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Apresentação do Dossiê – Quando o “Outro” é o Antropólogo: Reflexões Sobre Produções Etnográficas Contemporâneas
Karine L. Narahara; Inara do Nascimento Tavares
Karine L. Narahara; Inara do Nascimento Tavares
Apresentação do Dossiê – Quando o “Outro” é o Antropólogo: Reflexões Sobre Produções Etnográficas Contemporâneas
Dossier Presentation – When The “Other” Is the Anthropologist: Reflections on Contemporary Ethnographic Productions
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 27, núm. 3, e46766, 2022
Universidade Estadual de Londrina
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Resumo: Apesar das diversas transformações pelas quais já passou a antropologia, ainda predomina na disciplina a ideia de que o fazer antropológico se dá no encontro com um “Outro”, muitas vezes distante espacialmente e “culturalmente” daquele que produz o texto etnográfico. Desdobra daí que o trabalho do antropólogo é disparado por um deslocamento físico que o leva da sua “casa” para o “campo”. Este modelo tem sofrido uma desestabilização ainda mais profunda com a maior presença, nos últimos anos, de antropólogos negros e indígenas nos cursos de pós-graduação em antropologia do país. No presente texto, apresentamos um panorama dessas questões, e como elas dialogam com a proposta do dossiê e os textos aqui publicados.

Palavras-chave: Antropologia, etnografia, trabalho de campo, outro, alteridade.

Abstract: Despite the transformations through which anthropology has already gone through, the idea that anthropology takes place in the encounter with an “Other”, often distant spatially and “culturally” from the one who produces the ethnographic text, still prevails in the discipline. It unfolds from this that the anthropologist’s work is triggered by a physical displacement that takes him from his “home” to the “field”. This model has undergone a deeper destabilization with a greater presence, in recent years, of Black and Indigenous anthropologists in graduate programs in anthropology around the country. This proposal aims to bring together texts that contribute with reflections on contemporary ethnographic production, highlighting the tensions generated by the idea that anthropology is necessarily the product of the encounter with difference.

Keywords: Anthropology, ethnography, fieldwork, other, alterity.

Carátula del artículo

DOSSIÊ – Quando o “Outro” é o Antropólogo

Apresentação do Dossiê – Quando o “Outro” é o Antropólogo: Reflexões Sobre Produções Etnográficas Contemporâneas

Dossier Presentation – When The “Other” Is the Anthropologist: Reflections on Contemporary Ethnographic Productions

Karine L. Narahara*
University of North Texas, USA
Inara do Nascimento Tavares*
Universidade Federal de Roraima, Brasil
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 27, núm. 3, e46766, 2022
Universidade Estadual de Londrina

Recepção: 11 Outubro 2022

Revised document received: 06 Dezembro 2022

Aprovação: 20 Dezembro 2022

Introdução

Este dossiê nasce do encontro de uma série de estranhamentos, mas também do que entendemos que são potências. Das conversas e trocas entre uma antropóloga negra, a partir de sua experiência com uma população indígena na Patagônia argentina (cf. NARAHARA, 2022), e uma antropóloga indígena, desde seu trabalho com outras mulheres indígenas sobre os alimentos e do ato de alimentar a si e aos demais (cf. TAVARES, 2019). Um encontro que reverbera uma série de confluências mais amplas que têm proliferado pelos departamentos de antropologia Brasil afora nos últimos anos, as quais refletem a implementação de políticas de ações afirmativas por vários programas de pós-graduação em antropologia3.

O que tem acontecido quando esses pesquisadores se encontram em um ambiente acadêmico? E ainda: o que acontece com a antropologia em decorrência desses encontros? Essas são as duas principais perguntas que nos moveram a propor o dossiê. Buscávamos, em especial, textos produzidos por antropólogos negros e indígenas que nos ajudassem a refletir sobre questões teórico-metodológicas centrais para a antropologia. Entendemos que as etnografias produzidas por esses pesquisadores colocam novos problemas para a disciplina, em função das circunstâncias, por vezes peculiares, através das quais são tecidas. Não pretendemos apresentar um panorama totalizante dessas questões, mas sim trazer textos que nos ajudassem a pensar sobre algumas delas.

O título do dossiê trouxe para o centro dessa prosa uma categoria que é central para a antropologia enquanto disciplina: o “Outro”. A antropologia se construiu ao longo do tempo enquanto a ciência que fala do Outro, o que quase sempre acaba sendo equalizado com “não-moderno” / ”não-Europeu” / “não-ocidental” / “não-branco”4. Decidimos destacar essa noção para lançar uma provocação: o que acontece quando aqueles que costumeiramente foram e são tratados como “objeto de análise” da disciplina produzem conhecimento antropológico dentro dos marcos dessa mesma disciplina? Por mais que o título dê a entender que estamos tratando de uma antropologia produzida pelo “Outro” – o que não é nosso intuito, como deve ficar explícito ao longo desta apresentação – ainda assim decidimos manter o termo, com a vontade de gerar um incômodo que possibilite o diálogo.

Na primeira parte desta Apresentação, iremos trazer um breve panorama sobre como a antropologia é centrada na ideia de outridade, e como isso se desdobra em um eixo central no modelo canônico da disciplina: o trabalho de campo, e a consequente distinção entre campo e casa. Em seguida, iremos explorar como algumas produções etnográficas contemporâneas, especialmente vinculadas a produção de antropólogos negros e indígenas, tensionam esse eixo. Por fim, vamos tecer algumas considerações sobre o processo de construção do presente dossiê, incluindo comentários sobre os artigos aqui publicados.

Antropologia: a Ciência Sobre o Outro

Se alguém pergunta o que é antropologia, a resposta mais usual é: a ciência que estuda as diferentes culturas. Diferença é então palavra-chave para a disciplina, sendo fundamental aqui a distinção “nós” – “eles”, a qual está baseada:

[...] na divisão historicamente construída entre Ocidente e não Ocidente. [A antropologia] tem sido e continua a ser, primariamente, o estudo do outro não Ocidental pelo self Ocidental, mesmo se em uma nova aparência ela procure, explicitamente, dar voz ao Outro ou apresentar um diálogo entre o self e o outro, textualmente ou através de uma explicação do encontro no campo

(ABU-LUGHOD, 1991, p. 139).

Abu-Lughod explora como a separação nós – eles é uma das consequências do moderno conceito de cultura, o qual, inevitavelmente, expressa um senso de hierarquia – que atravessa também, ao nosso ver, a distinção self – Outro: “cultura é a ferramenta essencial na produção do Outro” (ABU-LUGHOD, 1991, p. 143). Para a autora, a expressão da diferença por meio da ideia de ‘Outro não-Ocidental’ garante ao antropólogo sua identidade enquanto tal. A noção de Outro, oposto ao self Ocidental/antropológico e atravessada pelo conceito de cultura, é chave na compreensão da diferença pela antropologia.

McGrane (1989), empreendendo uma “arqueologia da antropologia” nos moldes foucaultianos, mostra como a ideia de um Outro não-Europeu foi se transformando desde o século XVI até as abordagens antropológicas do final do século XIX e início do século XX. Para a antropologia do século XIX é o tempo que se apresenta como variável fundamental da alteridade, da diferença entre o Ocidente e o Outro, por meio do que autor chama de uma “explosão radical do ‘espaço histórico’”, de forma que a antropologia se transforma na “positiva e positivista forma de comparação entre o passado e o presente” (MCGRANE, 1989, p. 77-78, grifo do autor). O Outro, ressalta o autor, passa então a fazer parte de uma “estratificação do tempo”, na qual a noção de progresso é central5.

McGrane conclui o livro considerando que a ideia de relativismo cultural gerou uma importante mudança na antropologia do século XX quanto a perspectiva sobre o Outro: a diferença deixa de ser expressa, num primeiro plano, enquanto diferença em termos de distância temporal, de maneira que:

[...] a formação do conceito antropológico de “cultura” é uma interiorização do “tempo” (e da “história”), e do “valor”, por ora, em vez da perspectiva evolucionista-historicista em que toda diferença deveria ser vista no horizonte de ordenamento universal da evolução histórica temporal, a antropologia agora vê a concepção de evolução histórica temporal contra o horizonte mais amplo e universal da “cultura”. “A história” é interiorizada na “cultura”

(MCGRANE, 1989, p. 114).

A antropologia, segundo Trouillot (1991a, 1991b, 2011), vai se consagrar enquanto disciplina destinada a preencher cientificamente o “nicho do Selvagem”6, o qual já estava estabelecido pela experiência ocidental, por meio da literatura, dos relatos de viagem e do material produzido pelo aparato colonial sobre os territórios invadidos e ocupados. A antropologia é a disciplina que apresenta às metrópoles coloniais “a vida e os costumes do Outro” (TROUILLOT, 2011, p. 61). Trouillot fala que a “geografia da imaginação” criada pelo Ocidente demandava a criação do nicho do selvagem, de forma que a antropologia é parte importante dessa geografia imaginativa7. Afinal, a “antropologia não criou o selvagem. Mas “o selvagem foi a raison d’etrê da antropologia” (TROUILLOT, 1991a, p. 40), de forma que a noção de Outro resulta do mesmo processo que deu origem ao Ocidente.

Com a chegada do pós-modernismo à disciplina, nos anos 1980, temos um tensionamento das “grandes narrativas”, de forma que as próprias categorias analíticas universalizantes e homogeneizantes (como sociedade e cultura) passam a ser questionadas. No entanto, para Troiullot essa virada pós-moderna não foi capaz de fazer uma crítica mais estruturada ao papel da disciplina na manutenção deste nicho, ao limitar-se, por meio do foco na antropologia enquanto texto, a “ler os tropos internos do nicho do selvagem [...] mas negando-se a endereçar diretamente o campo temático (e o mundo mais amplo) que fez (faz) esse nicho possível, taciturnamente preservando o nicho vazio” (TROUILLOT, 1991a, p. 40). Entendemos que o presente dossiê, por mais que se inspire numa série de críticas que emergem na antropologia dos anos 19808, busca contribuir com a tarefa já colocada por Trouillot, explorando como certas produções etnográficas contemporâneas tensionam a vinculação da antropologia a ideia de um Outro-nativo.

A antropologia é então não a ciência do Outro, mas acima de tudo a ciência sobre o Outro. Assim, a “antropologia fala bem sobre o Outro, mas não com o Outro” (McGRANE, 1989, p. 127). É como se a antropologia tivesse dificuldade de compreender que “as ciências da humanidade são produto do mesmo mundo que tratam de explicar” (TROUILLOT, 2011, p. 39). Como destacou McGrane, a partir de Todorov (1984), a permanente disponibilidade e invisibilidade do Outro aos olhos do Ocidente traduz-se, automaticamente, na indisponibilidade e visibilidade do Ocidente, o que ajuda a entender a “dificuldade de perceber a antropologia como uma atividade que é parte daquilo estuda” (McGRANE, 1989, p. 119). É como se o antropólogo estivesse acima, como que pairando sobre a cultura-objeto a qual observa. Retomaremos esse ponto.

Por isso Ingold (2000, p. 15), ao tratar do paradigma do relativismo cultural, se refere ao antropólogo como o “espectador das [cosmo]visões”, aquele que detém uma visão privilegiada sobre o mundo por ser capaz tanto de observar a realidade tal como ela é (baseada na divisão entre natureza e cultura), quanto de analisar as diferentes perspectivas (culturais) sobre essa realidade única9. O Outro é incapaz não apenas de entender a realidade tal como ela é, como é também “incapaz de reconhecer a outridade. Na moderna percepção antropológica do Outro estrangeiro, ele é [...] diferente somente na medida em que é desconhecedor da Diferença” (MACGRANE, 1989, p. 121). O Outro é Outro desde que não consiga reconhecer a relatividade, resume McGrane.

Ao nosso ver, é essa dificuldade antropológica de entender-se enquanto parte constituinte do mundo que produz a qual Wagner (1975) aponta por meio da noção de “antropologia reversa”. O autor argumenta que o fazer antropológico constitui não um exercício analítico de um determinado objeto, mas uma “relação” pela qual o “antropólogo experiencia, de um modo ou de outro, seu objeto de estudo” (WAGNER, 1975, p. 29, grifo do autor). Interessado nas diferentes formas de “invenção da cultura”, Wagner demonstra que todos os humanos objetivam ou inventam suas realidades (no sentido do que fazemos delas), assim como o antropólogo inventa sua própria “cultura” ao inventar a outra “cultura” que estuda. Do todos somos “nativos” de Geertz (1997), passamos a todos somos antropólogos, cada qual da sua maneira. A proposta do presente dossiê dialoga com a “antropologia reversa” wagneriana, trazendo novas nuances relativas ao que tende a ser considerada uma “antropologia nativa”, nos termos discutidos por autores como Limón (1991), Narayan (1993) e Weston (1997).

O Trabalho de Campo e o Encontro com o Outro

Nativos são aqueles que sempre estão aqui, sempre corporificados, sempre abertos a inspeção acadêmica. Etnógrafos são aqueles que vão lá (‘o campo’) para estudar nativos com a intenção de retornar aqui (‘casa’), o ‘aqui’ está cruzando oceanos ou em um apartamento do outro lado da cidade

(WESTON, 1997, p. 174).

Se a antropologia é a ciência por excelência sobre o Outro, a etnografia é então produto do encontro do antropólogo com esse Outro, muitas vezes distante espacialmente e exótico culturalmente, como podemos depreender da seção anterior. Para romper esse duplo distanciamento, uma prática central é a realização do trabalho de campo pelo antropólogo – o qual deve ser o mais longo possível em termos de tempo dedicado. Daí que a produção de conhecimento antropológico é profundamente atravessada pela ideia de que produzir uma etnografia implicar viajar – nem que seja mover-se a outro bairro de uma mesma cidade, como indica a epígrafe extraída de Weston (1997). Ao tratar do trabalho de campo, McGrane (1989) ressalta ainda que a viagem etnográfica pressupõe a existência da diferença: a distância cultural existe, e está aí para ser descoberta. A “outridade exótica talvez não seja tanto o resultado, mas sim o pré-requisito da investigação antropológica” (FABIAN, 1983, p. 121).

O campo, ressaltam Gupta e Ferguson (1997, p. 8), tende a ser entendido como um lugar longe do ambiente urbano, de maneira que “ir para o ‘campo’ sugere uma viagem para um lugar que é agrário, pastoril, e talvez até mesmo ‘selvagem’; implica um lugar que talvez seja cultivado (um sítio da cultura), mas certamente não muito distante da natureza”. Hoje temos todo um campo da disciplina dedicado a etnografar laboratórios e outros contextos tidos como espaços privilegiados da produção de conhecimento pelo Ocidente, em geral acolhidos sobre a rubrica de antropologia da ciência e tecnologia10. Mesmo assim, ainda domina a ideia de a antropologia se faz a partir de uma longa, em vários sentidos, viagem.

A separação campo/casa está conectada então a ideia de uma “hierarquia de pureza” entre os locais em que se realiza trabalho de campo, havendo uma espécie de escala de “graus de outridade” (GUPTA; FERGUSON, 1997). É notório como, ainda que pairando nas entrelinhas da disciplina, aqueles que empreendem viagens mais longas, para o encontro com uma “alteridade radical” e o convívio com pessoas que falam um idioma restrito a um pequeno espaço territorial, produzem um conhecimento de maior valor na economia da disciplina. Afinal, como também observaram Gupta e Ferguson (1997), existem lugares que são mais apropriados como foco do trabalho etnográfico que outros: sair de casa e viajar ao campo é sobre essa busca da diferença.

O trabalho de campo, como disseram Gupta e Ferguson (1997) é o que faz do antropólogo um “verdadeiro antropólogo”, permitindo a produção do “real” conhecimento antropológico. Por mais que certas antropologias “sem campo”, como a antropologia do arquivo (Cf. CUNHA, 2005), estejam ganhando um certo espaço, ainda domina a ideia de que a antropologia só pode ser viabilizada por meio do trabalho de campo11. Os autores também mostram como a origem do trabalho de campo antropológico está relacionada ao trabalho de campo dos cientistas naturais, sendo a ideia de observar central em ambas as práticas – daí que boa parte do que foi feito na antropologia tem como base a “observação-participante”, no qual o primeiro termo é no geral bem mais importante que o segundo, como destacou McGrane (1989). “Mais observação, menos participação”, como Limón (1991, p. 121) lembra a si mesmo numa passagem de suas anotações de campo. Afinal, como destaca Flores (ver texto neste volume), tudo se passa como se o mundo (e o Outro) estivesse aí, dado e pronto, para ser observado. Aqui se explicita a visão como principal sentido no ofício antropológico12. Como tantos já disseram, o trabalho de campo é o “rito de passagem” de qualquer antropólogo.

No campo, após ter, em casa, consumido as mais diversas leituras teóricas e metodológicas para delinear as questões que irão guiar sua pesquisa, o antropólogo vai coletar “dados”, principalmente por meio de anotações em seus cadernos de campo (com destaque para as notas escritas e os diagramas) e da gravação de entrevistas. Interessante que não é incomum que as notas de campo sejam inacessíveis aos interlocutores do pesquisador, seja porque são escritas em um idioma que não é compreensível, ou mesmo porque este caderno tende a ser mantido fora do alcance daqueles que são “estudados” pelo antropólogo. Por vezes escutamos relatos até mesmo da escrita de notas em formato de códigos, que possam ser compreendidas apenas pelo autor-etnógrafo, e mantidas fora do alcance de seus interlocutores. O caderno de campo está cercado de uma aura de segredo e intimidade, como chamou atenção Clifford (1990).

Se o campo, o local de residência do Outro, é para onde o antropólogo se desloca para que possa acercar-se das situações e fenômenos que irão compor o quebra-cabeça que dará origem ao texto etnográfico, a casa é o lugar onde o antropólogo irá se debruçar, mais uma vez, sobre diferentes abordagens teórico-metodológicas, a fim de fazer seu trabalho de campo o mais rentável possível. O trabalho no campo e o trabalho em casa não são só distintos, mas necessariamente subsequentes (GUPTA; FERGUSON, 1997). Como resumem os autores, o trabalho de campo:

[...] é feito em isolamento, às vezes com equipamentos primitivos, em condições difíceis, com pessoas falando e olhando sobre o seu ombro; escrevendo “em casa” é feito na academia, em livrarias ou salas de estudo, cercado por outros textos, no meio de conversas teóricas com outros de sua mesma espécie

(GUPTA; FERGUSON, 1997, p. 12).

Campo e casa envolvem diferentes tipos de escrita, de forma que as notas de campo acabam sendo tidas como mais autênticas, como se fossem mais próximas da “realidade” daquele grupo sobre o qual se escreve: como se o caderno de campo contivesse dados “brutos” (CLIFFORD, 1990). Ao tratar sobre o problema da “autoridade etnográfica”, o autor chama atenção para o fato de que ainda persiste a ideia de que a verdadeira elaboração teórica por parte do antropólogo ocorre quando esse deixa o campo e começa o processo de escrita em casa.

O Outro Virou Antropólogo

“O que é que meu filho tá fazendo aí? Você tá é estudando é?”, minha avó me perguntava, quando me encontrava em algum lugar da casa a tentar ler ou escrever meu diário de campo. “Não, eu tava só escrevendo aqui”. “Pois meu filho, venha me ajudar a pegar uma cabra ali pra eu dar remédio pra ela, eu já tava era esquecendo de dar remédio pra essa pobre!”

(VIRGILIO, 2018, p. 42).

Este dossiê dialoga com a questão colocada por Abu-Lughod (1991, p. 140), com base nos trabalhos de antropólogas feministas e de antropólogos e antropólogas “halfies”13: “O que acontece quando o ‘outro’ que o antropólogo está estudando é simultaneamente construído, ao menos parcialmente, enquanto self?”. A autora ainda ressalta o comum receio, dentro do campo da antropologia, de que os antropólogos que habitam este lugar híbrido careçam do distanciamento necessário para produzir um conhecimento antropológico “objetivo”. Vemos então como o “antropólogo ainda é definido como um ser que deve manter-se distante do Outro, mesmo quando ele ou ela procura explicitamente criar uma ponte” (ABU-LUGHOD, 1991, p. 141) – questão que neste volume é trabalhada mais detidamente por Damásio.

Para o antropólogo, seu esforço máximo é o de se tornar um nativo, e aqui revela-se o paradoxo que está na base da antropologia: se ele tem sucesso, ele falha e desaparece. Como as obras de Castaneda evidenciam, se ele se torna um nativo, se ele se submete a essa laceração absoluta que lhe dá acesso ao ‘outro mundo’, ele não pode mais ser antropólogo, não pode mais fazer antropologia” (MCGRANE, 1989, p. 125-126, grifo do autor). Afinal, como destacou Weston (1997), a “autoridade etnográfica” resulta exatamente da capacidade do etnógrafo se distanciar do seu nativo-objeto.

Narayan (1993) apresenta uma crítica à distinção entre antropólogos “nativos” e antropólogos “de verdade” (“‘real’ anthropologists”), marcada pelos espraiamentos coloniais da disciplina – uma tensão que também atravessa os textos aqui publicados. A autora, refletindo a partir de sua própria posição enquanto antropóloga “halfie”, fazendo pesquisa na Índia, propõe que no lugar da distinção entre “insider” e “outsider” possamos “ver cada antropólogo em termos de identificações cambiantes no meio de um campo de comunidades interpenetráveis e relações de poder” (NARAYAN, 1993, p. 94). As reflexões elaboradas por ela são relevantes ao apontar a complexidade do fazer etnográfico no que diz respeito à distinção insider/outsider, mesmo quando se trata de antropólogos que facilmente poderiam ser considerados insiders. Importante então frisar que não entendemos o presente dossiê nem os textos aqui apresentados enquanto uma “antropologia nativa”: o termo nativo aqui, assim como a noção de “Outro”, carrega um conjunto de pressuposições que colocariam essas produções no campo de uma antropologia mal-acabada; ou, o que seria igualmente ruim, no de uma super autenticidade. É o “duplo vínculo” de que falam Gupta e Ferguson (1997, p. 17), de forma que alguns antropólogos nos consideram “com suspeita, enquanto pessoas que carecem da distância necessária para conduzir um bom trabalho de campo; por outro lado, colegas bem-intencionados confiam a eles [nós] a responsabilidade de falaram sobre sua identidade, inadvertidamente forçando eles [nós] à casa-prisão do essencialismo.”

Por isso, como pontuado inicialmente, visualizamos (alguns dos) riscos de intitular um dossiê com referência a uma antropologia produto da passagem do “Outro” ao polo oposto da equação canônica: o do antropólogo. Decidimos, no entanto, caminhar com mais este assombro. Afinal nós, antropólogos negros e indígenas, somos “frequentemente questionados em suas intenções, na qualidade de seu trabalho, nas razões de suas escolhas de campo ou de arcabouço teórico”, como afirma Cruz no artigo aqui publicado. E tais questionamentos refletem de forma explícita o fato de que nossos trabalhos são por vezes classificados como uma antropologia nativa – ou até mesmo como uma autoetnografia, mesmo quando não entendemos nossas etnografias enquanto tal, como mostra Damásio neste volume. Se nos impõem essa classificação – de uma antropologia nativa, logo menos verdadeira – resolvemos assumi-la, quiçá por uma última vez. Olhando para ela com proximidade. Pensando ao lado dela – e esperamos que contra ela – para que possamos falar de nossas experiências de uma maneira menos dependente desses opostos (campo/casa, Outro/antropólogo). 

Como afirmou Appadurai (1988, p. 36), nativo é aquele “nascido (logo pertencente ao) lugar que o antropólogo está observando ou escrevendo sobre”. Inversamente, o lugar que o antropólogo observa e escreve sobre é aquele onde o nativo-Outro nasceu e ao qual pertence. O termo nativo – o mesmo podemos dizer sobre o termo Outro – destaca Appadurai, em geral refere-se a pessoas que pertencem a lugares que entendemos como distantes do Ocidente, e está atravessado pela ideia de autenticidade. De acordo com este esquema “o antropólogo raramente pensa sobre si mesmo como nativo de um lugar, mesmo sabendo que ele é de algum lugar” (APPADURAI, 1988, p. 37). O autor conclui que uma característica central da noção antropológica de nativo é que este último está, de alguma forma, confinado ao seu lugar de origem. Outra vez vemos a centralidade da separação entre casa, como o lugar de origem do antropólogo, e campo, como o lugar de origem (e permanência!) do Outro-nativo.

É essa dupla separação espelhada – campo/Casa, nativo-Outro/antropólogo – que uma série de produções etnográficas têm desestabilizado. E parte dessa desestabilização, inegavelmente, deve-se a “uma série de pressões históricas [que] começaram a reposicionar a antropologia com respeito aos seus ‘objetos’ de estudo” (CLIFFORD, 1986, p. 9-10). Dentre essas pressões está a própria produção antropológica por parte daqueles historicamente considerados nativos pela disciplina, como indicou brevemente o mesmo autor.

Consideremos, por exemplo, o trabalho de Virgilio (2018). Sua etnografia foi construída a partir de um trabalho de campo feito junto de sua família, no Góis, no sertão do Ceará. Uma antropologia em casa – num sentido mais corriqueiro, por assim dizer, do termo14. O autor nos coloca algumas das questões com as quais teve de lidar por estar fazendo antropologia no meio do seu próprio “povo”. Para Virgilio era difícil determinar, por exemplo, quando teve início seu trabalho de campo, já que boa parte do seu cotidiano de pesquisa passava por “ajudar” seus avós na “peleja” com os animais de criação, como indica a epígrafe desta seção15. Nas suas próprias palavras:

De minha parte, a peleja era para manter-me consciente de minhas obrigações acadêmicas, tentando pô-las em prática, ainda que eu me sentisse, de certa forma, amarrado por obrigações e expectativas acerca de mim mesmo, estando eu na casa de meus avós. Expectativas e obrigações que por vezes se chocavam com a ideia de tornar parentes em nativos e de tornar um aparente nós em um eu e eles. Inicialmente, e mesmo já em momentos tardios de meu trabalho de campo, tal choque apresentou-se com certa estranheza, certo ter-que-lidar com velhos contextos que apresentavam-se com uma cara nova, renovada, exigindo certo re-conhecimento demandado por questões e reflexões advindas de um outro contexto que eu trouxera em meu retorno ao Ceará

(VIRGILIO, 2018, p. 43, grifo do autor).

O nós/eles, antropólogo/nativo surgem como estranhezas para Virgilio. Ao mesmo tempo que ele “espiava” (no lugar de observava) seu próprio povo, também ajudava seus avós nas tarefas cotidianas. Não havia, como ele mesmo ressalta, um processo de habituar-se ao campo, comum aos antropólogos no geral. Afinal, Virgilio já estava familiarizado com aquele contexto – no qual era visto não como um pesquisador ou alguém de fora, que estava fazendo um “trabalho para a faculdade” sobre a vida no Góis, mas acima de tudo como “neto da Gonçalinha”, conhecida por todos ali.

Fontes (2019) também teceu reflexões sobre como foi fazer trabalho de campo junto de sua família, em território Baniwa, e como isso a colocava numa posição distinta dos demais antropólogos. Sua pesquisa se desenrolou a partir dos diálogos com seu pai, e também com outros parentes. Fontes (2019, p. 27), no entanto, destaca: “não era a primeira vez que eu faria isso, pois cresci ouvindo as narrativas, então a única coisa diferente é que tinha um gravador ligado no meio.” O gravador estava ali, mas o que acontecia ia muito além daquele gravador e de suas tarefas acadêmicas: “eu sabia que era antropóloga, mas o que falava mais fortemente é que sou indígena” (FONTES, 2019, p. 27). As pesquisas de Virgilio, de Fontes, e de Damásio e Nascimento (ambos neste dossiê), e também de uma de nós (TAVARES, 2019), estão baseadas, como bem pontuaram Nascimento e Cruz (2017), não no “eu estive lá”, mas fundamentalmente no “eu sou o lá”. 

Como Fontes (2019) compartilha em sua dissertação, a opção por uma formação acadêmica no campo da antropologia e a própria pesquisa de mestrado nascem por orientação de seu pai, incomodado com as falhas de pesquisas feitas por antropólogos (brancos) juntos aos Baniwa. Essas falhas, segundo seu pai, eram produto, em especial, de traduções distorcidas e incompletas para o português feitas por esses antropólogos: Fontes se forma antropóloga para, de “dentro para fora”, como ela mesmo define, ajudar a corrigir esses erros.

Para muitos antropólogos indígenas os familiares não são apenas “informantes”: eles são também orientadores de suas pesquisas. São etnografias produzidas então sobre uma dupla orientação por parte de antropólogos não-indígenas e de seus orientadores-parentes indígenas. É o caso, por exemplo, de Barreto (2013), ao falar sobre os “wai-mahsã” no mundo Tukano. O antropólogo teve na figura de seu pai um interlocutor-orientador, como ele mesmo define, absolutamente central para a produção de sua etnografia (BARRETO; SANTOS, 2017).

Geertz fala sobre como a publicação dos diários de campo de Malinowski (1997) abalaram o “mito do pesquisador de campo semicamaleão” na antropologia: aquele “que se adapta perfeitamente ao ambiente exótico que o rodeia, um milagre ambulante em simpatia, tato, paciência e cosmopolitismo” (GEERTZ, 1997, p. 85). Etnografias como as de Virgilo, Fontes, Barreto, Damásio e Nascimento abalam esse mito não porque expõem a “verdade” do que acontece com antropólogos (ou ao menos parte deles) quando estão fazendo trabalho de campo, ou desnudam algo que está escondido por detrás desse ofício acadêmico. Seus trabalhos desmontam o esquema do antropólogo semicamaleão de uma maneira bem mais profunda. Afinal, para eles não há nada de exótico ou estranho nesses mundos em que transitam para escreverem suas etnografias. Também não há nada ao que se adaptar nesses mundos – como demonstra Virgilio, no geral o esforço é como adaptar-se à tarefa acadêmica estando em casa, entre os seus. Vemos como a “noção de ‘ir para campo’ do qual retorna-se para ‘casa’ torna-se problemática para [...] quem o projeto antropológico não é uma exploração da outridade.” (GUPTA; FERGUSON, 1997, p. 17, grifo dos autores).

Ao desorganizar ou reposicionar o esquema clássico de produção de conhecimento antropológico, essas etnografias levantam novos problemas para a disciplina. A ideia, por exemplo, de que devemos estar em um estado de permanente atenção quando estamos em campo, pode passar a não ter mais sentido – como aconteceu, por exemplo, com Virgilio (informação verbal)16. Como seguir com este tipo de atenção constante quando estamos em um ambiente que nos é tão familiar?

Até mesmo quando nossas pesquisas parecem organizar-se de forma mais usual quanto à separação campo/casa, ainda sim outros arranjos podem emergir. Em um escrito anterior (NARAHARA, 2022), uma de nós tratou de como, sendo filha de santo de uma casa de Xangô, reencontrou sua própria casa (ou sua “origem”, como diriam os Mapuche) ao se deparar com o vulcão Lanín, enquanto fazia trabalho de campo na Patagônia argentina. Ou de como o campo parecia ter adentrado sua casa enquanto realizava, sob orientação de sua família Mapuche, à distância, uma pequena cerimônia com erva-mate no seu quintal, no Rio de Janeiro.

O Dossiê

Quando propusemos o dossiê tínhamos em mente que este seria um espaço para discutir questões teórico-metodológicos que têm surgido quanto ao modelo canônico de produção de conhecimento antropológico, sobre o qual tratamos, de forma breve, nas sessões anteriores. Nossa expectativa era de reunir, em especial, reflexões tecidas a partir de etnografias produzidas por antropólogos negros e indígenas, por vermos que quando estamos reunidos sempre conectamos as tensões que atravessam nossos trabalhos. Porém, é raro termos oportunidade de refletir sobre essas conexões de maneira mais esquemática17. Como bem salientou Cruz (ver artigo nesta edição), se a antropologia é marcada pelo colonialismo e atravessada por “linhas mortíferas”, é também engendrada por potências criativas. Foi apostando nas possibilidades criativas que emergem desses novos encontros, produto da presença de antropólogos negros e indígenas em espaços acadêmicos, que propusemos o presente dossiê.

Um dado interessante é que este dossiê teve um elevado número de acessos e compartilhamentos nas redes sociais da Revista Mediações, quando comparado a outros números especiais publicados pela revista. Entretanto, para nossa surpresa, a primeira chamada para recebimento de artigos contou com um reduzidíssimo número de contribuições. Tivemos então que adiar a data limite para recebimento de artigos. Porque havia tanta gente interessada nesses novos problemas que tem surgido para a disciplina, mas poucas pessoas dispostas a produzir um texto sobre eles?

Acreditamos que um dos fatores para esse elevado interesse combinado a uma baixa adesão prática, ao menos no caso de antropólogos negros e indígenas, se dá pela dificuldade de colocarmos no papel essas questões, pelas mesmas razões apontadas na seção anterior, quanto às acusações que porventura pairam sobre nossas pesquisas – resumidas, em parte, na epígrafe do texto de Damásio neste mesmo volume, retirada de Kilomba (2019). A autora compartilha o complicado processo de avaliação por pares ou “às cegas” pelos quais seus textos passaram – mostrando que o às cegas funciona bem quando se trata de textos em que os autores não compartilham suas posicionalidades. Algo difícil para a maioria de nós, antropólogos negros e indígenas. Nossos incômodos, obviamente marcados pela violência racial que atravessa nossos cotidianos dentro e fora academia (incluindo a solidão profissional mencionada por Cruz em seu texto), são inúmeros. E a dificuldade e o medo de expressá-los é, por vezes, sufocante.

Ainda sobre a baixa adesão de textos, nos põe a refletir o fato de não termos recebido nenhuma contribuição de antropólogos indígenas. Como afirma Luiz Henrique Eloy Amado, advogado e antropólogo do povo Terena:

Um discurso corrente entre os indígenas que percorrem a trajetória da pós-graduação está na resistência que seus orientadores (na grande maioria não indígena) têm em relação ao indígena continuar militando no movimento indígena. Para muitos, tais percepções devem estar dissociadas, mas para os indígenas, são caminhos compatíveis, aliás, muito das pesquisas empreendidas só surtiram os efeitos esperados pelo fato de estarem intimamente relacionadas com a prática militante de acompanhamento político de seus povos e/ou comunidades. Isto é mal-visto na academia tradicional, mas tem sido rompido pelos indígenas pesquisadores

(AMADO, 2020, p. 6).

No bojo da reflexão empreendida por Amado (2020), a produção textual indígena, de textos considerado militantes, de um português indígena18, por vezes não atende as formas textuais cobradas nas regras para submissão de artigos científicos, com poucas ou nenhuma referência bibliográfica, e por isso classificados como relato de experiência (categoria que tem sido bastante difundida no caso de comunicações em congressos científicos). Onde circulam essa produção de conhecimento e os textos feitos por essas pesquisadoras e pesquisadores? A escrita indígena é reconhecida como produção teórica, ou somente como dado empírico de trabalho de campo – por vezes para outrem, não indígena? Ao afirmar que se trata de experiências, se reduz a uma subciência, a um saber subalterno?

Iniciativas de publicações exclusivamente indígenas, desde seu conselho editorial aos textos publicados, demonstra a necessidade de visibilizar não somente as narrativas, mas também as narradoras19. A autonomia no acolhimento das produções textuais em diferentes linguagens, na diversidade de escritas em língua portuguesa, orientações mais flexíveis e dialógicas no aceite dos textos para publicação, e avaliação por pares indígenas produzem uma conjuntura mais animadora para um conjunto de pesquisadores que têm sua produção textual negada em espaços hegemônicos.

No ramo editorial, destacam-se iniciativas como a “Diálogos da Diáspora”, em parceria com o Projeto Canela Preta, Grupo Egbé da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e com o jogador e técnico de futebol Roger Machado, que em 2020 publicou uma coletânea de dez livros pela Hucitec Editora, sendo dois livros de autoria e textos de indígenas mulheres, que também compõem o conselho editorial do projeto20. Também temos o livro “Vozes Indígenas na produção do conhecimento: para um diálogo com a saúde coletiva”, organizado pelo Coletivo Vozes Indígenas na Saúde Coletiva (2022), publicado pela Hucitec Editora e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), com apoio da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). A iniciativa, coordenada por um conselho editorial e formada pareceristas indígenas, resulta de uma chamada pública realizada em 2020. Por fim, a coletânea “Paneiro de Saberes – Transbordando reflexividades indígenas”, livro que reúne artigos de antropólogas e antropólogos indígenas, organizado por Justino Sarmento Rezende (2021), do povo Utãpinopona-Tuyuka e doutor em Antropologia, produzido junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/UFAM) e a editora Mil Folhas. Esta obra marca a comemoração dos dez anos de políticas afirmativas direcionadas aos povos indígenas no PPGAS/UFAM.

Ao mencionar essas iniciativas, fica evidente o sentido político da presença indígena na academia. Como afirma Amado (2020), é difícil marcar até que ponto um escrito indígena é somente individual, tendo em vista que os caminhos metodológicos são carregados de empenhos coletivos. Portanto, cremos que a ausência de textos indígenas neste dossiê é o resultado do esforço concentrado em iniciativas que aconteceram em concomitância a esta, com a mobilização de redes de pesquisadores indígenas fortalecendo projetos de publicações exclusivamente indígenas, oportunizadas em um cenário de pouca abertura para tais proposições.

Acompanhando as questões levantadas por Damásio, neste dossiê, sobre o esquema de avaliações por pares: é possível, mesmo quando temos coeditoras não-brancas, criar um espaço real para publicação de textos de antropólogos indígenas em revistas acadêmicas? Não faltam aos antropólogos indígenas inquietudes quanto ao esquema hegemônico de produção de etnografias – como expresso em muitos de seus escritos. Porém, parece que o sistema convencional de publicações em jornais acadêmicos ainda é um tanto quanto limitado para tais escritas. Nos questionamos se até mesmo as plataformas de submissão de textos, em termos das adequações às normas de submissão, não se colocam como entraves para pesquisadores indígenas.

Sobre os artigos aqui publicados. O texto de Barbara Cruz, o qual abre o dossiê, trata de um conjunto de questões ético-metodológicas que atravessam os trabalhos de antropólogos não-brancos, pensando que antropologia é esta que surge “a partir” da presença desses pesquisadores nas universidades. Ela destaca o contexto de implementação de políticas de ações afirmativas no país e a multiplicação de coletivos estudantis negros – os quais funcionam, segundo ela, como “dispositivos contra-solidão”21: enquanto espaços importantes para superar a falta de parâmetros de reflexão em um campo disciplinar ainda centrado na experiência de antropólogos brancos.

A autora, tomando suas próprias experiências enquanto antropóloga negra pesquisando junto a religiões de matriz-africana, vai refletir tanto sobre as condições nas quais se dá o trabalho de campo para antropólogos não-brancos, bem como seus processos de escrita. Cruz trata ainda de mecanismos pelos quais apenas uma certa produção antropológica – aquela de antropólogos negros e indígenas – é tida como atravessada por uma corporalidade, como se fosse possível produzir conhecimento a partir de uma “posição pretensamente neutra, supostamente capaz de olhar para o mundo de uma posição desconectada”. A autora também desdobra como “ser o lá”, longe de automaticamente implicar um trabalho mais acurado ou ético, deve ser encarado antes como encruzilhada – com toda sua potência (arriscada) de conexões – para “outros modos de colocar questões”. Colocar questões, essa é a chave segundo Cruz: não se trata de buscar “respostas ou regras fixas”, mas de “construir modos de escapar das armadilhas e dos mecanismos de confinamento racial” (CRUZ, 2022, p. 12).

A contribuição de Alba Rosa Flores buscar problematizar a ideia de que a antropologia necessariamente se dá em um encontro com a outridade. A autora argumenta que essa perspectiva advém tanto do que seria uma confusão entre etnografia e antropologia, quanto da desconsideração dos corpos dos próprios antropólogos. A partir de sua experiência etnográfica junto a produtores de tijolos e engenheiros eletrônicos no México, e as limitações impostas pela atual pandemia para o “estar aí” no qual se baseia a antropologia, retoma-se uma questão colocada por Cruz, porém partindo de um outro lugar: há antropólogos-etnógrafos que “suelen pensarse a sí mismos como previamente existentes y no como cuerpos expuestos a y de un mundo en constante cambio” (FLORES, 2022, p. 3). Flores mostra que as críticas internas que tratam do problema da posicionalidade do antropólogo, ao se centrarem, muitas vezes, no texto etnográfico, deixam de lado a questão da corporalidade.

A autora nos ajuda a complexificar a ideia de que existe um certo grupo de antropólogos, modelo para as reflexões teórico-metodológicas sobre a disciplina, como bem salientou Cruz, que podem pensar-se e serem pensados como que descorporalizados. Flores argumenta que é a ideia de observação-participante, combinada à uma hegemonia da escrita-texto sobre a última, que faz com que certos antropólogos-etnógrafos pareçam fazer antropologia desprovidos de corporalidade. Encarando então a antropologia como “observación corresponsal” ou prática de correspondências (corporais), seguindo as ideias de Tim Ingold, ela demonstra como a ideia do encontro com um Outro como base da produção antropológica passa a ser irrelevante. Flores trata então das condições da escrita antropológica para que não se deixe de levar em conta o corpo do antropólogo-etnógrafo, destacando-se a escrita como protagonizada por um corpo-pessoa (e não uma mente): enquanto experiência de “exposição ao mundo”.

Com um título provocativo, Ana Clara Damásio trata dos mecanismos pelos quais sua pesquisa, junto a mulheres de sua família, é insistentemente localizada no campo da “autoetnografia”, mesmo quando ela mesma não reconhece seu trabalho enquanto tal. A autora retoma então um problema já colocado por Cruz: a insistência de “inscrever determinados corpos-pesquisas em determinados lugares” (DAMASIO, 2022, p. 4). Porque certas etnografias feitas em casa são consideradas etnografias e outras, também feitas em casa, são forçosamente colocadas na chave da autoetnografia?

Damásio ainda trata do processo de avaliação de artigos científicos por pares. No seu caso (como é comum a tantos antropólogos negros e indígenas), suas submissões a revistas acadêmicas tem um rosto. Um rosto de uma mulher negra, de pele clara, etnografando junto de outras mulheres negras, de pele clara. A autora então explora então como ter um rosto, o qual destoa dos rostos comumente associados à figura do antropólogo, relaciona-se à inscrição forçosa de sua pesquisa na chave da autoetnografia. Vemos as maneiras pelas quais esta última pode “ser utilizada como argumento, dispositivo e ferramenta para localizar [...] aquele que está próximo demais daquele com quem pesquisa e etnografa” (DAMASIO, 2022, p. 9). Uma proximidade que passa a ser tida enquanto defeito.

No seu caso, era impossível deixar o “campo” para ir para “casa” para escrever: campo e casa eram, literalmente, a mesma coisa. Daí que a autora propõe que pensemos o fazer antropológico não como distanciamento, mas como uma “etnografia da aproximação”, de forma que “fazer-família” e “fazer-etnografia” seriam apenas distinções conceituais. Para Damásio a antropologia como um todo, mesmo quando campo e casa não se misturam, pode ser encarada enquanto aproximação.

O texto de Francisco Elionardo de Melo Nascimento apresenta reflexões a partir de sua pesquisa doutoral, realizada no sistema prisional cearense. O autor, sendo policial penal, traz uma etnografia sobre seus “irmãos de farda”: seu trabalho de campo teve como base os nove anos de vivência laboral no cotidiano da segurança prisional. Realizar a pesquisa entre os seus é compreender o lugar relacional que ocupa enquanto policial penal, trazendo uma ótica diferenciada aos estudos prisionais.

Ele parte da ideia de “relatedness”, formulada por Janet Carsten, para pensar a produção de laços de parentesco entre profissionais da prisão. Nessa ótica, “o comparti-lhamento de substâncias produz relacionalidades, assim como relacionalidades produzem o parentesco por meio da intimidade” (NASCIMENTO, 2022, p. 12). O parentesco que produz a irmandade está na preparação do corpo para o trabalho prisional: a “farda” é a substância compartilhada entre os policiais penais. A produção do parentesco também passa pela oposição entre “família policial” e “família do crime”, que faz parte das práticas e moralidades entre os irmãos de farda.

A etnografia de Nascimento traz uma construção do cotidiano no alojamento da prisão, com o cheiro do suor das fardas e do banheiro, o compartilhamento pela virtualidade com os memes nos grupos de Whatsapp, e a sociabilidade que transborda ao trabalho na confraternização compartilhando outras substâncias, a cerveja. Também na gargalhada dos irmãos que, de forma jocosa, se expressam na recusa dele aos momentos de descontração coletiva, para estudar e seguir com a pesquisa de tese.

Por fim, o autor aponta um saber incorporado na experiência dos policiais penais como fundamental para a trama prisional: esse saber é um termômetro da estabilidade da prisão, e não consta nos manuais ou orientações institucionais. Ele caracteriza esse saber como um fardo que pesa, um saber que dói. Sua descrição nos coloca atenção ao corpo, e como destaca Nascimento, às estratégias de não pôr em risco os irmãos de farda – interlocutores da pesquisa e a sua própria vida dentro e fora das prisões.

Considerações Finais



Eu ainda ignoro que meu corpo dança.
É.
Danço.

Fonte: Inara do Nascimento Tavares

Uma questão atravessa a proposta deste dossiê e os artigos aqui publicados: corporalidade. “Não é possível fazer ciência sem o próprio corpo!”, afirma Ana Clara Damásio. Este é o mesmo alerta de Alba Flores, ao falar da antropologia enquanto práticas de observações correspondentes. Barbara Cruz nos mostra alguns dos mecanismos pelos quais parte da antropologia é feita de “escritas, supostamente sem corpo ou temporalidade, [...] neutras, racionais e imparciais”. Enquanto Francisco Nascimento, fazendo pesquisa entre seus irmãos de farda, faz referência à centralidade da corporalidade no convívio prisional.

Ao pensarmos as limitações do modelo antropológico centrado na ideia do encontro com um Outro e, consequentemente, na separação campo/casa, é impossível não levarmos em conta nossas corporalidades. Até mesmo porque, ao menos para antropólogos negros e indígenas, a sensação de estamos fora de lugar nos espaços acadêmicos é recorrente. Como esquecer que somos corpos-pessoas quando navegamos em meio a espaços que constantemente nos lembram que sim, somos corpos-marcados? Como esquecer de nossos corpos quando somos, de uma forma violenta, lembrados: “Sim! Tu tens um corpo!”

O trabalho intelectual, considerado um trabalho mental em oposição ao trabalho braçal, é uma das farsas pelas quais somos acometidas: nossa lida intelectual é de corpo inteiro, uma vez que nossos corpos marcados contam histórias que não estão fora de nós. Nesse sentido, nossas escritas nem sempre capturam o que está no corpo ou naquilo que é incorporado em nós. Recordamos aqui as loas Xacriabá22. Como afirma Célia Nunes Corrêa, antropóloga do povo Xacriabá:

Assim que me apresento, como corpo falante que herda essa ressonância/melodia no entoar da palavra [...] ela é uma fala de insurgência, pois não é comum no meu povo uma mulher, especialmente jovem, assumir um lugar de fala, tomar a oralidade, não só localmente, mas como representação política em outras instâncias. Minha fala vem de um enraizamento, vem do território e circula em vários lugares

(CORREA, 2018, p. 32, grifo da autora).

Célia Correa fala de “um saber que se ancora também no corpo, e é no meu corpo falante que guardo o meu conhecimento, como se cada lugar do meu corpo acionasse uma memória” (CORREA, 2018, p. 36). Neste dossiê enxergar o corpo como parte/ movimento/ força da produção de conhecimento das antropólogas e antropólogos aqui reunidos é potência: pelos nossos corpos fazemos ciências.

Apesar da problemática ausência de textos produzidos por antropólogos indígenas, ainda que muitos povos-territórios tenham sido evocados nesta apresentação, esperamos que o presente dossiê ajude a pensar sobre que novos problemas teórico-metodológicos são trazidos por etnografias tecidas em casa, em nossos territórios, entre nossos parentes, ou também por antropólogos não-brancos navegando por outros lugares e caminhos. Que o conjunto de textos aqui reunidos contribua com tantos outros espaços de danças-conversadas que brotam pelas frestas da academia.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
3 Algumas reflexões sobre esta presença foram apresentadas em um dossiê publicado na Revista de Antropologia da Universidade de São Paulo – USP (NASCIMENTO; CRUZ, 2017). Para um breve panorama da implementação de ações afirmativas em programas de pós-graduação em antropologia no país, destacamos o artigo de Fiori et al. (2017).
4 Falamos em Ocidente em termos de uma “geografia da imaginação”, combinada a uma certa “geografia da administração”, no sentido colocado por Trouillot (2011, p. 36): Ocidente enquanto “exercício de legitimação global”. Ver adiante.
5 Sobre o problema do tempo na produção antropológica e sua centralidade na definição do Outro, e a tendência alocrônica da disciplina de maneira geral, ver Fabian (1983).
6 Com S maiúsculo, como ressalta o autor.
7 Ani (2014, p. 3) irá dizer que a antropologia não é apenas “filha do imperialismo”, mas uma importante “manifestação do ethos Europeu”. Ela não seria um produto secundário da maquinaria ocidental: ela alimenta a própria maquinaria.
8 Que tem em “Writing Culture”, editado por Clifford e Marcus (1986), uma importante referência.
9 Por isso, Latour (1994) chama atenção para o olhar de juiz que boa parte dos estudos sociais sobre as ciências costuma assumir.
10 Sobre as práticas etnográficas neste contexto, ver Monteiro (2012).
11 Em tempos pandêmicos o próprio trabalho de campo está, obviamente, sob questão. Vide os diversos dilemas que estão sendo enfrentados por alunos e orientadores nos diversos programas de pós-graduação em antropologia país afora com a impossibilidade de iniciar ou dar continuidade às pesquisas em campo, além dos vários artigos que pipocam sobre o tema (ver, por exemplo, o dossiê proposto por Bove, Sá e Machado, [2022]). Duas propostas encaminhadas para o presente dossiê tratavam, especificamente, de dilemas de pesquisa gerados pela pandemia. As incertezas trazidas por esta nova pandemia quanto ao futuro global colocam-se como um tremendo desafio a este modelo de produção de conhecimento antropológico. O texto de Flores, neste volume, considera algumas dessas questões.
12 Sobre a relação entre a proeminência da visão no Ocidente e o trabalho de campo na antropologia, ver Fabian (1983), Clifford (1986) e o artigo de Flores, neste dossiê. Buscando afastar-se dessa preponderância do visualismo, Stoller (1989) nos ajuda a pensar como a produção etnográfica pode se valer de outros sentidos.
13 Que possuem “identidades nacionais ou culturais misturadas” (ABU-LUGHOD, 1991, p. 137). Trata-se de um termo que a autora toma de Kirin Narayan.
14 Não no sentido de que trata Strathern (2014), interessada numa antropologia em casa enquanto aquela baseada nas mesmas premissas da vida social na qual o antropólogo está inserido.
15 Virgilio (2018) escreve sobre como o convívio com seus avós acabou direcionando o tema de sua dissertação, voltada a falar sobre a criação de animais no Góis.
16 Apresentação de Nathan Virgilio realizada no evento “Outras Antropologias”, ocorrido em novembro de 2018, como parte das atividades do NAnSi (MN/UFRJ).
17 Os encontros do NAnSi têm sido um desses espaços, bem como os painéis organizados pelo Comitê de Antropólogas/os Negras/os e pelo Comitê de Antropólogxs Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
18 Português indígena é a forma como o campo dos estudos sociolinguísticos refere-se à aquisição da escrita e fala em língua portuguesa por povos indígenas que tem sua língua materna como primeiro idioma, e que ao empreender a língua portuguesa, nota-se que possuem especificidades, como as adaptações fonológicas e morfossintáticas, além de processos discursivos que permitem a alguns povos criarem uma etiqueta interacional própria (OLIVEIRA; SANTOS, 2020).
19 Ver documento final da I Marcha das Mulheres Indígenas, “Território, nosso corpo, nosso espírito”, 2019.
20 Os livros “Saberes indígenas e produção de conhecimento desde os Territórios”, organizado por Diádiney Helena e Dandara Feitosa (2020), e “Vivências diversas: uma coletânea de indígenas mulheres, organizado por Braulina Baniwa, Jozileia Kaingang e Lucinha Tremembé (2020). As mulheres que organizam as coletâneas também compõem o projeto editorial, junto com Inara Tavares e Elisa Urbano Ramos Pankararu.
21 O mesmo podemos dizer dos espaços de diálogo e trocas envolvendo pesquisadores indígenas, como o Levante Indígena da USP, coletivo fundado por Márcia Mura, historiadora indígena do povo Mura, doutora em História Social pela mesma universidade. No PPGAS/UFAM os discentes indígenas fundaram o Colegiado Indígena – COLIND Kua’gu (epistemologia de conhecimento indígena). Criado em 2012, é composto por quarenta e dois estudantes indígenas de diferentes povos e territórios da Amazônia Brasileira. Ocupando a institucionalidade das associações científicas há também o Comitê de Antropólogxs Indígenas da ABA, supramencionado, e a experiências de espaços autogestionados, como a Articulação Brasileira de Indígenas Antropólogues (ABIA).
22 A loa é uma prática da oralidade, são pessoas que não sabem ler nem escrever, mas sabem fazer versos rimados. Apesar da maioria dos jogadores de loas não dominarem a escrita, podemos observar uma técnica na composição dos versos (LOPES, 2016 apudCORREA, 2018).
Autor notes
* Karine Lopes Narahara / Iaô de Ògún, Ilê Axé Aganju Ixolá. Doutora em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2018). Docente do Departamento de Antropologia da University of North Texas e Pós-Doutoranda junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: karine.narahara@unt.edu.
* Inara do Nascimento Tavares / Indígena do Povo Sateré Mawé. Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (2012). Doutoranda em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade junto à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Email: inara.nascimento@ufrr.br.
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