DOSSIÊ – A Morte e o Processo de Morrer nas Ciências Sociais
Recepção: 14 Novembro 2022
Revised document received: 05 Janeiro 2023
Aprovação: 10 Abril 2023
DOI: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2023v28n1e46956
Resumo: A morte é, por vezes, produto de um assassinato, a exemplo do feminicídio, uma morte socialmente construída e, muitas vezes, tolerada, ou justificada. No, presente artigo, temos como objetivo articular a sociologia da morte com a sociologia da violência para introduzir gênero e patriarcado como noções relevantes para as reflexões, nas Ciências Sociais, sobre a morte e o processo de morrer, buscando, igualmente, a compreensão estrutural sobre a morte produzida nas relações de poder que levam ao feminicídio, como forma de morte antecipada de mulheres. Como resposta à ordem social e jurídica que invisibiliza ou culpabiliza a vítima, a perspectiva vitimológica apresenta-se como recurso analítico em defesa do direito à justiça, à verdade e à memória. Com base em estudos empíricos sobre casos de feminicídios consumados julgados na Comarca de Londrina nos anos de 2021 e 2022, demonstramos como o poder patriarcal, traduzido na objetificação, coisificação e menosprezo de meninas e mulheres, produz feminicídios no contexto da violência doméstica e familiar e como, na resposta formulada judicialmente, apresentam-se riscos de naturalização, invisibilização e revitimização das mulheres.
Palavras-chave: Morte precoce, feminicídio, gênero, patriarcado, interseccionalidade.
Abstract: Sometimes death is the product of murder, such as femicide, a socially constructed death that is often tolerated or justified. This article aims to articulate sociology of death and sociology of violence to introduce gender and patriarchy as relevant notions for reflections, in Social Sciences, on death and the process of dying, seeking a structural understanding of the death produced in relationships of power that lead to femicide, as a form of early women death. As a response to the social and legal order that makes victim invisible or blames the victim, the victimological perspective presents itself as an analytical resource in defense of right to justice, truth and memory. Based on empirical studies on cases consummated feminicides judged in Comarca Londrina in the years 2021 and 2022, we demonstrate how patriarchal power, translated in objectification and contempt of girls and women, produces feminicides in contexts of domestic and family violence and how, in the judicially of formulated response, there are risks of naturalization, invisibilization and revictimization of women.
Keywords: Early death, femicide, gender, patriarchy, intersectionality.
Introdução3
Embora tenha se feito presente em todas as fases da nossa história, o “feminicídio” é uma classificação recente, em termos sociológicos e legais, que qualifica o crime de homicídio e, no Brasil, passou a ser considerado crime hediondo pela Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015 (BRASIL, 2015). A partir daí, tem possibilitado a aplicação de punições mais severas. Estamos tratando, portanto, de um crime acometido contra mulheres (cisgêneras e transexuais), em contextos discriminatórios, com base em construções sócio-históricas, culturais e jurídicas, pelo simples fato de serem mulheres. Lidamos, neste artigo, com a questão da privação do direito à vida das mulheres no Brasil, buscando contribuir com os estudos sobre a morte e o morrer a partir de uma ampliação das questões que tradicionalmente têm sido abordadas no campo de uma sociologia da morte.
Nas ciências sociais, os estudos sobre a morte se dedicam, mais comumente, ao processo de morrer diante de situações de enfermidades e de suas relações com a saúde, geralmente focados nos acompanhamentos hospitalares, nas organizações de saúde, na velhice. Encontramos, também, o interesse sociológico e antropológico pelo tema por meio de estudos sobre os rituais de morte e a vivência do luto. A morte, nas vertentes das ciências sociais, é tomada como um relevante fenômeno de ordem social e cultural, que nos possibilita explicar determinados processos de socialização, de renovação de sentimentos coletivos.
Para nossos objetivos, propomos estabelecer um diálogo entre as abordagens no campo das ciências sociais que lançaram luz sobre a morte, que pode ser lida por meio da consideração do morrer atravessado justamente por marcadores sociais que são relevantes para a compreensão da “antecipação” da morte em seu “processo natural” que, em tese, seria a velhice. Evidentemente que, por diversas razões, os indivíduos podem morrer sem que completem o seu curso de vida. Chamamos aqui atenção para o conceito de curso de vida com base em Anthony Giddens e Philip W. Sutton (2016, p. 190), para quem os estágios da vida “são influenciados por circunstâncias materiais da vida em qualquer sociedade”. Dessa maneira, “o mais indubitável estágio da vida, a morte, em geral é associado à idade avançada, pois a maioria das pessoas vive mais de 70 anos. Contudo, um número muito maior de pessoas morria mais jovem, e morte tinha outro significado” (GIDDENS; SUTTON, 2016, p. 190). Cabe, ainda, lembrar, conforme Giddens e Sutton (2016, p. 91), que “outros fatores sociais como classe social, gênero e etnia também influenciam a maneira como os estágios do curso de vida são vivenciados.”
Para lançar luz às desigualdades de gênero no fenômeno social da morte, tecemos articulações entre sociologia da morte e sociologia da violência, de modo a possibilitar a compreensão da “morte matada”, expressão em voga entre ativistas feministas que reivindicam reconhecimento para o problema social do feminicídio. Em termos globais, homens e mulheres participam distintamente das estatísticas dos diferentes tipos de homicídios. Os homens predominam como autores e, quando vítimas, são mais afetados pela violência urbana (UNODC, 2019). As mulheres figuram mais como vítimas de homicídios e estes são predominantemente motivados pela violência de gênero, nos espaços público e privado, com destaque para assassinatos no contexto de relacionamentos íntimos vinculados à violência doméstica e familiar contra mulheres e meninas (CAICEDO-ROA; BANDEIRA; CORDEIRO, 2022).
Segundo dados organizados pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), no Mapa da Violência de 2015, o Brasil é o 5º país no mundo em que mais se mata mulheres, em um grupo de 83 países (FLACSO, 2015). No Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), encontramos o registro de um total de 1.341 casos de feminicídios no Brasil, com uma taxa de mortalidade por feminicídio de 1,22 mortes e média de uma mulher assassinada a cada 7 horas (BUENO; LIMA, 2022). Esses dados são ainda subdimensionados, como observa o próprio FBSP, considerando-se, no Brasil, os desafios e barreiras para a aplicação do novo tipo legal por parte das autoridades policiais e judiciais. Como destaca o FBSP, “a proporção de feminicídios em relação aos homicídios dolosos de mulheres nos ajuda a compreender este fenômeno – no âmbito nacional a proporção é de 34,6% em 2021” (BUENO; LIMA, 2022, p. 10). As desigualdades regionais no Brasil complexificam esse desafio, e, assim, no Distrito Federal, essa taxa foi de 58,1%, enquanto no Ceará foi de 9,1% (BUENO; LIMA, 2022). Por se tratar de classificação a cargo de agentes policiais e judiciais e pela inexistência, até o momento, de harmonização dos critérios de aplicação e de registro dos dados, há a dificuldade adicional das variações entre as estatísticas produzidas pela polícia e as produzidas pelo judiciário. Dados do painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cuja série histórica iniciou-se em 2016, ano seguinte à lei do feminicídio no país, indicam, no ano de 2016, 1.662 casos novos no Judiciário, frente a 1.991 casos novos em 2021. Desconsideradas as oscilações nesse intervalo, em 2021, foram aproximadamente 20% a mais de casos novos, comparados a 2016. Em 2021, essa quantidade correspondia à taxa de 1,8 por cem mil mulheres e representava, aproximadamente, 50% a mais de casos em comparação com os registros policiais. No mesmo ano, no judiciário, foram registrados 191 novos casos no Paraná, o equivalente à taxa de 3,2, colocando o estado na terceira posição nacional em maior quantidade de novos casos em números absolutos e na sexta posição quanto à taxa por cem mil mulheres (CNJ, 2022).
Mediante tais dados alarmantes sobre feminicídio no Brasil, refletimos sobre esse tipo de morte como um movimento de privação da vida imputado às mulheres, que antecipa uma possível “morte natural” em detrimento ao direito do possível cumprimento do seu curso natural de vida. Do ponto de vista empírico, analisamos dados dos autos de processos e das sessões de julgamentos de feminicídios, realizados na Comarca de Londrina, Paraná, entre 2021 e 2022. Também nos valemos das publicações produzidas pelo Néias – Observatório de Feminicídio Londrina, uma organização da sociedade civil dedicada ao advocacy feminista, fundada em 2021, cuja finalidade inclui o monitoramento dos julgamentos de feminicídios nessa Comarca, onde, nos anos de 2021 e 2022, foram julgados seis casos por feminicídios consumados. Todos esses casos são considerados para análise neste artigo e foram antes publicizados pela imprensa e pelas Néias, tanto em seu Memorial de Feminicídios de Londrina como em sua publicação periódica, intitulada Informe de Néias – Observatório de Feminicídios Londrina (FRANÇA; MARIANO, 2022). Considerando essas formas de publicização já existentes, alinhadas ao princípio do direito à memória, este artigo faz uso dos nomes reais das vítimas.
Neste estudo, dialogamos com abordagens críticas feministas sobre o feminicídio (LOS RÍOS, 2008; MONÁRREZ-FRAGOSO, 2002; SEGATO, 2012), e, desse modo, o patriarcado (AGUIAR, 2000; SAFFIOTI, 2015; SEGATO, 2020) constitui categoria central de análise. Tal categoria nos permite entender melhor o crime de feminicídio como uma tipificação jurídica específica que, a despeito de ser derivada de outras formas de violências, geralmente empregadas como sinônimos – violência doméstica, violência familiar e violência de gênero –, em conformidade com Heleieth Saffioti (2015, p. 47), trata-se de um termo mais diretamente revelador do “regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens”. Os conceitos de violência familiar e de violência doméstica são mobilizados ao longo das descrições dos casos empíricos considerados em nosso estudo. Ao nos referirmos à violência familiar, empregamos o termo para caracterizar o tipo de violência “que envolve membros de uma mesma família extensa ou nuclear, levando-se em conta a consanguinidade e a afinidade.” (SAFFIOTI, 2015, p. 75). Ela é compreendida na violência de gênero, e é mais frequente sua ocorrência no âmbito do domicílio da vítima, mas pode ocorrer, também, em outros ambientes externos ao domicílio. Saffioti (2015, p. 76) atenta para o fato de que “a violência doméstica apresenta pontos de sobreposição com a familiar”. É um tipo de violência que acomete pessoas que, “não pertencendo à família, vivem, parcial ou integralmente, no domicílio do agressor, como é o caso de agregadas(os) e empregadas(os) domésticas(os).” (SAFFIOTI, 2015, p. 75).
A reflexão sobre o feminicídio nos possibilita demonstrar que o morrer – dado natural que, do ponto de vista biológico, é inevitável a quem quer que seja – é um processo altamente desigual. Permite-nos, também, uma orientação para as relações intersubjetivas e institucionais que envolvem o fenômeno. Neste caso, tratamos de um processo de privação da vida, de uma antecipação da morte, como fruto de uma dinâmica histórica, estrutural e cultural, configurada pela violência típica do patriarcado. A condição de gênero, atravessada por outros marcadores sociais que são relevantes para nossa reflexão, tem se configurado como elemento para a determinação do direito à vida das mulheres.
Este artigo está organizado por quatro tópicos, além desta Introdução e das Considerações Finais. No primeiro tópico, discorremos brevemente sobre os sentidos sociológicos e jurídicos de feminicídio. No segundo tópico, a partir da perspectiva da vitimologia, apresentamos um quadro geral sobre as vítimas de feminicídio e os contextos que envolveram cada caso. No terceiro tópico, apresentamos uma descrição crítica dos seis casos de feminicídios consumados, julgados no Tribunal do Júri na Comarca de Londrina, em 2021 e 2022. No quarto e último tópico, abordamos os padrões de crimes de feminicídio, considerando o patriarcado como categoria relevante para a compreensão do feminicídio como “crime de poder”.
Nossas escolhas devem-se, fundamentalmente, à tentativa de romper, do ponto de vista analítico, com o individualismo metodológico dominante em certos estudos sobre crime e violência e, quanto ao tema do acesso à Justiça, tensionar um modelo de Justiça que toma a vítima como mero objeto de prova. Nossas contribuições às análises das formas de morrer localizam-se na reivindicação de um lugar analítico sobre mortes precoces, motivadas pelas desigualdades de gênero, pensadas no contexto de uma ordem social, para além de olhares que individualizam a questão, e em distinção de abordagens que focam outras formas de morrer, como adoecimentos e envelhecimento. Quanto às análises do feminicídio, somamo-nos aos esforços de pesquisas que observam o Tribunal do Júri para além dos aspectos técnicos, legais, e ali buscamos apreender sociologicamente as simbologias que constroem lugares sociais generificados, para homens e mulheres, como formas de explicar, ou até mesmo justificar, os assassinatos de mulheres em uma ordem patriarcal.
Feminicídios Como Mortes Produzidas pelas Desigualdades de Gênero
A Ciudad Juarez, no México, vivenciou uma série de assassinatos de mulheres, identificada a partir de 1993. Entre 1993 e 2001, de acordo com Julia Monárrez-Fragoso (2002), foram mais de duzentos assassinatos e quase uma centena dos casos envolvia tortura e violência sexual. A invisibilidade e a impunidade a esses assassinatos mobilizaram ativistas e estudiosas feministas mexicanas e de outras nacionalidades, o que resultou na popularização de conceitos como femicídio, feminicídio e femigenocídio. Ao lado da invisibilidade e da impunidade, colocava-se, também, o problema da escassez de dados, inclusive, para mensurar adequadamente a quantidade de mulheres assassinadas nessas condições de desprezo. Conforme Monárrez-Fragoso (2002, p. 282), “a morte de mulheres expressa uma opressão de gênero, a desigualdade de relações entre o masculino e o feminino, entre uma manifestação de domínio, terror, extermínio social, hegemonia patriarcal, classe social e impunidade”.
Estudos da criminologia feminista, elaborados desde a década de 1980, propiciaram importante impulso para a produção de novos referenciais capazes de apreender as hierarquias atinentes às relações de gênero na dinâmica dessas mortes em que os assassinos são homens e as vítimas são mulheres (MONÁRREZ-FRAGOSO, 2002). Por essa razão, “assassinato sexual” foi uma das primeiras nomeações para esse tipo de morte. A nomeação acabou se consolidando como feminicídio. Ao defender a tradução de feminice como feminicídio, no lugar de femicídio, Los Ríos (2008) argumentou que feminicídio não é tão somente homicídio de mulheres. Para ela, “o feminicídio é o genocídio contra mulheres e ocorre quando as condições históricas geram práticas sociais que permitem atentados violentos contra a integridade, a saúde, a liberdade e a vida de meninas e mulheres (LOS RÍOS, 2008, p. 216). Essa é uma violência sistêmica, como caracteriza Julia Monárrez-Fragoso (2002).
No ano de 2008, o Mecanismo de Monitoramento da Implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará” (MESECVI)4, aprovou a Declaração sobre o Feminicídio. Nela, encontram-se as seguintes declarações:
2. Que consideramos os feminicídios a morte violenta de mulheres por razões de gênero, seja no âmbito familiar, doméstico ou em qualquer outra relação interpessoal; na comunidade, por qualquer pessoa, ou que seja perpetrado ou tolerado pelo Estado e seus agentes, por ação ou omissão. [...] 6. Que a maioria dos feminicídios fique impune devido, entre outras razões, ao acesso limitado das mulheres à justiça, bem como ao preconceito de gênero durante os processos judiciais, policiais e do Ministério Público. Esses casos ou são arquivados por suposta falta de provas, ou são sancionados como simples homicídios com penas menores, onde em muitos casos os atenuantes da “emoção violenta” são aplicados para reduzir a responsabilidade do autor
(OEA, 2008, p. 6).Avançando nessa definição, a Organização das Nações Unidas, por meio do Conselho Acadêmico sobre o Sistema das Nações Unidas e o Levantamento das Armas Pequenas5, definiu femicídio do seguinte modo:
O assassinato de mulheres e meninas devido ao seu gênero, que pode assumir a forma de: 1. o assassinato de mulheres como resultado de violência praticada pelo parceiro íntimo; 2. a tortura e assassinato misógino de mulheres 3. assassinato de mulheres e meninas em nome da ‘honra’; 4. assassinato seletivo de mulheres e meninas no contexto de um conflito armado; 5. assassinatos de mulheres relacionados com o dote; 6. assassinato de mulheres e meninas por causa de sua orientação sexual e identidade de gênero; 7. assassinato de mulheres e meninas aborígenes e indígenas por causa de seu gênero; 8. infanticídio feminino e feticídio de seleção com base no sexo; 9. mortes relacionadas à mutilação genital; 10. acusações de feitiçaria que causam a morte da julgada; e 11. outros femicídios relacionados a gangues, crime organizado, traficantes de drogas, tráfico de pessoas e proliferação de armas pequenas
(UNODC, 2013).Um desafio, conforme destacado por Rita Segato (2012), é distinguir analítica-mente diferentes tipos de feminicídios, separando os crimes que envolvem relações interpessoais ou cujas motivações do perpetrador são pessoais, de outros crimes sem essas características ou motivações. A proposta de Segato (2012, sem página) é adotar o conceito de “femigenocídio”:
[...] para crimes que, pela sua qualidade sistemática e impessoal, têm como objetivo específico a destruição de mulheres (e homens feminizados), pelo simples fato de serem mulheres, e sem possibili-dade de personalização ou individualização quer do motivo do perpetrador quer da relação entre os perpetrador e vítima.
Essa distinção é também uma preocupação de natureza jurídica, razão pela qual a legislação brasileira diferiu os incisos I e II do artigo 121, §2º-A, do Código Penal, do seguinte modo:
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: [...]
§ 2º -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher
(BRASIL, 1940).O ganho existente com essa distinção é o reconhecimento de que feminicídios não ocorrem exclusivamente no contexto da violência doméstica e familiar. Entretanto, entre os anos de 2021 e 2022, não houve caso julgado na Comarca de Londrina pelo inciso II. Isso não representa que feminicídios acontecem somente quando o perpetrador é um parceiro íntimo ou familiar. Diferentemente, esse é um indicativo de que as autoridades policiais e judiciais não aplicam a legislação em sua plenitude. Para crimes praticados no contexto da violência doméstica e familiar há mais facilidades na identificação da autoria. Aplicar o inciso II envolve maior empenho nas investigações e diligências. A consequência é que as facilidades manejadas pelas autoridades policiais e judiciais criam um viés nas estatísticas de feminicídios, em Londrina e no Brasil.
Mortes Anunciadas e Crimes de Poder: Feminicídios Consumados Julgados em Londrina
Os processos criminais, parte de nossas fontes, são conhecidos como peças nas quais comumente as mulheres vítimas figuram como objeto de prova e não como sujeito de direito. Em contraponto, desde a década de 1990, a perspectiva vitimológica propõe mudanças nessa condição, conferindo atenção à vítima. Segundo Bárbara Sordi Stock (2015, p. 152, tradução nossa), a atenção à vítima permite “compreender com maior profundidade as causas e consequências da violência de gênero, em todas as suas formas de manifestação e, em particular, em termos de maus-tratos à mulher cônjuge ou ex-companheiras.” Essa é uma condição necessária para reivindicar e promover os direitos das vítimas, em especial, quando tratamos de violências praticadas sob a ocultação da presumida privacidade do espaço doméstico. Dos seis casos considerados neste estudo, cinco deles foram mortes no espaço doméstico. A vítima cuja morte não ocorreu no espaço doméstico era indígena.
O uso da vitimologia é desafiante porque pode ser ele mesmo produtor de vitimização ou, ainda, da revitimização da mulher, uma vez que a identidade social da vítima é produzida em um sentido performativo. Conforme Myriam Herrera Moreno (2014, p. 345, tradução nossa), coloca-se o seguinte risco:
A vítima só será reconhecida na medida em que se adaptar às demandas subterrâneas da vitimização, mas na medida em que se acomodar a elas, poderá vivenciar um processo que alterará seus signos de identidade social e sua autopercepção, quase no sentido de uma profecia autorrealizada: ela terá se tornado uma vítima, e isso condicionará sua evolução vital posterior.
Ao tomar o feminicídio como o ato extremo de dominação masculina, patriarcal, que produz a morte precoce das mulheres, a vitimologia, para nós, é o recurso necessário para a reivindicação e promoção dos direitos das mulheres vítimas à justiça, à verdade e à memória, conforme preconizado pelo sistema internacional de direitos humanos e expresso nas Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres (BRASIL, 2016).
Os desafios ainda são grandes e pouco conhecemos sobre as vítimas por meio dos autos de processos, especialmente quando se trata de vítimas fatais. Nas sessões de julgamento, realizadas no Tribunal do Júri, geralmente há a oportunidade de conhecermos um pouco mais das vítimas. Na oportunidade de assistirmos a julgamentos transmitidos pelo YouTube, nessa oportunidade vemos diretamente o depoimento da própria vítima em diferentes formatos: em vídeo gravado, seja na fase policial ou em juízo, ou ao vivo, presente na sala do Tribunal ou conectada por videoconferência. Também conhecemos mais das vítimas por meio das narrativas de testemunhas, informantes, agentes de acusação, agentes de defesa e réu.
Para investigar de que modo as desigualdades de gênero, expressas nas formas de objetificação, coisificação e menosprezo de meninas e mulheres, produzem feminicídios no contexto da violência doméstica e familiar, analisamos seis casos julgados no Tribunal do Júri, na Comarca de Londrina, nos anos de 2021 e 2022, por feminicídio consumado. O corpus de pesquisa é composto por autos de processos e sessões de julgamento no Tribunal do Júri. Os julgamentos aconteceram entre 02 de fevereiro de 2021 e 20 de abril de 2022, período com vigência de afastamento social decorrente da pandemia de Covid-19. Por essa razão, assistimos a todos eles, na íntegra, em transmissão online realizada pelo Tribunal de Justiça do Paraná em seu canal no YouTube. Essa forma de acesso se, por um lado, tem prejuízos comparativamente às observações diretas e interações possibilitadas com a presença física no Tribunal, como realizamos em outras oportunidades posteriores, com a retomada do público presencial, por outro lado, apresentou o benefício de propiciar registros audiovisuais que permitem diferentes retomadas de um trecho de interesse para análise. Desses registros em vídeo, anotamos os destaques, em bloco de notas digital, para consultas posteriores. Alguns trechos de maior interesse foram também salvos como áudio, considerando as permissões do aplicativo do bloco de anotações, a exemplo do OneNote.
Por meio de cooperação com o Néias, tivemos acesso à íntegra6 dos autos dos processos, acessados, por sua vez, por meio do Processo Eletrônico do Judiciário do Paraná (PROJUDI). Considerando que todos os casos correspondem à modalidade de relacionamento íntimo entre vítima e réu, adotamos as seguintes variáveis para codificação: Idade da vítima; Cor da vítima; Total de filhos da vítima; Filhos da vítima menores de 18 anos; Tempo de união; Status do relacionamento; Tempo de separação; Vítimas indiretas; Tipo de arma; Motivação; Tipo de ambiente; Dia da semana; Alegação do réu sobre embriaguez por álcool; Alegação do réu sobre uso drogas ilícitas; Denúncia por motivo torpe; Denúncia por meio cruel; Denúncia por impossibilidade de defesa da vítima; Denúncia por outros agravantes; Tempo da pena.
No período considerado, foram realizados 22 julgamentos por feminicídio, tentado ou consumado, no Tribunal do Júri em Londrina. Desses 22, quatro deles foram associados ao assunto “feminicídio”, porém, eram crimes anteriores à lei de 2015, razão pela qual foram excluídos de nosso conjunto de dados. Entre os 18 casos restantes, 12 deles foram denunciados como feminicídio tentado e 06 (seis) como feminicídio consumado.

A totalidade dos casos considerados, 06 (seis), refere-se a crimes cometidos no contexto da violência doméstica e familiar. O quadro a seguir sistematiza as principais informações.

Entre outros fatores, os dados do Quadro 2 são reveladores da diversidade entre as mulheres vítimas de feminicídio, o que corrobora a tese do caráter estrutural dessa violência e reitera a constatação da reprodução desses padrões, percebida notadamente quando observamos as idades das vítimas. No universo desta pesquisa, a vítima mais jovem tinha 17 anos e a mais velha tinha 44 anos. Com um conjunto maior de dados, em amostra de 300 casos, de todo o estado do Paraná, estudo do Tribunal de Justiça do Paraná referente ao período de 2015 a 2020 constatou a presença de vítimas entre 08 e 71 anos de idade (SÁ, 2021).
Embora este poder masculino, resultante histórico do patriarcado, possa ser identificado pela pretensa submissão de todas as mulheres, ao olhar para as formas de menosprezo às quais elas são submetidas, em cada um dos casos considerados, notamos como as relações de poder imbricadas nesses feminicídios interseccionam gênero, raça, condição econômica e geografia e afetam de modo mais contundente aquelas não brancas, economicamente desprivilegiadas e periféricas. Em suma, mulheres em situação de maior vulnerabilidade estão mais propensas a se tornarem vítimas de feminicídio. Neste sentido, uma leitura interseccional favorece uma compreensão mais elucidativa sobre o feminicídio, caminhando na contramão do que é propagado, de um modo geral, pelos veículos midiáticos de comunicação.
Interseccionalidade é, portanto, uma ferramenta analítica para a compreensão sobre os modos como múltiplos sistemas de subordinação, relativamente autônomos, são combinados, entrelaçados ou associados e produzem efeitos que somente são captados quando observados a partir desses pontos interseccionados (CRENSHAW, 2002). Enquanto recurso analítico, ao considerar categorias, ou sistemas, como raça, classe, gênero, sexualidade, nação, habilidade e etnia, “a interseccionalidade investiga como as relações de poder interseccionais influenciam as relações sociais em diversas sociedades, bem como experiências na vida cotidiana” (COLLINS; BILGE, 2020, p. 2, tradução nossa). Articular gênero e patriarcado com demais categorias analíticas interessadas do tema do poder e das desigualdades nos brinda com a possibilidade de melhor compreender como as mulheres, em diferentes contextos e situações, vivenciam, no macrocosmo e nos microcosmos sociais, diferentes subordinações (MARIANO; MACEDO, 2015; SOUZA; MARIANO; FERREIRA, 2022).
Direito à Justiça, à Verdade e à Memória: Conhecendo Vítimas Fatais de Feminicídio
Os seis casos aqui considerados são reveladores da extensão do poder masculino sobre a vida das mulheres. Imbuídos do poder de dominação e de posse, esses homens impuseram a morte precoce a essas mulheres entre 17 e 44 anos de idade. Esse poder, de tão absoluto como pretende ser, manifesta-se, para o homem, independentemente do tempo de união no relacionamento íntimo com a mulher. Elaine estava no relacionamento há apenas 15 dias, o menor intervalo, e Márcia, com o maior tempo, estava há 20 anos naquele relacionamento. Metade dessas vítimas encontrava-se separada e a outra metade estava convivendo com o homem denunciado pelo crime. Para as que se encontravam separadas, esse tempo foi relativamente recente, sendo uma semana para o caso de Ingrid e três meses para Sandra. Sobre Dayane, não acessamos essa informação. Entre os seis casos, separação e ciúmes aparecem em quatro deles. Nos outros dois casos, a motivação não ficou bem determinada na instrução do processo e no julgamento. Ou seja, em todos os casos com motivações juridicamente conhecidas, elas revelam a presunção masculina de posse sobre a vida das mulheres. “Ciúmes” é tão somente uma classificação típica usada pela sociedade e pela Justiça e que encobre a principal causalidade do feminicídio: poder masculino sobre as mulheres em uma ordem patriarcal. Esse tema nos remete ao clássico estudo de Mariza Corrêa (1981) sobre como o presumido adultério é um elemento fundamental para cimentar o argumento jurídico de “legítima defesa da honra”, tese central para caracterizar o “homicídio passional”. As recentes proibições legais dessas teses, no cenário brasileiro, não são, ainda, suficientes para removê-las dos usos cotidianos mobilizados por réus e seus defensores ou defensoras.
A Desigualdade Entre o Urbano e o Rural
Sandra Mara Curti era uma mulher branca, de 43 anos de idade, funcionária pública da Universidade Estadual de Londrina. Ela foi casada com Alan Borges, seu feminicida, durante 14 anos. Juntos tiveram dois filhos, meninos, então com 08 e 12 anos de idade na ocasião do feminicídio. O relacionamento entre Sandra e Alan teria sido conturbado e conflituoso, com brigas, separações e reconciliações. A última separação entre eles teria acontecido três meses antes do feminicídio, este registrado em 06 de julho de 2020, uma segunda-feira. Desde a separação, Sandra vinha sofrendo ameaças e perseguição da parte de Alan e fez um pedido de Medida Protetiva de Urgência (MPU), o que lhe foi negado, com a justificava do juiz de que esse instituto estaria sendo banalizado. De acordo com dados do processo, inconformado com o fim do casamento, naquele dia, Alan, que trabalhava como açougueiro, ausentou-se do trabalho e entrou de surpresa na casa da Sandra enquanto o portão estava aberto porque técnicos que instalavam um sistema de segurança trabalhavam no local. Surpreendida na sala da casa, na presença dos dois filhos, Sandra não teve como se defender. Alan lhe desferiu mais de 20 golpes com uma faca de açougueiro, atingindo regiões vitais como pescoço, tórax, dorso e abdômen. Sandra foi socorrida ainda com vida e foi a óbito no hospital. Segundo relato do próprio autor, ele teria agido naquele dia motivado por ciúmes ao tomar conhecimento de que supostamente Sandra estaria se envolvendo com outro homem. O feminicídio de Sandra envolveu (i) motivo torpe, (ii) meio que impossibilitou a defesa da vítima e (iii) a presença de dois filhos menores que assistiram à execução do assassinato. Alan foi condenado à pena de 33 anos e 4 meses de reclusão.
Márcia Aparecida dos Santos, morta no dia 01 de maio de 2015, era uma mulher branca, de 36 anos de idade, agricultora, que vivia entre o núcleo urbano de Tamarana e o Assentamento Eli Vive, no mesmo município. Muito pouco sabemos sobre Márcia, seja pelos autos ou pela sessão de julgamento. Donizete Alves Pereira, seu companheiro, foi julgado por feminicídio e foi inocentado. De acordo com o reconhecimento dos jurados, a morte de Márcia foi acidental. Márcia e Donizete viveram juntos durante 20 anos e tiveram cinco filhos, na época com 19, 17, 11, 09 e 06 anos de idade. Um tempo antes, o casal se separou e Márcia viveu com outro homem, sendo ele morto por Donizete. Julgado pelo fato, os jurados entenderam que Donizete agiu em legítima defesa. Após essa morte, Márcia e Donizete voltaram a viver juntos. Na manhã daquela sexta-feira, Márcia estava no sítio com Donizete e parte dos filhos. Ela alimentava as galinhas enquanto ele usava uma roçadeira. As investigações policiais apontaram que Márcia teria sido atacada por Donizete com a roçadeira, na presença dos dois filhos menores, e sangrou no quintal até a morte. Donizete alegou acidente, afirmando que a roçadeira teria se quebrado ao se chocar com alguma pedra, com o que os jurados concordaram. A pena recebida por Donizete foi de um ano.
Os casos de Sandra e Márcia, mulheres de um mesmo grupo geracional (43 e 36 anos) e racial, são ilustrativos das diferentes respostas do sistema policial e judicial e dos meios de comunicação. Elas se diferiam pela condição econômica e pela geografia: Sandra era funcionária pública estável e moradora da área urbana; Márcia era uma trabalhadora rural que vivia em área de assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). O feminicídio de Sandra foi mais noticiado e as diligências foram mais vastas. A condição rural de Márcia, diferentemente, contribuiu para maior invisibilização de sua morte, rompida com manifestação de movimentos feministas de Londrina. As diligências sobre a morte de Márcia foram tão comprometedoras que a acusação encontrou dificuldades para determinar seu motivo. Após esse julgamento, o Néias publicou Nota de Repúdio intitulada “O julgamento não foi sobre a morte de Márcia, foi sobre a roçadeira” (NÉIAS, 2021).
Há mais Leniência Quando a Vítima é uma Mulher Preta?
Ingrid Fernanda Costa Ferreira, uma jovem parda, de 17 anos de idade, a mais jovem entre nossos casos estudados, foi vítima fatal de feminicídio no dia 25 de outubro de 2019, uma sexta-feira, dentro de sua casa, encurralada em seu quarto, com dois disparos de arma de fogo desferidos por Renan Júlio Bueno Fogagnollo, então com 24 anos de idade. Ingrid morreu no local dos fatos. O feminicídio foi cometido na presença da mãe de Ingrid, de seu padrasto e de sua irmã de 10 anos de idade. Ela tinha vivido com Renan por aproximadamente 1 ano e meio e estavam separados há poucos dias. A separação, supostas humilhações e traição da parte de Ingrid teriam sido as motivações para o ato feminicida de Renan. Em seu interrogatório no Tribunal do Júri, Renan relatou que os vizinhos o “zoavam” como “corno manso”. Após mais um suposto episódio de humilhação da Ingrid naquele dia, um colega sugeriu que Renan a matasse e lhe ofereceu a arma. Armado, ele foi à casa dela e, segundo ele, ela começou a humilhá-lo: “‘O que você quer, seu louco? Eu já te traí. O que mais você quer?’ Aí, eu já peguei a arma e dei uns tiros nela. Saí pelas portas dos fundos e devolvi a arma para o rapaz’”. Essa descrição elaborada pelo feminicida, dada sua simplicidade, ou banalidade, e a hierarquia de valores entre, de um lado, provar sua virilidade aos amigos do bairro e, de outro, objetificar Ingrid, é uma demonstração da combinação entre violência doméstica e familiar e menosprezo à condição de mulher. Pesando diferentes fatores, inclusive a idade da vítima, 17 anos, Renan foi condenado à pena de 28 anos de reclusão.
Elaine Cristina de Brito, cujo feminicídio aconteceu no dia 03 de fevereiro de 2019, um domingo, era uma mulher negra, com 44 anos de idade, que teve 4 filhos. Ela estava em um relacionamento romântico com Marcos José Bisterco, então com 38 anos, há aproximadamente 15 dias. Ela estava morando com ele em um “barraco”, numa ocupação em fundo de vale em Londrina, onde foi o local do crime. A motivação de Marcos não ficou bem elucidada, porém, constatou-se que ele a matou com estrangulamento, mediante asfixia mecânica, com uso de uma corda. Como tentativa de se desvencilhar do crime, Marcos simulou um suicídio de Elaine. Para quebrar o silêncio em torno desse feminicídio, de uma mulher negra, pobre e periférica, durante o julgamento, familiares de Elaine, o Néias e a Frente Feminista de Londrina realizaram um ato público em frente ao Fórum, quando exibiram fotos de Elaine, faixas e cartazes pedindo “Justiça por Elaine”. Marcos foi sentenciado a 19 anos de reclusão. Após esse julgamento, o Néias publicou nota intitulada “Voz de Elaine ecoa e júri faz justiça por seu feminicídio” (NÉIAS, 2022).
Dayane Aparecida da Silva, uma jovem de 30 anos, parda, mãe de 4 filhos, todos menores de idade, foi vítima de feminicídio no dia 08 de abril de 2018, um domingo, dentro de seu apartamento, na presença dos filhos, mediante golpes de faca desferidos por seu ex-marido e pai de seus filhos, Fernando Aparecido de Oliveira, na época com 38 anos. Segundo denúncia do Ministério Público, a separação, por decisão de Dayane, e os ciúmes de Fernando foram os motivos para que ele tomasse a decisão pelo fim da vida dela. Na noite de sábado, Fernando foi ao apartamento de Dayane e encontrou somente as crianças, porque ela tinha saído para um programa noturno com uma amiga. Ele forçou a filha mais velha a ligar para a mãe com a informação falsa de que o irmão mais novo não estava passando bem. Diante da notícia, Dayane voltou para casa e foi surpreendida com a presença de Fernando, que a atacou com golpes de faca. Ela morreu no local. Apesar do motivo torpe, do meio cruel e do recurso que dificultou a defesa da vítima, os jurados acolheram a tese da defesa de homicídio privilegiado, assentindo com a ideia de que Fernando teria agido em resposta à injusta provação de Dayane. A ideia de “privilégio” é bastante elucidativa de uma cultura social e jurídica que menospreza a vida das mulheres. Fernando recebeu a pena de 24 anos e 5 meses de reclusão.
Ingrid (17 anos) e Dayane (30 anos) eram pardas e Elaine (44 anos) era preta, conforme definição dos documentos oficiais. Esses feminicídios foram punidos com as penas, respectivamente, de 28 anos; 24 anos e 5 meses; e 19 anos de reclusão. Elaine estava nesse relacionamento há aproximadamente 15 dias, enquanto Ingrid e Dayane estavam separadas, a primeira há uma semana e desconhecemos essa informação sobre a segunda. Considerando o racismo estrutural na sociedade brasileira, Elaine, sendo preta, pobre e vivendo em uma área urbana de ocupação irregular, em fundo de vale, é a vítima com a maior desproteção social nesse grupo. Seu caso ilustra certo contínuo entre sua situação social e a resposta encontrada na Justiça, por meio da punição, nesse comparativo, a menor punição. Observa, ainda, que, entre os três casos, o feminicídio de Elaine levou mais tempo para chegar ao Tribunal do Júri, com 37,4 meses, frente a 34 e 27 meses dos demais processos.
O julgamento do feminicídio de Elaine oferece, adicionalmente, elementos para a problematização dos registros judiciais de feminicídios no Paraná. Estudo coordenado por Sá, referido anteriormente, apurou 58,3% dos processos com mulheres brancas e 32,6% com mulheres negras (pretas ou pardas) e fez alertas sobre os desafios dessa classificação, envolvendo tanto o caráter político da identificação racial como questões técnicas. Pelos indícios identificados no estudo, estima-se que os feminicídios de mulheres negras estejam ainda mais subdimensionados (SÁ, 2021). O estudo também alerta para o “descrédito sofrido pelas denúncias sobre o tema quando envolvendo mulheres negras, enquanto reflexo da desigualdade racial presente no país” (SÁ, 2021, p. 83). Nessa direção, é ilustrativo que uma das principais estratégias de defesa do réu era descaracterizar seu relacionamento íntimo com a vítima. Portanto, quando a vítima é uma mulher negra, até mesmo o status do relacionamento tem mais riscos de ser dissimulado, buscando construir outras significações para essa morte.
Quando a Cultura Surge Como Argumento em Prol do Feminicida
A vida das mulheres é objeto de decisão dos homens em diferentes culturas e contextos sociais. Assim, deparamo-nos também com o feminicídio de Marli Piraí, uma jovem Kaingang, de 21 anos de idade, ocorrido no dia 20 de abril de 2019, sábado, em um espaço público dentro da Terra Indígena Apucaraninha, após participar, com o marido, Ailton Jacinto Camargo, de uma festa comemorativa ao Dia do Índio. Segundo acusação do Ministério Público, Ailton agira motivado por ciúmes. Marli foi violentamente golpeada por Ailton com um pedaço de pedra até ficar desfigurada e com massa encefálica exposta. Ela foi socorrida por outros indígenas e duas semanas depois morreu no hospital. No Tribunal do Júri, os principais debates não foram sobre a autoria, ou sobre a motivação, e nem mesmo sobre quem era Marli, apagada no julgamento. Acompanhada de representante da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), a Defesa fez recursos até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, apesar das decisões desfavoráveis, reiterou seus argumentos e apelos ao júri popular com a tese de que a Justiça Nacional estaria aplicando dupla punição ao réu, um indígena, dado que sua cultura tem seu próprio sistema de punição. Segundo o advogado de defesa, “o réu não declara inocência, mas em nenhum momento deixa de ser um indígena”. Além do reconhecimento da autonomia da organização indígena para aplicar pena para seus membros, a defesa pediu a inimputabilidade do réu ao relativizar os significados da violência entre diferentes povos indígenas e argumentar sobre sua vulnerabilidade ao álcool, substância ofertada naquela festa do Dio do Índio. Nessa mesma direção, argumentou que o réu sequer sabia o que é feminicídio, crime ao qual estava respondendo perante a Justiça nacional.
Essa visão da defesa do réu é ilustrativa de certa concepção de cultura e de sociedade onde a mulher sequer existe como sujeito de direitos individuais. Ela reitera valores nos quais os interesses presumidos como da cultura, ou da comunidade, suplantam os interesses das mulheres. Como diria Martha Nussbaum (2002), são sociedades, assim como a própria sociedade brasileira, podemos acrescentar, onde as mulheres são “meio” e não um “fim” em si mesmo. Ou, em outros termos, são objeto, “coisa” da qual o poder masculino dispõe e decide sobre sua vida ou morte.
Padrões de Crimes de Feminicídio
Os relatos sobre os feminicídios julgados na Comarca de Londrina possibilitam sua compreensão como ato dinamizado pelo poder do patriarcado, este sistema mantenedor da dominação masculina. Entendemos, pois, o patriarcado como uma importante categoria de análise para as reflexões sobre a antecipação da morte de mulheres pelos crimes de feminicídio. Autoras como Heleieth Saffioti (2015) e Neuma Aguiar (2000) identificaram a relevância do conceito de patriarcado como elemento-chave para o entendimento das dinâmicas políticas e sociais na constituição histórica do Brasil, atentando, porém, para a importância na reformulação do conceito, a fim de captar sua aplicabilidade e atualidade na contemporaneidade. Saffioti, em diálogo com leituras feministas que se limitam ao uso exclusivo do conceito de gênero, propõe o patriarcado como categoria de análise tendo em vista sua argumentação de que “colocar o nome da dominação masculina – patriarcado – na sombra significa operar segundo a ideologia patriarcal, que torna natural essa dominação-exploração” (SAFFIOTI, 2015, p. 59). Cabe-nos, portanto, ressaltar que os conceitos de gênero e patriarcado não são, por si, autoexcludentes. Carregam, é certo, significados diferentes, à medida que a categoria gênero pressupõe um sentido mais amplo, envolvendo diferenças de ordem socioculturais, enquanto patriarcado, em conformidade com o entendimento de Saffioti, é mais explícito no que diz respeito às desigualdades entre homens e mulheres (SAFFIOTI, 2015, p. 47). O patriarcado, por sua vez, permite compreender melhor a dimensão da violência. Portanto, ao tratarmos do morrer, em termos da dinâmica da antecipação da morte pelo ato de feminicídio, o patriarcado se revela como categoria relevante para nossa reflexão, pois “não abrange apenas a família, mas atravessa a sociedade como um todo” (SAFFIOTI, 2015, p. 49).
Neuma Aguiar, em seu estudo sobre o conceito de patriarcado no Pensamento Social Brasileiro, atenta para o fato de como este sistema de dominação, que foi concebido de maneira ampla, ao incorporar “as dimensões da sexualidade, da reprodução e da relação entre homens e mulheres no contexto de um sistema escravista”, permaneceu “nas sociedades onde o público se destaca do privado”, pois “as relações de gênero continuam patriarcais” (AGUIAR, 2000, p. 327). Há, por parte de Aguiar, o reconhecimento de avanços no campo jurídico, sobretudo em relação à responsabilização dos homens pela paternidade, como antes não existia. Aqui podemos acrescentar, como exemplos de avanços, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) e a própria Lei do Feminicídio como possibilidades de avanços no sistema jurídico e como impacto para mudanças do sistema patriarcal. Em relação à violência doméstica, Aguiar (2000, p. 305) observa que “a discussão sobre o patriarcado tem indicado a existência desse fenômeno quando existe uma ausência de regulação da esfera privada em situações em que há um notável desequilíbrio de poder dentro dessa instância.” A violência doméstica exemplifica o fato de que a maneira ampla em que se deu a separação entre público e privado legou “situações de dependência no interior do espaço familiar, particularmente das mulheres com relação aos homens” (AGUIAR, 2000, p. 305). Situação que, por ser ignorada pelas instituições políticas, acaba permanecendo “à margem do sistema normativo”.
A partir de tais reflexões, podemos compreender que os padrões nos crimes de feminicídio se revelam intrinsicamente como “crimes de poder”, conforme expõe Rita Segato (2020), ao atentar para as violações às mulheres como “ato disciplinador”. A estrutura patriarcal se constituiu historicamente de modo a possibilitar a legitimação do poder masculino sobre as mulheres. Ainda que muitos homens (“pessoas de bem”, “muito morais”) tentam se posicionar como diferentes dos sujeitos criminosos (agressores, anômalos, feminicidas), Segato (2020, s/d) acredita que:
[...] o último gesto que é o crime, é o produto de vários gestos menores que estão na vida cotidiana e que não são crimes, mas também são agressões. E que eles criam um terreno fértil para causar esse último grau de agressão que é tipificado como crime... mas isso nunca aconteceria se a sociedade não fosse como é.
Esta reflexão nos permite reforçar o patriarcado como uma categoria de análise relevante para a compreensão do feminicídio, ao passo que nos possibilita articular a violência como elemento intrínseco ao patriarcado em diálogo com uma sociologia da morte. O patriarcado é, portanto, uma estrutura conivente com o genocídio das mulheres, tendo em vista que historicamente vem legitimando a continuidade de violências sistemáticas contra as mulheres, como é o caso do ato extremo do feminicídio, a partir do qual podemos encontrar padrões nas práticas desta tipificação de crime.
Ao buscarmos “padrões” nos crimes de feminicídio, em leitura comparativa com dados nacionais, é possível identificar que, a despeito de ser um ato acometido contra toda a sorte de mulheres, sem distinções de classe, raça, idade, pois a violência doméstica transcende todas essas dimensões, as estatísticas de feminicídio encontram mais expressões quando se trata de mulheres pobres e negras, por exemplo.
O quadro nacional revela que mulheres de todas as faixas etárias são vítimas de feminicídio. Esta constatação pode ser identificada nos casos que relatamos, cuja idade mínima das mulheres vítimas de feminicídio, em Londrina, foi de 17 anos, e a idade máxima, de 44 anos. Assim como no quadro nacional, há a prevalência de mortes de mulheres ao longo de sua vida reprodutiva. Outros pontos comuns, reveladores de um padrão de feminicídio, são o processo de ruptura da relação, geralmente como iniciativa das mulheres motivadas pelas violências sofridas por seus parceiros e o fato de que os domicílios das vítimas são o ambiente em que os crimes de feminicídio ocorrem com mais frequência, conforme os recentes dados nacionais: 65,6% do total de crimes cometidos foram realizados na residência das vítimas (BUENO; LIMA, 2022).
Considerando a diferença racial nas vítimas de feminicídio, os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam para uma taxa menor do que a diferença nas demais mortes violentas intencionais: “37,5% das vítimas de feminicídio são brancas e 62% são negras. Nas demais mortes violentas intencionais, contudo, 70,7% são negras e apenas 28,6% são brancas. Em última instância, o que os dados nos indicam é uma possível subnotificação das negras enquanto vítimas de feminicídio” (BUENO; LIMA, 2022, p. 13). Com relação à variável cor, fizeram parte dos nossos relatos duas mulheres brancas, duas pardas, uma negra e uma indígena.
Nossos dados, no Quadro 2, também revelam as interações nas dinâmicas entre público e privado e como interferem na letalidade da violência doméstica e familiar contra mulheres. Como vimos no Quadro, há prevalência dessas mortes nos finais de semana, sendo que, dos 06 (seis) casos, 05 (cinco) deles aconteceram entre sexta-feira e domingo. Portanto, em dias com tendência de menor dedicação ao trabalho extradomiciliar, a intensificação do convívio doméstico aumenta o risco de morte de mulheres vivendo em contexto de violência familiar. Essas mulheres foram vitimadas pelo feminicídio quase sempre em suas moradias e com armas como: faca, roçadeira, corda, arma de fogo e pedra. Isto é, para matar uma mulher, os homens se valem de qualquer tipo de instrumento ao seu alcance. Em metade dos casos, o uso de álcool ou outras drogas foi invocado pelos autores como argumento para encobrir suas motivações viris derivadas da estrutura patriarcal.
A determinação dos autores para a execução dessas mortes também se verifica com o dado de que, entre os casos considerados, quase sempre o fato aconteceu na presença de filhos ou outros familiares da vítima, sendo essa a situação manifesta em 04 (quatro) dos 06 (seis) casos. Ainda assim, em todos esses quatro casos as diligências indicaram impossibilidade de defesa da vítima.
A identificação de padrões na produção do crime de feminicídio é ferramenta útil para o aperfeiçoamento de estratégias que visam à proteção das mulheres em situação de risco.
Considerações Finais
Nosso intuito, ao longo do artigo, foi o de apresentar contribuições para as reflexões, nas Ciências Sociais sobre a morte e o processo de morrer, buscando compreensão sobre as relações de poder, dinamizadoras do feminicídio no Brasil. Identificamos a existência de produções mais frequentes e amadurecidas nos estudos sobre a morte e o morrer, em leituras sobre as enfermidades e suas relações com a saúde, focadas em estudos sobre acompanhamentos hospitalares, organizações de saúde, sobre a velhice, além dos temas das representações sociais sobre a morte, dos estudos sobre os rituais de morte e as experiências do luto. A despeito da morte e o morrer, nas vertentes das Ciências Sociais, serem tomados como um fenômeno de ordem social e cultural, passíveis de explicar determinados processos de socialização e de renovação de sentimentos coletivos, vislumbramos uma proposta de análise que possa preencher algumas lacunas na seara dos estudos sociais sobre a morte. Dessa maneira, buscamos lidar com o tema da morte considerando sua dinâmica de “antecipação”, provocada pelo ato da violência extrema do feminicídio, em relação ao que seria o “processo natural” do curso de vida e da velhice.
Nossa investigação, portanto, operacionalizou uma leitura da “morte matada”, produzida estruturalmente, sistematicamente e intersubjetivamente, tomando a dimensão do patriarcado e da violência como categoria de análise, o que nos possibilita, a partir de tal articulação, contribuir com novas reflexões sobre uma sociologia da morte e o processo de morrer, para além de abordagens mais clássicas e tradicionais dessa subárea do conhecimento. Tal operacionalização foi realizada por meio de dados empíricos sobre casos de feminicídios consumados, julgados na Comarca Londrina nos anos de 2021 e 2022 que, por sua vez, nos permitiram identificar certos padrões nas condições em que o feminicídio acontece e as respostas encontradas quando alcançam o sistema de Justiça.
Na construção de nossos argumentos, apresentamos 06 (seis) casos de mortes de mulheres na Comarca de Londrina. Ao reconstruir brevemente as dinâmicas de como essas mortes aconteceram, reforçamos a defesa da abordagem vitimológica como instrumento para a promoção do direito à justiça, à verdade e à memória. Orientando nosso olhar às vítimas, percebemos como essas eram mulheres bastante diversas entre si, com um elemento comum de terem sido socialmente localizadas em uma estrutura patriarcal de poder na qual o companheiro ou ex-companheiro viu-se com a permissão de decidir sobre suas mortes. A dimensão étnico-racial, a condição econômica e a localização geográfica se expressam notadamente ao produzir maior invisibilidade do fenômeno quando as vítimas são mulheres negras, pobres, periféricas e de área rural.
Desse modo, consideramos, entre os fatores motivadores dos crimes de feminicídio, a própria estrutura patriarcal, que favorece o exercício cotidiano do poder masculino, traduzido na objetificação, coisificação e menosprezo de meninas e mulheres, afetando, consequentemente, a resposta formulada judicialmente na medida em que são acatadas e legitimadas por teses que naturalizam, invisibilizam e revitimizam as mulheres. O crime de feminicídio é, portanto, uma prática de poder, gestada em condições de desigualdades e estratificação de gênero, raça, condição econômica e outros marcadores sociais hierarquizantes. Como exemplos, podemos citar a tese do homicídio privilegiado, que, visando reduzir a pena dos réus, justifica os crimes de feminicídio como legitimados sob o domínio da violenta emoção que se abate sob o criminoso após suposição de injusta provocação da vítima. Citamos, também, a persistência da tese de defesa da honra, ainda que revestida sob outros termos, justificando o inconformismo dos homens pela separação de suas companheiras, os casos de ciúmes e de traições.
Com vistas a contribuir com a vitimologia, argumentamos em favor de uma sociologia da morte que abranja estudos sobre a antecipação das mortes, nas quais as relações de gênero, interseccionadas com outras estruturas de desigualdades, produzem assassinato de mulheres, fruto das dinâmicas patriarcais de poder.
Os casos analisados são reveladores de uma tessitura social e institucional de menosprezo das mulheres, expressão de uma ordem social fundada em hierarquias de gênero, raça e condição econômica, mas também de um conjunto de fatores igualmente estruturais de precariedade da vida (MAIA, 2019). Os crimes de feminicídio são resultado de uma série de atos que, embora a performance dependa dos agentes perpetradores do crime, não podem ser explicados (e nem enfrentados) no nível individual. Sua construção e reprodução estão entranhadas na estrutura social. Por esse motivo, Segato (2020) alerta que a violência contra a mulher não é um problema de mulheres e homens. Ou seja, não é um problema pessoal, não é um problema entre indivíduos. É, antes de tudo, um problema da ordem social, é estrutural e sistêmico (LOS RÍOS, 2008; MONÁRREZ-FRAGOSO, 2002; SEGATO, 2003).
Os fundamentos do feminicídio podem ser identificados, como buscamos ao longo deste artigo, desde a dinâmica de relacionamentos opressores que avançam das agressões socialmente toleradas para o crime de feminicídio, até a forma de resposta da sociedade e do Estado quando o crime, após o êxito nas diferentes filtragens, chega à decisão do júri popular. Se a produção e a reprodução das condições que levam ao feminicídio não podem ser explicadas no nível individual de análise, a resposta da sociedade e do Estado tampouco deve se limitar a essa escala, como acontece na ênfase da resposta criminal ou penal. Portanto, a mudança nessas condições passa por transformações sociais em busca de uma sociedade igualitária com instituições justas. Enquanto conservamos essa ordem social, seguiremos discutindo práticas individua-lizadas de mortes estruturalmente anunciadas.
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Notas
Autor notes