ARTIGOS
Recepção: 13 Dezembro 2021
Revised document received: 19 Fevereiro 2023
Aprovação: 10 Abril 2023
DOI: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2023v28n1e45198
Resumo: O artigo tem por objetivo desenvolver um modelo de estratificação socio-econômico multidimensional, considerando variáveis individuais (ocupação, posição na ocupação, sexo e idade) e domiciliares (acesso ao saneamento básico, à internet e à posse de bens duráveis). O método utilizado foi a Análise de Classe Latente (ACL) e os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015. Os resultados apontam a existência de cinco Estratos Socioeconômicos, caracterizados pela heterogeneidade entre si. Observou-se também desigualdades e uma forte associação entre as variáveis Estrato Socio-econômico, Classe Ocupacional, Posição na Ocupação e Afluência Domiciliar.
Palavras-chave: Estratificação social, estratificação socioeconômica, desigualdades, classificação ocupacional.
Abstract: The article aims to develop a multidimensional socioeconomic stratification model, considering individual (occupation, occupation position, sex and age) and household (access to basic sanitation, internet and possession of durable goods) variables. The method used was Latent Class Analysis (LCA) and the data are from PNAD 2015. The results show the existence of five Socioeconomic Strata, characterized by heterogeneity between them. It was also observed inequalities and a strong association between the variables Socioeconomic Stratum, Occupational Class, Occupation Position and Household Affluence.
Keywords: Social stratification, socioeconomic stratification, inequalities, occupational classification.
Introdução
A estratificação social de grupos populacionais com diferentes níveis de renda, riqueza, prestígio e poder caracterizam as sociedades humanas ao longo do tempo (GRUSKY, 2001a; 2001b). Dessa forma, trabalhos empíricos de elaboração de tipologias de classe representam um esforço para conceituar e mensurar a posição dos indivíduos dentro da estrutura social. Nos estudos sobre classes, estratificação e mobilidade social utiliza-se a classificação ocupacional dos indivíduos como proxy de classe, isto é, a ocupação dos indivíduos como uma aproximação da sua posição de classe (ERIKSON; GOLDTHORPE; PORTOCARRERO, 1979; WRIGHT et al., 1982).
Outras dimensões da estratificação social consideram variáveis como renda, escolaridade e situação de mercado, dependendo do foco teórico, metodológico ou analítico da pesquisa. Em ambos os casos, essas análises utilizam os indivíduos como unidade de análise, não a família ou o domicílio. Indivíduos que residem dentro do mesmo domicílio ou fazem parte da mesma família tendem a compartilhar as mesmas chances de vida, recursos, interesses, padrão de vida e bens culturais (SØRENSEN, 1994; SANTOS, 2006).
Nos estudos clássicos da Sociologia da Estratificação, como os de John Goldthorpe, esquemas conceituais e operacionais de tipologias de classe foram desenvolvidos com o objetivo de analisar a estrutura de classes das sociedades capitalistas. A tarefa de analisar a estrutura de classe é tipicamente representada como a principal precondição para as pesquisas empíricas (GRUSKY; WEEDEN, 2001).
Dessa forma, esse artigo tem por objetivo desenvolver e aplicar um modelo multidimensional de classificação de indivíduos em Estratos Socioeconômicos utilizando marcadores domiciliares que incorporam a afluência do conjunto, os arranjos familiares e diferenças de classe ocupacional entre o/a responsável pelo domicílio e cônjuge. O método escolhido foi a Análise de Classe Latente (ACL) e os dados utilizados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015.
O artigo está estruturado da seguinte maneira. A primeira seção aborda as referências teóricas e empíricas de tipologias de classe. A segunda, discute a questão de qual é a unidade de análise de classificação social: indivíduo, família ou domicílio. A terceira, apresenta os dados, método e modelagem da pesquisa. A quarta, analisa os principais resultados da pesquisa e a quinta, as considerações finais.
Os Mapas e Esquemas de Classe
O Esquema EGP
As tipologias de classe, inspiradas na teoria weberiana, compartilham a ideia de que em economias capitalistas é a posição de mercado e a posição na divisão ocupacional do trabalho os fatores fundamentais para a geração de desigualdades sociais. As chances de vida de indivíduos e famílias são amplamente determinadas por suas posições no mercado e a ocupação é tomada como o principal indicador. Dessa forma, a estrutura ocupacional é tida como central no sistema de estratificação social (ROSE; HARRISON, 2007).
A classificação EGP refere-se ao esquema elaborado por Erikson, Goldthorpe e Portocarrero em 1979, baseado na tipologia anteriormente construída por Goldthorpe para uma pesquisa comparada entre Inglaterra, França e Suécia. A escolha desses países para um estudo comparado, segundo os autores, se deu principalmente pela disponibilidade de dados apropriados para os objetivos da pesquisa. O EGP consiste em uma tipologia de classe de nove posições, atentando-se para questões como mobilidade entre os setores agrícola e não agrícola e reunir ocupações cujas atribuições estivessem normalmente envolvidas em posições de mercado e de trabalho amplamente semelhantes (ERIKSON; GOLDTHORPE; PORTOCARRERO, 1979).
O esquema EGP é composto por nove classes, representados, na posição I, pelos profissionais de nível superior, administradores, gerentes em grandes indústrias e grandes proprietários. Na II, pelos profissionais de nível inferior, técnicos de nível superior, gerentes em pequenas indústrias e estabelecimentos e os supervisores de trabalhadores não manuais. Na III, pelos trabalhadores não manuais de rotina na administração e comércio, vendedores e de outros serviços. Na IV, são três classificações distintas: na IVa, os pequenos proprietários e artesãos com empregados; na IVb, os pequenos proprietários e artesãos sem empregados e na IVc, os fazendeiros, pequenos criadores e pescadores por conta própria. Nas posições V e VI, os técnicos de nível inferior, supervisores de trabalhadores manuais e trabalhadores manuais especializados. Por fim, a VII, dividida em dois segmentos: VIIa, composta pelos trabalhadores manuais semi e não especializados (que não pertencessem ao setor agrícola) e VIIb, os trabalhadores agrícolas. Para compor os grupos ocupacionais, foram consideradas a natureza precisa das tarefas de trabalho e papéis desempenhados pelos trabalhadores, qualificações para entrada e nível relativo de recompensas (ERIKSON; GOLDTHORPE; PORTOCARRERO, 1979).
O Esquema ESeC
Em 1999, a Eurostat2reuniu um grupo de pesquisadores para desenvolver uma nova metodologia para analisar e compreender diferenças nas estruturas sociais e nas desigualdades socioeconômicas na União Europeia. O resultado deu origem a European Socioeconomic Classification (ESeC), uma classificação socioeconômica que permitiu comparar desigualdades socioeconômicas em uma perspectiva comparativa entre os países membros da União Europeia. (ROSE; HARRISON, 2007).
Conceitualmente, a ESeC é uma tipologia de classificação social baseada em relações de emprego, em que a principal referência é o esquema EGP. A ESeC distingue quatro posições de trabalho básicas: empregadores, autônomos, empregados e aqueles involuntariamente excluídos do trabalho remunerado. Dentro da categoria empregadores, é feita uma distinção entre os pequenos e grandes, de acordo com o número de pessoas que empregam. De um a nove empregados são considerados pequenos empregadores e dez empregados ou mais, grandes empregadores (ROSE; HARRISON, 2007).
A categoria empregados é subdivida em número de classes de acordo com o tipo de contrato que possuem e como o seu trabalho é regulado pelos empregadores, semelhante às justificativas teóricas e metodológicas analisadas no esquema EGP. Os dois tipos de contratos básicos são o de trabalho e a relação de serviço. O contrato de trabalho envolve curto prazo e um intercâmbio específico entre empregadores e empregados por dinheiro (salário). Essa é a situação que engloba toda a classe trabalhadora, embora a forma mais básica dessa categoria seja calcada no caso das ocupações não qualificadas, com modificações levemente mais favoráveis para as ocupações semiqualificadas e qualificadas. A relação de serviço é típica para posições como gerentes superiores, profissionais e cargos superiores administrativos, com modificações levemente menos favoráveis a grupos de gerentes e profissionais de níveis mais baixos. Esse tipo de contrato envolve um longo prazo e um intercâmbio em que os empregados prestam serviço e como retorno esperam compensação imediata e futura. Outra forma encontrada são as regulações de emprego mistas ou intermediárias, que possuem características tanto da relação de serviço quanto do contrato de trabalho. Essas relações de trabalho são típicas de ocupações de escritório, como secretárias, assistentes administrativos, trabalhadores técnicos e baixos supervisores (ROSE; HARRISON, 2007).
Na classificação ESeC, a classe 1 é composta pelos grandes e pequenos empregadores, ocupações profissionais de nível superior (advogados, cientistas, professores de nível superior e engenheiros), autônomos, ocupações administrativas e de gerência de nível superior (diretores executivos e os níveis mais altos nas funções públicas). A classe 2, por profissionais de nível inferior, sendo a maior parte das ocupações vinculadas à saúde, ao bem-estar e à educação (assistente sociais, professores de escola, enfermeiras, jornalistas), além de administradores, gerentes e supervisores de nível superior, técnicos de nível superior e engenheiros civis.
A classe 3, é formada por ocupações de escritório, assistentes administrativos e aquelas que envolvam funções auxiliares ao lado de gerentes e profissionais. A classe 4, por ocupações não profissionais e trabalhadores por conta própria. A classe 5, por autônomos e pequenos empregadores na agricultura. A classe 6, por supervisores de nível inferior com um determinado grau de ativos específicos e técnicos de nível inferior. A classe 7, por ocupações vinculadas às vendas e aos cuidados. A classe 8, por fabricadores de ferramentas, instaladores, encanadores e maquinistas. A classe 9, por ocupações como faxineiros, motoristas, montadores, operadores de máquina, porteiros e carteiros. A classe 10, pelos excluídos das relações de emprego, por aqueles que nunca trabalharam e aqueles que estão procurando emprego há pelo menos 12 meses ou mais.
A ESeC considera os não empregados como sendo os desempregados de curta duração, as donas de casa, os doentes e os incapazes ou inválidos, classificando-os por meio do seu último trabalhado remunerado. A principal exceção desse modelo são os estudantes de tempo integral, que são excluídos da classificação.
Mapas e Esquemas de Classe no Brasil
Segundo Fernandes, Salata e Carvalhaes (2017), na temática da Sociologia da Estratificação, alguns pesquisadores brasileiros empenharam-se em trabalhos valiosos. Silva (2003) propôs uma classificação em categorias ocupacionais, seguindo uma dicotomia setorial, distinguindo os indivíduos ocupados no setor primário, tipicamente rural, daqueles empregados nos setores secundário e terciário, caracteristicamente urbanos, além de, em cada categoria formada, aplicou-se a distinção entre trabalho manual e não-manual/mental.
Destacam-se também, na área da Sociologia da Estratificação no Brasil, os trabalhos de Scalon (1998), Ribeiro (2014), Quadros (2008), Quadros e Maia (2010) e Santos (2005, 2010). Dentro da perspectiva neoweberiana, enquadram-se os trabalhos de Scalon (1998) e Ribeiro (2014). Scalon (1998), elaborou uma classificação em estratos da população ocupada no Brasil, a partir de pesquisa anterior de Valle Silva. O trabalho de Ribeiro (2014) sobre mobilidade e estrutura de classes no Brasil contemporâneo compartilha a perspectiva teórica e metodológica de Goldthorpe. Utilizando o esquema CASMIN (Comparative Analysis of Social Mobility in Industrial Nations)3, Ribeiro (2014) elabora uma tipologia de classes para o Brasil, além de variáveis distributiva como educação e renda. Ribeiro (2014) faz a distinção principalmente entre as ocupações manuais e não manuais, os qualificados e não qualificados, os proprietários, em uma tipologia de classes bem sucinta. Ainda neste trabalho, Ribeiro (2014) empreende uma análise sobre mobilidade intergeracional, concluindo que na classe dos profissionais e administradores há alta propensão à imobilidade social, hierarquicamente mais alta.
Já os trabalhos de Santos (2005, 2010) compartilham da perspectiva de análise teórica e metodológica dos neomarxistas, em especial, Erik Olin Wright (1996, 2005). Santos (2005) leva em consideração a questão da propriedade, além de elementos como qualificação e se o trabalhador é agrícola ou não.
Quadros (2008) apresenta uma versão de classificação ocupacional inspirada em Wright Mills (1969). A construção de Quadros (2008) considera primeiramente a divisão entre empregadores e não empregadores de mão de obra assalariada. O que se observa de diferencial na tipologia ocupacional de Quadros (2008) é a separação entre os trabalhadores de colarinho branco, conforme a situação na ocupação, ou assalariados ou autônomos. Quadros e Maia (2010) realizam trabalho semelhante, em que propõem um modelo de estratificação baseada nos ocupados no mercado de trabalho. Os autores destacam que o elevado grau de desigualdade e o baixo padrão social da população brasileira, como, por exemplo, é a posição privilegiada do grupo dos profissionais de colarinho branco autônomos na pirâmide social em relação aos trabalhadores assalariados.
Unidade de Análise: Indivíduo ou Família?
Nos trabalhos realizados sobre estratificação social, as discussões teórico-metodológicas sobre qual unidade de análise adotar recebem destaque (ERIKSON; GOLDTHORPE, 1992). A maior parte dos estudos sobre classes e estratificação utilizam o indivíduo como unidade de análise em detrimento do grupo familiar, considerando este também como domicílio ou grupo domiciliar. Ao considerar a família ou o domicílio, leva-se em conta a questão do compartilhamento de recursos, chances de vida, oportunidades e interesses (SANTOS, 2006). Os membros de uma família possuem a mesma posição de classe, e as divisões de classe se dão comumente entre famílias e não tanto dentro das famílias. É dentro das famílias que se herda não só bens materiais, mas também bens culturais, como o capital cultural herdado, que pode no futuro transformar-se em capital escolar e trazer consigo recompensas (BOURDIEU, 2015).
Ao usar o indivíduo como unidade analítica, regra geral, prende-se à consideração da importância do vínculo direto da pessoa no entendimento dos atributos associados à condição de classe. A família constitui a unidade maior de recompensas e de destino de classe das pessoas, sendo provavelmente também a unidade de definição da estratégia econômica de seus integrantes dentro da estrutura de classe. É no âmbito familiar que se incorporam as experiências de afluência e privação, de segurança e insegurança econômica, que afetam o destino das pessoas (SANTOS, 2006). Além disso, duas vertentes entrelaçadas na transmissão de vantagens e desvantagens de classe por meio da família podem ser identificas: a material e a cultural. Os diferenciais de classe por renda, ocupação, educação são adquiridos amplamente dentro da família (CROMPTON, 2006).
Sobre a unidade de análise na construção de tipologias de classe, mesmo que seus principais constructos empíricos estejam na dimensão de análise do indivíduo, é a família e não o indivíduo que forma a unidade básica da estratificação social (GOLDTHORPE, 1983). Se para mais de um membro da família é designada uma posição de classe separada dos demais membros, os dois fatores básicos de posição de classe, situação de trabalho e situação de mercado, não necessariamente coincidem, desde que a situação de trabalho identifique exclusivamente o indivíduo, ao passo que a situação de mercado se refere à família ou domicílio. Sugere-se que para a posição de trabalho deve-se usar como indicador a ocupação dos indivíduos e para posição de classe, adotar como indicador de situação de mercado a ocupação dos membros da família, que sejam responsáveis pelo sustento do domicílio (ERIKSON, 1984).
Materiais e Método
Fonte dos Dados
Para a construção da tipologia de estratificação socioeconômica proposta, optou- se pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015. Sua escolha se deu porque ela é uma amostra representativa da população brasileira, possui abrangência nacional e era realizada anualmente. Além disso, ela pesquisa variáveis centrais para a realização empírica da metodologia de classificação proposta.
Cabe ressaltar que a PNAD, que tinha periodicidade anual, foi encerrada em 2016, com a divulgação dos dados de 2015. A PNAD foi planejada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para produzir resultados para o Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação e nove Regiões Metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre), pesquisando características da população como emprego, rendimentos, habitação, tendo como unidade de investigação o domicílio.
Porém, a PNAD foi substituída pela PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), que propicia uma cobertura territorial mais abrangente e disponibiliza informações trimestralmente sobre a força de trabalho em âmbito nacional. Além da diferença de abrangência territorial e periodicidade, mudou-se também a metodologia de investigação da dimensão do trabalho, como idade para trabalho, trabalho remunerado e não remunerado e o plano amostral. A PNAD de 2015 possuía um número maior de temas investigados, principalmente afluência domiciliar, que a PNAD Contínua não pesquisa.
Método e Modelagem
O modelo de Análise de Classe Latente (ACL) é análogo ao modelo de análise fatorial, sendo que, no modelo de classe latente, a variável latente é categórica. A ACL constitui-se como uma análise centrada em pessoas (person oriented approaches), em que os padrões de respostas dos indivíduos serão estudados. Assim, a técnica de análise de classe latente procura grupos de indivíduos que possuem padrões similares de características e que possam ser agrupados em algum perfil latente de características (CARVALHAES, 2015; COLLINS; LANZA, 2009).
Uma das principais razões para a escolha da ACL é sua capacidade de identificar um princípio de organização social para um complexo arranjo de dados categóricos. Com a análise de classes latentes, pode-se usar um conjunto de variáveis observáveis que representem características, comportamentos, sintomas ou algo parecido com as bases para organização da população em dois ou mais subgrupos significativos e homogêneos (COLLINS; LANZA, 2009).
Por classe latente, entende-se que são classes definidas pelo critério de independência condicional, isto é, dentro de cada classe latente, cada variável é estatisticamente independente de todas as outras variáveis. Uma das principais aplicações da ACL é a identificação de clusters ou subpopulações em uma dada população. A ACL supõe um modelo paramétrico simples e utiliza os dados observados para estimar os parâmetros do modelo. Após o modelo de classe latente ser estimado, os casos podem ser classificados por meio de probabilidades de recrutamento. Nesse artigo, o padrão de classes ou frações de classe será dado pela probabilidade de cada variável estimada no modelo (CAETANO; DIAS, 2017).
Variáveis
As variáveis para composição da tipologia proposta estão divididas em dois grupos: as de dimensão individual e domiciliar. Na dimensão individual, as variáveis são ocupação, posição na ocupação, sexo e idade. A escolha da ocupação e da posição da ocupação se dão com base na centralidade do trabalho nas sociedades em que a maior parte dos indivíduos obtém meios de vida por meio da venda de sua força de trabalho. A estrutura ocupacional ainda é o principal componente causal de oportunidades de vida das classes que vivem de seu trabalho (CARDOSO; PRÉTECEILLE, 2017). A variável ocupação representa a atividade profissional exercida pelo indivíduo na semana ou no ano de referência. A variável posição na ocupação representa qual era a situação de trabalho do indivíduo na semana ou ano de referência, isto é, se ele era empregado com carteira assinada, se era empregado sem a carteira de trabalho assinada, conta própria ou empregador. A variável sexo foi selecionada pelos diferenciais existentes entre homens e mulheres em várias dimensões sociais e idade, dada a variação da posição socioeconômica dos indivíduos segundo seu ciclo de vida.
Na dimensão da ocupação, optou-se pela elaboração de uma classificação ocupacional própria, tendo como base teórica a European Socioeconomic Classification (ESeC). Adaptou-se a estrutura das classes ESeC para o caso brasileiro, baseado na divisão do trabalho, que se dá nas perspectivas dos tipos de contrato de trabalho, principalmente na composição formal/informal do mercado de trabalho brasileiro, nas categorias assalariados formais e assalariados informais. Portanto, a utilização neste estudo da Posição na Ocupação, tem por objetivo diferenciar aqueles com ou sem a proteção da legislação trabalhista.
Para a construção das categorias ocupacionais, foram classificados os indivíduos que possuíam código de ocupação na semana ou ano de referência. A referência utilizada foi a CBO-Domiciliar. Foram listados todos os grupamentos, fazendo a diferenciação entre aquelas que realizam trabalhos manuais e não-manuais, rotina e não-rotina, o que implica na distinção de status, poder e hierarquia social. Por fim, cada grupo ocupacional recebeu uma referência de 1 a 7.
O grupo 1 é composto pelos assalariados superiores como altos dirigentes, diretores, grandes empregadores, gerentes, engenheiros, profissionais liberais clássicos, professores, todos com nível superior de formação. O grupo 2, por assalariados inferiores, como os técnicos em geral. O grupo 3, por supervisores em geral e ocupações de gerência, supervisão e administrativas, como escriturários, secretariado e caixas. O grupo 4, por trabalhadores de baixos serviços, vendas e de escritório, como telefonistas, atendentes de telemarketing, cozinheiros, vendedores em domicílio, vigias e almoxarifes. O grupo 5, por ocupações inferiores de supervisão e técnicas, como supervisores da construção civil, trabalhadores de instalações elétricas, soldadores, montadores de máquinas, sapateiros entre outros. O grupo 6, por ocupações de rotina, semi- ou não-qualificados, como trabalhadores domésticos, catadores de sucata, profissionais do sexo, vendedores ambulantes, ajudantes de obras civis, magarefes. O grupo 7, por trabalhadores de atividades rurais como produtores agrícolas, pescadores, trabalhadores agropecuários em geral, entre outros.
Para a variável Posição na Ocupação, foram classificados os indivíduos com código de ocupação na semana e ano de referência. Para a criação dessa variável, utilizou-se como parâmetro a recodificação das variáveis: posição na ocupação no trabalho principal da semana de referência para pessoas de 10 anos ou mais de idade; número de empregados no mês de referência, no empreendimento do trabalho principal da semana de referência; posição na ocupação no trabalho principal da semana de referência para pessoa ocupada em empreendimento do grupamento agrícola; número de empregados permanentes, no mês de referência, no trabalho principal da semana de referência; contribuição para instituto de previdência em qualquer trabalho da semana de referência para pessoas de 10 anos ou mais de idade. Dessa forma, foram criados oito grupos, sendo: I – Assalariados Formais; II – Servidores Públicos; III – Assalariados Informais; IV – Grandes Empregadores (10 ou mais empregados); V – Pequenos Empregadores (1 a 9 empregados); VI – Conta Própria com Previdência; VII – Conta Própria sem Previdência; VIII – Empregados agrícolas.
Além das variáveis de dimensão individual, fazem parte também do modelo variáveis domiciliares. A justificativa para adoção de variáveis domiciliares se dá a partir da ideia de que indivíduos que pertencem à mesma família ou residem sob o mesmo domicílio tendem a compartilhar as mesmas chances de vida, recursos, interesses e padrão de vida (BOURDIEU, 2015; SANTOS, 2006; SØRENSEN, 1994). Para além da discussão clássica, considerou-se também uma alternativa teórica menos desenvolvida na Sociologia da Estratificação, baseada no potencial de consumo, essencialmente na capacidade das famílias de manterem um padrão particular de vida. Considera-se questões como padrões de vida, segurança econômica, pobreza, que refletem o suporte de recursos totais de uma família, não somente sua renda de suas atividades no mercado de trabalho (SPILERMAN, 2000).
Dessa forma, para a elaboração do modelo, foram escolhidas variáveis de afluência domiciliar que indicam o nível de riqueza do domicílio. O Quadro 1 apresenta a síntese dessas variáveis.

Além da análise descritiva dos Estratos Socioeconômicos propostos pelo modelo, realizou-se também testes estatísticos com a finalidade de observar se há, e quanto, relação entre as variáveis. Dessa forma, foi processada a tabulação das respostas utilizando o Teste de Independência, com estatística do teste Qui-quadrado, para observar se existe associação entre duas variáveis qualitativas Estrato Socioeconômico e Classe Ocupacional, Estrato Socioeconômico e Posição na Ocupação, Estrato Socioeconômico e acesso à internet, Estrato Socioeconômico e forma de colega de esgoto e, por fim, Estrato Socioeconômico e fornecimento de Água encanada.
O Teste de Independência é utilizado para grandes amostragens, consideradas acima de 20. Para verificar se há significância estatística entre elas, considerou o valor de significância 5%. Resultados acima de 5%, significa não haver associação entre as variáveis. A seguir têm a estatística do teste de Independência:
em que:
O_(ij )é o total de observações na casela (colunas e linhas i e j);
E_(ij )é a frequência esperada na coluna i na linha j;
I é a i-ésima linha da tabela;
J é a j-ésima coluna da tabela;
χ^2 é a estatística qui-quadrado do teste de Independência.
Resultados – Análise dos Estratos Socioeconômicos
Para identificar o número de classes latentes que melhor descreve a heterogeneidade não observada da amostra, por meio das variáveis individuais e domiciliares que manifestam a variável de classe latente, utilizou-se o teste BIC (Bayesian Information Criterion). O Critério de Informação Bayesiano é conhecido como ferramenta para comparar modelos concorrentes em termos de equilíbrio entre ajuste e parcimônia (COLLINS; LANZA, 2009). O gráfico 1 apresenta o valor do BIC para a amostra selecionada.
O teste BIC recomenda o uso de cinco classes latentes como a melhor divisão que descreve a heterogeneidade dos dados. A tabela 1 apresenta a distribuição absoluta e relativa dos Estratos Socioeconômicos latentes a partir do modelo proposto.

Observa-se que o Estrato Socioeconômico 4 é aquele com o maior percentual de indivíduos, seguido pelo Estrato 3. Os Estratos 1 e 2 apresentam percentuais próximos e o Estrato 5 possui o menor percentual entre todos. Para diferenciá-los internamente, a tabela 2 apresenta a divisão desses Estratos Socioeconômicos conforme a classificação ocupacional proposta.

Fonte: Elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD/IBGE (2015).
Ao analisar os Estratos Socioeconômicos por Classes Ocupacionais, observa-se que o Estrato 1 apresenta uma configuração homogênea e é composto internamente de forma majoritária por profissionais das atividades rurais. O Estrato 2 apresenta maior heterogeneidade em relação ao Estrato 1, sendo formado principalmente por profissionais das ocupações de supervisão e técnicas, seguido por trabalhadores de rotina, semi-rotina e não qualificados e em terceiro, por ocupações inferiores dos serviços, vendas e escritório. O Estrato 3, assim como o Estrato 2, também possui perfil heterogêneo, constituído em sua maior parte por trabalhadores de rotina, semi ou não qualificados e pelas ocupações inferiores dos serviços, vendas e escritório. O Estrato 4 também apresenta heterogeneidade em sua estrutura interna, composto em maior número pelas ocupações inferiores dos serviços, venda e escritório, seguido dos profissionais das ocupações de supervisão e técnica e pelas ocupações intermediárias. O Estrato 5, assim como o Estrato 1, apresenta-se homogêneo, porém composto majoritariamente pelos altos assalariados e pelas ocupações intermediárias.
Observa-se que alguns grupos ocupacionais, como as ocupações inferiores (serviços, vendas e escritório) apresentam percentuais destacados em mais de um Estrato Socioeconômico, como visto nos Estratos 3 e 4. No Estrato 3, observa-se que no grupo das ocupações inferiores dos serviços, vendas e escritório, há maior presença de mulheres, de assalariados informais e de autônomos não contribuintes para a previdência. Já no Estrato 4, para esse mesmo grupo ocupacional, percebe-se uma outra configuração. Verificou-se uma divisão entre os sexos consideravelmente similar, sendo mulheres 50,1% e homens 49,9%, além da maioria (89,6%) ser assalariados formais. Esses dados indicam que o que diferencia o grupo das ocupações inferiores dos serviços, vendas e escritório em relação aos Estratos Socioeconômicos 3 e 4 é a dimensão da formalidade e da informalidade. Com base nessa dualidade formal e informal, observar-se que, segundo o modelo de estratificação socioeconômico proposto, ter ou não ter carteira de trabalho assinada é um marcador de posição socioeconômico. Além disso, observou-se que no Estrato 3, em que há maior percentual de informalidade, há uma presença maior de mulheres, o que ratifica o fato de que, no Brasil, as mulheres são mais prejudicadas que os homens no mercado de trabalho.
Uma outra análise é sobre as ocupações de rotina, semi e não qualificadas nos Estratos 2 e 3. No caso do Estrato 2, os ocupados nessa Classe Ocupacional são majoritariamente mulheres (84,9%), autônomos não contribuintes para a previdência (39,5%) e assalariados informais (26,2%). Já no Estrato 3 encontra-se outro perfil para essa mesma Classe Ocupacional, sendo composto em sua maioria por homens (59,0%), assalariados informais (39,7%) e autônomos não contribuintes para a previdência (29,0%), mostrando que, nesse caso, o que irá diferir os ocupados na mesma Classe Ocupacional é o sexo do indivíduo. A tabela 3 apresenta as frequências relativas dos Estratos Socioeconômicos por posição na ocupação.

Fonte Elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD/IBGE (2015).
Ao analisar os Estratos Socioeconômicos por Posição na Ocupação, observa-se que os Estratos 4 e 5 são aqueles que apresentam os maiores percentuais de trabalhadores formais, aqueles com carteira de trabalho assinada, formados pelas categorias assalariados com carteira e servidores públicos. No caso do Estrato 4, o percentual de assalariados formais e servidores públicos ultrapassa os 90%. Os Estratos 1 e 3 apresentam a maior parte dos indivíduos na informalidade.
Dessa forma, para uma análise mais específica, a partir das características internas de cada Estrato Socioeconômico, uma análise interestratos permite observar que o Estrato 1 é composto majoritariamente por trabalhadores não remunerados e em menor proporção por autônomos sem contribuição previdenciária. O Estrato 1 é formado em grande parte por trabalhadores rurais informais. O Estrato 2 apresenta heterogeneidade tanto em relação às Classes Ocupacionais quanto à posição na ocupação. A maior parte dos indivíduos encontram-se na categoria assalariados formais, porém com percentual semelhante a soma das categorias que caracterizam a informalidade. Assim, observa-se que o Estrato 2 é composto de trabalhadores formais e informais. O Estrato 3, assim como o Estrato 2, também apresenta heterogeneidade em relação às Classes Ocupacionais. Porém, em relação à posição na ocupação, é um Estrato majoritariamente informal, composto em sua maioria pelos assalariados informais e pelos autônomos não contribuintes para a previdência social.
O Estrato 4 apresenta um perfil homogêneo. Diferentemente dos Estratos 1, 2 e 3, ele é marcado pela alta taxa de formalidade dos seus indivíduos, ultrapassando os 90%. Já o Estrato 5 é composto em sua maior parte por funcionários públicos estatutários e pequenos empregadores (com até 10 empregados). Além disso, é no Estrato 5 que estão concentrados os Grandes Empregadores (acima de 10 empregados). Assim, observa-se que os Estratos 4 e 5 compõem uma grande parcela dos trabalhadores formais e dos empregadores, pequenos e grandes.
A partir dessa análise, observa-se que, nos Estratos 1, 2 e 3 há uma maior presença de trabalhadores informais em categorias profissionais de menor prestígio social. Já nos Estratos 4 e 5, há maior presença de trabalhadores em categorias profissionais de maior prestígio e, portanto, maior retorno de condições socioeconômicas.
Os dados apresentados na tabela 4 são do teste de Independência da relação da variável Estrato Socioeconômico com Posição na Ocupação e Afluência Domiciliar.

Os resultados mostram que houve diferença para a relação entre Estrato Socioeconômico e Classe Ocupacional, Posição na Ocupação, Acesso à internet, Forma de escoadouro do banheiro e Água encanada, com valor-p < 2,2 x 10-16. Assim, têm-se evidências para rejeitar a independência entre as variáveis Estrato Socioeconômico, Posição na Ocupação e Serviços de afluência domiciliar ao nível de 1% de significância. Além disso, o p valor é baixo, o que indica uma forte associação entre as variáveis.
Em relação a dimensão domiciliar do modelo proposto, analisou-se a afluência domiciliar, mensurada por meio dos serviços básicos ofertados aos domicílios e a posse de bens duráveis. A tabela 5 apresenta os dados dos Estratos Socioeconômicos em relação ao acesso à internet.

Observou-se que, quanto maior o Estrato Socioeconômico, maior a afluência do acesso à internet. Além disso, a principal diferença é a forma como ocorre esse acesso. No Estrato 1, mais de três quartos dos indivíduos não possuem acesso, sendo que o acesso via celular e computador possuem percentuais próximos. Como visto anteriormente, o Estrato 1 é composto majoritariamente por trabalhadores rurais informais, ou seja, uma provável ausência de acesso à internet está vinculada a dificuldade dessas pessoas, localizados em zonas não urbanas, de conseguir esse serviço.
Os Estratos 2 e 3 possuem percentuais da categoria sem acesso, acesso por computador e acesso por celulares similares, o que mostra uma determinada singularidade entre esses Estratos no que diz respeito ao acesso à internet. Destacam-se, nesse quesito, os Estratos Socioeconômicos 4 e 5, com os maiores percentuais de acesso, principalmente pelo computador. Esses Estratos são marcados pelas profissões de maior prestígio, com os maiores índices de formalidade, o que reflete em uma afluência domiciliar quantitativamente e qualitativamente melhor. Importante ressaltar que, a variável que apresentou o maior nível de desigualdade entre os Estratos Socioeconômicos propostos pelo modelo foi acesso à internet. A tabela 6 mostra a relação entre os Estratos Socioeconômicos e a forma de coleta do esgotamento sanitário.

A forma de escoadouro do banheiro ou sanitário também apresenta desigualdades. Para a maior parte dos indivíduos do Estrato 1, composto por trabalhadores rurais informais, não há nenhuma forma de coleta do esgoto do banheiro ou sanitário. Além disso, o Estrato 1 é o que possui o maior percentual dos domicílios com fossa séptica. Essa condição está associada a dimensão rural dos indivíduos do Estrato 1, em que as condições sanitárias ainda são piores que nas zonas urbanas. Os Estratos 4 e 5, que apresentam as melhores condições de afluência domiciliar, possuem percentual relevante em relação a nenhuma forma de coleta de esgoto. Esse dado mostra que, apesar das boas condições de afluência domiciliar nesses Estratos, a questão da infraestrutura de saneamento básico no Brasil ainda é precária.
Além da forma de coleta do esgoto, analisou-se também a quantidade de banheiros nos domicílios. Observou-se que a presença de pelo menos um banheiro é majoritário em todos os Estratos. Destaca-se que, no Estrato 1, a ausência de banheiro é realidade para 11,7% dos indivíduos, enquanto no Estrato 5 a posse de três ou mais banheiros ocorre para 23,7%, evidenciando uma dimensão considerável das desigualdades de posse e acesso a esse recurso. Uma análise intraestratos permite observar que, por meio da classificação ocupacional, constata-se que no Estrato 1, 98,9% dos que não possuem nenhum banheiro são trabalhadores rurais. Já no Estrato 5, daqueles que possuem três banheiros ou mais, 69,1% são assalariados superiores, dados que revelam uma discrepância tanto entre os Estratos Socioeconômicos quanto nas Classes Ocupacionais.
Considerações Finais
Para Fernandes, Salata e Carvalhaes (2017), a Estratificação Social é uma área de pesquisa bem consolidada dentro da Sociologia brasileira. Segundo esses autores, há uma grande quantidade de trabalhos que mensuram, por meio de técnicas avançadas de análise de dados, relações entre variáveis como anos de estudo, rendimentos, classe de origem, classe de destino, raça, sexo, prestígio ocupacional, além de substantivo conhecimento sobre a relação de origem de classe e anos de estudo alcançados, escolaridade e rendimentos obtidos via mercado de trabalho.
Dessa forma, o objetivo deste artigo foi elaborar uma tipologia de estratificação socioeconômica para o Brasil que classificasse os indivíduos, levando em consideração variáveis individuais e domiciliares. Os resultados apresentados possibilitam mostrar algumas das dimensões da estratificação social e das desigualdades no Brasil. Partindo do pressuposto de que vivendo sob o mesmo domicílio os indivíduos compartilharão dos mesmos bens, serviços e oportunidades, o modelo de classificação proposto leva em consideração tanto a perspectiva dos estudos clássicos da Sociologia da Estratificação, com a ocupação do indivíduo como proxy de classe, além de novas perspectivas teórico-metodológicas desse campo de estudo, que considera também as características das condições de afluência domiciliar.
Os cinco Estratos Socioeconômicos derivados do modelo de estratificação indicam diferenças, principalmente em relação à ocupação, posição na ocupação e acesso a bens e serviços domiciliares. Assim sendo, tais resultados reforçam o cenário de desigualdade existente no país.
O Estrato 1 é formado basicamente por trabalhadores rurais, informais, em que a Classe Ocupacional do responsável pelo domicílio é igual à do cônjuge e com péssimas condições de afluência domiciliar, sobretudo em relação ao acesso à internet e aos serviços de saneamento básico. Os Estratos 2 e 3 possuem um arranjo mais heterogêneo. O Estrato 2 é formado principalmente por indivíduos com ocupações de supervisão e técnicas, rotina, semi e não qualificadas e ocupações inferiores dos serviços, vendas e escritório. O Estrato 3, pelas ocupações de rotina, semi e não qualificadas e as ocupações inferiores dos serviços, vendas e comércio. A diferença entre esses dois Estratos é a questão da formalidade e informalidade, sendo o Estrato 2 mais formal que o Estrato 3. Em relação à afluência domiciliar, os percentuais de ambos os Estratos são semelhantes, não apresentando nenhum grande diferencial, porém superior ao Estrato 1 e inferior aos Estratos 4 e 5.
O Estrato 4, diferentemente dos Estratos 2 e 3, apresenta composição homogênea. Ele é formado em grande parte por trabalhadores formais, principalmente assalariados com carteira, nas ocupações inferiores de serviços, vendas e escritório, ocupações de supervisão e técnicas e ocupações intermediárias, com condições de afluência domiciliar consideravelmente boas. O Estrato 5, também majoritariamente formal, é formado sobretudo pelos funcionários públicos estatutários e pelos pequenos empregadores e possuem as melhores condições de afluência domiciliar.
Esse estudo visa contribuir com os trabalhos feitos por importantes sociólogos que se propuseram a elaborar tipologias de classe no Brasil. O principal fator de diferenciação desse trabalho foi considerar variáveis individuais e domiciliares, o que não se observa nos estudos cânones da Sociologia da Estratificação no Brasil. Espera-se que, a partir dele, outros estudos nesse campo de pesquisa amplo considere as diferentes e diversas dimensões da estratificação social no Brasil.
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Notas
Autor notes