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Radicais e Radicalismos: A Linhagem Radical de Classe Média no Pensamento Brasileiro.
Radicals and Radicalisms: The Radical Middle-Class Lineage in Brazilian Thought
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 28, núm. 1, e45947, 2023
Universidade Estadual de Londrina

ARTIGOS


Recepção: 19 Agosto 2022

Revised document received: 18 Dezembro 2022

Aprovação: 24 Fevereiro 2023

DOI: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2023v28n1e45947

Resumo: O ensaio que aqui temos em tela pretende fazer uma análise exploratória de elementos que julgamos decisivos da chamada linhagem do pensamento radical no Brasil. Nesse sentido, nas seções que seguem, procuraremos oferecer um recorte e uma exposição que enfrente algumas críticas feitas à existência do radicalismo de classe média ou à possível limitação desta forma de compreensão de um conjunto específico de ideias e projetos políticos no Brasil. À vista disto, concluímos que o radicalismo de classe média é uma linhagem de pensamento com envergadura nacional e que possui características especificas que lhe dão sustentação.

Palavras-chave: Teoria política, pensamento político e social brasileiro, sociologia política, teoria política, radicalismo de classe média.

Abstract: The essay presented here intends to carry out an exploratory analysis of elements that we believe to be important in the so-called lineage of radical thought in Brazil. In this sense, in the sections that follow, we will try to offer an outline and an exhibition that faces some criticisms made to the existence of middle-class radicalism or to the possible limitation of this way of understanding a specific set of ideas and political projects in Brazil. In view of this, we conclude that middle class radicalism is a lineage of thought with national scope and that the middle classes and that it has specific characteristics that support it.

Keywords: political theory, Brazilian political and social thinking, political sociology, political theory, middle class radicalism.

1 Introdução: Debates e Ideias Sobre o Pensamento Radical

A pergunta a qual procuramos responder positivamente nesse ensaio é: existe um pensamento radical de classe média no Brasil? Tendo isso em vista, procuraremos daqui em diante desenvolver a pertinência e os fundamentos teóricos e conceituais do questionamento. Para isto, exporemos as determinações bibliográficas que julgamos serem as mais importantes para o delineamento do radicalismo de classe. Posteriormente, lançaremos mão de uma abordagem exploratória ou mesmo cartográfica a fim de evidenciarmos as linhas decisivas do pensamento de intelectuais radicais, quais sejam: Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado, Vitor Nunes Leal, Nestor Duarte e Antonio Candido. Com esta seleção de autores, podemos evidenciar dois pontos que julgamos serem importantes ao nosso argumento: (i) o caráter nacional e não regional desta forma de pensamento e (ii) a sua sustentação enquanto linhagem seriada. Por último, faremos, nas considerações finais, uma retomada dos passos de nosso argumento.

Um conjunto de questões e temas, tais como a formação e as características do Estado no Brasil, as relações entre Estado e sociedade, a formação e a organização da sociedade brasileira, a construção da nação, dentre outras, possui enfoques e resoluções diversas em meio aos diferentes autores e formas de pensar encontradas no Brasil. Assim, um conjunto de respostas aos problemas nacionais e um enfoque específico, de corte democrático e popular, viés socializante e ponto de vista totalizante, poderia ser encontrado em uma vertente particular de pensamento: o radicalismo de classe média (BRANDÃO, 2005; CANDIDO, 1974, 2011b).   

A existência de um pensamento radical no Brasil foi elaborada primeiramente por Antonio Candido (1974, 1996, 2002, 2011b), para quem o radicalismo fora constituído como um conjunto de ideias e atitudes formadas em contraposição ao sempre predominante conservadorismo brasileiro (CANDIDO, 2011b, p. 195). Seria radical na medida em que rompe com os interesses de sua classe de origem, as camadas médias e, em alguns casos, a aristocracia, pensando os “problemas na escala da nação, como um todo, preconizando solução para a nação, como um todo” (CANDIDO, 2011b, p. 196). Passando, deste modo, por cima dos antagonismos de classes, e não conseguindo localizar “devidamente os interesses próprios das classes subalternas”, não vendo, assim, “a realidade à luz da tensão entre elas e as dominantes” (CANDIDO, 2011b, p. 197). Ainda tentando caracterizar mais detidamente a figura do radical, Candido expõe-no como um revoltado, que pode avançar para posições realmente transformadoras ou pode recuar até posicionamentos conservadores. Isto é, mesmo produzindo um pensamento tão ousado quanto o de um revolucionário, dificilmente produziria um comportamento voltado à revolução. Deste ponto de vista, o revolucionário seria capaz de abandonar totalmente sua classe de origem; o radical, por seu turno, não. O radical e o revolucionário poderiam conformar ideias equivalentes, no entanto, enquanto o segundo chega a ações adequadas ao seu ideário, o primeiro, em geral, prefere a contemporização na hora de uma ruptura profunda ou final. Porém, conforme ainda Candido, em países subdesenvolvidos como o Brasil, o radical teria um papel transformador importante. Poderia mesmo até atenuar o arbítrio das classes dominantes e abrir espaço para ações que abalem o conservadorismo e possibilitem uma eventual ação revolucionária.

No seu lado positivo, o radicalismo serve à causa das transformações viáveis em sociedades conservadoras, permeadas por interferências militares, sobrevivências oligárquicas e tradições autoritárias. Já como fato negativo, pode trazer consigo elementos de atenuação e de certo oportunismo inconsciente, podendo desviar as transformações possíveis. Ou seja, seria dotado de certa ambiguidade. Todavia, seria justamente esta ambivalência que poderia contribuir para políticas de transformação “em termos adequados à realidade social e histórica do país, e não segundo tentativas mais ou menos frágeis de transpor fórmulas elaboradas para outros contextos” (CANDIDO, 2011b, p. 197). Como é o caso do próprio marxismo, apresentado como uma doutrina pura pelos regimes que o adotam, mas que só haveria dado frutos interessantes quando se combinou às tradições radicais de cada lugar, permitindo seu êxito transformador.

Dando continuidade à exposição de Candido, vê-se que três seriam os intelectuais por ele identificados como radicais: Joaquim Nabuco, Manoel Bonfim e Sérgio Buarque de Holanda. O primeiro esposaria um radicalismo ocasional, já os dois últimos seriam radicais ao longo dos momentos principais de sua atuação política e intelectual. Os dois primeiros seriam figuras isoladas, Holanda, por sua vez, seria um dos primeiros intelectuais a apontar uma saída democrática e popular ao Brasil. Além disso, de acordo com a argumentação de Brandão (2005), a possibilidade de constituição de um modo de pensar radical no Brasil teria especial afinidade com as inovações intelectuais da geração de 1930 (cf. CANDIDO, 1995) e com as mudanças econômicas e sociais ocorridas no Brasil das décadas de 1930, 1940 e, principalmente, da década de 1950. Deste modo, o recorte de objeto a ser feito por nós na segunda seção deste ensaio iniciará suas incursões na obra de Sérgio Buarque de Holanda.      

Tendo em vista os textos de Candido e Gildo Marçal Brandão, o artigo tentará dar prosseguimento às sugestões aí presentes sobre o pensamento radical no Brasil, pensando-o como uma família intelectual ou linhagem de pensamento político. A fim de que entendamos o reaproveitamento das sugestões do crítico literário pelo cientista político uspiano, é preciso expormos, mesmo que sumariamente, parte de sua obra sobre pensamento político e social brasileiro. Tais trabalhos (BRANDÃO, 2005, 2007, 2010) trouxeram à cena a hipótese de que haveria algumas linhagens de pensamento político e social no Brasil, enfatizando-se o seu caráter de estrutura intelectual a partir do qual a realidade é percebida e a ação prática e política elaborada. Isto é, formas de pensar latentes, as quais cristalizam-se historicamente e articulam-se com determinadas perspectivas políticas. Formas de pensar as quais precisam ser pensadas como respostas aos problemas históricos e intelectuais de uma época, levando-se em conta, contudo, que grandes constelações de ideias não podem ser totalmente resolvidas em seu contexto (BRANDÃO, 2005, p. 238).

Além disso, Brandão (2010) justifica a importância de se estudar a história das ideias no Brasil argumentando que há uma certa visão difusa de que as ideias “jamais pesaram ou pesaram pouco na vida política brasileira, nunca foram esposadas para valer, sempre tiveram um caráter ornamental” (BRANDÃO, 2010, p. 369). De acordo com o autor, o que ocorre é que, com nossa formação social truncada, a continuidade espiritual das reflexões tende a ser apagada. Ou seja, como a experiência intelectual brasileira é fragmentada, isso fez com que vários de nossos autores achassem estar começando a sua obra do zero. Nesse sentido, entender as constelações de ideias e modos de pensar o Brasil seria de grande importância para que pudéssemos compreender, por exemplo, os rumos adotados, as estratégias seguidas na conformação de padrões e relações políticas nacionais e internacionais e a organização social imaginada ao país. De sorte que a história das ideias, história política e história social deveriam se conjugar para que se apreendesse as determinações essenciais destes três enfoques intelectuais. Considerando-se os argumentos expostos, Brandão sugerirá a existência de certas famílias intelectuais no Brasil, ou melhor, formas de pensamento dominantes do último quartel do século XIX para cá. Nessa toada, indica como programa de estudos quatro linhagens intelectuais brasileiras, a saber: (i) o idealismo constitucional; (ii) o idealismo orgânico; (iii) o marxismo de matriz comunista e (iv) o pensamento radical de classe média. Apresentaremos, mesmo de que forma sucinta, cada uma delas. Justificamos esta escolha como uma forma de, a um só tempo, expor de maneira mais pormenorizada as ideias de um autor importante para nosso argumento e como uma forma de diferenciar e especificar o radicalismo de classe média de outras linhagens intelectuais.

2 Linhagens do Pensamento Político Brasileiro

Os idealistas constitucionais (i) acreditariam que o maior progresso da sociedade se ligaria à expansão da liberdade individual. Tal objetivo só seria atingido caso houvesse uma reconstrução do Estado para que neste se pudesse distinguir a centralização política e a descentralização administrativa – as quais não eram separadas no Brasil –, e que revigorasse o poder provincial frente ao poder central. Aqui, a presença demasiadamente acentuada de um Estado era pensada como o principal fator a sufocar e a fragmentar a sociedade. Tal diagnóstico e crítica, feito de um ponto de vista da sociedade-civil, conformaram a estratégia dos constitucionalistas. Note-se que constitucionalistas se preocupavam fortemente com formas de governo e acreditavam no poder da boa lei. Seus representantes seriam, dentre outros, Tavares Bastos, Ruy Barbosa, Raymundo Faoro e Bolivar Lamounier.

A imagem do Brasil dos idealistas orgânicos (ii), por seu turno, seria a de um país fragmentado e inorgânico. Portanto, seria necessário um Estado forte, capaz de garantir a ordem em lugar da liberdade e forjar uma sociedade civil (civilizada) por meio de sua ação racional. Figuras importantes dessa linhagem seriam, por exemplo, o Visconde do Uruguai, Oliveira Viana e Wanderley Guilherme dos Santos. É necessário ressaltar que estas duas linhagens seriam as que teriam predominado desde o final século XIX e seriam as mais consolidadas em nossa história.

Porém, com a década de 1930, vê-se uma inflexão importante nesse processo de constituição e cristalização de formas de pensar o país. Há a derrocada da Primeira República e o arranjo político que a sustentava, baseado na hegemonia das elites agrário-exportadoras dos estados de Minas Gerais e São Paulo. Abre-se, dessa maneira, caminho para a Revolução de 1930, cujo arranjo de classes colocava na ordem do dia a hegemonia política de setores urbano-industriais (OLIVEIRA, 2008; WEFFORT, 2003) e na qual assiste-se a mudança de eixo da cultura em direção a um projeto nacional (CANDIDO, 2011a) e a reconfiguração das relações entre intelectuais e Estado (MICELI, 2008).

Um processo que dará seus frutos mais claros nos anos de 1950 em que há a rotinização das inovações do pensamento social dos anos 30 (reconhecimento da questão social, redescoberta do Brasil, absorção da sociologia como método de intelecção da realidade, reflexão sobre estrutura e natureza do Estado, etc.) e uma mudança da ênfase, do estilo e das problemáticas intelectuais, condicionadas pela emergência da sociedade e sua transformação como um problema a ser enfrentado. Nesse bojo, a questão central é a do desenvolvimento; os novos sujeitos políticos entram em cena com projetos distintos de superação do atraso. A capacidade de direção moral e intelectual do catolicismo declina, a literatura vive seu apogeu e a sua derrocada como matriz da atuação intelectual, o culturalismo perde fôlego e a sociologia passa a ser a forma principal de intelecção do real (BRANDÃO, 2005). Mudanças históricas, como a generalização do trabalho assalariado, a urbanização e a industrialização contribuiriam para transformações sociais. Especialmente, ganhariam importância as famílias intelectuais minoritárias, em relação ao idealismo orgânico e constitucional, as quais consolidaram grupos e quadros importantes de direção intelectual e política da nação, e notadamente antiaristocráticas, uma vez que não preconizavam saídas políticas concentradas na ação de elites sociais e estatais e sim da classe operária ou dos setores populares (feito as duas linhagens anteriormente exploradas) do marxismo de matriz comunista e do radicalismo de classe média.

A linha dominante no marxismo de matriz comunista imaginaria poder haver a compatibilização do desenvolvimento do capitalismo e da democracia. Deixando de lado qualquer concepção explosiva de revolução, apostaria numa espécie de revolução dentro da ordem comandada por uma ampla frente de setores modernizantes que os processos acima descritos haviam gerado. Quanto ao seu modo de pensar, buscaria encontrar, de maneira bem ou malsucedida, a unidade entre super e infraestrutura na explicação da sociedade. Este modo de pensamento poderia ser visto em Armênio Guedes, Nelson Werneck Sodré, Mario Alves, Jacob Gorender, Marco Antonio Tavares, entre outros (BRANDÃO, 1997).  

Na linhagem do radicalismo de classe média, que nos interessa neste texto, Brandão identifica um pensamento que, do ponto de vista normativo, talvez não seja exagerado caracterizar como democrático e socializante, visto que alinhavam as discussões a respeito da construção democrática brasileira aos debates sobre desigualdades políticas, econômicas e sociais estruturais, além de devedor de uma matriz liberal, bastante próxima do constitucionalismo – no sentido bastante preciso de terem como ponto de fuga normativo a constituição e defesa de uma liberdade política e civil garantidas para o conjunto da nação (BRANDÃO, 2005). Em sua dimensão teórico-explicativa, ou melhor, a sua “forma de abordar o real, organizar a experiência e delinear a ação política” (BRANDÃO, 2010, p. 375), o nosso autor acaba por tomar como muito próximos o pensamento “radical” e o que chamará de “materialismo histórico” de um “ponto de vista frouxo”. Brandão (2010) argumenta que a principal característica desse materialismo é o de analisar a sociedade como uma totalidade em movimento. Destarte, podemos agrupá-los tanto em um campo quanto em uma problemática, sendo “marcados pela propensão à leitura realista do mundo e, forçando um pouco a barra, ao reformismo revolucionário na política” (BRANDÃO, 2010, p. 374).

Vale lembrar que Candido (1974) mesmo irá dizer que o pensamento radical de classe média havia envolvido boa parte dos comunistas e socialistas no Brasil. Por sua vez, seu local privilegiado de elaboração, posterior, seria a Universidade de São Paulo (USP). Não obstante, o próprio crítico literário havia demonstrado que o seu caráter de reação ao pensamento conservador dotava-o de um caráter fortemente nacional, tanto no sentido de pensar soluções políticas no nível da nação, quanto por ter um espraiamento nacional que não o deixa restrito ao estado de São Paulo. Brandão, concordando com Candido, enfatiza o alcance nacional que esta linhagem teria, algo também sustentado por Mota (2008), para quem o pensamento radical propiciaria uma rearticulação nova e progressista das noções de ideologia e cultura, bem como o surgimento do Povo nos horizontes intelectuais. Frise-se que para Mota tal forma de pensamento organizou-se em torno do que Neme (1945) chamaria de “Nova geração” de escritores e intelectuais opositores ao Estado Novo e que teria sido fagocitada pelos esforços do reformismo desenvolvimentista – diagnóstico que, desde as lições de Brandão e Candido, diminui, ao nosso ver, a complexidade e extensão desta linhagem de pensamento e o fato de que não são todos os intelectuais desta cepa que tiveram interesse nas ideias desenvolvimentistas.   

Isso posto, evidenciamos a ideia de que haveria se constituído no Brasil uma linhagem radical de classe média. A fim de poder dar consecução à esta ideia, selecionamos, a partir da bibliografia sobre o tema, os seguintes autores: Sérgio Buarque de Holanda, Nestor Duarte, Celso Furtado, Victor Nunes Leal e o próprio Antonio Candido. Escolhas que serão explicitadas na seção seguinte, na qual nos debruçaremos rapidamente não só sobre os autores escolhidos e alguns de seus argumentos, mas também sobre pesquisas que tencionam a noção de pensamento radical, até para podermos burilar a nossa exposição2.

Ademais, é preciso dizer, que esta forma de pensar poderia se manifestar em outros autores e situações, todavia a sua seleção permite-nos tensionar questionamentos frente ao radicalismo de classe média, quais sejam: a) a ideia de que este só seria próprio ao ambiente específica da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e, portanto, não teria alcance nacional e b) a noção de que essa linhagem de pensamento seria improvável e dificilmente poderia ser pensada e pesquisada. Por vezes, para além de discussões teóricas e metodológicas, questionamentos desta ordem podem partir de uma desconfiança frente às classes médias e que daí derivam a impossibilidade de projetos intelectuais e políticos a elas vinculados (de forma mais ou menos mediada), principalmente os de coloração mais progressista. Algo que é bastante criticável, segundo Adalberto Cardoso (2020), caso olhemos com vagar momentos decisivos da história nacional e o pensamento de seus agentes e grupos protagonistas.

Ainda no sentido de burilar e definir melhor o radicalismo de classe média, exploraremos três dimensões importantes desta linhagem: (i) o seu caráter nacional; (ii) a sua relação com o desenvolvimento e o desenvolvimentismo e (iii) as suas aproximações com formulações heterodoxas do marxismo.

É possível, ao nosso ver, a partir dos textos de Candido e Gildo Marçal Brandão e, também, dos ensaios dos autores radicais acima listados, indicar o caráter nacional do pensamento racial em dois sentidos. Em primeiro lugar, estes autores radicais expõe uma visão totalizante e que tem como ponto de fuga a reflexão a respeito de problemas e soluções voltados para a nação. Isto é, quando pensam e agem sobre problemáticas como a construção do Estado-nação, a readequação das relações entre sociedade e Estado, a organização social brasileira e sobre a democracia e seus desafios num país periférico, lançam mão de um ponto de vista não galvanizado por visões elitistas, como a da aristocracia, e nem totalmente classista, como é do marxismo comunista, mas sim por um entendimento estruturado a partir da nação, e as diversas classes que a compõe, como um todo. Todavia, apesar do caráter um tanto dubitativo e cambiante desta forma de pensamento, como indicado anteriormente por Candido (2011b), é notável a tentativa de que a reflexão e ação destes atores políticos seja delineada desde uma visão progressista a respeito do “povo” e do “popular” – pensados enquanto artefatos políticos não tão bem delineados em termos de classe, mas que dariam substância política e social à nação. Em segundo lugar, estes atores políticos atestariam seu caráter nacional dada o alcance geopolítico de suas análises, tanto no sentido de se espraiarem por regiões distintas do país, quando por capturarem facetas diversas de problemas considerados nacionais, como, por exemplo: o lugar do Brasil na América Latina, a necessidade de superação de uma cultural política ibérica decorrente da colonização, a entrada e reconfiguração da democracia desde as massas populares e o papel do desenvolvimento na complexificação das relações sociais e políticas internas ao pais.

A relação do radicalismo com o desenvolvimentismo tem suas nuances. Dentre intelectuais radicais, não são poucos que empregam em seus textos a ideia de que o desenvolvimento econômico, entendido de forma um tanto genérica e inespecífica, seria uma das formas desde as quais arcaísmos de ordem econômica e até política, como é o caso de Vitor Nunes Leal e suas teses a respeito do coronelismo, seriam combatidos. Todavia, isso não quer dizer, como gostaria Mota (2008), que o radicalismo poderia ser diluído numa concepção desenvolvimentista mais geral. Por outro lado, também não é factível sustentar que alguns radicais, feito Celso Furtado, cuja obra exploraremos posteriormente, e outros, os quais poderíamos, pelo menos, aproximar dessa linhagem radical, como é o caso de intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) não sejam figuras destacadas do desenvolvimentismo. Ao nosso ver, a forma mais razoável de se analisar a relação entre desenvolvimentismo e radicalismo é a de que autores, os mais diversos, podem, em seus textos e intervenções, utilizarem e amalgamarem teses e concepções estruturantes de ambas as tradições; não obstante, nenhuma destas linguagens políticas podem e devem ser subsumidas uma à outra. Repisando o ponto: radicais podem lançar mão de concepções desenvolvimentistas e o contrário também ocorre. Contudo, autores desenvolvimentistas podem não ter uma visada totalizante sobre a nação e sobre problemas como, para elencar um já citado, a construção democrática na periferia capitalista e, de forma análoga, autores radicais podem não tecer consideração alguma sobre o desenvolvimento e sua possível relação com a mudança estrutural da sociedade e da política num sentindo democratizante, como apostariam alguns desenvolvimentistas. Isto é, desenvolvimentistas podem ser radicalmente democráticos e radicais podem ser fortemente desenvolvimentistas, no entanto os repertórios destas linguagens são específicos e devem ser, de um ponto de vista analítico, ao menos, serem entendidas autonomamente.

Brandão (2005) e Candido (2011b), de maneiras distintas, destacam o fato de intelectuais radicais recorrerem a formas heterodoxas de compressão do marxismo. A ortodoxia, aqui, é a das teses veiculadas pela III Internacional e pelas direções comunistas espalhadas pelos partidos mundo afora. Em contraposição a isto, formas não oficiais e heterodoxas de compreensão e desenvolvimento do marxismo ocorreram. Principalmente em países da periferia capitalista, como Brasil e Peru, processos complexos de nacionalização do marxismo (RICUPERO, 2000) fizeram com que a abordagem marxista fosse traduzida para condições particulares da experiência sócio-histórica destes países. É digno de nota que não necessariamente estas construções políticas e intelectuais heterodoxas se deram fora dos Partido Comunistas, todavia é preciso ressaltar que tal heterodoxia não teve participação na direção intelectual e moral destas organizações. Seja como for, como indicam Candido (2011b) e Ricupero (2000), o processo de aclimatação ou nacionalização do marxismo em países periféricos e no Brasil passaram pelo reaproveitamento político e intelectual importante das tradições radicais locais, isso, contudo, não quer dizer que o radicalismo de classe média fora “diluído” no marxismo ou o contrário. Por outro lado, podemos notar dois elementos importantes. Em primeiro lugar, alguns autores radicais, como Antonio Candido e Celso Furtado, foram, em maior ou menor grau, influenciados política e intelectualmente por autores e atores marxistas - mas não todos os intelectuais desta linhagem e, quiçá, nem a maior parte. Em segundo lugar, como ressalta Brandão (2005), há uma proximidade epistemológica entre a forma de pensamento do radicalismo de classe média e o marxismo heterodoxo, qual seja: ambos analisam o real como uma totalidade em movimento, de modo que estas formas de pensamento são assentadas numa visão multifacetada da totalidade social, na qual as diversas esferas da vida como economia, política e sociedade se inter-relacionam e se determinam mutuamente. De qualquer forma, mesmo que com similitudes e entrecruzamentos, o radicalismo não está diluído no arcabouço marxista heterodoxo e este não pode ser dissolvido naquele.

Quanto à operacionalização metodológica desta e, principalmente, de futurais pesquisas, seria interessante aproximar e operacionalizar perspectivas um pouco distintas, porém essenciais ao tema estudado, quais sejam: i) as linhagens do pensamento político e social brasileiro, pensada por Brandão (2005, 2007), e ii) a sociologia política, da cultura e dos intelectuais, desenvolvida com diferenças, a título de exemplo, por Arruda (2004, 2010, 2015), Bastos (2002, 2011), Botelho (2019) e Brasil (2015).

Lançando mão da primeira abordagem, poder-se-ia acompanhar a seriação e a sistematização de um conjunto de ideias e formas de pensar o Brasil, as quais foram e são essenciais para se compreender a nossa história política e social e seus desdobramentos. Dado que agentes coletivos e individuais as atualizaram e delas se utilizaram em suas ações, interpretações e disputas sociais e políticas. A segunda, por seu turno, permitiria apreender quais as constrições institucionais, dos campos intelectuais e as determinações sociais, políticas e econômicas que operam no pensamento de nossos autores e de que forma operam, apreendendo, por outro, suas construções simbólicas (ideias, livros e programas políticos, por exemplo) de forma bastante complexificada e rica.

Com isso, de modo algum queremos dizer que na primeira forma o contexto é abandonado, ao passo que na segunda o texto é deixado de lado; mas, tão somente, que as mediações e enfoques entre texto e contexto em ambas são distintas - contudo não alheias e antitéticas. Até porque, se não podemos compreender as ideias sem levar em conta os problemas históricos, políticos, sociais e institucionais que procuram responder e sobre os quais procuram se posicionar (cf. SKINNER, 1988), tampouco podemos entendê-las somente em seu contexto (FEMIA, 1988), sem que haja uma leitura estruturada e sistemática das obras pesquisadas e sem que observemos continuidades e rupturas destas ideias e pensamentos na história. Portanto, por esta via, acreditamos nos resguardar dos perigosos de cair ou em um contextualismo exacerbado ou em uma leitura abstrata e a-histórica das ideais.

Antes de partimos para análise bibliográfica propriamente dita, cumpre assinalar alguns aspectos a respeito da construção deste trabalho e da seleção dos autores analisados. Mais do que uma análise exaustiva de cada um dos intelectuais aqui designados, pretendemos levar a cabo uma espécie de cartografia ou análise exploratória de elementos que julgamos essenciais em suas trajetórias e obras no sentido de evidenciar a existência desta linhagem do radicalismo de classe. Se, por um lado, isso pode levar ao desenvolvimento sucinto de seus posicionamentos intelectuais e políticos, por outro, logramos um ganho de escala ao podermos compará-los e pensá-los em conjunto e não separadamente. Até porque, pesquisas com caráter mais aprofundado e monográfico já foram realizadas, em maior ou menor escala, tendo com objeto o pensamento e a vida de cada um destes autores. Além do mais, repisando argumento já exposto, a seleção destes intelectuais não foi fortuita ou obra do acaso: a seleção foi intencional e busca destacar o caráter nacional, seriado no tempo e complexificado desta linhagem de pensamento.

3 Bibliografia e Recorte

A escolha do crítico, escritor, historiador e catedrático da cadeira de História da Civilização Brasileira da Universidade de São Paulo, Sérgio Buarque de Holanda, deveu-se ao fato de aparecer como figura central nas argumentações de Candido e Brandão, aproximando e até mesmo estruturando suas concepções de radicalismo de classe média. Algo que pode ser entendido, por exemplo, quando se tem em vista o sétimo e último capítulo de seu Raízes do Brasil (1995) – baseado na segunda versão da obra, de 1948. Neste capítulo, Holanda expõe o que chama de a “grande revolução brasileira”. Processo necessário para promover o ajuste do “sistema complexo e acabado de preceitos” às “condições da vida brasileira” (HOLANDA, 1995, p. 160). Seu marco inicial seria a Abolição e, posteriormente, a Proclamação da República, as quais, em consonância com outros fenômenos, colocavam em marcha um amplo processo de modernização contido na ideia de revolução para o intelectual paulista – revolução ainda inconclusa no período de redação do livro.

A maneira como entende essa revolução pode ser relacionada ao radicalismo de classe média do autor, pois constituiria um processo gradual, realista e não catastrófico, o qual deveria amalgamar as camadas superiores e não as destruir. Essas transformações se deveriam, em boa medida, à mudança de centro de gravidade do mundo rural para o urbano. Uma transição acelerada com o cultivo de café no oeste paulista, visto que nesta porção do estado não haveria mais espaço para empreendimentos tradicionais como do antigo senhor de engenho e exigiria a especialização moderna.

No entanto, os problemas da democracia no Brasil não seriam resolvidos pela substituição da forma política democrática por outro conjunto de ideias supostamente mais coerentes em si ou mais elevadas, e sim por sua superação local. Superação que se daria entre a democracia, regime importado e que tentou-se implantar, e o caudilhismo, assentado numa autoridade política legitimada pelo seu carisma e pela dominação pessoal frente aos seus subalternos. Deste modo, o Brasil possuiria tanto aspectos favoráveis quanto outros que dificultariam a implantação desta forma democrática de organização política.

Frente ao impasse causado pelo choque destas formas políticas (local e importada), Antonio Candido alega que a solução seria uma aclimatação da forma de governo democrática, de modo a adequar a natureza da instituição às peculiaridades da sociedade brasileira, conformando uma democracia popular (CANDIDO, 1995). Visto que haveria, supostamente, no país repulsa pela hierarquia, inexistência de fundamentos para os preconceitos de cor e a impossibilidade de se fechar o caminho para o cosmopolitismo e a cultura urbana, que seriam todos elementos favoráveis à democracia (CANDIDO, 2011b).

Porém, uma série de estudos, em boa medida recentes, dentre os quais inserimos aqui alguns, intentaram criticar e colocaram à prova essa aproximação e juízo. Waizbort (2011) interpreta o livro, a partir do cotejamento da primeira versão de 1936 e da segunda de 1948 de Raízes do Brasil, como dotado de um sentido conservador e mesmo autoritário. Holanda seria influenciado, em especial, por autores alemães da época, e seu enfoque cognitivo sendo de mão dupla, procurando articular estrutura de personalidade e estrutura social, favoreceria, como regime político, o autoritarismo conservador. No entanto, o enfoque do sociólogo uspiano é visto por Sallum Junior (2012) como simplificador, deixando de lado inflexões do pensamento de Holanda em meio ao movimento democratizante nacional e internacional. Em relações às inflexões de Holanda, Feldman (2013, 2015) propõe, a partir de uma análise diacrônica de mudanças e continuidades entre as três primeiras edições de Raízes do Brasil, que houve modificações importantes no pensamento do historiador paulista. De acordo com Feldman, Holanda promove alterações sensíveis ao longo das edições, por exemplo: substitui um juízo positivo frente à tradição ibérica no Brasil por um juízo negativo desta e troca o personalismo pela democracia como saída política para o país. Deste modo, os doze anos de intervalo entre a primeira e terceira edição do livro indicam a passagem de uma interpretação conservadora para uma interpretação progressista do Brasil.   

Wegner (2009) prefere olhar a obra de Holanda e suas versões sob a ótica da ambiguidade, marcada por um período de balanço da militância modernista e uma abertura ao final de seu livro para possibilidades variadas de organização política, indo desde o autoritarismo personalista ao radicalismo democrático-popular. Dado que Holanda ao mesmo tempo em que concentra a marca da cultura brasileira no homem cordial, afirma esta estar em franca dissolução, indicando um resultado pouco claro. Já Moraes (2017) escolhe entender as mudanças do texto de Holanda em meio às interações no campo intelectual e em suas lutas por prestígio, de modo a compreender as estratégias do autor em relação às posições por ele ocupadas em sua trajetória social e intelectual, algo que também matizaria a visão de Candido a respeito do autor. Monteiro (2009), por sua vez, acredita que uma leitura a qual entenda Raízes do Brasil em meio à certa linhagem iberista ou ibero-americana poderia iluminar determinações profundas e pouco exploradas desta obra, encontrando na especificidade latino-americana uma saída para o mundo distinta da estadunidense e liberal, assemelhando-se, em algum ponto, a Richard Morse (1988) e sua obra O espelho de próspero.   

Seja como for, mesmo se mais ou menos constituída tendo em vista interações do campo intelectual, se mais ou menos próxima de certa saída pretensamente iberista ou mesmo não constituindo uma ideia totalmente pormenorizada e institucional do que seria a democracia popular, a forma de pensar de Holanda, principalmente depois da segunda versão de Raízes do Brasil, não deixa de se aproximar decisivamente do radicalismo de classe média. Apostando numa saída democrática e popular para a totalidade da nação, algo que, além de seus escritos, pode ser visto em sua atuação no Partido Socialista Brasileiro e, posteriormente, no Partido dos Trabalhadores3.

Em relação ao economista paraibano e cepalino Celso Furtado, escolhido, além da sugestão de Brandão, pela sua vinculação clara à burocracia econômica estatal e pela sua origem regional diversa do eixo paulista e sudeste, indicamos dois momentos de sua obra essenciais à ideia aqui exposta. Em primeiro lugar, no seu livro Formação econômica do Brasil (1995), Furtado argumenta que na primeira metade do século XX há a emergência de um novo sistema no Brasil, tendo como seu centro dinâmico o mercado interno. A partir deste momento, o desenvolvimento brasileiro nos primeiros cinquenta anos do século XX apresentar-se-ia como um processo de articulação das distintas regiões em um sistema com um mínimo de integração, o que levaria a um forte desenvolvimento de algumas regiões e a estagnação em outras. Tal desigualdade seria indicada como um dos principais problemas na política econômica do país, de modo que, para Furtado, dever-se-ia pensar em uma integração de outra ordem, muito mais profunda, cuja fundamentação “teria de orientar-se no sentido do aproveitamento mais racional de recursos e fatores no conjunto da economia nacional” (FURTADO, 1995, p. 241). Tal avaliação leva o economista a esboçar um processo de modernização que, a um só tempo, permitiria o rompimento com formas arcaicas de uso de recursos e uma integração nacional mais profunda, a partir de um melhor e mais equânime aproveitamento dos bens e dos capitais. O horizonte de tal programa seria a construção de uma nação integrada, moderna e democrática.

Em segundo lugar, no seu livro Dependência e subdesenvolvimento (FURTADO, 2009), há questões afins em relação ao que expôs em Formação econômica do Brasil (FURTADO, 2009). De acordo com Furtado, o desenvolvimentismo configurava-se como ideologia do desenvolvimento nacional, já que exigia um processo de diferenciação nacional no quadro econômico mundial. Ou melhor, para um país desenvolver-se seria preciso individualizar-se como economia nacional, cujo fundamento primordial seria a autonomia da capacidade decisória e a internalização nacional do centro de decisões.

Tais formulações podem ser tomadas como índice de uma visão democrática (CEPÊDA, 2001; PAULANI, 2001) e com pretensões totalizantes, afins ao radicalismo de classe média. Por outro lado, também podem ser vinculadas a certa tradição desenvolvimentista no Brasil (BIELSCHOWSKY, 2004), com questões e ponto de fuga diversos do radicalismo e que precisam ser levadas em conta. Nesse sentido, é interessante ter em mente o diagnóstico hipotético de Mota (2008), para quem a tradição radical brasileira teve forte relação com o reformismo desenvolvimentista. Outra interpretação sobre o pensamento de Furtado, sugerida por Oliveira (2003), é de sua possível afinidade com o pensamento conservador brasileiro, representado por Alberto Torres e Oliveira Vianna. Interpretação que tenciona a aproximação do economista paraibano com o pensamento radical brasileiro, apesar de apontar que a discussão feita por Furtado com autores conservadores leva-o à construção justamente de proposições democráticas, nacionais e reformistas, realçando as ideias de Cepêda (2001) e Paulani (2001).

Victor Nunes Leal, por sua vez, era mineiro, jurista, com passagem pela cadeira de Ciência Política na Faculdade Nacional de Filosofia no Rio de Janeiro e ministro do Supremo Tribunal Federal. Sua seleção deveu-se, além de sugestão presente no estudo de Brandão (2005), por estar fora do eixo paulista, especialmente da USP, e pela posição de destaque na elite do poder judiciário no Brasil. Em Coronelismo, enxada e voto, Leal lança mão de uma definição polêmica sobre o coronelismo, interpretando-o como “resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada” (LEAL, 2012, p. 43). O problema do livro, ao tratar do regime representativo, causou grande impressão na época, já que a maioria dos autores identificava o coronelismo como um mandonismo local, ou seja, como um poder privado superior e ascendente. Contrariando o quase senso comum dos estudos políticos e sociológicos à época, Leal colocou em circulação um conceito de coronelismo que vinculava o mandonismo local a um sistema do qual faziam parte coronéis, governadores e presidentes do Brasil. Logo, a despeito do que se pensava, a base do fenômeno era a decadência do poder privado e o fortalecimento do poder público, portanto, uma adaptação do primeiro em relação ao último. Constituindo-se como forma de manifestação política criada devido ao regime representativo – dado que o governo não pode deixar de lado os votos do eleitorado rural. Trocando em miúdos, o coronelismo não seria uma prova da vitalidade dos senhores rurais e sim sintoma de sua decadência, algo percebido no sacrifício da autonomia municipal – da qual o coronelismo se alimenta. 

A consecução de uma legislação que instaurasse de fato a autonomia legal do município era fundamental para a desestruturação do ‘sistema coronelista’, em razão de que as unidades municipais não mais ficariam à mercê do possível recebimento de recursos estaduais. Leal acentua, ainda, ser impossível compreender o coronelismo sem levar em conta a nossa estrutura agrária, fornecedora da “base de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil” (LEAL, 2012, p. 44). Deste modo, o jurista pensa o político não como uma esfera autônoma da sociedade em geral e sim como um locus específico, o qual, para tornar-se plenamente inteligível deve ser pensando numa relação complexificada com a totalidade social. Por sua vez, seu ponto de fuga político é a tentativa de colocar em prática a democratização da sociedade brasileira. Tais pontos aproximariam Leal do pensamento radical. No entanto, autores como Botelho (2007) ou o associam ao pensamento organicista de Oliveira Vianna, ou, como Lamounier (1999), vinculam-no ao formalismo próximo ao idealismo constitucional. Tais indicações e disputas tornam as aproximações de pensamento de Nunes Leal mais difíceis e demandantes de estudos mais aprofundados. Nesse sentido, Marino e Costanzo (2020) avançam no sentido de aproximá-lo da forma de pensar do radicalismo de classe média, afastando-o tanto das intepretações de Botelho (2007), quanto das interpretações de Lamounier (1999) e Limongi (2012), dado que seus raciocínios são marcados por um ímpeto democrático, progressista e devedor de uma noção mais complexificada da totalidade social. Há que se lembrar, também, do texto de Ferreira e Fernandes (2013), os quais expõe uma atuação radicalmente democrática e constitucionalista de Victor Nunes Leal como Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Já Nestor Duarte, o professor baiano de direito da Universidade Federal da Bahia, foi adversário da política de Vargas e seus interventores e partícipe de primeira hora da Esquerda Democrática4. Selecionamos o autor para este ensaio pelo seu distanciamento do estado de São Paulo e da USP, além do ponto de vista político e teórico que galvanizou sua trajetória política e intelectual, o qual aproxima-se bastante do pensamento radical. Nestor Duarte foi autor de importantes obras, apesar de bastante esquecidas (LAVALLE, 2004), sobre a organização política e social nacional. Nelas, foge da visão negativa do Estado elaborada de maneira mais acabada por Raymundo Faoro e da apologia ao Estado centralizador e autoritária de um Oliveira Vianna. Tal distanciamento dá-se em razão de que propõe que o Estado é o assegurador da dimensão pública das relações sociais, devendo ser entendido como comunidade política e não como ente tutelar da sociedade (DUARTE, 1997). Contudo, a ideia de tal Estado precisaria ainda ser atingida, correspondendo, desta forma, a um ideal normativo. Nessa referência, o caráter democrático do Estado deveria exercer um papel pedagógico vivo e direto em interessar a população nos acontecimentos e problemas políticos da Nação.

Este processo de constituição de um Estado democrático, de acordo com Duarte, poderia fazer frente ao poder privado hipertrofiado e seu domínio responsável, a seu ver, pela deformação do sistema político. Interessante notar que o agente de transformação social para Duarte seria, justamente, a classe média, ainda restrita e se desenvolvendo, a qual, pelo sentido urbano e moderno de suas atividades e sua índole, seria aberta ao fenômeno democrático-estatal e poderia fornecer um caráter público às relações sociais. Formulações bastante afins ao radicalismo de classe média (AMBROSINI, 2011).

O crítico literário Antonio Candido, por seu turno, entra como um dos autores a compor nosso objeto por três motivos principais, bastante imbricados, mas aqui destacados por questões analíticas. O primeiro relaciona-se com o crítico ter participado ativamente da construção de uma esquerda não heterodoxa no Brasil de matriz socialista e liberal, representadas pela Esquerda Democrática e pelo PSB, adversária do socialismo soviético e do capitalismo liberal. Essa esquerda seria avessa às fórmulas teóricas e práticas importadas, como o marxismo-leninismo, e entusiasta de uma via democrática, popular e específica do socialismo, a qual não renunciasse às liberdades individuais e direitos civis (CANDIDO, 1986; GIMENES, 2018; GUSTIN; VIEIRA, 1995; HECKER, 1998; RAMASSOTE, 2011)5.

Como segundo motivo, podemos elencar o fato de Candido ter sido um dos mais destacados expoentes e analistas do que ele mesmo chamou de radicalismo sociológico (CANDIDO, 2011b), gestado na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Esta perspectiva intelectual radical teria logrado deslocar o eixo dos estudos das camadas senhoriais para as camadas humildes e/ou de pequeno relevo social, à maneira do caipira, do índio, do operário, do negro e do trabalhador rural. Atitude exemplificada na obra do crítico, Os parceiros do Rio Bonito (CANDIDO, 2010b).

O terceiro motivo a ser visto está em seu ensaio “Dialética da Malandragem”, em que o crítico literário – aproximando-se da possibilidade de aclimatação democrática que vê em Raízes do Brasil –, argumenta que tal dialética e a atitude malandra própria do Brasil, baseada numa tolerância quase corrosiva e numa acomodação geral que dissolve os extremos, torna-nos, em comparação com os Estados Unidos – puritano e punitivo –, uma nação possuidora de uma atitude aberta e afim a uma perspectiva democrática e emancipada (CANDIDO, 2010a).

Com estes três motivos postos, a ligação com o radicalismo é patente. Reforçando, em certo sentido, essa visão estudos como o de Paulo Arantes e Otília Arantes (1997) e Schwarz (2012, 2014), procuram ligar Candido à trajetória de um marxismo heterodoxo no Brasil. Schwarz mesmo chega a criticar a caracterização da malandragem feita por Candido, vista por ele como culturalista e como o momento no qual a historicidade dialética do ensaio de Candido perde fôlego em prol de uma saída nacional e popular. Consideração que, na verdade, reforça a aproximação com o radicalismo de classe média e sua relação produtiva e, ao mesmo tempo, tensa com o marxismo.

É importante ainda termos em vista que três das figuras intelectuais por nós selecionadas aqui – a saber, Antonio Candido, Sérgio Buarque e Nestor Duarte – tiveram participação destacada em agremiações políticas da esquerda não comunista brasileira: a Esquerda Democrática e o Partido Socialista Brasileiro (HECKER, 1998; GUSTIN; VIEIRA, 1995). Tendo isso em conta, é preciso assinalar que as ideias do radicalismo de classe média foram decisivas para a constituição desta esquerda democrática no Brasil (SALLES GOMES apud CALIL; MACHADO, 1986) e o contrário também. Isto é, que as discussões desta “esquerda democrática”6 foram importantes para a consolidação desta linhagem de pensamento no Brasil. Nesse mesmo diapasão, é interessante levar igualmente em conta o fato de Antonio Candido e Sérgio Buarque de Holanda terem fundado o Partido dos Trabalhadores (PT) (AGUIAR, 1999), cuja constituição também divergia e muito da esquerda ortodoxa e comunista da época (SECCO, 2011, SINGER, 2012). Lembremos, desta feita, que o que Singer chama de espírito de Sion, galvanizado por um espírito radical e um socialismo basista e democrático, e que, grosso modo, estruturou o PT até os anos 2000, deve ser vinculado à tradição do radicalismo de classe média (SINGER, 2012, p. 88). Nesse sentido, fazendo uso um tanto livre dos raciocínios de Alberto Cardoso (2020), poder-se-ia dizer que o radicalismo de classe média não só fora seriado, enquanto forma de pensamento, como também esteve presente e atuante em momentos históricos e partidos políticos decisivos nos destinos nacionais7.

Por último, é importante frisar que o arco histórico aqui compreendido vai da década de 1930 à década de 1970 em razão de que é neste período que poder-se-ia ver a seriação deste modo de pensar radical e seus frutos políticos e intelectuais. Isso posto, é possível identificar diferenças e similitudes entre as obras, perspectivas e pontos de vista nos intelectuais, e seus textos, acima selecionados, utilizando-nos da fortuna crítica existente8. De todo modo, com o que até aqui fora exposto, pode-se evidenciar a justeza em se falar numa linhagem do radicalismo de classe média.

Passaremos, agora, para a retomada de alguns elementos de nossa exposição e para considerações finais sobre o tema.

4 Considerações Finais

À vista do que até aqui foi exposto, acreditamos ter fornecido elementos para evidenciar a existência de uma linhagem de pensamento do radicalismo de classe média.

Como já havíamos argumentado anteriormente, não pretendíamos, com este artigo, explorar em profundidade quase monográfica os argumentos e posições de cada um dos autores aqui explorados. De modo geral, pesquisas monográficas que apontem a relação dos autores acima estudados com o radicalismo de classe média não são poucas e, em si, já configuram um campo de trabalho profícuo. Por outro lado, faltam trabalhos no sentido de seriar esses achados de modo mais sistemático e extensivo. Fez-se aqui uma tentativa de levar a cabo este segundo intento. Sabe-se que pesquisas mais aprofundadas são necessárias, não obstante julgamos que nosso trabalho logrou tensionar e críticas posições (cf. LYNCH; CHALOUB, 2021; SOUZA, 2015, 2017) que consideram (i) essa forma de pensar como algo exclusivo ao ambiente específico da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e, por conseguinte, paulista e sem envergadura nacional, (ii) essa linhagem de pensamento como improvável e difícil de ser pensada e pesquisada e (iii) de que ela não teria características próprias que lhe deem sustentação.

Se essa escolha de estruturação do trabalho, de um lado, leva a uma exploração sucinta dos intelectuais selecionados, de outro, obtemos um ganho de escala comparativa decisiva não apenas para construção de nosso argumento, mas sim para conseguirmos evidenciar a seriação de uma linhagem de pensamento radical de classe média e corroborar a importância da continuidade de pesquisas a respeito desta linhagem.

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Notas

2 Seria interessante, também, tentam rastrear possíveis continuidades deste pensamento radical com o pensamento republicano brasileiro. Pensamos isto, dado que há semelhanças, ao menos aparentes, entres a forma de pensar radical aqui exposta e interpretações e ideias republicanas brasileiras, conforme expostas, por exemplo, por Heloisa Starling (2018).
3 Apesar de serem importante as pesquisas a respeito dos mecanismos de consagração de Raízes do Brasil e o papel que Candido teria nisto (Cf. MAIA; RODRIGUES, 2020), não deixa de chamar a atenção que, substancialmente, a bibliografia não leva em conta a trajetória política e até partidária de Sérgio Buarque de Holanda e a relação intrincada desta com concepções de socialismo democrático presentes em partidos como o PSB e o PT. Desta forma, ecoamos aqui críticas feitas por Botelho e Bastos (2019, p. 220-249) a Miceli, quais sejam: de que não podemos deixar de reconhecer que as ideias “possuem um fundamento que ultrapassa e experiência ou mesmo o domínio conceitual do indivíduo” (BOTELHO; BASTOS, 2019, p. 246) e que as ideias não são meras transposições de suas experiências pessoais, portando, assim, tanto uma dimensão cognitiva, quanto política que está para além do contexto institucional ou pessoal mais imediato.
4 Frente de vários grupos de intelectuais e políticos opositores ao Estado Novo e ao Varguismo, responsável, posteriormente, pela fundação do Partido Socialista Brasileira (HECKER, 1998; GUSTIN; VIEIRA, 1995).
5 Não deixemos de lado o importante trabalho de Camila Antunes (2017), no qual estuda o processo de formação política de Candido, pontuando e desenvolvendo a relação e a construção de um socialismo democrático pelo crítico literário. Frise-se, por exemplo, o contato do bastante jovem Candido com um grupo de militantes socialistas, comunistas e anarquistas, ainda em Poços de Caldas – sua cidade natal -, articulado pela imigrante italiana Teresa Maria Carini (1863-1951), conhecida como Teresina.
6 Com isto, não se pretende argumentar que havia apenas uma esquerda democrática no Brasil ou que o Partido Comunista Brasileiro, bem com suas frações internas, era antidemocrático. Mas sim que, dentro da chamada Esquerda Democrática que era uma das várias correntes políticas dentro da esquerda e foi decisiva para confecção de partidos como o primeiro PSB e o PT, as discussões a respeito da relação entre democracia, desenvolvimento e construção da nação seguiam as trilhas de um marxismo heterodoxo diverso das teses apresentadas e seguidas, pelas diversas frações comunistas, da III Internacional ou até mesmo do posterior Eurocomunismo togliattiano. Deixamos isto mais claro na primeira seção, na qual expomos o marxismo de matriz comunista e a relação do radicalismo de classe média com formulações mais heterodoxas do marxismo.
7 Ademais, sem querermos misturar alhos e bugalhos, Adalberto Cardoso (2020) não deixa de lembrar que autores como Frank Parking (1968), Cotgrove e Duff (1980) e Klaus Eder (2001) haviam identificado o papel, prático e teórico, central que o radicalismo de classe média teve, no plano internacional, em importantes processos de democratização política, jurídica e intelectual, na crítica às guerras, no pacifismo antinuclear, em movimentos de libertação racial e de gênero e na fundão de importantes movimentos sociais e partidos, ou em correntes partidárias, progressistas e democráticas, as quais se aproximam, e muito, do radicalismo até aqui exposto e do socialismo democrático brasileiro.
8 Em outra oportunidade, seria importante estabelecer um diálogo com uma bibliografia crítica ou a esta perspectiva de pesquisa ou ao modo de pensar endereçado ao chamado radicalismo de classe média, como Jessé de Souza (2015, 2017), Lynch (2016), Marcos Nobre (2012), Sérgio Alcides (2011) e Silviano Santiago (2014).

Autor notes

* Rafael Marino. Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2019). Doutorando em Ciência Política junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de São Paulo. E-mail: rafael.marino50@gmail.com


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