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Elite em Disputa: O Financiamento Privado de Campanhas Presidenciais e a Defesa de Interesses Classistas no Brasil entre 2002 e 2014
Elite in Dispute: The Private Funding of Presidential Campaigns and the Defense of Class Interests in Brazil Between 2002 and 2014.
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 27, núm. 3, e45599, 2022
Universidade Estadual de Londrina

ARTIGOS


Recepção: 02 Março 2022

Revised document received: 17 Novembro 2022

Aprovação: 20 Dezembro 2022

DOI: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2022v27n3e45599

Resumo: O artigo analisa a existência de relações entre empresas financeiras e não financeiras doadoras de aportes financeiros às campanhas presidenciais ocorridas entre 2002 e 2014 e o grau de atuação destas no mercado de títulos públicos brasileiros e na movimentação dos recursos do BNDES em cada mandato presidencial. Articulando a pesquisa primária, realizada a partir de fontes oficiais do governo, e a Análise de Redes Sociais, com as métricas de centralidade degree e betweenness, o artigo apresenta tabelas e sociogramas, permitindo a análise do financiamento privado de campanhas eleitorais como um processo de disputa por hegemonia pela classe dominante. Identifica o Banco Itaú Unibanco como parte da fração de classe representante do grande capital financeiro e como importante agente político e econômico nos pleitos presidenciais e nos governos subsequentes às eleições investigadas.

Palavras-chave: Financiamento privado, BNDES, títulos públicos, análise de redes sociais.

Abstract: The article analyzes the existence of relationships between financial and non-financial companies that donated financial contributions to the presidential campaigns between 2002 and 2014 and the degree to which they operate in the Brazilian public debt bond market and in the movement of BNDES resources in each presidential term. By articulating primary research, using official government sources, and Social Network Analysis, with the centrality metrics degree and betweenness, the article presents tables and sociograms, allowing the analysis of private financing of electoral campaigns as a process of dispute for hegemony by the ruling class. It identifies Banco Itaú Unibanco as part of the class fraction representing the large financial capital and as an important political and economic agent in the investigated presidential elections and in the subsequent governments.

Keywords: Private financing, BNDES (National Bank of Development), public bonds, social network analysis.

Introdução

O artigo sistematiza parte dos resultados da pesquisa de doutorado da autora (RAIMUNDO, 2021), analisando as relações entre empresas financeiras e não financeiras doadoras de aportes financeiros às campanhas presidenciais ocorridas em 2002, 2006, 2010 e 2014 e o grau de atuação destas no mercado de títulos públicos brasileiros e na movimentação dos recursos do BNDES em cada mandato presidencial. Articulando a pesquisa primária, realizada a partir de fonte oficiais do governo, e a Análise de Redes Sociais (ARS), foi possível observar, nos governos Lula, Dilma e Temer, quais empresas se destacaram como principais investidoras em títulos públicos, quais empresas atuaram junto ao BNDES e quais doaram às campanhas presidenciais. Entendendo as eleições como processo de disputa por hegemonia pelas frações de classe que compõem a classe dominante, o artigo verificou a fração de classe representante do grande capital financeiro como um importante agente político e econômico no Brasil.

Para Poulantzas (1971 apud BOITO JUNIOR, 2007, p. 58), o conceito de bloco no poder, ou classe dominante, nos auxilia na percepção da constituição da classe burguesa como uma unidade (classe social) do diverso (frações de classe), em suas relações com o Estado e com a sociedade. Ainda que represente uma unidade em si, o bloco no poder é composto por diversas frações de classe com interesses específicos, podendo, em determinadas conjunturas, suscitar conflitos e alianças entre si. Para a compreensão da composição da classe dominante ou do bloco no poder é necessária a identificação da fração, ou frações de classe, que atua como força social distinta numa determinada conjuntura. É importante observar quais “[...] os interesses econômicos setoriais burgueses que ensejam, diante da política de Estado, a formação de grupos diferenciados que perseguem, no processo político, objetivos próprios.” (BOITO JUNIOR, 2007, p. 58). Assim, a identificação da fração de classe hegemônica passa pela identificação dos interesses priorizados pelo Estado e dos interesses mantidos por este em segundo plano.

De acordo com o modelo poulantziano, a sociedade capitalista mantém uma divisão entre burguesia industrial e burguesia comercial, incluindo nesta última os bancos enquanto comerciantes de dinheiro. Na leitura de Boito Junior (2007, p. 67), a burguesia comercial representante do grande capital financeiro nacional e internacional se tornou a fração burguesa hegemônica no modelo neoliberal, especialmente durante os governos Lula, pois, ainda que a produção tenha sido estimulada, ela ocorreu dentro dos limites dos interesses do grande capital financeiro.

Entretanto, entende-se que houve espaço para o gerenciamento dos diferentes interesses das frações de classe do bloco no poder durante os governos Lula e os governos Dilma. O Estado manteve condições favoráveis ao funcionamento do sistema financeiro nacional, em especial no que diz respeito à concentração das atividades dos mercados de crédito e de títulos públicos num pequeno grupo de instituições financeiras, ao mesmo tempo em que deixou projetos de interesse desta fração em segundo plano, como as privatizações do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, por exemplo.

Neste sentido, o estudo das empresas financeiras e não financeiras atuantes no mercado de títulos públicos e no BNDES auxilia na observação da dinâmica das frações de classe e na identificação da fração, ou frações, com relevante desempenho em dois importantes espaços de circulação de recursos financeiros públicos. Verificando a existência de alinhamento financeiro durante as campanhas eleitorais que precederam os governos eleitos, torna-se possível a análise da fração, ou frações, atuante no processo de disputa de hegemonia no bloco no poder e da influência política almejada, como agente econômico, sobre os pleitos e os governos.

Para Przeworski (2010, p. 95), os indivíduos podem exercer alguma influência no resultado dos pleitos, independente da tendência verificada aos votos e ao êxito nas eleições. Usando as contribuições financeiras, grupos de interesse podem influenciar as plataformas dos partidos em disputa. Se houver a persuasão dos principais partidos na adoção de programas de governo que contemplem as demandas de um grupo, não importará, nesta compreensão, qual o partido vencedor e qual a opinião dos eleitores. Estabelecendo-se uma relação de longo prazo com um candidato ou partido, não haverá a necessidade de compra de votos legislativos quando uma questão afetar os interesses particulares de um determinado grupo.

Se compreendermos o pleito eleitoral como um mercado em que se compra à vista, conforme aponta Przeworski (2010), é provável que as campanhas com grande volume financeiro possuam maiores chances de êxito, independentemente da ideologia partidária, da localização regional da disputa ou do Índice de Desenvolvimento Humano da população (CERVI, 2010, p. 163). Do mesmo modo, é provável que as doações finan-ceiras realizadas durante os pleitos contribuam com alinhamentos políticos e direciona-mento dos programas dos governos eleitos. Assim, o artigo em tela visa contribuir com o campo de estudos que versa sobre o financiamento privado de campanhas eleitorais como um dos possíveis instrumentos utilizados no processo de disputa e conquista de hegemonia no bloco no poder. Somando-se aos debates contemporâneos sobre o tema, como os desenvolvidos por Silva e Minella (2017), referente aos doções do grupo Itaúsa nas campanhas na América Latina, por Silva (2015), sobre a atuação do BNDES, e por Junckes (2019), atinente às redes de financiamento eleitoral, o presente estudo procura trazer novas perspectivas para estudos futuros. Nos limites da análise realizada, considerando que a reforma eleitoral de 2015 proibiu o financiamento privado de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas, busca-se captar a tentativa de influência e as relações de poder envolvendo a disputa por hegemonia por meio do financiamento privado das campanhas presidenciais supracitadas.

A Sistematização dos Dados e o Uso da ARS

Na investigação dos investidores em títulos públicos brasileiros, ponto de partida deste estudo, foram analisados os leilões ocorridos no Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab) do Banco Central do Brasil (Bacen) e na Coordenação-Geral de Operações da Dívida Pública (Codip) da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e identificados os principais investidores durante cada governo eleito, os chamados dealers do mercado de títulos públicos.

De modo geral, o grupo dos dealers é composto por instituições financeiras nacionais e estrangeiras, públicas e privadas, e corretoras ou distribuidoras de títulos e valores mobiliários independentes. A participação nos leilões promovidos pelo Bacen e pela STN, bem como o volume de recursos investidos nos papéis, são critérios para a renovação do credenciamento dessas instituições a cada seis meses, o que lhes confere favorecimentos, como a participação exclusiva nos chamados leilões de segunda volta2. Como os valores investidos são sigilosos, a investigação foi realizada a partir da soma das avaliações positivas do Bacen e da STN sobre a atuação das instituições financeiras dealers nos leilões, identificando as que atuaram por maior tempo e, consequentemente, que realizaram maiores investimentos.

Com o mapeamento inicial realizado, foram localizados os vínculos das principais instituições financeiras dealers com grupos econômicos e/ou financeiros e, posteriormente, foram listadas as empresas vinculadas aos mesmos grupos ao final de cada mandato presidencial. Para tal, foram revisados os Anuários Valor Grandes Grupos, da revista Valor Econômico, e os organogramas dos Formulários de Referência cadastrados na Comissão de Valores Mobiliários ([2022]). Com a listagem das empresas vinculadas aos grupos e com as planilhas disponibilizadas na Central de Downloads do sítio eletrônico do BNDES, foi investigada a participação das empresas dos grupos identificados no BNDES.

Com a lista das empresas financeiras e não financeiras dos grupos atuantes no mercado de títulos públicos e/ou no BNDES, foram analisadas as planilhas eletrônicas do Repositório de Dados Eleitorais e do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral (BRASIL, [2022]) (TSE), contendo as receitas das campanhas e as doações realizadas por pessoas físicas e jurídicas às campanhas presidenciais dos pleitos de 2002, 2006, 2010 e 2014. Para o cruzamento das empresas até então já identificadas com as empresas presentes nas planilhas do TSE, foram empregadas a fórmula PROCV do Excel e mecanismos de localização, a partir da seleção de palavras chaves, refinando a localização.

Pautada nos pressupostos da ARS, a base de dados foi organizada a partir da existência de relações bidirecionais, ou seja, entradas e saída dos fluxos financeiros, considerando os atores da rede com os seguintes atributos: dealer, empresa, grupo, forma de apoio do BNDES e candidato/partido. Ao longo desta investigação, foi verificado que as instituições financeiras dealers do mercado de títulos públicos, além de receberam aportes diretos do BNDES para si e para as empresas de seus grupos, atuaram como agentes financeiros intermediários do BNDES Indireto, isto é, foram credenciados pelo Banco para circular os recursos em regiões em que este possuía pouco alcance. Assim, o uso das métricas de centralidade degree (indegree e outdegree) e betweenness possibilitou a investigação da concentração de recursos do BNDES nas empresas vinculadas aos grupos da rede, bem como a análise da intensidade das trocas financeiras comparada à intensidade das doações privadas às campanhas eleitorais.

De modo geral, o degree (indegree e outdegree) apresenta o número de ligações adjacentes de cada ator, implicando em maior ou menor atividade e acesso aos recursos disponíveis. Os atores com múltiplas entradas (indegree) podem ser considerados como proeminentes ou de prestígio, e os com múltiplas saídas (outdegree) podem apresentar grande influência, em função da sua capacidade de interação com os demais atores da rede. O betweenness, indica posição chave na intermediação dos fluxos, sendo calculado a partir das distâncias geodésicas, ou seja, pelo número de vezes em que um ator aparece no menor caminho entre outros dois na rede. Para a construção das matrizes foi utilizado o Ucinet 6 e, para a elaboração dos sociogramas, fornecendo o recurso visual à análise, foi utilizado o Net Draw.

Principais Instituições Financeiras Dealers no Mercado de Títulos Públicos

Sistematizando os resultados da primeira parte desta investigação, realizada a partir da base de dados do Bacen e da STN, a tabela a seguir exibe as principais instituições financeiras dealers atuantes no mercado de títulos públicos brasileiros, considerando o Demab e a Codip, durante os governos Lula, Dilma e Temer. Os dados estão organizados em principais dealers em cada governo; o número de avaliações positivas recebidas, significando maior tempo de credenciamento e maior volume de investimentos; e o total de avaliações positivas considerando o período entre 08/10/2002 e 31/01/2019, a primeira e a última vigência do credenciamento, respectivamente. Importante mencionar que houve fusões, incorporações e compra de instituições financeiras por outras identificadas, como nos casos da aquisição do Banco HSBC Brasil pelo Banco Bradesco em 2016; da fusão dos bancos Itaú e Unibanco em novembro de 2008, concluída em outubro de 2010; da venda do Banco Pactual ao Banco UBS em 2006 e da venda subsequente deste ao Banco BTG Pactual em 2009. Outro aspecto se refere ao início das atividades na Codip, ocorrendo apenas durante o segundo governo Dilma.

Tabela 1
Dealers do Demab (D) e da Codip (C) - Avaliações positivas/governo

Fonte: Bacen e STN. Elaboração própria.

Durante o primeiro governo Lula, as instituições financeiras que atuaram por maior tempo no mercado de títulos públicos foram os bancos Bradesco e do Brasil, contabilizando 14 avaliações positivas cada. O Banco Itaú recebeu 12, e o Banco Pactual (incluindo o BTG Pactual) e a Caixa Econômica Federal receberam 11 cada. Também foram expressivas as participações do Banco Votorantim, com dez recredenciamentos, e do Banco Santander (Brasil) (englobando o Santander e o Santander Banespa) com nove avaliações positivas. De modo geral, ainda que se constate uma relevante atuação do Banco do Brasil e, em menor medida, da Caixa Econômica Federal, houve maior participação das instituições privadas no período.

No segundo governo Lula, o Banco Itaú Unibanco (incluindo o Itaú e o Unibanco) recebeu 16 avaliações positivas, revelando ativa participação. O Banco Bradesco recebeu 14 avaliações, seguido pelo Banco do Brasil com 13, e pela Caixa Econômica Federal e Banco BTG Pactual, com 12 cada. O Banco Citibank recebeu 11 avaliações positivas e os bancos Votorantim, HSBC Bank Brasil e Santander (Brasil) ficaram com nove cada. Houve maior atuação das instituições financeiras privadas no mercado de títulos públicos no período. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, ainda que tenham tido expressivas participações como dealers, ficaram em terceiro e quarto lugar, respectivamente, na classificação do período.  

No primeiro governo Dilma, os bancos Bradesco, do Brasil, Itaú Unibanco, BTG Pactual, Santander (Brasil), Caixa Econômica Federal receberam oito avaliações positivas cada. O HSBC Bank Brasil obteve sete, o Banco Votorantim seis e o Banco Citibank recebeu quatro avaliações positivas. Neste período foi possível observar paridade no tempo de atuação das instituições financeiras públicas e das instituições financeiras privadas.

Já no segundo governo Dilma, as instituições financeiras dealers com maior atuação no Demab foram os bancos Bradesco, do Brasil, Itaú Unibanco, BTG Pactual, Santander (Brasil), Caixa Econômica Federal e Safra, com quatro avaliações positivas cada. Os bancos mais atuantes como dealers da Codip, mercado inaugurado no período pela STN, foram a Caixa Econômica Federal, o BTG Pactual, o Itaú Unibanco e o Santander (Brasil), com três cada. De modo geral, durante o segundo governo Dilma, a Caixa Econômica Federal ganhou posição de destaque junto às demais instituições financeiras privadas. O Banco do Brasil ficou logo abaixo na classificação, mantendo o seu credenciamento na maior parte do período.

No curto período referente ao governo Temer, houve a participação ativa dos bancos Bradesco, do Brasil, Itaú Unibanco, BTG Pactual, Santander (Brasil), Caixa Econômica Federal e Safra com quatro avaliações positivas cada no Demab. Já na Codip, destacaram-se os bancos Bradesco, do Brasil, Santander (Brasil), Itaú Unibanco e BTG Pactual com quatro avaliações cada. Os dados apontaram a retomada da importância dos bancos privados neste mercado.

Principais Instituições Financeiras Dealers e seus Grupos no BNDES

Na continuidade desta investigação, foram identificados os grupos aos quais as instituições financeiras dealers se vinculavam, bem como as empresas que compunham tais grupos ao final de cada mandato presidencial. Com a lista das empresas beneficiadas disponibilizada no sítio eletrônico do BNDES, foram contabilizadas na tabela abaixo apenas as empresas que, vinculadas aos grupos identificados, atuaram junto ao BNDES, recebendo aportes financeiros e/ou intermediando seus recursos. As empresas vinculadas a dois ou mais grupos foram contabilizadas naquele que possuía maior participação em seu capital.

A tabela a seguir indica as principais instituições financeiras dealers em cada governo, o grupo econômico e/ou financeiro ao qual cada instituição se vinculava, o número de empresas que compunham o grupo ao final de cada governo e o número de empresas que receberam algum aporte e/ou que atuaram como agente financeiro intermediário do BNDES.

Tabela 2
Dealers/Grupos - Total de empresas/empresas no BNDES

Fonte: Anuários do Valor Grandes Grupos, CVM, Bacen e BNDES. Elaboração própria.

De modo geral, é possível verificar na tabela uma maior participação das empresas vinculadas aos grupos Votorantim, Itaúsa, Bradesco, BB e Santander junto ao BNDES. Durante o primeiro governo Lula, das 92 empresas do Grupo Votorantim, 14 receberam fomento e/ou atuaram junto ao BNDES. Das 117 empresas do Grupo Itaúsa, seis receberam fomento e/ou atuaram junto ao Banco, das 45 empresas do Grupo BB, quatro, e das 88 empresas do Grupo Bradesco, apenas cinco. Delimitando os atores da rede, foram contabilizados 38 de empresas, incluindo as instituições financeiras dealers, neste período. No segundo governo Lula, houve novamente o destaque das empresas do grupo Votorantim, tendo dez delas atuado e/ou recebido fomento do BNDES. Também se destacou o grupo Itaúsa, com oito empresas e, em menor medida, os grupos Bradesco e BB com cinco empresas cada, totalizando 33 atores no período.

No primeiro governo Dilma, foram identificadas dez empresas do grupo Itaúsa, oito dos grupos BTG e Votorantim, seis dos grupos Bradesco e Santander, e cinco do grupo BB que, incluindo as empresas dos grupos com menor expressão, somaram 47 atores. Já no segundo governo Dilma, foram localizadas sete empresas do grupo Santander, cinco dos grupos Itaúsa e Bradesco e quatro dos grupos Pactual e BB que, somados às empresas dos grupos com menor participação/atuação, totalizaram 29 atores. O governo Temer, apesar da sua brevidade, apresentou a segunda maior rede, com 45 atores, sendo os destaques para o grupo Votorantim, com 25 empresas recebendo aportes e/ou atuando junto ao BNDES e, em menor medida, para o grupo Itaúsa, com seis empresas, e para os grupos Bradesco e BB, com quatro empresas cada.

De modo geral, nesta etapa foram identificadas as empresas financeiras e não financeiras que mais atuaram no mercado de títulos públicos brasileiros e que tiveram relevante participação junto ao BNDES, ou seja, em dois importantes mercados do sistema financeiro nacional. Trata-se dos atores que, inseridos na rede, movimentaram os fluxos financeiros, comprando títulos, recebendo créditos e/ou intermediando os recursos do BNDES. Assim, a investigação do financiamento privado das campanhas eleitorais para presidência se tornou ponto central, indicando ou não a atuação política dos agentes econômicos identificados.

Dealers e seus Grupos no Financiamento Privado de Campanhas Eleitorais

Após a investigação realizada no Repositório de Dados Eleitorais do SPCE, disponíveis no sítio eletrônico do TSE, foram cruzados os dados das empresas identificadas nas etapas anteriores da pesquisa com as planilhas contendo as receitas das campanhas presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014 e seus doadores. Sistematizando os valores das doações realizadas pelas instituições financeiras e empresas vinculadas aos seus grupos, a tabela abaixo apresenta as doações realizadas pelas principais instituições financeiras dealers e pelas empresas vinculadas aos grupos que atuaram junto ao BNDES durante cada pleito, considerando as campanhas eleitorais dos dois principais partidos/candidatos. Para o pleito de 2014, optou-se pela inclusão de duas colunas contendo, em cada uma delas, os valores financeiros doados pelos atores verificados ao final do segundo governo Dilma e ao final do governo Temer.


Tabela 3
Dealers, Grupos, Financiamento privado de campanhas presidenciais (2002, 2006, 2010 e 2014) - Em R$
Fonte. TSE. Elaboração própria. Adaptado de RAIMUNDO (2021). Obs.: As doações aos Comitês, Diretórios e Partidos foram somadas na legenda. * Considerando a composição dos grupos ao final do segundo governo Dilma. ** Considerando a composição dos grupos ao final do governo Temer. *** O Banco Votorantim não se destacou como dealer durante o período, não sendo incluído na tabela.

De acordo com os dados, o Banco Itaú se destacou como a instituição financeira que mais doou às campanhas no pleito de 2002, destinando R$ 2,45 milhões aos dois principais partidos/candidatos. Interessante apontar que durante o primeiro governo Lula, a mesma instituição se destacou como intermediário do BNDES, movimentando cerca de R$ 8,2 bilhões, ainda que tenha apoiado, em maior medida, o candidato do PSDB. Nas eleições de 2006, o Banco Itaú foi novamente a instituição que mais doou às campanhas, com R$ 7 milhões divididos igualmente entre as candidaturas do PT e do PSDB. No segundo governo Lula, a instituição também se destacou por intermediar os recursos do BNDES, cerca de R$ 28 bilhões, fato que nos levou a investigar a sua atuação nos governos Lula, particularmente no Bacen.

Nas eleições de 2010, o Itaú Unibanco se destacou novamente como a maior instituição doadora dentre as analisadas, destinando um total de R$ 8 milhões aos dois principais partidos/candidatos. Durante o primeiro governo Dilma, o mesmo banco se destacou por intermediar cerca de R$ 48,5 bilhões dos recursos do BNDES. O Banco Bradesco doou aos dois principais partidos/candidatos R$ 2,335 milhões e intermediou R$ 36,923 milhões do BNDES.

Já no pleito de 2014, o Banco BTG Pactual assumiu o destaque, doando R$ 15,8 milhões aos dois principais partidos/candidatos. No entanto, durante o segundo governo Dilma, tal instituição não atuou como agente financeiro intermediário do BNDES, sendo a posição de destaque nestas operações assumida pelo Banco Bradesco, sendo cerca de R$ 6,3 bilhões, sem ter feito doações diretas às campanhas eleitorais das duas principais candidaturas. Considerando as empresas do Grupo Bradesco, foram doados em 2014 cerca de R$ 26 milhões, sendo R$ 14 milhões ao PT e R$ 12,525 milhões ao PSDB. O Banco Itaú Unibanco, segundo maior doador em 2014, tendo enviado o total de R$ 8 milhões aos dois principais partidos/candidatos, foi o segundo maior intermediário financeiro do BNDES, movimentando cerca de R$ 6 bilhões. O Banco Itaú Unibanco assumiu novamente o papel de maior intermediário financeiro durante o governo Temer, movimentando a maior parte dos R$ 8 bilhões do BNDES no interior da rede. A seguir, as redes apresentam, para cada período, os dados até então coletados.

Governo Lula 1 (2003 a 2006)

Considerando apenas os fluxos financeiros entre as instituições financeiras identificadas no mercado de títulos públicos e no BNDES, foram adotados o degree e o betweenness como métricas de centralidade. A escolha da relação e de tais métricas se pautou na possibilidade de identificação não apenas da circulação dos recursos entre os atores, mas da intensidade com que tais instituições financeiras, com grande participação no mercado de títulos públicos, atuaram como agentes intermediários dos recursos do BNDES na rede. O papel de agente intermediário, neste caso, confere às instituições financeiras credenciadas pelo BNDES a cobrança de spread bancário, ou seja, uma sobretaxa aos juros cobrados na origem pelo Banco, agregando relativo lucro com a atividade. A intermediação destes recursos dentro da rede sinaliza uma maior concentração de capital nos mesmos agentes.

No período referente ao primeiro governo Lula, o maior indegree, ou seja, a maior entrada dos fluxos do BNDES, foi para os bancos Bradesco, Itaú e do Brasil. Analisando o outdegree, em primeiro lugar foi identificado o Banco Itaú e, em segundo e terceiro lugares, os bancos Votorantim e Bradesco, respectivamente. O Banco do Brasil, ainda que tenha se destacado no indegree, na entrada dos fluxos do BNDES, distribuiu estes fora da rede, tendo apresentado baixo outdegree. Com relação ao betweenness, foram apontados o Banco Itaú, seguido pelo Banco Bradesco e, em menor medida, pelos bancos Votorantim e do Brasil.  Os atores que menos se destacaram foram os bancos Santander (Brasil), Citibank, Caixa Econômica Federal, Pactual, Unibanco, ABN Amro Real, HSBC Bank Brasil e JP Morgan.

Tabela 4
Degree/Betweenness - Dealers na rede de financiamentos do BNDES (2003 a 2006)

Fonte: Elaboração própria, com o auxílio do Ucinet 6.

O betweenness confirma o verificado no degree, indicando os bancos Itaú e Bradesco como os atores que mais captaram recursos do BNDES e os que mais os distribuíram aos atores localizados na rede elaborada, contribuindo com o processo de concentração financeira.

A partir dos dados coletados nas etapas anteriores da investigação foi elaborado o sociograma a seguir, que sistematiza as informações apontadas e possibilitando, no próximo tópico deste artigo, a análise da circulação dos recursos do BNDES e das doações privadas realizadas às campanhas dos dois principais partidos/candidatos do pleito presidencial de 2002.


Sociograma 1
Rede de financiamento do BNDES e financiamento privado de campanhas presidenciais - 2002
Fonte: Elaboração própria. Adaptado de RAIMUNDO (2021)

Governo Lula 2 (2007 a 2010)

No período referente ao segundo governo Lula, a instituição financeira dealer com maior indegree, ou seja, com maior entrada de fluxo financeiro do BNDES, foi a Caixa Econômica Federal. Na métrica outdegree, o destaque foi para o Banco do Brasil, realizando o maior número de conexões com os demais atores e com maior volume de recursos intermediados do BNDES. A Caixa Econômica não se destacou nesta métrica pois, ainda que tenha feito algumas intermediações do BNDES, recebeu grandes aportes diretos do Banco. Com relação ao betweenness, o Banco do Brasil e, em menor medida, os bancos Itaú Unibanco e Santander (Brasil) se destacaram. Isto posto, o Banco do Brasil assumiu a centralidade na intermediação dos recursos do BNDES, contribuindo para a distribuição e para a concentração dos recursos do Banco nas empresas dos grupos inseridos no interior da rede.

Tabela 5
Degree / Betweenness - Dealers na rede de financiamentos do BNDES (2007 a 2010)

Fonte: Elaboração própria, com o auxílio do Ucinet 6.

Importante mencionar que os bancos públicos assumiram relevante papel no país, num momento em que o mundo vivenciava a crise do sistema financeiro internacional, elevando a participação no mercado de crédito brasileiro de 33,7%, em setembro de 2008, para 43,5%, em dezembro de 2009. O Banco do Brasil reduziu a taxa de juros e os spreads bancários, aumentando a participação no mercado de crédito de 17,8%, em setembro de 2008, para 21,2%, em dezembro de 2009. A Caixa Econômica Federal também atuou nesta expansão, em destaque no setor habitacional, saltando a participação neste mercado de 6,6%, em setembro de 2008, para 9,5%, em dezembro de 2009 (MENDONÇA, DEOS, 2010, p. 65).

A partir dos dados coletados nas etapas anteriores desta investigação, foi elaborado o sociograma 2, que sistematiza as informações e possibilitando uma posterior análise da circulação do capital financeiro do BNDES e das doações privadas realizadas às campanhas dos dois principais partidos/candidatos do pleito presidencial de 2006.


Sociograma 2
Rede de financiamento do BNDES e financiamento privado de campanhas presidenciais - 2006
Fonte: Elaboração própria. Adaptado de RAIMUNDO (2021). Obs.: Com relação aos bancos Itaú e Unibanco, os recursos recebidos e as atividades de intermediação financeira foram efetivados, de acordo com os registros do BNDES, pelo Banco Itaú Unibanco S.A.

Governo Dilma 1 (2011 a 2014)

No primeiro governo Dilma, as instituições financeiras com maior indegree foram o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, e, em menor medida, os bancos Bradesco, Santander (Brasil) e Itaú Unibanco. No que se refere ao outdegree, o Banco do Brasil se destacou, seguido pelos bancos Santander (Brasil) e Itaú Unibanco. Com relação ao betweenness, o Banco do Brasil se destacou novamente, intermediando recursos do BNDES, em destaque, às empresas vinculadas aos grupos BTG Pactual e Votorantim. Na sequência, encontramos o Banco Santander (Brasil) intermediando recursos às empresas vinculadas aos grupos Itaúsa e Votorantim, bem como para algumas das empresas vinculadas ao Grupo BTG Pactual.

Tabela 6
Degree/ Betweenness - Dealers na rede de financiamentos do BNDES (2011 a 2014)

Fonte: Elaboração própria, com o auxílio do Ucinet 6.

Seguindo a mesma dinâmica do segundo governo Lula, o Banco do Brasil se destacou na captação de recursos do BNDES e na distribuição destes dentro da rede delimitada. A Caixa Econômica Federal, segundo maior captador, destinou apenas um empréstimo para uma empresa contida da rede. O Banco do Brasil, nesse sentido, seguiu contribuindo com a circulação de capital financeiro na rede, e a Caixa Econômica Federal continuou intermediando os recursos do BNDES às empresas fora da rede, não colaborando com a concentração destes nos mesmos atores.

Com base nos dados coletados nas etapas anteriores desta investigação, o sociograma 3 sistematiza as informações, possibilitando, no próximo tópico, a análise da circulação do capital financeiro proveniente do BNDES e das doações privadas realizadas às campanhas dos dois principais partidos/candidatos do pleito presidencial de 2010.


Sociograma 3
Dealers, rede de financiamento do BNDES e financiamento privado de campanhas presidenciais - 2010
Fonte: Elaboração própria. Adaptado de RAIMUNDO (2021). Obs.: 1) A Cielo S.A. consta nos grupos Bradesco e BB, pois ambos possuem 28,65% das ações; 2) Ainda que o Grupo Bradesco tenha mantido seus investimentos na Vale, segundo Dias (2018, p. 277), o BNDESPar e a Litel Participações (empresa controlada pela PREVI) possuíam, em 2014, 60,52% das ações da Valepar (controladora da Vale). Mas, seguindo a orientação dos materiais consultados, a empresa foi mantida no Grupo Bradesco.

Governo Dilma 2 (2014 a 2015)

No segundo governo Dilma, as instituições financeiras com maior indegree foram os bancos Itaú Unibanco, Santander (Brasil) e Bradesco, recendo grande quantidade de recursos do BNDES. No que se refere à saída, ou seja, ao outdegree, verificou-se o Banco Santander (Brasil) e, em menor medida, o Banco do Brasil intermediando tais valores. Com relação ao betweenness, o Banco do Santander (Brasil) se destacou, intermediando os desembolsos do BNDES especialmente às vinculadas ao Grupo Itausa e, em menor medida, às do Banco do Brasil. Foi verificada a diminuição da centralidade do Banco do Brasil, que passou a intermediar grande parte dos recursos fora da rede delimitada. A Caixa Econômica Federal continuou a intermediar os valores do BNDES fora da rede, sem contribuir para a concentração destes nos mesmos atores.

Tabela 7
Degree/ Betweenness - Dealers na rede de financiamentos do BNDES (2015 a 31/08/2016)

Fonte: Elaboração própria, com auxílio do Ucinet 6.* O HSBC Bank Brasil S.A. foi comprado pelo Banco Bradesco S.A. em agosto de 2015, absorvendo todas as operações do HSBC somente em agosto de 2016.

No período em questão, houve diminuição da intervenção do governo na economia, especialmente em função do arrefecimento dos empréstimos do BNDES com o aumento da taxa básica de juros, estratégia da equipe econômica para o controle da inflação, encarecendo os empréstimos e diminuindo a competitividade dos bancos públicos antes observada.

A partir dos dados coletados nas etapas anteriores desta investigação, considerando o mandato de Dilma Rousseff até a data da sua deposição, foi elaborado o sociograma 4, que sistematiza as informações e possibilitando a posterior análise da circulação do capital financeiro do BNDES e das doações privadas realizadas às campanhas dos dois principais partidos/candidatos do pleito presidencial de 2014.


Sociograma 4
Dealers, rede de financiamento do BNDES e financiamento privado de campanhas presidenciais - 2014/Dilma
Fonte: Elaboração própria. Adaptado de RAIMUNDO (2021). Obs.: A Empresa Estruturadora Brasileira de Projetos S.A. consta nos Grupos BB e Santander, pois ambos possuíam 11,11% das ações da empresa no período em análise.

Governo Temer (2015 a 2016)

No governo Temer, as instituições financeiras com maior indegree foram os bancos Santander (Brasil), Bradesco e Caixa Econômica Federal. Destacaram-se também os bancos Safra e Itaú Unibanco. No que se refere ao outdegree, foram identificados os bancos Santander (Brasil) e Bradesco. A Caixa Econômica Federal fez a intermediação dos recursos do BNDES às empresas fora da rede, assim como o Banco do Brasil. Os bancos Santander (Brasil), Bradesco e, em menor medida, Safra fizeram a intermediação dentro da rede, contribuindo com o aumento do fluxo. Com relação ao betweenness, o Banco do Santander (Brasil) se destacou, intermediando recursos do BNDES às empresas vinculadas aos grupos Itaúsa e Votorantim. O Banco Bradesco intermediou recursos, em boa parte, às empresas do Grupo Votorantim. Houve perda da centralidade do Banco do Brasil e a continuidade da baixa centralidade da Caixa Econômica Federal.

Tabela 2
Degree/ Betweenness - Dealers na rede de financiamentos do BNDES (01/09/2016 a 2018)

Fonte: Elaboração própria, com auxílio do Ucinet 6.

A rede apresentou grande número de atores e conexões resultadas da intermediação financeira. Nesse sentido, houve expressiva concentração dos recursos do BNDES nos atores inseridos na rede. Das 45 empresas na rede, 25 eram do Grupo Votorantim, tendo os grupos Bradesco e Santander intermediado grande parte dos recursos do BNDES às empresas do grupo. No período, houve um especial incentivo às empresas de geração e transmissão de energia renovável, em destaque energia eólica, notadamente vinculadas ao Grupo Votorantim.

A partir dos dados coletados nas etapas anteriores da investigação, considerando o mandato de Temer até a sua finalização, foi elaborado o sociograma 5, que sistematiza as informações e possibilitando a posterior análise da circulação do capital do BNDES e das doações privadas realizadas às campanhas de 2014 aos principais partidos/candidatos do pleito.


Sociograma 5
Dealers, rede de financiamento do BNDES e financiamento privado de campanhas presidenciais - 2014/Temer
Fonte: Elaboração própria. Adaptado de RAIMUNDO (2021). Obs.: A empresa Estruturadora Brasileira de Projeto consta nos grupos BB e Santander, pois estes detinham 11,11% cada do capital da empresa.

A Classe Dominante em Disputa

A partir do levantamento e da organização dos dados, foi possível observar a intensa atuação de um grupo reduzido de instituições financeiras em duas importantes atividades do sistema financeiro nacional: os mercados de títulos públicos e de créditos do BNDES. A atuação proporcionou lucro com as atividades em duas vias, isto é, com o recebimento de juros e taxas incluídas sobre os papéis da dívida pública adquiridos pelos dealers, e com a cobrança de spread bancário na intermediação financeira dos desembolsos do BNDES. Trata-se, desse modo, não apenas da centralização destas instituições nas atividades mencionadas, mas de um processo de acúmulo e concentração de capital financeiro público em grandes instituições financeiras.

A observação acima motivou a verificação da existência de relações entre o direcio-namento e o incremento das doações privadas às campanhas presidenciais realizadas por empresas financeiras e não financeiras e a dinâmica de atuação destas nos mercados de títulos públicos e de créditos do BNDES em cada governo federal, entre 2003 e 2018. Consequentemente, proporcionou uma análise sobre a almejada influência política por agentes econômicos na manutenção de uma possível lógica de cooperação junto ao governo eleito.

De acordo com as medidas de centralidade adotadas e os sociogramas apresentados, as instituições financeiras que realizaram grandes doações às campanhas analisadas foram as instituições que se destacaram na rede durante o governo eleito, como nos casos dos bancos Itaú e Bradesco, investindo em títulos públicos e intermediando os recursos do BNDES aos atores, contribuindo com o processo de concentração financeira nos mesmos agentes. Contrariando este movimento, apenas no segundo governo Lula e no primeiro governo Dilma um banco público, o Banco do Brasil, assumiu a centralidade na rede.

Considerando o volume dos recursos doados às campanhas presidenciais e o volume dos recursos do BNDES intermediados nos governos analisados, no pleito de 2002, o Banco Itaú se destacou como a instituição financeira que mais doou às campanhas eleitorais presidenciais, destinando cerca de R$ 2,5 milhões aos dois principais partidos/ candidatos, conforme dados coletados. Durante o primeiro governo Lula, esta instituição financeira se destacou como o maior intermediário dos desembolsos do BNDES, movimentando R$ 8,137 bilhões, conforme relatórios consultados. Em 2006, o Banco Itaú foi novamente a instituição que mais doou às campanhas dos dois principais partidos/ candidatos à presidência, totalizando R$ 7 milhões. Durante o segundo governo Lula, tal instituição também se destacou por intermediar cerca de R$ 28 bilhões dos desembolsos do BNDES.

Em 2010, o Banco Itaú Unibanco se destacou como a maior instituição financeira doadora, enviando R$ 8 milhões às duas principais candidaturas presidenciais. Durante o primeiro governo Dilma, a mesma instituição se destacou por intermediar cerca de R$ 48,5 bilhões em desembolsos do BNDES. O Banco Bradesco, em segundo lugar, doou às duas principais candidatura R$ 2,335 milhões e intermediou R$ 36,923 bilhões do BNDES.

Como mencionado, no pleito presidencial de 2014, o Banco BTG Pactual se destacou, doando R$ 15,8 milhões aos dois principais partidos/candidatos. No segundo governo Dilma, esta instituição não atuou como agente financeiro intermediário do BNDES, sendo a posição assumida pelo Banco Bradesco, intermediando R$ 6,272 bilhões, sem ter feito doações diretas às duas principais candidaturas. No entanto, as empresas vinculadas ao Grupo Bradesco no período também realizaram doações significativas no pleito de 2014, sendo R$ 14 milhões ao PT e R$ 12,525 milhões ao PSDB. O Banco Itaú Unibanco, segundo maior doador em 2014, enviando R$ 8 milhões às duas principais candidaturas, foi o segundo maior intermediário do BNDES no período, movimentando cerca de R$ 6 bilhões. No governo Temer, o Banco Itaú Unibanco assumiu novamente o papel de maior agente intermediário financeiro do BNDES, movimentando a maior parte dos R$ 8 bilhões no interior da rede.

Importante considerar que o Banco Itaú e, posteriormente, o Banco Itaú Unibanco, se destacou nas doações à candidatura sem êxito do PSDB no pleito de 2002, mantendo relevante articulação do mercado de títulos públicos e na intermediação dos recursos do BNDES durante os governos Lula. No período, Henrique de Campos Meirelles, que possuía relações indiretas com a instituição3 em sua trajetória profissional, foi indicado e nomeado pelo presidente da república como presidente do Bacen. Relação não observada nos governos Dilma, tendo sido indicado e nomeado à presidência do Bacen Alexandre Antônio Tombini, um funcionário de carreira, enquanto o Banco Itaú Unibanco manteve posição de destaque no mercado de títulos públicos e no BNDES. No segundo governo Dilma, o Banco Itaú Unibanco perdeu o papel de destaque como agente financeiro intermediário do BNDES. A recuperação deste papel coincidiu com a exoneração de Tombini por Temer, e com a indicação à presidência do Bacen do Economista Chefe e Sócio do Banco Itaú Unibanco durante os anos de 2009 a 2016, Ilan Goldfajn.

Numa análise possível, Dilma ocupou a presidência da república num momento em que o país vivenciava as consequências da crise financeira mundial, provocando desequilíbrios no atendimento das demandas das frações de classe no bloco do poder. O projeto político neoliberal, vislumbrando na crise maior abertura financeira, sofreu interferência do Estado na economia via bancos públicos, forçando a redução dos juros, e com a manutenção de Tombini no Bacen, interrompendo o mecanismo da porta-giratória, ou seja, a passagem de pessoas ligadas ao mercado financeiro em importantes órgãos do sistema financeiro nacional (FERREIRA, 2005, p. 101).

Em uma possível relação, considerando o contexto de disputa por hegemonia pelos representantes do grande capital financeiro, verificou-se que a retomada da centralidade na rede de financiamentos do BNDES pelas instituições financeiras privadas, em destaque pelos bancos Itaú Unibanco, Bradesco e Santander (Brasil) foi precedida pelo aumento do financiamento privado às campanhas presidenciais por essa fração, especial-mente realizado à campanha da candidatura tucana. À exemplo, no pleito de 2014 foram doados R$ 3,18 milhões a mais à candidatura do PSDB, em relação à quantia doada à candidatura do PT. Porém, verificando o comportamento das empresas dos grupos aos quais as instituições analisadas se vinculavam, esta relação se altera. Em 2014 foram doados R$ 6,676 milhões à candidatura do PT, considerando a formação dos grupos no final do segundo governo Dilma. Desse modo, analisando as empresas vinculadas aos grupos na rede delimitada, houve preferência pelo governo petista, o que parece compensar a desvantagem das doações realizadas pelas instituições financeiras.

O diferente comportamento das instituições financeiras e das empresas vinculadas aos mesmos grupos no pleito de 2014 poderia representar uma disputa entre as frações de classe. No entanto, ainda que Temer, ao assumir a presidência, tenha substituído Tombini por Ilan na presidência do Bacen, o seu governo diminuiu o lastro de empréstimos do BNDES, devolvendo antecipadamente os recursos repassados ao Banco pelo TN em 2009, e substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo pela Taxa de Longo Prazo, equalizando os valores dos empréstimos do BNDES com os empréstimos praticados no mercado, sem atender aos interesses das empresas dos grupos, especialmente as não financeiras. A disputa por hegemonia via processo eleitoral, nesse sentido, poderia estar evidenciando uma relação contraditória e conflituosa no interior dos grupos.

Investigando a área de atuação das empresas doadoras, foi verificado que grande parte se tratava de empresas financeiras, como a Bradesco Capitalização, a Bradesco Leasing, BTG Pactual CTVM, BTG Pactual Asset Management DTVM, J. Safra Corretora de Valores e Câmbio e Safra Leasing. O que poderia ser percebido como uma subfração da classe representante do capital financeiro, trata-se, nesta compreensão, do grande capital financeiro e suas formas de articulação no setor. As doações das empresas financeiras, demonstradas nos sociogramas, o atendimento dos interesses desta fração de classe nas políticas econômicas pelo governo Temer e a intensidade da atuação destas instituições nas redes, em destaque o Banco Itaú Unibanco, exceto entre 2015 e 2016, indica a existência de alguma coordenação entre instituições e empresas financeiras via doações privadas às campanhas eleitorais. Considerando os vultosos recursos financeiros destinado aos dois principais candidatos ao pleito presidencial, pode ter ocorrido doações a todas as possibilidades de êxito de forma coordenada e, a partir desse entendimento, uma possível minoração da orientação política das empresas na escolha do projeto de governo em debate. Tal hipótese poderia ser verificada a partir de estudos específicos sobre o tema.

Ainda que em 2015 tenha sido vedado o financiamento privado de campanhas por pessoas jurídicas, por meio da Lei nº 13.165/2015 (BRASIL, 2015), as doações por pessoas físicas, limitadas a 10% dos rendimentos brutos em relação ao ano anterior ou a bens no total de R$ 80 mil, pode proporcionar o crescimento de uma elite política no país. A busca por candidatos e apoiadores com recursos próprios ou com grande visibilidade midiática pode intensificar o crescimento de uma clientela política e demonstrar a continuidade da importância do dinheiro às campanhas, tornando a dinâmica eleitoral, um dos campos de disputa de hegemonia entre as frações de classe no bloco no poder, ainda mais elitista e classista.

Considerações Finais

Frente à problemática e à investigação apresentadas, foi verificada a existência de relações entre o financiamento privado das campanhas presidenciais ocorridas em 2002, 2006, 2010 e 2014 e a intensidade da atuação destas empresas, em especial das empresas financeiras, em dois importantes mercados do sistema financeiro nacional durante o exercício do governo eleito. O aumento das doações realizadas pelas instituições financeiras, em especial pelo Banco Itaú Unibanco, e empresas destes grupos acompanhou o destaque destas instituições no mercado de títulos públicos, na intermediação dos recursos do BNDES e na concentração destes nos atores das redes dos governos em que os presidentes do Bacen apresentavam vínculos diretos e/ou indiretos com o setor financeiro privado. Desse modo, as eleições podem ser compreendidas como um importante campo de disputa por hegemonia, e o financiamento privado às campanhas eleitorais como um relevante instrumento das frações de classe no bloco do poder, sobretudo da fração representante do grande capital financeiro, para tentar estabelecer, durante os governos eleitos, os seus interesses como prioritários.

Por fim, acredita-se que o artigo tenha contribuído para a ampliação dos estudos sobre as relações entre empresas doadoras às campanhas eleitorais e o grau de atuação destas no sistema financeiro nacional, sobretudo nos mercados de títulos públicos e de créditos do BNDES, além de ter apresentado contribuições sobre o processo de disputa por hegemonia no bloco do poder, em especial a disputa empreendida pela fração de classe representante do grande capital financeiro, por meio da articulação da Análise de Redes Sociais. Tendo o estudo apresentado os seus limites, sugere-se a continuidade da investigação por meio das sugestões e hipóteses passíveis de serem identificadas ao longo do texto.

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Notas

2 Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política, Núcleo de Estudos Sociopolíticos do Sistema Financeiro (NESFI/PPGSP/UFSC), Florianópolis, SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1134-6088.
3 Trata-se da venda de títulos públicos pela média ponderada dos preços das propostas aceitas nos leilões competitivos de ampla participação.
4 Entre 1974 e 2002, Meirelles foi Diretor e Presidente do Bank Boston, controlada pelo Bank of America que, em maio de 2006, trocou os ativos do BankBoston no Brasil, Chile e Uruguai por ações do Banco Itaú S.A.

Autor notes

* Luciana Raimundo. Doutora em Sociologia e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (2021). Pesquisadora junto ao Pesquisadora junto ao Núcleo de Estudos Sociopolíticos do Sistema Financeiro da Universidade Federal de Santa. E-mail: veialatina@gmail.com.


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