogos e atividades performativas; e (3) discussões autênticas em pequenos grupos –, intercaladas entre si, pode proporcionar abordagens mais completas. É importante sublinhar que programas e métodos educativos específicos devem se adaptar constantemente às mudanças em participantes e nas condições socioeconômicas, nos ambientes escolares e de estudantes e nos tipos de conflito em jogo na sociedade. Para avançar ainda mais no tema, é importante comparar experiências de forma sistemática e conceber uma combinação de métodos em diferentes contextos sociais e culturais, tanto em ambientes educacionais quanto fora deles.