DOSSIÊ – Quando o “Outro” é o Antropólogo
Fazendo Família e Etnografia Entre Irmãos de Farda
Making Family and Ethnography Among Brother-in-Arms
Fazendo Família e Etnografia Entre Irmãos de Farda
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 27, núm. 3, e46391, 2022
Universidade Estadual de Londrina
Recepção: 04 Julho 2022
Revised document received: 25 Setembro 2022
Aprovação: 20 Dezembro 2022
Resumo: Este artigo discute a trama do fazer pesquisa entre “irmãos de farda”. Abordo a complexidade de fazer etnografia em prisões na condição dupla de etnógrafo e policial penal, mas também nos fluxos das relações empreendidas entre o dentro e o fora dessas instituições e entre o presencial e o virtual. A análise dessa trama emerge pelo modo singular de pesquisar prisões em que, ao mesmo tempo, sou etnógrafo, objeto e sujeito de pesquisa, envolvido até as entranhas na cena prisional. Neste cenário, a produção de relações de parentesco, que se estendem do presencial ao virtual, tem a farda como elemento primordial na constituição da cumplicidade, intimidade e do alinhamento político, elementos vislumbrados em função das redes de solidariedade e apoio perante as difíceis condições de vida e de trabalho nas prisões cearenses.
Palavras-chave: Etnografia, prisão, polícia penal, parentesco, lugar relacional.
Abstract: This article discusses the plot of doing research among “brothers in uniform”. I approach the complexity of doing ethnography in prisons in the dual condition of ethnographer and criminal police officer, but also in the flows of relationships between the inside and outside of these institutions and between the face-to-face and the virtual. The analysis of this plot emerges from the unique way of researching prisons in which, at the same time, I am an ethnographer, object and subject of research, involved to the core in the prison scene. In this scenario, the production of kinship relations, which extend from the face-to-face to the virtual, has the uniform as a primordial element in the constitution of complicity, intimacy and political alignment, elements glimpsed in terms of solidarity and support networks in the face of difficult conditions of life and work in Ceará prisons.
Keywords: Ethnography, prison, criminal police, kinship, relational place.
Introdução
As dificuldades de ingresso de pesquisadores/as para a realização de trabalho de campo em prisões impulsionam diversas estratégias nas quais o tipo de acesso possível impacta no compromisso que este/a terá com pessoas em campo (PADOVANI; HASSELBERG; BOE, 2019), interferindo diretamente nas colaborações e relações constituídas ou no que poderá ser observado e escutado. Essas instituições movimentam um aparato burocrático baseado na segurança institucional, que dificulta a realização de pesquisas de campo fundamentadas na observação e no diálogo com as pessoas que trabalham e vivem nas prisões, cabendo ao pesquisador a manutenção de relações e colaborações tanto com interlocutores como com agentes que integram a trama institucional (GREGORI, 2000).
Apesar do difícil acesso de pesquisadores a essas instituições, Lourenço e Alvarez (2017) afirmam a existência de um robusto número de pesquisas acerca das prisões em todas as regiões do País. Parte dessas pesquisas ultrapassa o paradigma das prisões como sui generis, pautando os incessantes fluxos de pessoas, objetos, narrativas, condutas e sentimentos que fissuram as muralhas e transitam das prisões às ruas e vice-versa (BARBOSA, 2005; GODOI, 2017; PADOVANI, 2018). Padovani, Hasselberg e Boe (2019) afirmam que, apesar da diversidade e quantidade de estudos voltados para a cena prisional, são bastante limitados os estudos que abordam questões epistemo-lógicas, éticas e metodológicas focadas no compromisso dos pesquisadores com esse campo; enquanto Lourenço e Alvarez (2017) identificam o reduzido número de estudos que versam a atuação cotidiana dos trabalhadores prisionais. É, portanto, incidindo sobre essas duas ausências que este artigo foca na centralidade das relações constituídas no trabalho de campo com policiais penais entre o dentro e o fora das prisões e entre o presencial e o virtual.
No que tange à reduzida quantidade de pesquisas sobre os trabalhadores prisionais, a hipótese mais provável dessa escassez é o difícil acesso dos pesquisadores aos policiais penais, seja nos seus espaços de trabalho ou fora dele. Esses profissionais dificilmente se orgulham do trabalho que exercem (LOURENÇO, 2011; MORAES, 2005) e, em meio aos conflitos próprios do exercício da profissão, procuram sempre manter o anonimato para a sua própria segurança ou para a segurança de seus familiares (SILVA, Anderson, 2011). Mas essas dificuldades de acesso também respeitam a pressuposição e suspeição, por parte dos policiais penais, de que os pesquisadores estejam ligados aos direitos humanos (MORAES, 2013), que, na visão de parte considerável desses profissionais, nada mais são do que “defensores de bandidos” (NASCIMENTO, 2018). Logicamente, esses trabalhadores não se sentem representados pelos discursos das instituições que defendem os direitos humanos.
Esses profissionais têm uma identidade forjada na liminaridade da disciplina e ressocialização, como fundamento do trabalho que exercem, causando sentimentos dúbios de poder e vulnerabilidade constantes (MONTEIRO, 2018). A atmosfera tensa das prisões, pelos conflitos existentes entre quem ali vive e quem ali trabalha, impacta na saúde mental e na configuração das relações sociais e afetivas dos policiais penais, de tal modo que as redes de relações desses trabalhadores são mais restritas do que as das pessoas reclusas, aparecendo circunscritas aos próprios policiais penais (RIBEIRO, L. et al., 2019).
Tratando especificamente do sistema prisional do Ceará, local onde essa pesquisa foi desenvolvida, a recente expansão dos coletivos criminais, reconhecidos popularmente como “facções”, dentro e fora das prisões (PAIVA, 2019) e a implementação de uma rotina disciplinar nas prisões a partir de 2019 (NASCIMENTO; SIQUEIRA, 2022) vem impactando a vida dos policiais penais. Tais eventos intensificaram a atmosfera de animosidade entre policiais penais e presos, repercutindo no cotidiano de trabalho desses profissionais pelos riscos de sofrer violência no desempenho da função e na folga. Por esse motivo, os policiais passaram a reivindicar a aquisição e o uso de armamentos “letais” e “menos letais” dentro e fora das prisões, com a finalidade de manter a ordem no espaço interno dessas instituições, mas também pensando na própria segurança fora do expediente de trabalho.
O acirramento dos conflitos, pela guerra declarada entre “facções” e Estado, implicou num cenário letal para os policiais penais do Ceará, seja pelos assassinatos ou pelos suicídios decorrentes do adoecimento mental (NASCIMENTO, 2022a). De 2015 a 2020, foram 11 homicídios registrados. Somente em 2020, quatro policiais penais foram assassinados a bala enquanto se deslocavam pelas ruas ou de casa para o trabalho. E, em 2021, quatro profissionais cometeram suicídio, sendo três deles com a própria arma pessoal e outro teve um surto dentro da prisão e efetuou doze disparos contra um colega de equipe, suicidando-se posteriormente, também com disparos de sua arma de fogo2. Deste modo, somente em dois anos, sete policiais penais cearenses morreram por disparos de arma de fogo em episódios diretamente relacionados ao cotidiano de trabalho, em uma categoria profissional que totaliza 3.595 profissionais. Em reportagem sobre as condições de trabalho dos policiais penais do Ceará, o jornal O Globo (RIBEIRO, A., 2022) apontou 301 afastamentos desses profissionais em 2021, em sua maioria, por doenças psiquiátricas. O excesso de trabalho e o assédio moral foram as principais queixas apontadas pelos policiais penais entrevistados pela reportagem.
Este artigo é resultado de uma pesquisa doutoral, realizada em meio aos policiais penais neste cenário hostil de violência, pandemia e mortes. Trata-se de uma etnografia multissituada (MARCUS, 1995) mais ampla, que analisou processos de Estado nas fronteiras entre pessoas presas e policiais penais no fora/ dentro das prisões a partir da expansão das “facções” no Ceará (NASCIMENTO, 2021). O trabalho de campo teve como base os nove anos de vivências no sistema prisional cearense como policial penal e pesquisador. Esse lugar relacional para com as prisões me proporcionou diálogos com pessoas presas, visitantes, administração prisional e com policiais penais, principais interlocutores da tese. Para tanto, este artigo se propõe a discutir a trama do fazer pesquisa entre “irmãos de farda”, partindo do lugar relacional que ocupo enquanto policial penal e etnógrafo das prisões cearenses. O eixo central das discussões está nas relações constituídas em campo e no modo como tais relações produzem parentesco pelo compartilhamento de substâncias, intimidade e discursos de alinhamento político nos espaços de sociabilidade, que se estendem do presencial ao virtual e no dentro e fora das prisões.
O texto está dividido em duas partes, além da introdução e das considerações finais. Na primeira parte, apresento duas cenas que caracterizam os policiais penais, o trabalho prisional nas dependências institucionais e as relações constituídas entre policiais penais do presencial ao virtual e entre o dentro e fora das prisões, tendo a Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS) como espaço observacional. Em seguida, na segunda parte, analiso os dados etnográficos apresentados nas cenas pela constituição do parentesco entre “irmão de farda”, destacando o compartilhamento de substâncias, intimidade e os discursos de alinhamento político nos espaços de sociabilidade como base das relações de parentesco constituídas.
Lugares de Sociabilidade e de Trabalho na Trama de Relações Entre “Irmãos de Farda”
Cena 1. Policiais Penais, Trabalho Prisional e Labirintos Institucionais
O plantão é um lapso temporal de mudança de conduta. É o momento em que o policial penal tenta se descaracterizar de sua conduta pessoal e passa a ocupar um lugar na segurança prisional, pela incorporação performática de elementos ao corpo e à subjetividade, visando um resultado final, recorrentemente, propagado nos discursos destes profissionais: o “combate ao crime”. Neste movimento performático de montagem, desmontagem e articulação de peças, o cotidiano prisional é o lugar de produção de relações: de justaposição entre os que são da segurança e de oposição aos que estão alinhados com o “crime”.
A “escala do plantão” é comumente postada no grupo de WhatsApp da equipe no dia que antecede o início do plantão. Nela, constam todos os postos de trabalho e os respectivos nomes dos policiais penais que os ocuparão, durante as próximas 72 horas de trabalho na Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS). São aproximadamente 140 policiais penais divididos igualmente em equipes de trabalho (A, B, C, D) e se revezando initerruptamente em funções administrativas, operacionais e de gestão3.
A PIRS é uma penitenciária masculina para presos condenados, com capacidade para 492 internos. Contudo, quase a metade de sua população é de presos provisórios e está superlotada com mais que o triplo da sua capacidade total. Essas condições sobrecarregam os profissionais da segurança e da assistência à saúde, jurídica e psicossocial, tornando difíceis as condições de vida e de trabalho nesta instituição. Por ser uma penitenciária masculina, a maioria dos policiais penais da PIRS são homens, tendo apenas uma ou duas policiais femininas, por plantão, exercendo funções administrativas e revistando visitantes.
Os policiais penais atuantes na PIRS ingressaram na função por meio de concursos públicos bastante disputados, realizados em 2007, 2013 e 2018. São profissionais jovens (com idade variando entre 20 e 45 anos), advindos das classes populares e, em sua maioria, residentes longe do local de trabalho e que, dificilmente, estão satisfeitos ou se orgulham do trabalho que exercem. São homens e mulheres comuns que ingressaram na carreira da segurança prisional atraídos pela estabilidade do serviço público, flexibilidade da escala de trabalho e o razoável salário em relação ao grau de instrução exigido (nível médio), muitas vezes sem conhecer o trabalho que exerceriam e, por isso, recorrentemente, buscam ingresso em outras funções da segurança pública e/ou do judiciário, por meio de concurso público.
O plantão inicia pontualmente às 8h da manhã. Chego meia hora antes em frente ao portão de entrada da PIRS e o fluxo de entrada e saída de pessoas, carros e motos está intenso. Em Sobral, todos os dias são quentes, mas, naquela manhã, o calor parecia ainda mais vigoroso. Na minha equipe de trabalho (equipe B), apenas eu e mais cinco policiais somos residentes na cidade de Sobral. Os demais viajaram praticamente durante toda a madrugada, de três a oito horas de ônibus ou até cinco horas de carro próprio em grupos e comboios4 e, antes mesmo de iniciar o plantão, a exaustão das longas viagens é percebida nos seus semblantes. Viajar em grupo reduz tanto o valor dos custos com combustível e manutenção dos veículos próprios, como também garante segurança ao longo do percurso realizado de carro ou de ônibus. Se na minha concepção, residir nas proximidades do local em que trabalho me garante algum privilégio/conforto, para os colegas residentes em cidades distantes, apesar do extenso percurso, isso não é considerado desvantagem, pelo contrário. Morar distante, na concepção desses profissionais, é uma vantagem, pois – “não corro o risco de encontrar com preso e nem visita na rua”, disse-me o policial Alfredo[5].
Adentro a recepção. Cumprimento a todos que lá estão – “Bom dia!” –, mas, só aperto a mão dos “mais chegados”. Dirijo-me ao ponto eletrônico. Confirmo minha digital e aguardo surgir minha fotografia na tela do computador, como confirmação de que a minha frequência foi computada. Olho para o balcão e um dos policiais lotado no posto me acompanha para a revista na minha mochila, a ser realizada por equipamento eletrônico de raio-x. A vistoria é um procedimento obrigatório para todos os objetos e materiais que pleiteiem entrada em todas as unidades prisionais cearenses, no entanto, os policiais da PIRS só foram incluídos neste rol a partir de 2019, em meio a duras críticas por parte destes. O ritual de controle do que e quem entra, sai ou fica retido na PIRS é repetido 24 horas por dia, orientado por um apanhado de decretos, regulamentos e elementos disciplinares que se fazem presentes como guia para a administração da multiplicidade de pessoas, objetos e informações em circulação nos espaços de fronteira, principalmente na recepção como espaço que separa o dentro e o fora da prisão.
Dirijo-me ao equipamento que está instalado aos fundos, do lado esquerdo da recepção. Coloco a mochila na esteira e, em segundos, após escaneada, seu retrato opaco é transmitido na tela do monitor. A imagem é verificada sem muita importância pelo responsável que diz – “Ok!”. A análise da imagem é meramente formal no intuito de cumprir a exigência prescrita no Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Estado do Ceará (CEARÁ, 2010) e na Instrução Normativa SAP 03/2020 (CEARÁ, 2020), que prevê a obrigatoriedade da revista em bolsas de todas as pessoas que adentrem unidades prisionais, inclusive dos profissionais. A mesma modalidade de revista é realizada de forma totalmente diferente em visitantes, pelo detalhamento e rigor na análise da imagem transferida para a tela do computador. Neste caso, as visitantes são posicionadas em relação de justaposição às pessoas presas, justificando o rigor da revista pela suspeição constante de que as visitantes entrem na prisão com materiais proibidos ou ilícitos.
O “Ok” do profissional responsável pela execução da revista na minha mochila indica que estou apto a seguir para o alojamento, colocar o “fardamento padrão” e iniciar mais um plantão. A preparação do meu corpo (e dos demais) para o trabalho prisional segue pela incorporação dos equipamentos que compõem a vestimenta padronizada – calça tática, coturno, balaclava, camisa com brasão da profissão, cinto tático e, acoplados a ele, coldre, porta-algemas, porta-tonfa e tonfa –, e a “doze”6, como o último elemento acoplado, substituindo a pistola ponto 40, arma de defesa pessoal fornecida pela SAP. No alojamento, o fluxo de profissionais no horário em que se aproxima a troca de plantões é intenso e todos se avexam para “render” os “companheiros” que cumpriram sua jornada de trabalho.
Vozes frenéticas ecoam naquele espaço de reencontro após nove dias de folga ininterrupta. Assuntos pessoais cochichados ao pé de ouvido, reclamações da qualidade da viagem e incidentes na estrada são os mais frequentes. Enquanto calço o coturno, respondo sorridente e com expressão de felicidade a pergunta de Alfredo sobre a defesa da tese – “está se aproximando”. Atraso-me um pouco e, faltando cinco minutos para as oito, o policial Bruno me adverte – “Rumbora Melo! Já está na hora da rendição. Peão tem que sofrer mesmo! Quem mandou não estudar!”. Todos os presentes caem na gargalhada, pois são sabedores da pesquisa de tese em curso e do meu esforço em permanecer trabalhando e estudando. O comentário jocoso de Bruno estava estreitamente ligado ao desânimo dos policiais em iniciar mais um exaustivo plantão, mas também incidia sobre a desvalorização social da profissão, talvez incompreendido por saber que alguém em fase de conclusão do mais alto grau de instrução acadêmico permanecesse ali exercendo uma função que não exige nem valoriza a formação acadêmica. Ri em silêncio. Amarrei os cadarços do coturno, verifiquei meu posto de trabalho (ala I e J), e, em bando, seguimos para a troca de turno pelo corredor central que separa as dez alas (A e B, C e D, E e F, G e H, I e J).
Todos os postos de trabalho são rotativos7. São espaços de trabalho onde todos os profissionais exercem atividade funcional, se revezando em atividades administrativas e operacionais de controle, vigilância, escolta e disciplinamento próprias da rotina prisional, sendo o trabalho nas alas o mais rechaçado, pela inerente condição de proximidade com a população prisional. Ali, dividindo o mesmo espaço, embora separados por grades e moralidades, as fronteiras entre policiais penais e presos são de contato e tensão constantes. O policial da ala é alguém que está sempre perto da pessoa presa em estado integral de vigilância. Ele é o responsável pela rotina da ala – vigiar o banho de sol, pagar a alimentação, cobrar a limpeza, retirar presos para os atendimentos psicossociais, de saúde, oficinas de trabalho e para a escola, vistoriar celas, revistar internos e realizar a conferência nominal dos presos – ou por responder a qualquer outra solicitação, tal como queixas de dor, pedido de atendimento médico ou de informações sobre o Campeonato Brasileiro, por exemplo. A função do policial deste posto é de autoridade, sendo a vigilância o instrumento por excelência para a manutenção da ordem. Pois, há sempre a suspeição e o risco de que os presos possam tomar o “aleiro” como refém, por isso alguns procedimentos de segurança devem ser seguidos à risca. O momento de maior vulnerabilidade do policial está na abertura das celas, quando a proteção da grade se exaure e o contato passa a ser direto com o preso. A função na ala é, portanto, marcada por relações de poder e vulnerabilidade constates.
A relação de autoridade do policial para com os presos desencadeia conflitos que, nem sempre, são resolvidos por meio do diálogo e da repreensão verbal. Parte desses conflitos se desdobra em violência verbal e, muitas vezes, em violência física. Reclamações por falta de água, de atendimento médico ou por outras contingências provocadas pela superlotação e pelas insuficientes condições de vida são bastante comuns durante o plantão, podendo tomar maiores proporções por meio de motins ou rebelião, se o policial deste posto não dispuser de habilidades de diálogo e negociação. Esgotada a possibilidade de resolução do conflito amigavelmente entre as partes, a punição a quem causou tumulto é um mecanismo obrigatório, para que sirva de exemplo aos demais presos, podendo ser orientada pela legislação penal ou firmada por práticas cotidianas às margens da lei.
A experiência dos policiais penais no cotidiano prisional possibilita que esses profissionais detenham um saber que funciona como termômetro da estabilidade da prisão, não constando, portanto nos manuais, leis, decretos ou orientações institucionais. Este é um saber essencialmente prático/ vivencial, incorporado a partir de diferentes cenas de conflitos, violências, autoridade, vulnerabilidade, entre outros aspectos que compõem a trama prisional. É um saber que pesa como um fardo. Dói. Traduzindo-se mais imediatamente pelo estado de alerta ininterrupto na prisão e nas circulações pelas ruas. Ele, ao mesmo tempo em que preserva a vida, evitando um ataque surpresa, também provoca comportamentos agressivos, repetitivos que se desdobram em paranoias tratadas, comumente, pelo uso excessivo do álcool e de outras drogas, como forma de relaxamento.
Enquanto me desloco para a ala I e J, última ala ao longo do corredor central, passo em frente às demais alas e cumprimento cordialmente os colegas que aguardam “rendição”. O semblante deles é de exaustão, mas também de alegria por mais um plantão concluído, sendo, portanto, os atrasos na troca de turno repudiados por todos. Já no meu posto de serviço, pergunto como foi o plantão e peço informações gerais sobre as alas: “Teve alvará? Fez o confere? O café foi pago?”. Essas e outras informações são importantes para o bom andamento do serviço que, a partir da “rendição”, está sob a minha responsabilidade e do meu “canga”8, Amadeu. Eu estou responsável pela segurança e porto a “doze” e Amadeu é o “chefe da ala”, estando responsável por todas as anotações no livro de ocorrência e na ficha de turno.
Ao dividir o mesmo posto de trabalho, mas com funções diferentes e dependentes, Amadeu e eu estaremos resignados a permanecer um ao lado do outro durante todo o plantão. E, nos intervalos das atividades de rotina, dividimos relatos pessoais, assuntos de trabalho, histórias de colegas, fofocas quentinhas e muito tédio, reclamações de cansaço e do calor infernal intensificado pelo uso do fardamento preto. As conversas são sempre alternadas entre um e outro cochilo por detrás dos óculos escuros e pelos gritos ordenando o silêncio das alas. Sempre que possível, pequenos grupos de policiais penais se reúnem ao longo do corredor para compartilhar causos, angústias, histórias de família e discutir o futuro na profissão ou da profissão. Entre uma e outra conversa e observação, sigo equilibrando a “doze”, enquanto faço minhas anotações em caderno de campo, e levanto a curiosidade dos policiais sobre o que tanto escrevo e por que tanta leitura nos intervalos do plantão. Essa curiosidade é combustível para a manutenção de relações e discussões mantidas com parte desses profissionais, mas também incide na renovação de ideias a serem desenvolvidas analiticamente durante a escrita da tese.
Cena 2. Sociabilidade, Intimidade e Partilha entre Policiais Penais
Toalhas azuis, brancas, verdes, vermelhas, amarelas, pretas (e muitas outras cores) estão posicionadas – uma ao lado da outra, sobrepostas, ou amontoadas – sob um fio de nylom suspenso. Esses objetos indicam o alojamento como espaço compartilhado de sociabilidade e de intimidade, ocupado, exclusivamente, por policiais penais homens. É um espaço exíguo e, em média, 35 profissionais por equipe utilizam-no nos momentos que não estão incumbidos das atividades nos postos de trabalho na prisão. Ao todo, são três cômodos: dormitório, compartimento dos armários e banheiro. A aquarela de toalhas está situada na fronteira entre os seis lavatórios de banho e os três sanitários, na única entrada de ventilação natural do espaço que está localizado no primeiro piso do prédio administrativo.
O alojamento é um espaço de sociabilidade e intimidade. É o local onde corpos bem equipados para o trabalho na prisão são despidos, tanto do fardamento padronizado como da performance de autoridade na relação para com as pessoas presas. Em meio aos pares, somos apenas pessoas comuns, sem qualquer armadura. A performance de autoridade dá espaço a outras performances. Longe de casa e sem acesso ao aparelho celular para contato virtual com entes queridos durante o plantão, os intervalos no alojamento são o momento em que os policiais penais fazem contatos com esposa, irmão, filho, mãe e outras pessoas com as quais mantêm laços familiares, consanguíneos e de linhagem por meio de ligações telefônicas e do aplicativo de mensagens instantâneas, mas também são os momentos em que informações, afetos, fofocas, confabulações, brincadeiras, memórias, alegrias, tristezas, cuidados, objetos e outras substâncias são compartilhados entre os “irmãos”, aqueles cujo vínculo é precitado pelo uso da farda.
As interações entre estes personagens são múltiplas e irrestritas ao cotidiano de trabalho na prisão. Matias sobe a escada que dá acesso ao alojamento cantando (leia-se: gritando) uma musica de forró sobre traição, o que irrita Ernesto que, naquele momento, estava em uma ligação telefônica com sua esposa. Do outro lado, Amadeu reclama do mau-cheiro do banheiro enquanto aguarda sua vez de usar o disputado sanitário privativo, o único que tem porta e que não está com infiltração. Atrás dele, mais dois policiais também aguardam sua vez. O mau-cheiro reclamado por Amadeu é o mesmo que me faz tapar o rosto com a toalha, enquanto sigo rumo ao lavatório de banho. O cheiro intragável se dispersava no local na medida em que uma mistura amarelada de excremento escorria do vaso sanitário entupido. “Que policial porco”, reclamou Amadeu, em voz alta, xingando a pessoa que deu descarga na latrina defeituosa.
No compartimento dos armários, outros policiais penais retiram seu fardamento, colocam-no em cabides enfileirados e ficam à vontade vestidos apenas por cueca, muitos permanecem durante todo o intervalo usando apenas roupa íntima. A fedentina das roupas e coturnos suados entranha o espaço abafado. Após o banho, entro no local para trocar de roupa e me deparo com parte dos “guardas” sentada em cadeiras de plástico e em um velho sofá preto, acessando o aparelho celular e comentando a fotografia de Ezequiel. Era uma imagem em forma de meme em que ele aparece sentado em uma mesa de bar, de óculos escuros e tomando um copo de cerveja, no canto inferior, uma targeta vermelha com letras brancas grifava – “Bregueiro Solitário”. O motivo da sátira era o processo de separação de Ezequiel, um problema pessoal, mas que, assim como outros problemas pessoais, rondava os corredores por meio de fofocas ou compartilhados pelos próprios policiais. O meme era motivo de gargalhadas entre todos. Após a euforia, as interações seguiram em função do resultado das apostas de jogos de futebol virtual, mas também sobre os jogos do Campeonato Brasileiro transmitido pela rede aberta de televisão.
Ao adentrar no espaço e se juntar ao grupo, Marcos, após aliviar-se do peso da indumentária, abre uma vasilha com dois sanduíches que trouxe do refeitório e os consome vorazmente. Afonso reclama – “Ave Maria! Um animal desses acabou de jantar e já tá comendo dois sanduíches. Tu vai explodir de tanto comer”. Ulisses complementa – “Ele devia era fazer uma dieta, tá igual uma porca de tão gorda”. Todos os presentes riem da cena e Marcos libera flatulências de alto som e segue se deliciando com os dois sanduíches, sem se importar com o que seus colegas dizem.
Cansado da rotina de trabalho que se estendeu durante o dia todo, entro no dormitório para ocupar o meu espaço no beliche, que está enfileirado ao lado de outros beliches. Já deitados, muitos policiais, apesar de cansados, preservam o intervalo para distrações em conversa entre eles e/ou por meio do grupo de mensagens instantâneas, sempre com memes e brincadeiras jocosas de cunho sexual ou da aparência física. Em um dos grupos de WhatsApp da equipe, paralelo ao oficial, parte dos policiais tramava uma “cervejada” na praia após o plantão. Eu descartei logo a possibilidade de viajar com eles, argumentando que precisava cumprir as tarefas do doutorado, mas muitos outros confirmaram a ida. O silêncio reinou no dormitório, mas algumas conversas se estenderam, virtualmente, madrugada adentro.
O dia amanhece e, pontualmente, às seis horas todos assumiram seus postos, realizaram suas atividades de rotina e se prepararam para a troca de plantão. Às oito, findado o expediente, o cansaço e a alegria são semblantes marcantes nos rostos dos profissionais que se avexam para pegar suas toalhas no varal e organizar suas mochilas e bolsas, não sem esboçar a alegria “da liberdade”, colocando pra tocar a música de Forró do momento, dançar e fazer zoações mútuas com a roupa, chinelo ou o modo como o cabelo está alinhado. Todos descem as escadas em revoada, porém, antes de deixar as dependências da unidade prisional, um a um, assinam o ponto eletrônico. Parte da equipe se dispersou rumo às suas casas e a outra parte seguiu em comboio rumo à praia. Ainda no percurso, algumas paradas para se abastecer de bebidas e, na praia, o ritual de confraternização, fartamente regado a cervejas, se estendeu por todo o dia. Eu, virtualmente, acompanhava a algazarra por meio das fotos, vídeos e memes postados no grupo de mensagens e me fazia presente pelas videochamadas.
Fazendo Família e Pesquisa Entre “Irmãos de Farda”
As cenas acima nos apresentam dados etnográficos que merecem análises, dadas as relações e práticas constituídas no cotidiano de trabalho da segurança prisional, lugar em que atuo como policial penal e pesquisador. Essas funções não se desvinculam, tampouco separam o sujeito pesquisador do sujeito pesquisado. Pelo contrário, minha posição nativa em campo é utilizada aqui como aglutinadora de redes de relações e práticas no espaço prisional em que, ao mesmo tempo, sou identificado como pesquisador, sujeito e objeto de pesquisa. Tais relações, se pensadas à luz da formação de parentesco entre “irmãos de farda”, pelo compartilhamento de substâncias, intimidade e discursos de alinhamento político nos espaços de sociabilidade, possibilitaram a realização desta pesquisa, mas também nos permitem situar sujeitos e suas práticas pela constituição de vínculos, afetos, camaradagem, solidariedade e fraternidade.
Em um giro nos estudos brasileiros sobre profissionais da segurança prisional, percebemos que a maioria das pesquisas a respeito da temática foi realizada por estudiosos atuando em unidades prisionais como psicólogo (LOURENÇO, 2011), assistente social (VASCONCELOS, 2000), ex-agente prisional (SILVA, Anderson, 2011) ou servidora da administração prisional (LOPES, 1998). Nota-se que a vinculação institucional dos pesquisadores foi imprescindível não apenas para a formulação dos incômodos que fundamentaram as pesquisas, mas também para a facilitação da inserção dos pesquisadores para realização de trabalho de campo em unidades prisionais e o acesso a documentos restritos, tais e quais as interlocuções com os próprios agentes penitenciários.
Por outro lado, pesquisadores sem vínculo institucional com a prisão relatam as dificuldades de inserção nas prisões para a realização do trabalho de campo e acesso aos agentes penitenciários. Sabaini (2009) menciona a aparente e insistente desconfiança dos profissionais para com seus interesses de pesquisa, enquanto Adriana Rezende Faria Taets Silva (2010) desaprova as respostas curtas e pontuais durante as entrevistas que realizou com os agentes penitenciários nos seus espaços de trabalho. Conforme Moraes (2013), as dificuldades de interlocuções com os trabalhadores da segurança prisional estão diretamente relacionadas à pressuposição, por parte destes, de que o pesquisador reafirme ainda mais os estigmas de violentos, corruptos e despreparados atribuídos aos profissionais. Nos relatos dos pesquisadores, essas dificuldades só puderam ser ultrapassadas mediante a extensão dos contatos com os agentes penitenciários fora das prisões e em caráter mais informal, nos permitindo perceber que as relações hierárquicas e de poder nessas instituições, entre grupos diversos, posicionam o próprio pesquisador e o conhecimento socioantropológico num complexo campo de disputas.
É relevante destacar que as pesquisas sobre prisões no Brasil, predominan-temente, abordam o aprisionamento e suas perversas condições, tendo como foco a população prisional. Na medida em que se pauta a defesa dos direitos dos presos, pelas insuficientes condições materiais e violências vivenciadas na prisão, os policiais penais, como operadores da execução da pena, passam a ser responsabilizados por alguns estudiosos como sujeitos causadores das violências e agruras das quais as pessoas privadas de liberdade estão submetidas. Nessa seara, dificilmente, as pesquisas sobre prisões situam o policial penal para além da sua condição de representante do Estado, como um segmento que tanto sofre as consequências do aprisionamento como reage a elas.
Ao escolher os policiais penais como principais interlocutores da minha pesquisa de doutorado, passei a ser identificado por eles numa relação de justaposição em que, bem mais que pesquisador, sou alguém que integra a mesma categoria profissional. Dessa forma, se pesquisando aprisionamento de travestis durante o mestrado, o meu corpo foi objeto de suspeição e análise na relação com as interlocutoras (NASCIMENTO, 2022b), agora, junto aos policiais penais, é meu próprio papel exercido nas prisões que é tensionado, não apenas pelo cotidiano vivenciado entre pares, mas principalmente pelas relações constituídas de intimidade e suposto alinhamento político e moral requerido na constituição do grupo. Além de mudar o tema da pesquisa, muda minha própria relação com o campo das prisões.
Experiência de campo semelhante à minha foi relatada por Anderson Morais Castro e Silva (2011), a partir do seu trabalho realizado em prisões do Rio de Janeiro. De acordo com ele, seu lugar de ex-agente penitenciário era sempre alçado nas relações com os profissionais e gestores, o que gerou expectativas de que sua pesquisa pudesse beneficiar, de algum modo, a categoria. Apesar de não mais atuar como agente penitenciário, sua experiência de outrora, no cotidiano prisional, o forjou como alguém que conhece as dificuldades e os riscos do exercício profissional. Por conseguinte, na visão dos profissionais, ele seria alguém que jamais reafirmaria os estigmas de corrupto, violento e despreparado imputados aos agentes. No meu caso, em pleno exercício da função, as expectativas de que a pesquisa poderia trazer algum benefício à categoria eram mobilizadas não apenas porque eu conhecia o difícil cotidiano de trabalho da segurança prisional, mas, precipuamente, porque eu sou alguém que está em justaposição na relação com os policiais penais, escoando na minha identificação como “irmão de farda”.
No imaginário das pessoas que pertencem a uma categoria profissional com recente denominação de polícia (BRASIL, 2019; NASCIMENTO, 2022a), o compartilhamento da farda vai muito além das vivências no cotidiano da prisão, é, antes de tudo, a constituição de parentesco pelo compartilhamento de uma substância e de espaços que geram relações de intimidade, sociabilidade e posição de alinhamento político e moral (CARSTEN, 2004; SIRIMARCO, 2013), fazendo com que pessoas com experiências e origens diferentes estejam ligadas por uma simbologia que promove cumplicidade, respeito mútuo e partilhas, dentro e fora da contextura das prisões.
De acordo com Bestard (1998), o parentesco não é apenas mais um tema em que a antropologia se deteve em suas análises, mas é um dos temas fundadores desta ciência. Neste sentido, o sistema de parentesco na sociedade-outra, desde as sociedades primitivas, é objeto de escrutínio do etnógrafo, que se especializou, dentre outras coisas, na sua busca, identificação, descrição e classificação. Tal conhecimento legitimou a antropologia como ciência, dotando-a de um conhecimento marcado por “um conjunto de tecnicismos, formalismos e linguagens específicas”, que a transformavam como um campo do saber (SIRIMARCO, 2013, p. 562).
Ainda de acordo com Bestard (1998), os efeitos do parentesco podem ser percebidos nos processos pelos quais o indivíduo se torna uma pessoa social e constitui concepções pelas quais mantem relações em grupos. Em diálogo com o autor, ao analisar a “família policial” na Argentina, Sirimarco (2013, p. 563) afirma que o parentesco é fabricado por meio de elementos biológicos e sociais, “que permitem a construção e a manutenção de bens (terras, títulos, poderes, status) e relações sociais”. Neste sentido, a autora destaca que, pelo menos na tradição ocidental, o elemento biológico tem peso maior na fabricação do parentesco, sendo os laços de sangue “insumos principais no universo simbólico da construção do sistema de parentesco” (SIRIMARCO, 2013, p. 564). Entretanto, em sua análise, o parentesco social aparece forjado pela narração, construindo determinadas formas de se relacionar socialmente.
O parentesco do qual estamos tratando neste contexto de pesquisa não é o que tem o sangue como um dos insumos biológicos mais férteis para a formação do parentesco e da família9, e sobre o qual se cimenta o nosso sistema de parentesco (SIRIMARCO, 2013). Também não é o parentesco forjado pelo vigoroso e propagado “juntar os contracheques”, termo simbólico utilizado para identificar o casamento entre policiais penais[10]. Estamos falando do parentesco produzido pelas relações e pela narrativa da existência destas, em seus usos e os sentidos funcionando como um recurso discursivo utilizado para alçar uma identidade coletiva entre trabalhadores da segurança prisional, apelando para as narrativas que indicam pertencimento, reciprocidade, solidariedade, união, alinhamento político que se pintam de sentidos, imagens e categorias advindas no mundo familiar.
Carsten (2004), a partir da perspectiva do relatedness, nos lembra de que a formação de parentesco pode ser uma força restauradora de vigor e criatividade em que as pessoas investem suas emoções e suas novas imaginações na compostura de relações produzidas por vínculos que extrapolam consanguinidade e linhagem. Dessa forma, a autora aborda os limites do parentesco concebido como natural e destaca sua constituição moldada pelo envolvimento humano, em que laços mantidos nos enredos da vida produzem, socialmente, relações familiares. Para ela, o compartilhamento de substâncias produz relacionalidades, assim como relacionalidades produzem o parentesco por meio da intimidade. Desse modo, as maneiras como as pessoas vivem e articulam as relações de parentesco são destacadas pelo compartilhamento de substâncias e pela constituição de laços afetivos por meio de relações de intimidade. Isso se dá não apenas pelo direito, normas, regras e obrigações, mas também nos rituais mundanos da vida cotidiana e pelos momentos de distração compartilhados.
A perspectiva do relatedness, formulada por Carsten, nos permite pensar a produção de laços de parentesco entre profissionais da prisão, tendo a farda como principal substância compartilhada por estes. Nesta perspectiva, a simbologia da farda aparece como elemento que une pessoas bem diferentes, em local e com papel específico, pelas dificuldades no trabalho prisional e pelas relações de intimidade constituídas, não apenas pelo compartilhamento dos espaços físicos e objetos (postos de trabalho, armas, alojamento, sanitários etc.), mas também pela partilha de memórias, angústias, problemas pessoais, alegrias, conquistas, cuidados e outras múltiplas interações cotidianas de proximidade entre o dentro e fora da prisão. Tais interações/ relações não se dão em qualquer lugar, mas estão implicadas aos “espaços de sociabilidade compartilhados” (OLIVEIRA, 2015), assumindo formatos diferentes nos carros de comboios, nas alas, no corredor central, no alojamento e nos grupos de WhatsApp.
Os espaços de sociabilidade compartilhados por policiais penais são espaços da prisão ou estão estreitamente ligados a ela, funcionando como elo entre pessoas que residem em locais distantes e cujo encontro é proporcionado pelo trabalho na segurança prisional. Tal encontro se dá na rotina prisional, pela longa e exaustiva duração dos plantões, implicando na proximidade entre policiais no percurso até a prisão, nos postos de trabalho, circulando na circunscrição da unidade prisional em atividades administrativas e operacionais ou compartilhando o alojamento e intimidades nos intervalos de descanso. O compartilhamento desses espaços traduz-se na constituição de relações que promovem a ideia de constituição de grupo pela gramática de pertencimento, remetendo-se às imagens e aos sentidos originários do mundo familiar, como a irmandade entre pessoas que vestem a farda.
A importância fundamental da descrição analítica da categoria “irmãos de farda” reside no fato de que, por meio dela, podemos compreender as práticas profissionais e o próprio funcionamento das prisões. Esses profissionais articulam o parentesco das mais diversas formas, principalmente no cotidiano da prisão, mas se estendem nas interações por mídias digitais e encontros presenciais, também no fora da prisão. Formas de se relacionar, desde a linguagem, os códigos, as brincadeiras, os apelidos, as formas de proximidade, o contato e as posturas são elementos por meio dos quais sujeitos que vestem a farda se tornam parte da família que, no contexto aqui explorado, é nomeada por “família PIRS”. A invocação deste termo, por vezes, remete aos cuidados que uns devem ter com os outros na aparente árdua função da vigilância, custódia e disciplinarização das pessoas em cumprimento de pena.
Na narrativa de parte dos profissionais, a PIRS é identificada como “segunda casa”, sendo o espaço de convivência dos policiais penais por longos plantões11. Se na visão de Carsten (2004), a casa é um local de intimidade (não apenas pela partilha do espaço, mas também pelas refeições, memórias, afetos, práticas de higiene, dentre outras atividades cotidianas que implicam na proximidade entre as pessoas conviventes no espaço), esse espaço produz laços familiares por meio de memórias afetivas que evocam o parentesco doméstico, mas também carrega significado político de constituição de grupo.
Dentre os espaços de sociabilidade constados na instituição prisional, o alojamento pode ser identificado como um lugar que reflete o mais alto grau de intimidade. É um espaço privativo. Leia-se: somente policiais penais homens têm acesso. É um lugar de compartilhamento de agruras e afetos, exclusivo para profissionais da segurança. Entretanto, não são apenas os sanitários sem portas, as latrinas defeituosas, varal de toalhas de banho, odores, imagens e sons inconvenientes que são compartilhados no alojamento. Ali se compartilham a vida, memórias, afetos, alegrias, confidências, piadas sem graça, fofoca, chacotas e comentários jocosos de cunho sexual. Aliás, a circulação de corpos seminus produzidos à base de whey protein e pelas repetições de exercícios físicos jamais passa despercebida, gerando comparações, competições, intimidações, contatos e comentários libidinosos entre os próprios policiais, muitas vezes, em formas de descontração, localizando a sexualidade e o corpo como produtores de interações múltiplas entre esses profissionais nos espaços de relaxamento.
A partir da imagem do banheiro como espaço privativo, podemos perceber, portanto, que as substâncias escatológicas dos corpos dos profissionais presentes no banheiro sujo compartilhado invocam a unidade de grupo, constituída por intimidade e afetos perante a edificação das prisões. São substâncias que produzem vínculos por meio de processos de pertencimento. O banheiro sujo dos policiais penais contrasta com os sanitários assépticos da administração prisional, que contrasta ainda mais com o “bojo”, buraco no chão da cela, no qual as pessoas presas depositam seus excrementos. Desta forma, as técnicas de produção de pertencimento de grupo, necessariamente, passam pelos espaços de intimidade e compartilhamento de sustâncias.
Na gramática de pertencimento de grupo, a experiência profissional se mistura à experiência pessoal, rompendo fronteiras de contatos nas dinâmicas da vida entre o fora/dentro das unidades prisionais, sendo a prisão imanente e transcendente[12] à vida desses profissionais, mesmo que eles não estejam na circunscrição de seu espaço de trabalho, exercendo suas atividades funcionais. Neste aspecto, os grupos de WhatsApp são meios pelo qual essa presença se materializa. Se argumentado que as relações online não são descorporificadas nem se constituem como espaços apartados das relações face a face (BELELI; MISKOLCI, 2015), tais grupos viabilizam a presença da prisão na mesa de bar, em casa, nos churrascos promovidos por colegas, assim como a vida pessoal está nas conversas nos corredores e nos grupos virtuais da prisão, abordando relatos de saídas noturnas, desabafos sobre as dificuldades de manutenção da relação conjugal, na exposição de vídeo que mostra os primeiros passos do filho, entre outras inúmeras situações. Ou seja, estamos tratando aqui da ruptura de fronteiras entre relações de trabalho, pessoais e afetivas, que produz uma gramática de reconhecimento de pertença de grupo que vai desde as situações mais banais da vida cotidiana aos mais rígidos protocolos e regras das prisões. No entanto, nem todos os assuntos são passíveis de circulação nos grupos institucionais, o que desencadeia a formação de subgrupos formados por pessoas que mantêm, além da farda, compartilhamento de relações de confiança e confidência de assuntos que extrapolam o cotidiano das prisões.
A produção de parentesco entre trabalhadores da segurança prisional no próprio exercício da função passa, também, pela ideia de oposição entre “família policial” e “família do crime”, como elemento imprescindível para pensar as práticas, a conduta moral e os discursos de alinhamento político propagados entre policiais penais. Já afirmei, em outro momento, que policiais penais e presos são abrigados a dividir, ininterruptamente, o cotidiano da prisão em relações produzidas por contato e tensão constantes. Essa proximidade implica na produção de formas de diferenciação por meio de imagens, códigos e condutas a serem seguidos por quem trabalha e vive nas prisões. A ideia de oposição entre “irmãos de farda” e “irmãos do crime” – embora se valendo de imagens, categorias e sentidos comuns e provenientes do mundo familiar, como os valores de fraternidade, solidariedade, respeito e união –, se produz e se condensa nas interações destes atores no cotidiano prisional, pelo cultivo de valores morais e práticas conflitantes.
Parte da literatura sobre coletivos criminais trata dos atributos exigidos para a formação do parentesco entre “irmãos do crime”, cujo “proceder” (BIONDI, 2010; FELTRAN, 2018) possibilita a construção de reputação que permite a incorporação na “família” como um novo membro (irmão, primo, cunhada etc.). Analisando o Primeiro Comando da Capital (PCC), Feltran (2018) caracteriza o modo organizacional desse coletivo criminal como semelhante ao da maçonaria, destacando-o como uma organização inspirada em irmandades secretas. Dentre os aspectos descritos para caracterizar cada função no PCC, o autor aborda a fraternidade entre “irmãos” como um dos atributos cultivados pelo Comando. Para ele, a fraternidade tem como ideal central o progresso entre “irmãos”, pela ajuda mútua entre integrantes da irmandade/família. Os “irmãos” da liberdade têm obrigação moral de ajudar àqueles que estão em cumprimento de pena, através de assistência jurídica, dos mantimentos do “jumbo” e do dinheiro destinado à família do “irmão” que esteja passando por dificuldades. Na análise de Feltran, o respeito, a solidariedade são atributos gerados pela fraternidade entre os que pertencem à família, sendo elementos imprescindíveis (assim como outros dispostos no código de regras do Comando) para que não haja conflitos internos no grupo. Afirma que o ingresso de um novo membro no PCC, como “irmão”, está condicionado à experimentação do sofrimento proporcionado pela prisão, assim como pela avaliação da conduta moral deste no convívio entre encarcerados.
Entre os profissionais, a farda, indiscutivelmente, é um elo que promove a ideia universal de pertencimento à “família policial”. É ela que possibilita a experimentação das dificuldades do trabalho na segurança, que são expressas no cotidiano prisional. A priori, todos que vestem a farda são “irmãos”, garantindo ajuda e socorro em momentos de dificuldade ou de ataques orquestrados pela “família” inimiga. Porém, essa ideia de unidade, se vista pela lente aproximada do cotidiano de trabalho, se segmenta entre policiais “operacionais” e “mazelas”. O policial “operacional” é aquele que se esforça para ser identificado como bom profissional. É alguém que faz o uso adequado do uniforme padronizado, é destemido, defende seu colega, tem habilidade no manuseio dos equipamentos, postura de autoridade na relação com as pessoas presas, conduta ilibada e que mantém relações interpessoais saudáveis com os seus colegas. Por outro lado, o policial apontado como “mazela” é aquele que não corresponde à imagem que se quer passar da categoria profissional. É preguiçoso, desunido, tem conduta duvidosa ou desonesta; se esquiva das atribuições para benefício próprio e quase nunca está equipado com os equipamentos do fardamento padronizado. Ser apontado como “mazela” implica, não apenas, em ser mal visto pela instituição e pelos pares, mas, também, na impossibilidade de manutenção de relações com colegas para além da prisão. Essas categorizações também implicam em contendas, rixas e intrigas entre os próprios profissionais, em que alguém pode ser apontado como causador de um desajuste nas relações de respeito mútuo entre integrantes da família. Portanto, há sempre um esforço dos profissionais, inclusive meu, para não serem apontados como “mazelas”.
Em esforço comparativo para caracterizar a formação das duas “famílias”, podemos afirmar que o ingresso na “família policial” e na “família do crime” tem a experiência prisional como condição precípua. Logicamente, os modos de experimentação da prisão por esses grupos são distintos e produzidos no cotidiano por funções e posições geradoras de conflitos e inimizades. Nesta linha argumentativa, a farda é a substância que, a priori, delimita os fluxos internos e externos nas prisões, permitindo ou não o atravessamento de suas fronteiras. Se, por um lado, o fardamento invariavelmente preto dos policiais penais determina posição dominante e o controle das fronteiras em campo, por outro, cabe às pessoas presas o uso do uniforme laranja com branco, a posição de subalternidade e a obediência na reclusão. Deste modo, a constituição de “nós” e “eles”, na ótica da produção de parentesco, se dá pela ideia de oposição e pelo compartilhamento da farda como substância que localiza sujeitos em determinadas “famílias”.
Há também distinções de reconhecimento simbólico. Na lógica da formação do parentesco pela “família do crime”, o “batismo” é o ritual que marca o ingresso como “irmão” no PCC. No entanto, é o desempenho do “irmão” que o transformará em alguém digno de respeito e “consideração” para assumir uma posição de destaque no Comando. Por outro lado, na “família policial”, o ingresso se dá pelo compartilhamento do cotidiano de trabalho na segurança prisional, via concurso público. Porém, a distinção simbólica entre “irmãos de farda” surge pela chancela do título de “antigão”. Essa insígnia da prisão é atribuída aos policiais com vasta experiência na função e que detém um saber que é invisível aos neófitos ou às pessoas que esporadicamente visitam as prisões. Embora em posição de oposição, os “irmãos de farda” e os “irmãos do crime” são obrigados pela estrutura da prisão a permanecer frente a frente no cotidiano e, com isso, desenvolvem códigos, imagens e linguagens que os distinguem uns dos outros, assim como distinguem os próprios integrantes dentro das irmandades.
As características mobilizadas para a constituição dos grupos produzem as pessoas que caminham juntas pela noção de pertencimento, mas também evocam a reciprocidade na caminhada pelo alinhamento político e moral. Entre os policiais penais, isso pode ser percebido pelos discursos propagados em momentos de dificuldades. Em um diálogo com Matias, policial penal negro com entrada na profissão em 2018, no qual falávamos sobre os assassinatos de policiais penais no Ceará, ele desabafou – “Somos uma categoria menosprezada socialmente e o governo não tá ligando se estamos com saúde ou se fomos atingidos por disparos de arma de fogo. Por isso, a nossa união é tão importante. Só temos nós por nós”. Os policiais penais não evocam apenas o caminhar junto como forma de alinhamento político, mas também evocam a reciprocidade na caminhada (PADOVANI, 2018). Aqui, a personificação dos sujeitos (leia-se: dos “irmãos de farda”) protagoniza uma relação que está evidentemente implicada à solidariedade entre pares ou com o processo de fazer semelhanças nas condutas individuais. Ser identificado como “irmão de farda” em campo significa que eu compartilho dos mesmos códigos dos profissionais. Essa condição me possibilitou não apenas acesso à rotina prisional e a realização dessa pesquisa, mas também a constituição de laços de amizade e respeito mútuo que ultrapassam largamente as dinâmicas de trabalho, de pesquisa e da própria prisão.
Considerações Finais
Ao longo deste artigo, discuti o trabalho da segurança prisional e um conjunto de relações com interlocutores em campo, mobilizados pelo lugar relacional que ocupo na trama do fazer pesquisa em prisões. As relações mantidas com os policiais penais dentro e fora da prisão e durante e após o trabalho de campo são, antes de tudo, identificadas como relações de parentesco, constituídas por uma gramática de pertencimento de grupo em que a farda aparece como substância que produz parentesco por meio da relacionalidade. Nesta discussão, a prisão emerge pelo viés da domesticidade e da sociabilidade, como um lugar de intimidade que não é apenas físico, mas também de alinhamento político-moral. Essa formação de parentesco emerge pelas nomenclaturas que implicam na ideia de unidade de grupo constituído por “irmãos de farda” e que, na sua circunscrição espacial, formam a “família PIRS”. Deste modo, as relações constituídas por mim, em meio aos policiais penais, são relações de justaposição identificadas por eles pela afeição e confiança depositadas a um integrante da família que também vivencia o cotidiano de trabalho na prisão. Essas questões interferem diretamente no caráter político das discussões que podem ou não aparecer ao longo da tese.
No que tange aos espaços de sociabilidade compartilhados pelos policiais penais na prisão (corredor, alas, alojamento e grupos de WhatsApp), devo sinalizar que eles constituem espaços de profícuas interlocuções entre esses atores, que se desdobram não apenas em relações de intimidade e afetivas, mas também na extensão da prisão na vida desses profissionais e vice-versa. Tratando exclusivamente dos grupos em aplicativos de mensagens, eles não são apenas meios de comunicação onde emergem as problemáticas cotidianas da prisão, mas são também canais de interlocuções expressivos para a formação de laços de grupo, onde se pode verbalizar o que não se tem espaço na instituição. Para tanto, nesses grupos, o campo do segredo opera de forma incisiva modulando a própria escolha de quem pode ou não fazer parte do grupo, mas também implicando em quais assuntos são passíveis de debate e críticas e outros que devem ser silenciados. Deste modo, importantes camadas das interações cotidianas dos profissionais, bem como da própria prisão, passam pelos espaços de sociabilidade compartilhados, estando no campo do segredo e da intimidade, o que implicou em desafios metodológicos e éticos a essa pesquisa.
Por fim, devo dizer que o meu lugar relacional enquanto policial penal e pesquisador me permite ter acesso a espaços e vivenciar dinâmicas cotidianas da prisão que outras pessoas sem essa vinculação dificilmente seriam permitidas ou incluídas na possibilidade de manutenção de relações de poder e de afetos com os policiais. No entanto, esse lugar também repercute nos não-ditos, malditos ou nos assuntos silenciados, como estratégias de não pôr em risco os(as) interlocutores(as) e a minha própria vida dentro e fora da contextura das prisões.
Referências
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Notas
Autor notes