DOSSIÊ – A Morte e o Processo de Morrer nas Ciências Sociais
Recepção: 15 Novembro 2022
Revised document received: 09 Fevereiro 2023
Aprovação: 10 Abril 2023
DOI: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2023v28n1e46951
Resumo: Este artigo analisa diferentes práticas de memória entre populações subalternizadas, em sua luta contra a violência e o esquecimento. Para isso, observamos os processos de produção de três homenagens mortuárias, mas também de vandalização e/ou destruição de algumas delas, erigidas por instituições e/ou movimentos sociais. Destacamos a forma como a necropolítica direcionada às populações racializadas e subalternizadas da cidade aparece como elemento central na configuração das formas de lembrança. Dentre as homenagens identificadas na pesquisa, foram escolhidas para a presente reflexão: o conjunto de estátuas em homenagem aos estudantes mortos, no que ficou conhecido como “Massacre de Realengo”; as inscrições realizadas no local onde a vereadora Marielle Franco foi emboscada e assassinada; e o monumento erguido em homenagem aos assassinados na chacina do Jacarezinho. Atentamos, particularmente, às diferenças na forma como a memória é expressa no espaço, a depender do envolvimento e dos objetivos dos agentes memoriais. Argumentamos que, na atualidade, as materialidades são centrais para a compreensão das práticas memoriais em análise, com destaque à agência dos objetos e dos grupos sociais subalternizados. Concluímos que, por sua particular posição sociopolítica, tais grupos sociais e suas práticas de memória oferecem uma oportunidade histórica para a defesa dos direitos humanos e da justiça memorial.
Palavras-chave: Memória mortuária, Justiça memorial, Necropolítica, Direitos humanos.
Abstract: This article analyses different memory practices among subalternized populations, in their struggle against violence and forgetfulness. We thus observed the processes toward the production of three pieces of mortuary homage, as well as vandalization and/or destruction of some among them, erected by social movements and/or institutions. We highlight how necropolitics against the racialized and subalternized populations of the city appears as a foremost element in their forms of remembrance. Among the homages identified in the research, three were selected to stage this discussion: the statues in honor of the fallen students, in what became known as the 'Realengo Massacre'; the inscriptions made on the site where the late Councilor Marielle Franco was ambushed and assassinated; and the monument in honor of the victims of the 'Jacarezinho Massacre'. We pay particular attention to how memory is expressed in space, depending on the involvement and the objectives of memory agents. We argue that materialities are currently a cornerstone to understanding the memory practices under analysis, particularly with regard to the agency of concerned objects and subalternized social groups. We conclude that such groups, owing to their specific socio-political circumstance, offer a historical opportunity for the defense of human rights and memorial justice.
Keywords: Mortuary memory, Memorial justice, Necropolitics, Human rights.
Introdução
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Carlos Drummond de Andrade, A Flor e a Náusea.Este artigo trata de flores feias, de homenagens que, como a planta do poema, rompem o silêncio sufocante das ruas para justiçar a memória dos que não podem mais fazê-lo. Em outras palavras, discutimos práticas de memória social entre populações subalternizadas, em sua luta contra a violência necropolítica, particularmente, na cidade do Rio de Janeiro (FARIAS, 2007, 2014, 2015; MBEMBE, 2008, 2014). O foco se detém em três homenagens mortuárias, mas também de vandalização e/ou destruição de algumas delas, erigidas por instituições e movimentos sociais que denunciam a violência e, em particular, a necropolítica direcionada às populações racializadas e subalternizadas da cidade, disputando sentidos e espaço, mesmo que de maneira assimétrica. (MBEMBE, 2014). Dentre os vários meios de memória mortuária identificados na pesquisa, foram escolhidos para a presente reflexão os seguintes: o conjunto de estátuas em homenagem aos estudantes mortos, no que ficou conhecido como “Massacre de Realengo”, ocorrido em 7 de abril de 2011; as inscrições realizadas no local onde a vereadora Marielle Franco foi emboscada e assassinada, em 14 de março de 2018; e o monumento erguido em homenagem àqueles que foram assassinados em operação policial na favela do Jacarezinho, erguido em 6 de maio de 2022, e destruído pela polícia, cinco dias depois. Vale frisar que as reflexões constantes neste artigo partem de materiais de pesquisa e análises que vem sendo desenvolvidas há alguns anos, com proposta de mapear grafismos, monumentos, inscrições na cidade do Rio de Janeiro, que manifestem reivindicações e homenagens, assim como os impactos e ressonâncias produzidos por estas intervenções na paisagem urbana (BAPTISTA, 2023; BIZARRIA; GOMES, 2022; GOMES; BIZARRIA; BAPTISTA, 2022).
A temática da morte, nesta análise, está inscrita nos processos de epistemicídio, etnocídio e genocídio (NASCIMENTO, 1978; SANTOS, 1997, 2009) que regem o “contrato racial” (CARNEIRO, 2005, p. 96) no Brasil, impondo formas de lembrar a diferentes atores sociais, dependendo do lugar social que ocupam. Nos casos abordados neste artigo, a morte e o morrer ocorrem "antes e depois dos tiros" (PAZ; LIMA, 2021). As reações violentas contra homenagens realizadas à vereadora Marielle Franco e às pessoas assassinadas na chacina do Jacarezinho, por meio de grafismos e monumentos no espaço público, são aspectos decisivos da administração de corpos, imagens e memórias das populações negras e periféricas no país. De certa maneira, no caso ocorrido em Realengo, a própria tentativa de representação aparece como uma espécie de congelamento, desenvolvendo novas formas de presentificação – dado o aspecto imprevisível da tragédia. O dispositivo da racialidade, que determina quem se deve “fazer viver e deixar morrer” (FOUCAULT, 1997), assim como aqueles de quem a vida é (ou não) passível de luto (BUTLER, 2009), sempre esteve marcado por negação, intimidação, silenciamento e apagamento, enfeixando políticas do esquecimento contra certos grupos sociais.
Estamos diante da temática da morte e do morrer, que é fundante nas ciências sociais, sendo seu caráter coletivo expresso por rituais, celebrações, e pela circulação de narrativas e objetos do luto (MAUSS, 1981; PINA CABRAL, 1984). Os grafismos e monumentos realizados como homenagem mortuária a determinados atores sociais extrapolam o teor individual da ação: estão no espaço público, intensamente disputado, e podem, sob determinadas circunstâncias, se tornar elementos centrais da cidade como paisagem cultural (COSGROVE; JACKSON, 1987; JONES, 2003).
Desta maneira, os objetos materiais em tela são passíveis de análise a partir de suas biografias culturais, diante da complexidade de suas trajetórias, compostas por atores, eventos e dramas sociais (GONÇALVES, GUIMARÃES, BITAR, 2013; KOPYTOFF, 1986; TURNER, 1980), um risco para as memórias hegemônicas que se instalam nestes contextos. Não à toa sofrem vandalismo, em diferentes níveis na escala das destruições de imagens e objetos, tensionando as regras e visibilizando as iniquidades e desigualdades. Tomando como comparação imagens e objetos sagrados, observamos que as homenagens analisadas funcionam como expressão simbólica identitária, já que “organizam (na medida em que são categorias materializadas) a percepção que os grupos sociais têm de si mesmos” (GONÇALVES, 2007, p. 27).
Com efeito, tais imagens e objetos são feitos justamente para representar lutas coletivas, para fazer com que o luto vivido se expanda como luta social. Atuam como sujeitos que enunciam, comunicam, denunciam e visibilizam práticas de exclusão e desigualdades sociais. As homenagens mortuárias que remetem a casos de mortes violentas por ações armadas, impingidas por políticas de Estado – ou, em determinadas ações, não imediatamente estatais, como em Realengo – ampliam o período do luto, no qual os atores sociais experimentam uma suspensão da vida social cotidiana, em busca de um desfecho, que pode não vir, e que se torna lema das resistências: "luto é verbo". Van Gennep (2012, p. 129), em seu texto clássico sobre os ritos de passagem, identifica duas variáveis centrais do luto: a proximidade/tipo de vínculo, e o status social do morto.
Em termos históricos, nota-se que a própria memória mortuária surge como privilégio de elites políticas ou hieráticas, enquanto os corpos das camadas mais baixas da sociedade eram relegados ao esquecimento, à escassez de ritos e homenagens públicas. No limite, eram depostos nas chamadas “fossas dos pobres”, valas comuns para corpos não identificados (ARIÈS, 2012, p. 46). Portanto, morrer não confere equidade, simplesmente por ser “a única certeza da vida”, já que se perpetuam desigualdades na forma, nos rituais, nos locais e nas homenagens aos que morrem. O silenciamento produzido pelas covas comuns, coletivas, sem lápides, se perpetua em práticas como destruir homenagens mortuárias erigidas por grupos taxados como periféricos, como corpos matáveis, com o intuito de transmitir e perpetuar não só a memória das mortes violentas, mas reivindicar o direito à memória e à própria vida.
Bruno Latour traz algumas perguntas que podem nos ajudar a refletir sobre as relações entre a administração necropolítica e a destruição de imagens/objetos: “Por que as imagens têm atraído tanto ódio? Por que elas sempre voltam a retornar, não importa o quanto queiram livrar-se delas? Por que os martelos dos iconoclastas sempre parecem bater obliquamente, destruindo algo além, que parece, a posteriori, importar imensamente?” (LATOUR, 2002, p. 17). Os acontecimentos que envolveram(em) os grafismos dedicados a Marielle Franco, e os monumentos dedicados à populações periféricas, como é o caso do Jacarezinho, comportam tais reações, de ódio e destruição, mas também de resistência, produzindo múltiplas ações e reações materiais e simbólicas, como a feitura e restauração dos grafismos. Fazer (grafitar e edificar), destruir e restaurar (resistir) são ações que expressam essas questões.
Os casos analisados evocam a complexidade do morrer em contexto de desigualdade racial e social, no qual os meios de memória insurgentes, materiais e imateriais, são impelidos à invisibilidade e ao desaparecimento. Em contrapartida, nota-se que as homenagens mortuárias em casos de violência ganham relevância na construção de uma memória coletiva da dor, do luto e da resistência. Esses locais apresentam e exibem as tensões sociais, mas também comportam aspectos de sacralização ao se tornarem, em muitos casos, altares urbanos, passíveis de proteção e devoção. Em outro artigo (BIZARRIA; GOMES, 2022), observou-se que homenagens mortuárias configuram-se como parte de um conjunto de objetos que podem ser denominados altares urbanos, e são capazes de intervir na paisagem cultural e no tecido urbano nas regiões em que sejam erigidos. Ao produzi-los, afirma María Ana Portal, “os habitantes preenchem o espaço com elementos simbólicos e afetivos que lhes façam sentir-se protegidos”, como parte de “estratégias culturais para reapropriar-se de locais específicos da cidade” (PORTAL, 2009, p. 66, grifo da autora, tradução nossa). Para o momento, abordaremos três casos exemplares que, no entanto, não são os únicos que emergiram no cenário e na paisagem do Rio de Janeiro. O objetivo é evidenciar a emergência de homenagens mortuárias provenientes de movimentos sociais que reivindicam a visibilização e a ocupação do espaço público por meio da feitura de grafismos, inscrições e objetos memoriais, que denunciam a violência impingida a segmentos sociais silenciados, invisibilizados. É da maior urgência, portanto, que pesquisas futuras se voltem às biografias culturais desses artigos objetos de memória mortuária em seus clamores por justiça memorial (KOPYTOFF, 1986).
Monumento em Realengo
Localizada entre ruas calmas do bairro de Realengo, a Praça Anjos da Paz quase passa despercebida por quem percorre o local. Não fossem as 11 esculturas de bronze erigidas na esquina das ruas Jornalista Marques Lisboa e Almirante Clemente Pinto, não haveria vestígios da tragédia ocorrida em 7 de abril de 2011. A praça ganhou esse nome a fim de homenagear as vítimas do episódio que ficou conhecido como “Massacre de Realengo”, ocorrido na escola Tasso da Silveira, quando um ex-aluno atirou em diversos estudantes deixando doze adolescentes mortos. As esculturas, que ocupam uma área de cerca de 31,5 m², estão fixadas num jardim ao lado da escola, reformado após o massacre. O caso foi massivamente veiculado pela mídia e o que sabemos sobre o atirador, ou as razões que motivaram o crime parecem acrescentar ainda mais comoção ao caso. A interação com tais esculturas se dá pela intrínseca relação que produziram na memória do bairro se tornando um símbolo homônimo, que ao contrário do “Alô, alô Realengo Aquele Abraço”, referência primária ao se mencionar o nome do bairro, também o massacre passou a conImagemr enquanto lembrança imediata quando se fala em Realengo (BAPTISTA, 2023).
Como indicam as matérias jornalísticas publicadas à época, Wellington Menezes de Oliveira era um jovem de 23 anos que havia estudado na escola anos antes. A tragédia ocorreu logo pela manhã, por volta das oito e meia, quando Wellington entrou dizendo que precisava de seu histórico escolar. De acordo com a matéria do Jornal Folha de São Paulo (08/04/2011), durante o ataque, o atirador recarregou nove vezes a arma. Felipe Ettore, delegado titular do caso, disse à Folha que foram encontradas 62 cápsulas de calibre 38 na escola, todas da mesma arma, além de seis "speedloaders", um instrumento conhecido por ajudar a recarregar armas com mais rapidez. Ainda na reportagem da Folha, uma das sobreviventes relata que o atirador mirava na direção das meninas, tendo como alvo, a cabeça. Naquele dia Karine, Laryssa Martins, Milena, Gessica, Bianca, Mariana, Luiza, Laryssa Atanázio, Ana Carolina, Rafael, Igor e Samir, perderam a vida.
O monumento aqui analisado, aparece como um caso representativo das perdas de pessoas pela violência no Rio de Janeiro, ainda que não necessariamente perpetrada pelo Estado, mas destacamos sua emergência enquanto homenagem mortuária a "anônimos", periféricos que se expressam no espaço, visibilizando o luto coletivo e a violência sofrida. A crueldade do acontecido, seu contexto, a faixa etária e a vulnerabilidade das vítimas, fez com que o caso ganhasse grande repercussão nacional. Durante semanas, o bairro de Realengo aparecia na mídia e nos jornais como sinônimo de tragédia. Em algumas reportagens a frase “massacre que chocou o Brasil” aparece com frequência. Diferentemente dos outros casos discutidos neste mesmo artigo, onde se questiona a própria forma de lembrança e perenidade da presença da morte justificável nos discursos sobre as vítimas, no caso de Realengo, a comoção que seguiu o caso configurou de forma quase unânime que todas as mortes eram injustificáveis, fruto apenas da intenção de um sujeito, não ocorrendo enquanto retaliação política ou violência implicada pelo estado.
O Brasil, apesar do histórico de extermínio de jovens favelados e periféricos – como nas chacinas da Candelária e a mais recente, do Jacarezinho – não possuía familiaridade com os assassinatos em massa em espaço escolar, tão comuns em países como os Estados Unidos da América, por exemplo. Há poucos casos relatados de sujeitos movidos por força religiosa, política ou ódio que tenham disparado a esmo em lugares públicos em nosso país. Talvez, a falta de familiaridade com uma situação limite como essa possa ser, também, um dos fatores determinantes nas dinâmicas do lembrar que seguiram após a tragédia. Em certo sentido, essa mesma comoção e sensação de morte injustificável é o que leva às diferentes controvérsias que seguiram a instalação do memorial.
Na praça Anjos da Paz, citada acima, há, atualmente, um grande muro de azulejos, erguido como forma de “vislumbre de futuro”. O memorial representa o que se poderia “aprender” com a tragédia. Considerando que uma das principais motivações do crime seria o bullying sofrido pelo atirador, a presença das palavras: “sonhar”, “expressar” e “crescer”, entre outras, exemplifica o desejo de que a escola seja um lugar mais inclusivo e acolhedor, para que outras tragédias como essa não aconteçam. O mural, em sua forma material, não gerou grandes controvérsias, apresentando também mensagens escritas por estudantes em cada um dos pequenos azulejos brancos que o compõem. Construído ao lado da escola, foi uma forma de elaborar o trauma do atentado junto àqueles que sobreviveram, almejando um novo senso de comunidade a partir da fissura provocada pelo ocorrido. Já o memorial de esculturas de bronze, instalado cerca de 4 anos depois da tragédia, não desfruta do mesmo consenso por parte dos moradores. Em diversas reportagens da época, pode-se perceber que sua instalação foi alvo de diversas discussões e controvérsias entre os pais e mães das vítimas da tragédia, vizinhos ao local, e o poder público.

Apesar da reivindicação das famílias, de que o memorial fosse instalado em um local de ampla circulação (FORTES, 2015), a prefeitura terminou por escolher o próprio terreno ao lado da escola, região muito menos central no bairro, para sua instalação. Inaugurado em 17 de setembro de 2015, o memorial foi erigido com 11 estátuas de bronze construídas em tamanho real, representando cada um dos estudantes assassinados. A peça teve um custo de aproximadamente 1,2 milhões. A artista escolhida para a construção da obra, Christina Motta, é conhecida, também, pela autoria de outras obras do mesmo tipo: estátuas realistas feitas de bronze. É o caso, por exemplo, das estátuas da atriz Brigitte Bardot, localizada na orla de Búzios (RJ), e a do ambientalista Chico Mendes, em Rio Branco (AC).

Em matéria da Folha de São Paulo (FANTI, 2015), os diversos relatos de moradores e vizinhos do local tornam evidente que a escolha do realismo enquanto técnica artística, bem ao contrário da lembrança harmoniosa que poderia provocar, gerava o choque de perceber que a morte seria ali eternizada através de uma representação material semelhante aos corpos que haviam sido levados e também pela escolha de um material tão perene quanto o bronze. Até o momento dessa pesquisa não foram encontrados indícios de que a população tenha sido consultada ou tido qualquer participação na escolha da artista e da estética utilizada para homenagear as vítimas. Um dos estudantes Marcus Vinícius Nunes, que escutou os tiros no dia da tragédia, relatou à jornalista Bruna Fantti, que o memorial o faria “relembrar o que ocorreu todos os dias”, completando com: “A gente já superou”. Outra moradora, Teresa Silva, que inclusive começou um abaixo-assinado para que a instalação do memorial fosse cancelada, em entrevista à jornalista, relata: “Serei obrigada a ver gente morta da minha janela.”
As duas opiniões expostas acima, tanto da moradora vizinha à praça, quanto do estudante, expõem as diferentes formas como lembrança e esquecimento operam no caso de uma tragédia como essa. Por um lado, como já nos adverte Pollak (1989), há lembranças que são tão dolorosas que desejam permanecer silenciosas, causando grande desconforto quando são expostas de forma pública. O “a gente já superou” de Marcos, entre outros objetivos, denota o esforço de silenciar tais memórias, sob a tensão de que, se expostas de forma permanente, possam provocar não o efeito proposto, de mitigação do trauma, mas o oposto, de reforço cotidiano da dor.
No relato da moradora Teresa, fica evidenciado que as dinâmicas de memória instauradas pelas estátuas também são potencializadas pela decisão formal e material da artista para compor a obra. A escolha por uma representação o mais próxima do real possível dificulta a dissociação do corpo-estátua enquanto corpo morto e não corpo vivo, como as dinâmicas da lembrança frequentemente desejam evocar. Se o objetivo da instalação de memoriais como esse é trazer a presença da ausência, nesse caso, segundo Teresa, os corpos expostos trazem a lembrança da morte e não da vida.
Segundo a artista, Christina Motta, selecionada pelo poder público para executar o memorial, a escolha de representar os estudantes usando livros, bolas de futebol e mochilas como degraus, tinha o objetivo de trazer elementos da infância. As esculturas, que foram criadas a partir de fotografias entregues pelas famílias, e que aparecem com o uniforme da prefeitura, estão em poses que, segundo a artista, seriam um jeito de “sair do óbvio”. Os estudantes aparecem representados “correndo”, todos posicionados num mesmo sentido, levitando, como se estivessem “indo em direção ao céu” (ALFANO, 2015).

Para Adriana da Silveira, mãe de Luiza, uma das vítimas, é importante que as estátuas sejam construídas não apenas como impedimento ao esquecimento, mas como um mecanismo de combate à violência. Adriana também ressalta que essa homenagem ajuda a dar sentido a tudo que aconteceu: “é um pequeno consolo”. O relato da mãe ajuda a pensar memoriais mortuários como espaços de lembrança que possuem características compartilhadas por ritos fúnebres e religiosos. Como vemos na imagem a seguir, até hoje, mais de 10 anos depois da tragédia, flores frescas são colocadas aos pés das estátuas, algo semelhante ao que ocorre em lápides funerárias. Vale dizer que o caráter de altar está aqui notabilizado, a materialidade sustenta a continuidade da memória de vivos e mortos, em um aspecto semelhante ao que ocorre com a interação/devoção às imagens de santos, apontado por Menezes (2004). Como na foto acima, as flores foram postas na base da estátua evidenciando reciprocidade, devoção, e continuidade da relação entre vivos e mortos.

A semelhança dos ritos, de certa forma, torna aparente que a crítica da moradora Teresa – sobre ver “mortos da sua janela” – aparece justificada na forma ritual que se sucedeu à instalação das estátuas. Segundo Cristina Motta, entretanto, esse desconforto vivenciado por Teresa se dá porque “pessoas de baixa renda não estão acostumadas com esculturas” (FANTTI, 2015). A fala da artista revela o caráter extremamente classista que essa forma de expressão escultórica evoca, em oposição a outros meios de memória exigidos pela população, como as apresentadas em outros episódios descritos nesse artigo. Nesses casos, a forma, a materialidade, o sentimento provocado naqueles que compartilham o espaço em que está instalada, é fator essencial na escolha do suporte memorial a ser criado.
A representação realista corrobora um congelamento que pode provocar diferentes sensações ao espectador, desde conexão afetiva, ao temor da lembrança4. O número de estátuas, diferente do número de vítimas, por exemplo, se deu porque uma das famílias não permitiu que sua filha fosse representada no monumento. A vítima Ana Carolina Pacheco, aparece sob a forma de uma borboleta, pois, segundo a família, no dia de sua cremação, uma borboleta azul pairava sobre o ambiente. A forma escolhida para a representação de sua filha no memorial portanto foi simbólica, ao contrário do realismo dos outros estudantes.

Em trabalho realizado por Luciana Santos (2016) sobre a retomada das atividades da escola Tasso da Silveira, a autora narra o impacto que a chegada das estátuas gerou na comunidade escolar: as peças estavam envoltas em sacos pretos, fato que remete à forma como os corpos usualmente são envolvidos em caso de morte. Os moradores do entorno também se sentiram afetados, relatando “o incômodo provocado pelo monumento, porque sua colocação na praça não tinha sido discutida com a escola nem com a comunidade, que têm de conviver com os símbolos do evento todos os dias” (SANTOS, 2016, p. 136). A presença do memorial é compreendida como um motivo para que a escola não retorne à normalidade.
Como observado acima, diversas são as tensões existentes quando se trata da instalação de memórias mortuárias no espaço público, mesmo no caso de mortes violentas não ocorridas por força do Estado, o elemento do extermínio, do assassinato, a lembrança dos corpos vítimas de violência extrema faz com que diferentes reações emerjam, influenciando a relação entre espectador e monumento.
Marielle: Meia Parede, Meio Monumento
A vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018, está lembrada em uma variedade de homenagens materiais e performáticas cujo elenco excederia rapidamente os limites deste artigo. Sua memória se tornou um ponto nodal de tensões sociopolíticas que se avolumaram, no Brasil, ao longo dos anos 2010, confluindo para um embate entre biografia e antibiografia – esta última de caráter apócrifo, posta em marcha por atores sociais ligados à extrema-direita e àquilo que Schirmer e Dalmolin (2018) denominam “ódio biopolítico”. A destruição e restauração de artigos de arte mortuária consignados à vereadora é, igualmente, um importante capítulo da violência política e da (in)justiça memorial no Brasil contemporâneo (BIZARRIA; GOMES, 2022). Sugerimos acrescentar ao debate a conjugação particular de monumentalidade e antimonumentalidade, que caracteriza o local onde a vereadora e sua comitiva foram emboscadas.

Argumentamos que o local da emboscada não foi apenas uma oportunidade que se apresentou aos assassinos, mas o fruto de uma escolha meticulosa de sua parte. O cruzamento das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I ocupa um lugar bastante central na paisagem do Rio, no bairro do Estácio. Junto à estação homônima do metropolitano e a um grande parque público, o local é uma das principais conexões entre o centro da cidade e o bairro da Tijuca, onde a vereadora vivia. Seu veículo foi interceptado na faixa esquerda da avenida e atingido com precisão ao menos nove vezes, sem que nenhum dos projéteis atingissem a calçada ou a meia parede que margeiam aquele trecho da avenida. Em clara prevaricação, equipes estaduais e federais de investigação ignoraram a única sobrevivente do atentado, além de, pelo menos, seis testemunhas oculares. Ademais, e em que pese a visibilidade do local, as câmeras de segurança da prefeitura estavam convenientemente desligadas desde a véspera do atentado (SIQUEIRA, 2018).
Enquanto as cercanias da emboscada acumulam dezenas de intervenções artísticas e grafismos diversos em homenagem a Marielle Franco e Anderson Gomes, até mesmo com clamores do Partido Socialismo e Liberdade e várias organizações de militância negra e LGBTQIA+ para que a prefeitura desse à avenida o nome da vereadora, parece haver certo consenso, entre as redes do grafite carioca, mesmo após vários eventos de inscrição, de que a meia parede não é um local adequado para trabalhos mais elaborados. Esse consenso não está determinado pelas características do suporte, mas por uma estratégia específica de visibilização do local exato da emboscada, a partir da antiarte e da antimonumentalidade.
Com efeito, a análise rigorosa de grafismos e peças de arte urbana deve renunciar a qualquer pretensão de tecer juízos de valor estético sobre os objetos de análise, mas é evidente até mesmo à observação casual que as inscrições e o estado da meia parede possuem características forte e deliberadamente antiartísticas, marcando aquela região do tecido urbano como um local de luto e trauma coletivo (ASSMANN, 2011). Assim, em meio ao que se tornou, efetivamente, uma galeria de arte de rua em prol da memória negra e LGBTQIA+, mediada pelos epigrafados, a meia parede funciona como uma espécie de ferida pública. Trata-se de um substituto dos corpos de Marielle Franco e Anderson Gomes, como se eles tivessem permanecido, porque insepultos, inesquecíveis, testemunhos materiais da iniquidade do Estado e da putrefação do regime sociopolítico.
Essa exibição ritual do corpo violado acompanha a formação política do ocidente, desde o mito latino do rapto de Lucrécia e da rebelião cívica que teria originado a República Romana, até o Mississippi, em 1955, quando a família do adolescente Emmet Till, mutilado e assassinado aos 14 anos, decidiu realizar o velório com o caixão aberto, em ato público, na alvorada do movimento pelos direitos civis (Civil Rights Movement), nos Estados Unidos (BIZARRIA, 2015, 2019; HAROLD; DE LUCA, 2005). Ao enfrentarmos a visão da meia parede de Marielle Franco e Anderson Gomes, e das inscrições que se acumulam sobre aquele altar urbano, podemos reconhecer elementos desse drama social (TURNER, 1980), além de elementos de religião implícita (BAILEY, 1990, 2010; SCHNELL, 2012).
Algumas das inscrições clamam pela dissolução das polícias militares, denunciando sua existência como instrumento do genocídio do povo negro (NASCIMENTO, 1978), continuadores dos grupos de extermínio que atuaram, desde a Ditadura Militar (1964-1985) e além dela, como auxiliares oficiosos do regime (ALVES, 2003; LIMA, 2016). Abundam ainda outras, que levantam a responsabilidade do Estado brasileiro – “Quem mandou matar Marielle?”, pergunta um estêncil. Outras inscrições surgem como gritos de guerra, para sustentar o moral da militância, enquanto ainda outras, em número menor, aparecem como estênceis de intimidação inspirados pelo discurso de uma pequena – mas feroz – congregação pentecostal, conhecida pela frase “Bíblia sim, Constituição não!”, frequentemente encontrada em locais da cidade associados ao patrimônio afro-brasileiro, ou que por outro modo ofendam uma certa concepção de moral privada (BOERE, 2018; BORTOLETO, 2015).
Há, porém, três inscrições em homenagem a Marielle Franco que evidenciam características decisivas de uma incipiente soteriologia e de um culto dos mártires na religião implícita da militância negra, periférica e subalternizada do Rio de Janeiro. Os estênceis “Marielle vive!”, “Marielle presente!” e “Marielle floresce!” sugerem uma crença e uma práxis de memória social por meio das quais os mártires passam da morte para uma vida coletiva de resistência sociopolítica, acionando uma dimensão sacrificial da morte e do luto.
Monumento e Destruição no Jacarezinho
As considerações a seguir voltam o olhar para a Favela do Jacarezinho, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, articulando as dimensões memoriais da resistência às teias de violências que atravessam as populações dessa região. O memorial em análise recordava as vinte e oito vítimas da chacina decorrente do primeiro ano da Operação Exceptis – ocorrida durante o primeiro mandato do governador Cláudio Castro, em 6 de maio de 2021. A operação, em uma encruzilhada de restauração neoliberal, fascismo social e capitalismo racial, denota a existência de um governo marcial de fato, instalado contra determinados grupos sociais – cujos direitos à memória e à ocupação do espaço público são violados de forma rotineira e sistemática (BIZARRIA, GOMES, 2022; GOMES, BIZARRIA, BAPTISTA, 2022; CARNEIRO, 2005; MELAMED, 2015; MILAN, 2016; SANTOS, 2010).
Nosso objeto de análise é uma pequena estela mortuária que foi erigida pelos moradores como forma de homenagear as vítimas por ocasião do primeiro ano da chacina5. Trata-se de contramemória material e espontânea, criada pela própria população. Observamos que estes movimentos de erigir inscrições, monumentos e objetos no espaço público aspiram a uma certa forma de justiça memorial. Por vezes, esses gestos passam despercebidos e subterrâneos; mas, ocasionalmente, também alcançam as proporções de altares urbanos. No caso da estela do Jacarezinho, a homenagem, provavelmente, teria alcance restrito, limitado à comunidade de moradores e familiares das vítimas. Argumentamos que sua publicidade decorre da brutalidade institucional de sua retirada.
A operação que culminou na chacina, começou por volta de 06h45, na manhã de quinta-feira. Durante todo o dia era possível ver, nos diversos veículos de comunicação, imagens de casas reviradas, corpos inertes. Imagens fortes, de sangue jorrado dentro das casas e nas ruas, não deixavam dúvidas sobre o caráter deliberadamente superlativo da ação. As imagens que correram o mundo, são também uma forma de testemunho, evidenciando a irretorquível necrofilia do Estado brasileiro. A operação entrou para a história como o segundo maior morticínio já registrado no estado do Rio. Nenhum veículo de imprensa teria condições de capturar a intensidade do que ocorreu naquele dia aparentemente cotidiano, que repetia as diversas incursões da polícia “pacificadora” às favelas e periferias do Rio de Janeiro (FRANCO, 2014).
A intensidade do que ocorreu naquele dia, entretanto, não poderia ser apreendida por imagens. Aparentemente, “um dia como qualquer outro”, mas que repetia, afinal, a forma de atuação das diversas incursões da polícia “pacificadora” às favelas e periferias do Rio de Janeiro (FRANCO, 2014). Moradores indignados contam que a maioria das vítimas não tinha relação com negócios ilícitos na região do Jacarezinho, contrastando com as afirmações da polícia. Mesmo o vice-presidente do país, General Hamilton Mourão, chegou a dizer: “tudo bandido”, ratificando a narrativa de que seriam todos “traficantes de drogas” (OLIVEIRA; BETIM, 2021).
Um ano depois da chacina, integrantes do “Observatório Cidade Integrada” (NOTA..., 2022) ergueram um monumento em homenagem aos vinte e oito mortos daquele dia, todos moradores, à exceção de um policial civil. O memorial foi construído sobre uma ponte, em um dos rios que corta a região. Sua inauguração contou com a participação de representantes de organizações civis, moradores, familiares das vítimas, parlamentares, religiosos e diversos coletivos culturais atuantes na região. Nesse dia foi instalada uma pequena estela mortuária, na qual foram afixadas plaquetas com os nomes dos mortos. Na placa principal, constava a seguinte frase: “Homenagem às vítimas da chacina do Jacarezinho! Em 06/05/2021, 27 moradores e um servidor foram mortos, vítimas da política genocida e racista do Estado do Rio de Janeiro, que faz do Jacarezinho uma praça de guerra, para combater um mercado varejista de drogas que nunca vai deixar de existir. Nenhuma morte deve ser esquecida. Nenhuma chacina deve ser normalizada”.
A inauguração teria passado despercebida pela maioria da população se em onze de maio de 2022, amparados pelo veículo blindado de guerra, o “caveirão”, policiais civis não tivessem derrubado o monumento. Além de se basear na justificativa de se tratar de uma construção irregular, a polícia se apressou em configurar a homenagem como “apologia ao crime”. Em nota, o Observatório Cidade Integrada (NOTA..., 2022) afirma que “todos são vítimas dessa ação do Estado, incluindo policiais que arriscam suas vidas em operações contra a chamada “guerra às drogas”, que só têm como foco territórios pobres e negros”. A nota também afirma que “Enquanto a violência for a única resposta do Estado às populações vulnerabilizadas, a sociedade civil continuará se articulando em prol dos direitos humanos para defender estes espaços”. Por fim, consta que “todas as vidas importam e que o Memorial foi uma forma de direito à memória para as famílias que perderam seus filhos”.
As regiões de periferia do Rio de Janeiro são frequentemente usadas como zonas de teste, na produção de formas prototípicas de controle sociopolítico. Embora esse regime de força atue sobre todos os estratos sociais, nesses territórios, o Estado brasileiro vem experimentando diversas rotinas e tecnologias dirigidas ao extermínio daqueles corpos considerados “matáveis”. Trata-se de reformulação radical da biopolítica foucaultiana, de uma administração necropolítica em sentido próprio, um efetivo “governo de mortes” (AGAMBEN, 2007; FARIAS, 2007, 2014, 2015; FOUCAULT, 1997; MBEMBE, 2014). Nesta medida, a destruição da estela, realizada de forma “exemplar” pela polícia, criminaliza o próprio ato de recordar. Oficializa-se e sacraliza-se a destruição ao realizá-la com o “Caveirão”. Arrancar violentamente a estela, com policiais filmando a ação, é a representação mimética do que o Estado brasileiro faz todos os dias com tais populações: seu braço armado acorrenta-e-arranca não apenas estelas mortuárias, mas também vidas negras e periféricas em meio à população civil. Controlar os corpos periféricos e suas formas de lembrança perpetua o silenciamento e a invisibilização dos meios de expressão da dor coletiva da população dessas regiões, imputadas, por hábito de nossa venal imprensa, à margem e à violência.
O direito à memória evocado pela nota do Observatório exibe a nudez das políticas de segurança (de morte) do Estado. Há um recorrente “entusiasmo pela destruição” no processo de submeter esses territórios e populações. O Rio de Janeiro é uma cidade que configura um certo tipo de “topografia do terror”, que não permite uma produção de símbolos, impedindo bruscamente a recordação de “corpos matáveis”, como no caso do Jacarezinho, e evidente no controle dos meios de memória utilizados pela população local (parentes, amigos, vizinhos etc.) para lembrar seus mortos e esperar, sempre com medo de retaliações, uma oportunidade para falar (POLLAK, 1989; SPIVAK, 2010). Ao construir monumentos em “locais traumáticos, sobre uma ferida que não quer cicatrizar” (ASSMANN, 2011, p. 359), a coletividade local reivindica o direito à memória, à vida digna, à cidadania. Sobre seus altares, ensaia-se um culto proscrito e clandestino ao sofrimento de mártires inomináveis (BUTLER, 2009; PORTAL, 2009), almejando a uma possibilidade de alívio e elaboração coletiva de um trauma, das situações-limite impostas pela violência necropolítica, além de um mínimo de segurança ontológica (BOUILLON; FRESIA; TALLIO, 2005; GIDDENS, 1984; PECAUT, 2009). Para as pessoas da comunidade subalternizada, a memória, em seus diversos suportes, aparece como antídoto, preenchendo o vazio da escassez e das constantes investidas à subjetividade daqueles que habitam e constroem esses territórios.
O desejo de restauração expresso no freio ao esquecimento e invisibilização promovido pelos integrantes do Observatório, serve como forma de reivindicar o direito à lembrança, e ressoa diretamente com as demais chacinas e incursões violentas nas favelas e periferias do estado. Os acontecimentos do Jacarezinho versam sobre as linhas de força em ação, e ressoam sobre as formas como o controle social é exercido nas regiões subalternizadas da cidade. A instalação de memoriais por vontade da própria população, ao mesmo tempo que funciona como estratégia de elaboração de um trauma vivido por quem habita nesses territórios, mesmo aqueles não diretamente ligados às vítimas, também funciona como estratégia de denúncia da ação necropolítica do estado brasileiro.
Considerações Finais: “Nenhuma Morte Deve Ser Esquecida. Nenhuma Chacina Deve Ser Normalizada”.
O papel das estátuas e monumentos coloniais é, portanto, o de fazer ressurgir no presente mortos que, quando vivos, terão atormentado, muitas vezes em combate, a vida dos Negros. Estas estátuas funcionam como ritos de evocação de defuntos, aos olhos dos quais a humanidade negra não contou - razão pela qual não tinham quaisquer escrúpulos em verter o seu sangue por nada
(MBEMBE, 2014, p. 221).O artigo apresentou o tema das homenagens mortuárias a personagens que morreram de maneira violenta, a partir de sua biografia cultural. Tais corpos são costumeiramente caracterizados como não memoráveis, não enlutáveis, matáveis. Quem tem direito à memória em uma cidade que historicamente atormenta a vida da população negra, parafraseando Mbembe, exercendo “um poder tipicamente funerário”, colonial, de escolher quem pode ou não ser homenageado, ou mesmo viver ou morrer? Como disputar espaços em contexto como esse?
Aqui, buscamos abordar ações coletivas por direito à memória que, tangendo questões sócio-políticas cruciais, exigem problematizar aspectos performativos e rituais da construção e da destruição, do efêmero e da perenidade. Cada caso apresentado ou apenas mencionado, possui teor analítico capaz de mobilizar muitas pesquisas. Existem outros emergindo diariamente, com o mesmo potencial. Considerado em relação ao seu elitismo e parcialidade, privilégio de limitado estrato da população, o direito à memória reclamado é uma forma de reivindicação da possibilidade de elaborar não somente o luto, mas evidenciar as violências produzidas pelo Estado no espaço público, de certa maneira, muito eficazes na aplicação de políticas de morte, físicas e/ou simbólicas. É preciso assegurar o direito de erguer monumentos, de construir lugares de lembranças e congregação, espaços de perpetuação e memória das lutas que construíram os sentidos de pertencimento dos que compartilham um território.
Na análise dos processos de concepção de cada caso, foi possível assinalar a importância de convergências quanto aos usos de diferentes meios materiais para ocupar o espaço público com homenagens mortuárias específicas, abordadas como altares urbanos. Grafites, estátuas, painéis, expõem por meio de tintas, pincéis, cimento, azulejos, reivindicações e denúncias materializadas, que visibilizam o luto individual e coletivo, em busca da desnaturalização da violência direcionada às populações negras e periféricas da cidade.
Observa-se também que a vandalização, como risco iminente nesses casos, e a restauração como resistência, fazem parte de um mesmo processo de disputa de narrativas e sentidos, muitas vezes desigual em sua sobrevivência e repercussão. Vandalização e restauração são, ambos, eventos de inscrição que evidenciam o caráter performativo dos movimentos sociais em questão e mesmo das coisas produzidas. Estas são impregnadas por ações, reações e transformações no tempo, mais ou menos tensas ou intensas, que singularizam sua existência. Propusemos, assim, analisar homenagens mortuárias materializadas nesses suportes, que evidenciam linhas de força aptas a disputar ou desequilibrar narrativas hegemônicas. Determinadas homenagens passam pela tentativa de destruição e, também, por processos rituais de restauração ou reconstrução, outras se perdem nas dinâmicas próprias à arte urbana e ao apagamento de memórias. Em outro momento, foi possível analisar mais detidamente o vandalismo e a posterior restauração de homenagens à Marielle Franco, no Rio de Janeiro (BIZARRIA; GOMES, 2022). Vale considerar a agência e as ressonâncias de quem recebe a homenagem nos movimentos de preservação desses suportes de memória, aqui representado por estátuas, estela, inscrições e grafites.
Os casos apresentados integram, em grande medida, o amplo projeto necropolítico brasileiro, de longa duração, francamente em curso. Processo que produz silenciamentos, esquecimentos e destruições contínuas. As homenagens mortuárias em questão são linguagens não verbais, que não são menos expressivas. Conforme Canevacci (2008, p. 107), há uma “complexidade da linguagem que comunica na ausência da palavra e, em consequência, dimensiona a potencialidade do silêncio”. A potencialidade dos memoriais em tela está no alcance de seus conteúdos, dentro e fora dos territórios que habitam. Assim como piercings e tatuagens comunicam por meio/nos corpos jovens analisados pelo autor, os grafismos vivem na arquitetura, nos muros e prédios do exoesqueleto urbano (DE LANDA, 1997, p. 27). De certa maneira, se rebelam contra a passividade e “a privação sensorial a que aparentemente estamos condenados pelos projetos arquitetônicos dos mais modernos edifícios; a passividade, a monotonia e o cerceamento táctil que aflige o ambiente urbano” (SENNETT, 1986, p. 15). Ao mesmo tempo, a potência do silêncio das imagens e dos territórios é constantemente desafiada pelas políticas de silenciamento.
À medida em que se avolumam as mortes, expande-se uma constelação correspondente de “memórias clandestinas”, que subsistem à espera da ocasião em que possam “invadir o espaço público e passar do ‘não-dito’ à contestação e à reivindicação” (POLLAK, 1989, p. 9). Grafismos mortuários são suportes materiais e imagéticos dessa passagem do sussurro ao grito, frequentemente resumida, entre esses agentes de memória (JELIN, 2002), como trânsito “do luto à luta”. Ao refletir sobre a expressão coletiva dos sentimentos, Marcel Mauss observara que os “gritos são como frases e palavras. É preciso dizê-las, mas se é preciso dizê-las é porque todo o grupo as compreende. A pessoa faz então mais do que manifestar os seus sentimentos, os manifesta aos outros, porque é preciso manifestá-los” (MAUSS, 1981, p. 332).
Foi possível observar repercussões imediatas tanto nos momentos das inaugurações dessas homenagens como nos casos das reações violentas sobre as obras, fatos que potencializaram ainda mais o significado do que representam. São entendidos como patrimônios a serem protegidos pelo grupo, porque representam o luto/luta coletiva não só pela resolução dos crimes perpetrados contra a vereadora e seu motorista, os moradores do Jacarezinho, ou os estudantes da Escola Tasso da Silveira, mas sobretudo por evocar a luta permanente por direitos, incluindo o direito à justiça memorial e ao espaço público.
Vale notar as diferenças entre ambas: o grau de visibilidade e reconhecimento das regiões em que foram alocadas, assim como dos personagens vandalizados. A concepção, construção, destruição e restauração de objetos de memória mortuária no espaço público do Rio de Janeiro expõe uma dinâmica perversa, na qual aspectos sociopolíticos, rituais e performativos indicam a intensidade dos embates marcados pela desigualdade social e racial. Assim como outras vandalizações contínuas que acompanhamos (como os grafismos que homenageiam a vereadora Marielle Franco e outras personalidades negras), os atos e rituais de restauração integram uma resistência permanente, que busca assegurar a viabilização e visibilização dessas contramemórias (BIZARRIA; GOMES, 2022).
Não param de chegar notícias sobre ações policiais. Uma mais recente à que se impôs à Vila Cruzeiro contabilizou vinte e seis pessoas mortas até o fechamento deste relato. O ritmo necropolítico faz desses corpos seu monumento, faz do superlativo e da exemplaridade suas linhas-mestras, estabelecendo o imperativo hediondo de exceder a si próprio, a cada vez que uma nova operação sai à ceifa de vidas negras, não brancas e periféricas pela cidade. Nesse regime não se admite que a vida dessas populações siga sem impactos e traumas, que perduram na reprodução contínua e abrupta das violentas ações policiais.
Cotidianamente novas chacinas ocorrem transformando esse tipo de morte em acontecimento corriqueiro, naturalizado, em um processo de desumanização que não afeta somente as vítimas e seus parentes. Em compasso, vemos surgir movimentos coletivos pela preservação da memória dessas pessoas, anônimas ou não. É possível citar dois casos significativos relacionados aos que aqui foram delineados: a Estátua de Marielle Franco, localizada no Buraco do Lume, no centro da cidade do Rio de Janeiro, inaugurada em 27 de junho de 2022; e o Memorial das Vítimas da Violência Armada no Conjunto de Favelas da Maré. O convite à inauguração da estátua, disponibilizado pelo Instituto Marielle Franco, diz: "A memória e a semente para novos futuros (...) Venha homenagear e eternizar a memória de quem dedicou a sua vida para lutar pelos direitos de todas as pessoas" (INAUGURAÇÃO..., 2022). Em relação ao memorial, nota-se o mesmo direcionamento. Foi inaugurado no dia 04 de novembro de 2022, localizado no Complexo da Maré, que é composto por 16 favelas, sob a responsabilidade da Associação Redes da Maré. Trata-se de uma composição de azulejos contendo frases e desenhos, feitos por parentes das vítimas que participaram de oficinas de azulejaria coordenadas pela arquiteta e artista Laura Taves. No painel, consta também um manifesto elaborado por mães dos mortos e um texto explicativo sobre o projeto. Taves relaciona a feitura da obra com as noções de direito ao luto, justiça e memória, observando que:
[...] criando e montando o painel, a relação que nós, a equipe do Azulejaria, desenvolvemos com as vítimas é muito mais próxima do que se não soubéssemos suas histórias. Mesmo sem conhecê-las, conhecemos suas mães, suas dores e o desejo delas de respeito e justiça pela memória de seus filhos e parentes
(PIRES, 2022).Encontram-se nessas homenagens mortuárias características relevantes para o entendimento da memória coletiva produzida e materializada na paisagem, tanto pelos materiais utilizados como pela adesão coletiva à sua feitura. Os materiais e técnicas utilizados vão dos menos duráveis grafismos, lambes, estênceis, àqueles considerados mais duráveis, como o bronze das estátuas, as pedras da estela, os azulejos dos painéis. Em relação aos primeiros, está implícita a deterioração, pelo tempo ou por novas intervenções, que, no entanto, por seu caráter de memória política, geram reações de vilipêndio proposital e, como resposta, sucessivas restaurações. O atributo de permanência, implícito nos usos dos materiais mencionados no segundo grupo, evidencia o teor das reivindicações por justiça e visibilização das sucessivas mortes por violência armada. Os nomes das vítimas, um por um, aparecem como sinalizadores de sua existência como pessoas, ao contrário das valas comuns, nas quais as identidades dos mortos são apagadas, e das estatísticas que notabilizam apenas os números das chacinas. De toda maneira, esses exemplos evidenciam grande parte da riqueza e da polissemia das práticas de memória mortuária em discussão.
A aposta em materiais perenes para homenagens mortuárias como as discutidas neste artigo não impede a depredação e mesmo a destruição diante das reações violentas e estruturais, que fazem com que papel e tinta, dos lambes, estênceis e grafites, sejam iguais a pedras, cimento e bronze. Afinal, como a flor de Drummond, elas nascem na rua, são desbotadas pelo tempo ou destruídas, não conseguindo iludir a polícia, mas em descompasso com o intento do depredador, continuam sendo memória da luta e da resistência, como nos lembram os estênceis “Marielle vive!”, “Marielle presente!” e “Marielle floresce!”. Esta dinâmica evidencia que as relações de poder, de desaparecimento, de silenciamento do outro, simbólica e fisicamente, estão presentes como um regime de controle sobre corpos, imagens e objetos de populações marginalizadas. Por outro lado, o mesmo processo também significa resistência, na medida em que os movimentos sociais adotam técnicas e diferentes materiais, ocupando o espaço público com suas reivindicações por direitos sociais, políticos, enfim, por existência.
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Notas
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