Resumo: O presente artigo parte de uma oficina de multimídia do projeto Àwúre Ribeirinhos no município de Curralinho, na região do Marajó-Pará. A oficina surgiu da inquietação em refletir qual é a percepção dos jovens de Curralinho sobre a cidade e seus cotidianos, então, por meio do ensaio fotográfico produzido por eles, visou-se promover participação ativa e consciência de cidadania na construção de suas próprias narrativas. Propomos neste estudo compreender como os jovens retratam a realidade local por meio da fotografia, explorando as temáticas, perspectivas e abordagens presentes nas imagens produzidas. A pesquisa também busca investigar a influência do contexto geográfico, social e cultural na produção dessas representações visuais, além de identificar as dificuldades enfrentadas pela população e sua expressão por meio das fotografias.
Palavras-chave: Fotografia, cidadania, Amazônia, Marajó, jovens.
Abstract: This study departs from a multimedia workshop of the ÀWÚRE Ribeirinhos Project in Curralinho, in the region of Marajó, Pará, Brazil. After it, academic restlessness arose to reflect on what would be the perceptions of the young people of Curralinho about the municipality and their daily lives based on the photographic essay they produced to promote active participation and awareness of citizenship in the construction of their own narratives. This study proposed to understand how young people portray their local reality by photography, exploring the themes, perspectives, and image approaches in the produced material. This research also seeks to investigate the influence of the geographical, social, and cultural context in these visual production representations and identify the difficulties this population faces and their expression by photographs.
Keywords: Photography, citizenship, Amazon region, Marajó, youth.
ARTIGOS LIVRES
Fotografia e cidadania: prática comunicacional em Curralinho – Marajó1
Received: 06 December 2023
Accepted: 18 April 2024
Fotografia e cidadania: prática comunicacional em Curralinho – Marajó 1
Convidamos você leitor ou leitora para, junto conosco, navegar em águas marajoaras até o município de Curralinho-Marajó, onde as produções analisadas neste artigo são construídas e constituídas. A chegada à cidade é feita através dos rios amazônicos com cerca de oito horas de viagem de Belém-Pará. Começamos o diálogo deste artigo pelo contexto geográfico e social, pois esse será de grande relevância para compreender as singularidades do local onde foi realizada a oficina descrita e discutida neste artigo.
Curralinho possui, segundo o último levantamento publicado 2 , cerca de 33.903 habitantes e está localizada na microrregião de furos do Marajó, situada na área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó no Pará. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município possui o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,502 e apresenta apenas 1,4% de domicílios com esgotamento sanitário 3 , questões que refletem as dificuldades cotidianas da população.
Por intermédio do projeto Àwúre Ribeirinhos 4 , a oficina de multimídia foi realizada. O projeto é uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com atuação em diversas regiões do Brasil. Lançado em novembro de 2019, o Àwúre é um importante espaço aberto para denúncias e fomento de ações que busquem a inclusão social e produtiva, prevenindo a exploração das piores formas de trabalho, em especial o trabalho infantil, a exploração sexual e o trabalho escravo contemporâneo. O objetivo é fortalecer as comunidades de maior vulnerabilidade social, como povos originários (indígenas), comunidades tradicionais (quilombolas de terreiros de religiões de matriz africana e ribeirinhas) e comunidades periféricas, especialmente crianças, adolescentes e jovens.
Assim, nas oficinas, realizadas no município de Curralinho-Marajó, um dos módulos trabalhados com os jovens foi introdução à fotografia, aula esta que resultou em um ensaio fotográfico produzido pelas alunas e pelos alunos participantes do projeto, que tem seu conteúdo analisado neste estudo.
Considerando o contexto geográfico e social de Curralinho-Marajó, bem como a realização do projeto Àwúre Ribeirinhos e a produção de um ensaio fotográfico pelos jovens participantes, temos como problema de pesquisa o seguinte questionamento: qual é a percepção e representação dos jovens de Curralinho-Marajó sobre a cidade e seus cotidianos, a partir do ensaio fotográfico produzido durante a oficina de multimídia do projeto Àwúre Ribeirinhos?
Esse problema de pesquisa busca compreender como os jovens ribeirinhos retratam a realidade local por meio da fotografia, explorando as temáticas, perspectivas e abordagens presentes nas imagens produzidas. Além disso, buscamos investigar a influência dos contextos geográfico, social e cultural na produção dessas representações visuais, bem como identificar as dificuldades enfrentadas pela população e sua expressão por meio das fotografias.
Ao trilharmos esta investigação, a finalidade era contribuir para a valorização e divulgação das perspectivas e vivências dos jovens de Curralinho, bem como fornecer insights e recomendações para futuras ações e projetos de empoderamento e formação de capital social, visando promover a participação ativa na construção de suas próprias narrativas visuais e no diálogo com a sociedade em geral.
É a partir desse olhar que as fotografias dos alunos surgem como práticas emancipatórias e conscientizadoras, a fim de “promover a cidadania através do olhar sobre o próprio mundo, despertando uma consciência crítica sobre o seu entorno” 5 .

A metodologia utilizada na pesquisa foi a análise de conteúdo 6 , a qual possibilitou interpretar e compreender os dados visuais acessados. A partir disso, o material fotográfico coletado foi organizado em um banco de dados específico, atribuído a cada fotografia um identificador único. Por fim, as fotografias foram dispostas em categorias ou temas emergentes. Os padrões, as tendências e as particularidades das categorias integraram a base analítica da pesquisa, considerando as representações dos jovens sobre a cidade e o cotidiano, bem como os contextos geográfico, social e cultural de Curralinho.
Com base nisso, este artigo propõe romper com a história única que foi imposta à cidade de Curralinho, convidando o leitor a compreender o município a partir das perspectivas e olhares dos jovens moradores da região, com histórias de empoderamento e reparação da sua dignidade despedaçada 7 . Por meio da oficina de multimídia, do projeto Àwúre Ribeirinhos, a existência dessa população se potencializa, no sentido em que a comunicação e o direito à palavra humanizam as pessoas e as tornam protagonistas de suas próprias histórias e do mundo 8 .
Com base no que foi exposto, este artigo apresenta alguns objetivos, gerais e específicos: compreender a percepção dos jovens de Curralinho-Marajó sobre a cidade e seus cotidianos, a partir das fotografias produzidas no ensaio fotográfico durante a oficina de multimídia do projeto Àwúre Ribeirinhos; identificar os elementos representativos de Curralinho-Marajó presentes nas imagens capturadas pelos jovens, relacionados à cidade e aos seus cotidianos; observar as significações e interpretações atribuídas pelos jovens às fotografias, no que diz respeito à sua relação com a cidade e à expressão de suas identidades e vivências; e refletir sobre a importância da participação dos jovens na produção e representação de suas realidades locais.
Nesta pesquisa há dois fios condutores traçados para contemplar a temática proposta, sendo eles: “A fotografia como prática cidadã na Amazônia”, em que buscamos compreender as significações e interpretações atribuídas pelos jovens às fotografias, e “Práticas de resistência no Marajó”, sessão à qual podemos refletir sobre a importância da participação dos jovens na produção e representação de suas realidades locais.
Quando se pensa em uma cidade do interior do Pará, no Marajó, a primeira percepção que surge é uma cidade pequena, cercada pela floresta Amazônica, com população interiorana e ribeirinha, mas será que essa população se resume somente a isso? Adichie 9 nos alerta sobre o perigo de uma história única contada por aqueles que detêm o poder. Para ela, ao mostrarmos um povo como “uma coisa só, sem parar… é isso que esse povo se torna”, pois o poder é a habilidade de fazer essa história se tornar definitiva.
A história única, segundo Adichie ( 2009 ) 10 , refere-se à tendência de apresentar uma única narrativa sobre um lugar, cultura ou povo, resultando em uma visão estereotipada e limitada. Adichie enfatiza que, ao aceitar apenas uma perspectiva como verdade absoluta, perdemos a riqueza e a diversidade das experiências humanas. Ela ressalta que todas as culturas e pessoas são complexas e diversas, e que as reduzir a um único enredo é injusto e simplista.
Essa noção de história única é especialmente relevante em um contexto de comunicação, pois afeta a forma como as histórias são contadas e recebidas pelos indivíduos. Muitas vezes, a mídia, a literatura e outras formas de comunicação perpetuam narrativas estereotipadas, reforçando preconceitos e criando uma compreensão limitada dos outros. Essas histórias únicas podem levar à marginalização, à discriminação e à desigualdade.
No entanto, Adichie também aponta que podemos combater a história única ao buscar uma diversidade de vozes e perspectivas, como as dos e das jovens da cidade de Curralinho. Ao ouvir diferentes histórias e abraçar a multiplicidade de experiências, podemos romper com estereótipos prejudiciais e construir uma compreensão mais abrangente e inclusiva do mundo.
Seguindo esse pensamento, este artigo propõe romper com a história única que foi imposta à cidade de Curralinho no Pará, convidando o leitor a compreender o município a partir das perspectivas e olhares dos jovens moradores da região, pois suas histórias únicas serão usadas para os empoderar e reparar sua dignidade despedaçada 11 .
Para Amorim e Costa 12 , o direito à palavra é fundamental para contribuir com o fim do ciclo de dominação. Nesse contexto, as fotografias dos alunos surgem como práticas emancipatórias e conscientizadoras, com o intuito de “promover a cidadania através do olhar sobre o próprio mundo, despertando uma consciência crítica sobre o seu entorno” 13 . Ainda para Silva 14 :
A fotografia é vista a partir de um aspecto antropológico para se tornar instrumento de autoconhecimento e promoção da cidadania ao ser testemunha do fato, e sociológico ao despertar a afetividade das pessoas envolvidas e ao promover laços numa coletividade através do compartilhamento de imagens.
Ao utilizar a fotografia como meio de expressão, o projeto está inserido em uma ecologia das mídias 15 , que envolve a interação entre a fotografia, a comunicação, a tecnologia, a cultura local e a sociedade em geral. E, nesse contexto, o conceito de fotografia digital é fundamental para avançarmos na análise, já que os alunos do projeto utilizaram desta técnica para expressar seus sentimentos por meio das imagens. Nessa perspectiva, o autor Flávio Cauduro define, de forma técnica, fotografia digital como:
Toda e qualquer imagem obtida a partir de uma câmera obscura, com características ótico-mecânicas variáveis através de princípios puramente analógicos ou por combinação híbrida (analógico/digital) e que seja posteriormente processa em um computador e exibida de forma projeta (monitor ou tela) ou impressa (papel ou filme) 16 .
Esta descrição se aproxima do método dos alunos, porque eles utilizaram as câmeras dos celulares para a tarefa; alguns deles, inclusive, utilizaram filtros para que sua mensagem fosse transmitida da melhor forma. Cauduro apresenta os filtros no estágio de processamento da imagem. Para ele, estes oferecem transformações ilimitadas às imagens, são capazes de modificar o sentido da imagem e a mensagem que o artista, ou usuário, quer transmitir.
No ensaio fotográfico, os jovens ribeirinhos têm a oportunidade de criar imagens que capturam suas percepções e representações da cidade e de seus cotidianos. Essas imagens, por sua vez, são compartilhadas e disseminadas por meio de diferentes meios de comunicação, como exposições, publicações online, redes sociais, entre outros.
As fotografias podem então ser vistas como um dispositivo de comunicação que transmite mensagens e significados para diferentes públicos, promovendo o diálogo e a reflexão sobre as realidades dos jovens ribeirinhos. Isso ocorreu com as exposições feitas a partir das produções dos alunos, exposições estas promovidas pelo próprio projeto, mas também realizadas posteriormente pela prefeitura em feiras e eventos da cidade, além da própria divulgação que os alunos fizeram em suas redes sociais pessoais.
Além disso, a ecologia das mídias 17 também nos possibilita considerar a importância da forma como as tecnologias e infraestruturas de comunicação são acessadas e utilizadas pelas comunidades. No caso do projeto, a disponibilidade de equipamentos fotográficos, a conectividade à internet e outros recursos tecnológicos são elementos oferecidos pelo projeto que influenciaram a participação dos jovens e a circulação de suas imagens. Essa abordagem permite uma reflexão futura e mais complexa da forma como as narrativas visuais são criadas, circulam e ganham significado na sociedade contemporânea.
A saída fotográfica realizada pelos alunos partiu da provocação da instrutora do curso, e autora desse artigo, Karoline Barbosa. Após perguntar à turma “Como a mídia vê a cidade de vocês?”, recebeu respostas concordantes como “nem sabem da gente” ou “acham que somos só uma ilha”. A partir dessa reflexão da turma, a atividade proposta aos alunos foi: “Saiam pela cidade e encontrem lugares ou coisas que vocês acreditam que represente Curralinho e fotografem”. Os alunos então partiram pela cidade em pequenos grupos com celulares à mão, alguns com aparelhos próprios e quatro deles com aparelhos fornecidos pelo projeto para aqueles que não o tinham.
Esse exercício teve como base o conceito de desobediência epistêmica desenvolvido por Walter Mignolo 18 , relacionado à crítica das estruturas de conhecimento e formas dominantes de produção de conhecimento que são impostas por sistemas coloniais e eurocêntricos. A desobediência epistêmica busca desafiar e subverter essas estruturas, permitindo que vozes e perspectivas historicamente marginalizadas sejam reconhecidas e valorizadas.
A oficina de multimídia do projeto Àwúre Ribeirinhos em Curralinho-Marajó e a produção do ensaio fotográfico pelos jovens participantes podem ser interpretados como atos de desobediência epistêmica. Ao permitir que os jovens ribeirinhos expressem suas perspectivas e retratem a realidade local por meio da fotografia, a história única que foi imposta à cidade de Curralinho é desafiada. É oferecido, assim, um meio para que esses jovens compartilhem suas experiências e conhecimentos locais, desafiando as narrativas dominantes que muitas vezes ignoram ou estereotipam suas comunidades.
A desobediência epistêmica está presente na subversão das estruturas de poder que controlam a produção de conhecimento e perpetuam relações de dominação 19 . Ao capacitar os jovens ribeirinhos para que sejam os protagonistas de suas próprias narrativas visuais, a oficina possibilita que suas vozes sejam ouvidas e que suas formas de conhecimento sejam reconhecidas como legítimas e valiosas.
Essa desobediência epistêmica também está presente na forma como o projeto desafia as hierarquias e os padrões estabelecidos de produção de conhecimento, ao valorizar a expressão e a criatividade dos jovens ribeirinhos em detrimento das formas de conhecimento dominantes que frequentemente desconsideram suas experiências.
Ao reconhecer e promover a desobediência epistêmica, foi possível construir um espaço mais inclusivo e diverso, no qual diferentes formas de conhecimento e perspectivas são valorizadas. Desafiando a hegemonia do conhecimento eurocêntrico e colonial, abrindo caminho para a ampliação do diálogo intercultural e para a valorização das vozes historicamente marginalizadas. É a partir desta perspectiva que se constroem as práticas de resistência em Curralinho.
Pensar as possibilidades de resistência através do cotidiano se baseia no conceito do autor Luis Felipe Miguel 20 de “resistências cotidianas”, que trata de práticas de resistência e enfrentamento que ocorrem no âmbito do cotidiano das pessoas comuns. Essas práticas não se limitam a grandes manifestações públicas ou ações revolucionárias, mas ocorrem de forma fragmentada e dispersa em diferentes esferas da vida cotidiana.
Miguel 21 argumenta que as resistências cotidianas são fundamentais para a transformação social, pois são capazes de minar as estruturas de dominação e opressão de forma gradual e persistente. Essas formas de resistência podem incluir atos de desobediência civil, práticas de solidariedade, questionamento de normas e valores estabelecidos, criação de espaços de autonomia e expressão, entre outros.
O conceito de resistências cotidianas está intimamente relacionado à ideia de que as lutas políticas não se limitam a momentos específicos de mobilização ou protesto, mas permeiam as interações e relações diárias. O autor destaca a importância de reconhecer e valorizar essas práticas de resistência que ocorrem no cotidiano, pois elas contribuem para a construção de uma cultura de resistência e para a conscientização política das pessoas.
Quando observamos a oficina realizada em Curralinho, percebemos como a prática fotográfica pode ser entendida como uma forma de resistência cotidiana. Ao proporcionar aos jovens um espaço educacional, onde foi possível permitir que esses alunos expressassem suas perspectivas e retratassem sua realidade local por meio da fotografia, o projeto capacita esses jovens e os empodera para que se tornem protagonistas de suas próprias histórias e do mundo ao seu redor.
As fotografias produzidas durante a oficina representam uma forma de resistência, pois desafiam a história única que foi imposta à cidade de Curralinho. Elas fornecem uma visão alternativa da realidade local, permitindo que os jovens compartilhem suas vivências, desafios e aspirações por meio da linguagem visual. Essas práticas de resistência cotidiana contribuem para a valorização das perspectivas dos jovens e para a reparação de sua dignidade, as fotografias produzidas pelos jovens podem ser consideradas uma forma de resistência cotidiana, permitindo que expressem suas realidades locais e se tornem agentes ativos na construção de suas próprias narrativas visuais e no diálogo com a sociedade em geral.

Esse espaço de expressão, demarcando o lugar de fala 22 traz uma importante reflexão pois reforça que a experiência individual de cada pessoa é moldada por sua posição social, identidade e vivências específicas. Isso implica que cada indivíduo tem um lugar único a partir do qual fala e interpreta o mundo.
Os jovens participantes do projeto Àwúre Ribeirinhos em Curralinho-Marajó têm seus próprios lugares de fala, perspectivas e vivências como jovens ribeirinhos que vivem em uma região específica, o que influencia a forma como eles retratam sua realidade local por meio do ensaio fotográfico. Esses jovens possuem uma compreensão única e íntima dos desafios, dificuldades e particularidades do cotidiano em sua cidade. Seus lugares de fala são fundamentais para a produção de representações visuais autênticas e contextualmente relevantes.
Ao permitir que esses jovens se expressem e compartilhem suas visões por meio da fotografia, o projeto Àwúre Ribeirinhos reconheceu a importância dos lugares de fala individuais. Foi possível ampliar e valorizar essas vozes que, muitas vezes, são marginalizadas ou ignoradas em narrativas dominantes sobre a região.
O conceito de cidadania 23 envolve a ideia de pertencimento a uma comunidade política, além do reconhecimento dos direitos e responsabilidades dos cidadãos dentro dessa comunidade. A cidadania está associada à noção de participação ativa na vida política e social, bem como ao exercício dos direitos civis, políticos e sociais.
A participação ativa nas atividades propostas na oficina, com as instruções da professora Ana Karoline Barborsa, permitiu a esses jovens: refletirem sobre seu cotidiano e se perceberem como agentes ativos nas discussões sobre questões que afetam suas vidas. Assim, salientamos a importância de reconhecer os jovens ribeirinhos como cidadãos plenos, capazes de contribuir para a construção de suas próprias narrativas e para o desenvolvimento de suas comunidades. Por meio das fotografias, eles reivindicam seu direito à participação e à representação, buscando alcançar uma cidadania mais efetiva e inclusiva.
É importante delimitar que a cidadania não deve ser entendida como um status fixo e universal, mas sim como um processo de engajamento político que envolve a coexistência de diferentes perspectivas e interesses 24 . No decorrer desta pesquisa foi possível observar que o projeto Àwúre Ribeirinhos busca reconhecer e valorizar as múltiplas vozes e perspectivas dos jovens ribeirinhos de Curralinho-Marajó. Ao estimular o protagonismo dos jovens, o projeto Àwúre Ribeirinhos contribuiu para o fortalecimento de sua cidadania, pois os próprios alunos se reconheceram como agentes de mudança e como detentores de direitos.
A ministrante da oficina, Ana Karoline Barbosa, recorda a fala de um aluno: “ Nossa, essa é a minha cidade? Nem acredito que eu mesmo tirei essas fotos ”. Esta fala nos ajuda a entender que os jovens reconheceram sua capacidade de envolvimento nos processos de percepção da cidade e de seus cotidianos, ampliando o diálogo com a sociedade em geral e buscando transformações positivas em sua comunidade. E com isso, os alunos inclusive fizeram um perfil no Instagram com fotos que eles produziram da cidade (@photolover2?_).
Mouffe 25 argumenta que o pluralismo é fundamental para a democracia, pois permite que exista uma esfera pública em que diferentes interesses e pontos de vista são debatidos e negociados. Nesse sentido, a oficina possibilitou um ambiente mais inclusivo e diverso, no qual os jovens ribeirinhos podem contribuir para os debates sobre a cidade e seus cotidianos.
O projeto Àwúre Ribeirinhos se propõe para além de uma concepção restrita de cidadania como mero exercício de direitos formais. Ele se alinha à visão de Mouffe 26 , ao enfatizar a importância da participação ativa e do engajamento político dos cidadãos na construção da sociedade.
Por meio do ensaio fotográfico produzido durante a oficina de multimídia, os jovens ribeirinhos têm a oportunidade de expressar suas experiências e visões de mundo, contribuindo para a diversidade de narrativas presentes na sociedade. Essa valorização do pluralismo promove um espaço de diálogo e debate, em que diferentes formas de conhecimento e perspectivas podem coexistir e interagir.
Nesse sentido, a cidadania é entendida como um processo contínuo de interação e luta política, no qual os jovens ribeirinhos são capacitados a exercer seu direito de participar da vida pública e contribuir para a transformação de sua comunidade. Por meio da produção de suas próprias narrativas visuais, eles têm a oportunidade de reivindicar seu lugar na esfera pública, influenciar a agenda política e promover mudanças sociais. Ao promover a expressão de suas perspectivas e interesses, a atividade pode contribuir para a construção de uma cidadania mais ampla e inclusiva, baseada no reconhecimento e na valorização da pluralidade de vozes e experiências na sociedade.
O processo metodológico adotado neste estudo será baseado na análise de conteúdo, seguindo a abordagem proposta por Bardin 27 . A análise de conteúdo é uma técnica amplamente utilizada para interpretar e compreender o significado dos dados textuais, visuais ou audiovisuais. Neste caso, será aplicado para analisar e interpretar o ensaio fotográfico produzido pelos jovens participantes do projeto Àwúre Ribeirinhos em Curralinho-Marajó.
O primeiro passo do processo metodológico foi organizar o material fotográfico. Todas as fotografias produzidas pelos jovens foram coletadas e organizadas em um banco de dados específico, atribuindo-se a cada imagem um identificador único.
Em seguida, realizamos uma leitura flutuante das fotografias, a fim de nos familiarizar com o conteúdo visual e identificar possíveis categorias ou temas emergentes. Essa leitura prévia permitiu uma compreensão geral do material e forneceu índices para o desenvolvimento de um sistema de categorização adequado. Houve necessidade, ainda, da elaboração de um quadro de categorias, que representasse as diferentes temáticas, abordagens ou perspectivas presentes nas fotografias. Essas categorias foram construídas com base nos padrões identificados no material, como elementos recorrentes, contextos visuais e mensagens transmitidas.
Uma vez estabelecido o quadro de categorias, iniciou-se a fase de análise. Nessa etapa, cada fotografia foi categorizada de acordo com o conteúdo e as características identificadas. Cada imagem foi atribuída a uma categoria. Nessa etapa, foram analisados os padrões, as tendências e as particularidades identificadas nas categorias, buscando compreender as representações dos jovens sobre a cidade e seus cotidianos. Foram realizadas inferências e conexões entre as categorias, considerando o contexto geográfico, social e cultural de Curralinho-Marajó.
A análise flutuante foi realizada com 171 imagens capturadas pelos jovens da oficina de multimídia do projeto Àwúre Ribeirinhos, cujo objetivo foi retratar sua realidade por meio de fotografias. Entretanto, para este artigo, delimitou-se o recorte da pesquisa a temática “cotidiano na cidade de Curralinho”. Sendo assim, a análise de conteúdo foi na realidade com 60 das 171 fotografias. Em seguida, as imagens foram organizadas em três categorias: Comércio; Regionalidade e Urbanização.
Essas categorias foram selecionadas dada a recorrência do tema no ensaio fotográfico desenvolvido pelos alunos. Nas fotografias há a presença principalmente do comércio local, fotos de dentro e fora do complexo de abastecimento da cidade, onde encontram-se pequenos vendedores de hortaliças e roupas. Há também vários aspectos da regionalidade da comunidade, como as idas até praça, a igreja da região, os barcos e as motocicletas como os principais meios de transporte. Por fim, a urbanização se apresenta primeiramente de maneira inesperada aos leitores e, em seguida, como uma parte da região que ainda está em expansão, aos poucos os modelos de urbanização impostos a outras cidades também vão tomando conta da paisagem do município.
Levantou-se a hipótese de que os jovens que participaram da oficina queriam retratar a sua cidade para além do imaginário popular, de que seria cercada pela floresta Amazônica, sem a presença do consumo, comércio e infraestrutura (presença do capitalismo). Objetiva-se, então, perceber por meio das fotografias capturadas, como elas retratam a realidade dos jovens de Curralinho.
Após analisarmos as imagens percebemos o desejo desses jovens em contar novas histórias sobre a cidade, rompendo a história única imposta. É notório o anseio desses adolescentes pela construção de novas narrativas em busca de cidadania na Amazônia, por meio das resistências cotidianas 28 . Essas resistências se apresentam a eles por meio do trabalho e da manutenção da regionalidade local.

As novas perspectivas nos apresentam uma Amazônia urbanizada, um território que começa a mudar com a presença cada vez maior do sistema capitalista globalizado, ao mesmo tempo em que se atenta para uma Curralinho com uma cultura e regionalidade própria, além do que se percebe na capital paraense. Assim, a urbanização vem aos poucos se integrando à paisagem “natural” da cidade, começando a fazer parte do cotidiano local, em paralelo, é crescente também as lutas em busca de reconhecimento e direitos dessa população.
É por tal motivo que Coutinho 29 argumenta que a cidadania não é dada aos indivíduos, ela é conquistada através de um processo de lutas, e sua permanência se dá pelas resistências. Ao desafiar a “episteme” estabelecida, esses jovens puderam (re)conhecer seus lugares de fala e, a partir do projeto, iniciaram processo de ruptura estrutural e construção de novas narrativas sem apagar a regionalidade.

Ao relacionar esses dados com os autores trabalhados, é possível observar a ressonância das ideias de resistências cotidianas de Luis Felipe Miguel 30 . Os jovens participantes da oficina manifestam o desejo de contar novas histórias sobre a cidade, rompendo com a história única imposta e buscando reafirmar sua cidadania na Amazônia. Eles se engajam na construção de novas narrativas que buscam superar estereótipos e valorizar a identidade e regionalidade local. Nesse sentido, a análise das fotografias revela a importância das resistências cotidianas como forma de conquista da cidadania, conforme defendido por Miguel. Além disso, as imagens também evidenciam a presença da urbanização como um elemento que se integra à paisagem local, apontando para a complexidade da Amazônia e para a necessidade de reconhecimento e direitos para a população de Curralinho. Essa abordagem está alinhada com a ideia de romper com a “episteme” estabelecida, conforme mencionado no contexto de Coutinho 31 , e permite aos jovens (re)conhecerem seus lugares de fala, desafiando estruturas e construindo novas narrativas que valorizam sua identidade e regionalidade, ao mesmo tempo em que buscam o reconhecimento como cidadãos plenos.
A partir da análise das 60 fotografias retiradas do ensaio fotográfico produzido pelos alunos da oficina de multimídia do projeto Àwúre Ribeirinhos, no município de Curralinho-Marajó, consideramos que a pesquisa alcançou os objetivos propostos.
Quanto ao objetivo geral, constatou-se que a percepção dos jovens em relação ao município de Curralinho, por meio do ensaio fotográfico, é de um local em desenvolvimento, a partir da sua cultura e regionalidade. Dessa forma, compreende-se que é necessário recontar a história da cidade por outras perspectivas. Vale levar em consideração que a oficina foi, para eles, uma redescoberta da cidade e um ato de desobediência epistêmica, o que os possibilitou o reconhecimento do seu lugar de fala e a possibilidade de construção de uma nova narrativa para a cidade.
Em relação ao primeiro objetivo específico, os elementos representativos identificados com maior frequência nas fotografias foram: as pessoas, os barcos, as mercadorias, as comidas típicas e toda a cultura da região marajoara e amazônica. Esses sujeitos, e os elementos apresentados nas fotografias, são os grandes propulsores das resistências cotidianas dessa população.
No que diz respeito ao segundo objetivo específico, os jovens conseguiram reestabelecer sua conexão com a cidade ao explorá-la de diferentes maneiras. Isso possibilitou reconhecer os seus lugares de fala e repensar as narrativas que foram construídas sobre a cidade, podendo compreender como suas identidades também são atravessadas pela identidade coletiva da cidade. Além disso, tiveram a possibilidade de se compreender como protagonistas nas resistências cotidianas em busca de cidadania na Amazônia.
Ao que tange o terceiro objetivo específico, foi possível refletir e reconhecer a importância dessas potências juvenis, a partir de cada nova perspectiva e cada olhar fotográfico apresentado na oficina. Ao retratar sua realidade, foi possível compreendê-la melhor e descobrir novas possibilidades de ser marajoara e resistir às narrativas impostas.
Os dados encontrados na pesquisa revelam uma tentativa de romper com a história única imposta sobre a cidade. Os jovens buscaram retratar a realidade local, indo além do imaginário popular que limita a cidade à presença da floresta Amazônica, sem considerar o consumo, o comércio e a infraestrutura, aspectos esses relacionados ao avanço do capitalismo na região. Essa iniciativa dos jovens reflete o anseio por construir novas narrativas em busca de cidadania na Amazônia, por meio das resistências cotidianas mencionadas por Luis Felipe Miguel 32 . Eles buscam desafiar as narrativas estabelecidas e reivindicar seus lugares de fala, visando a ruptura estrutural e a construção de novas formas de expressão que não apaguem a identidade e a regionalidade local.
Dessa forma, é necessário romper com as narrativas únicas impostas, sobre essa e muitas outras populações que foram subalternizadas. A fotografia foi utilizada como peça fundamental para a busca de cidadania, proporcionando aos jovens um novo olhar para sua realidade e para sua cidade. É preciso desobedecer a epistemologia vigente para que possamos construir novos caminhos possíveis em busca de cidadania na Amazônia.
E-mail: pesquisadora.karolbarbosa@gmail.com E-mail: thamyresferreiracosta@gmail.com Email: celiamorim@ufpa.br E-mail: walter.lima@unifesp.br



