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“Pequenas Barragens” na Política Energética: Notas Sobre Sustentabilidade e Equidade Socioambiental
"Small Dams" in Energy Policy: Notes on Sustainability and SocioEnvironmental Equity
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 28, núm. 1, e46852, 2023
Universidade Estadual de Londrina

ARTIGOS


Recepção: 31 Outubro 2022

Revised document received: 16 Fevereiro 2023

Aprovação: 10 Abril 2023

DOI: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2023v28n1e46852

Resumo: O texto reflete sobre as falácias contidas nos argumentos que defendem as PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) e as CGHs (Centrais de Geração Hidrelétrica) como fonte alternativa de energia e parâmetro para o desenvol-vimento sustentável. Embora o critério tamanho possa induzir à crença na produção de impactos menores, a realidade empírica demonstra o contrário. A maior parte da energia produzida por essas estruturas é destinada aos consumidores comerciais e industriais. Projetos incidem em geral sobre biomas ameaçados, como a Mata Atlântica, e afetam áreas tradicionalmente ocupadas no sul, centro-oeste e sudeste brasileiro. Ênfase na geração de energia em detrimento da eficácia na gestão e ausência de uma perspectiva centrada na equidade socioambiental são problemas de fundo.

Palavras-chave: Pequena central hidrelétrica, central de geração hidrelétrica, política energética, sustentabilidade, desenvolvimento.

Abstract: The article reflects on the fallacies of arguments that consider SHPs (Small Hydroelectric Plants) and CGHs (Hydroelectric Generation Plants) as alternative sources of energy and parameter for sustainable development.  Although the criterion size may induce the belief in the production of smaller impacts, the empirical reality reveals the opposite. Most of the energy produced is directed for commercial and industrial consumers. Many projects are in areas of threatened biomes, such as the Atlantic Forest, and affect living spaces of traditional people in the South, Center-West and Southeastern Brazil. Emphasis on energy generation at the expense of efficiency in management and the perspective of socio-environmental equity remain as basic problems.

Keywords: Small dams, hydroelectric generation plants, energy policy, sustainability, development.

Introdução

O processo de desregulação ambiental, em ocorrência desde o início do século XXI, acirrou-se a partir do governo do presidente Michel Temer (2016-2018), culminando em políticas antiambientais (BRONZ; ZHOURI; CASTRO, 2020), durante a gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022). As estratégias para simplificação de licenciamentos ambientais, muitas vezes transvestidas de “modernização”, ou de “desburocratização”, produzem o efeito de assegurar a chamada segurança jurídica aos investidores. Isso ocorre muitas vezes em detrimento de maior rigor nas análises técnicas sobre os possíveis efeitos socioambientais dos empreendimentos.3 Estaríamos vivenciando um contexto de retração no que se refere aos esforços para a construção de um consenso político em torno da ideia de desenvolvimento sustentável? Em que medida estaria sendo explicitada atualmente a faceta mais embrutecida da acumulação por despossessão? (HARVEY, 2004).

A política energética constitui um dos pilares centrais da sociedade industrial e oferece uma janela privilegiada para observação, reflexão e análise sobre desenvol-vimento, sustentabilidade e justiça socioambiental. Neste sentido, este artigo pretende tecer algumas análises sobre o planejamento energético brasileiro considerando, sobretudo, a defesa das chamadas pequenas estruturas de geração hidrelétrica, justificadas como projetos alternativos de sustentabilidade ambiental no contexto de produção de energia. A questão geral neste caso é: seria tamanho uma medida indicativa de sustentabilidade? Ao final, o texto reflete sobre caminhos para se pensar um modelo energético mais próximo da sustentabilidade e da equidade socioambiental.

Os dados coletados em fontes oficiais diversas serão analisados à luz das ciências sociais e das reflexões resultantes das experiências de pesquisas sobre o licenciamento ambiental de hidrelétricas no decorrer dos anos 2001 a 2020.4 Optamos por este recorte temporal porque ele contempla o boom das privatizações no setor e deixa de fora as mudanças mais substantivas advindas com o agravamento da corona virus disease (COVID-19), caracterizado pela Organização Mundial da Saúde como pandemia em março de 2020. Dentre as técnicas e métodos da pesquisa qualitativa, destacamos a realização de observação participante em audiências públicas, em reuniões decisórias do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais, visitas in loco, entrevistas com técnicos de órgãos ambientais e atingidos por projetos hidrelétricos nas regiões do Vale do Jequitinhonha, Central, Triângulo Mineiro e Sul de Minas, além da leitura crítica de Estudos de Impacto Ambiental.5

Hidrelétricas e Sustentabilidade

Uma das primeiras estratégias bem-sucedidas para dar continuidade e rotatividade ao capital, ao mesmo tempo em que promove uma aparente solução para os problemas ambientais e desigualdades sociais inerentes ao modo de produção industrial capitalista, emerge com o termo ‘Desenvolvimento Sustentável’, mencionado inicialmente no documento World Conservation Strategy. Este foi publicado em 1980 pelas organizações IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza) e WWF (Fundo Mundial para a Natureza) sob os auspícios das Nações Unidas. Portanto, já são mais de quatro décadas de intensos debates e embates internacionais, não apenas sobre a consistência do que seria o suposto conceito, mas sobre metas, critérios e indicadores para se alcançar o desenvolvimento sustentável na prática.

Como já alertaram diferentes autores (a exemplo de ESCOBAR, 2005; RIBEIRO, 1991; SACHS, 1993), a noção de desenvolvimento sustentável assenta-se numa crença na possibilidade de consenso em torno do crescimento econômico conjugado à proteção ambiental e à justiça social. Aspira, portanto, à conciliação das dimensões irreconciliáveis do paradigma desenvolvimentista, apresentando-se como uma nova ideologia/utopia do desenvolvimento (RIBEIRO, 1991). Com efeito, o próprio conceito de desenvolvimento tem apresentado historicamente uma capacidade flexível, reformulando-se e moldando-se às circunstâncias históricas específicas através de inúmeras adjetivações. Como um significante vazio (LACLAU, 1994), desenvolvimento assume significados diferentes, não apenas em sintonia com as exigências de determinada época, mas sobretudo em face aos interesses de distintos grupos sociais em campos de poder (i.e. desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, desenvolvimento humano, dentre outros). Desenvolvimento sustentável parece confirmar tal formulação, haja vista sua evocação por atores conflitantes diversos, a exemplo de empresas do setor elétrico, mineradoras, entidades ambientalistas, governos e grupos locais.

Fato é que, a rigor, passadas quatro décadas de discussões, não há consenso sobre o significado de desenvolvimento sustentável e menos ainda quanto às formas de implementá-lo. Os interesses que defendem as esferas ecológica, econômica e da justiça social ainda o fazem a partir de suas posições específicas, apesar de iniciativas pontuais em sentido contrário. Isso se torna evidente nas discussões que envolvem a produção, o fornecimento e o consumo de energia, sobretudo nos debates acerca da construção de novas hidrelétricas.

Já no início dos anos 2000, os economistas do Fórum Econômico Mundial (2000, 2001), autointitulados Global Leaders for Tomorrow Environment Task Force (algo como ‘Líderes Globais para o Grupo de Trabalho Meio Ambiente do Amanhã’), estabeleciam que o nível de produção de energia hidrelétrica de um país constituía um indicador de sustentabilidade ambiental em comparação com outras fontes de energia, tais como a nuclear, por exemplo. Tal afirmação, no contexto da sociedade brasileira, pode ter contribuído para a difusão da crença de que o país caminha no sentido da sustentabilidade ambiental, uma vez que 62,2% da capacidade instalada de geração de energia provém de fonte hídrica (BRASIL, 2020).


Gráfico 1
Matriz da capacidade de geração de energia elétrica do Brasil.
Fonte:Brasil (2020, p. 16).

Se somarmos às hidrelétricas as fontes de energia eólica (8,9%), solar (3,3%) e mais a proveniente da queima da biomassa (8,6%), tem-se o total de 83% de uma matriz energética considerada ‘renovável’, o que pode sugerir a impressão de que o Brasil seria um dos países mais sustentáveis do mundo em geração de energia. Não é demasiado lembrar, ainda que brevemente, os limites apresentados por cada fonte relativamente ao quesito sustentabilidade quando se considera o processo “do berço ao túmulo”, a exemplo da produção e descarte dos materiais utilizados na fabricação das pás aerogeradores das torres eólicas e das placas fotovoltaicas para captação da luz solar, assim como os impactos socioambientais da monocultura da cana-de-açúcar (ASSIS; ZUCARELLI, 2007; LASCHEFSKI; ASSIS, 2006), cuja queima do bagaço corresponde a 27,3% da biomassa utilizada na produção de energia pelas usinas termelétricas (ANEEL, 2019).

Para este artigo, consideraremos a fonte hídrica, mais especificamente a PCH (Pequena Central Hidrelétrica) e a CGH (Central de Geração Hidrelétrica), conhecidas como estruturas de ‘pequeno porte’. Estas vêm se configurando no cenário nacional como ‘alternativas’ às grandes barragens em termos de ‘menor potencial poluidor/degradador’ e recebendo, cada vez mais, isenções fiscais e flexibilizações normativas no processo de licenciamento ambiental, o que atrai o interesse dos investidores. Ora, se as grandes hidrelétricas são entendidas como fonte renovável e podem até mesmo ser adjetivadas como ‘sustentáveis’ pelas concepções mais convencionais e hegemônicas que defendem a ideia de desenvolvimento sustentável, os chamados ‘pequenos’ projetos parecem figurar acima de qualquer questionamento.

Neste diapasão, a partir de um certo discurso pretensamente ambiental, o potencial hidráulico é promovido como energia ambientalmente ‘mais limpa’. Ao todo são 1.368 hidrelétricas em operação no país, mais 142 novos projetos autorizados e/ou em construção e outros 631 em diferentes estágios de estudos (DRS - Despacho de registro da adequabilidade do sumário executivo; EVTE - Estudos de viabilidade técnica e econômica; DRI - Despacho de registro de intenção à outorga de autorização, entre outros), totalizando 1.510 empreendimentos, conforme pode-se verificar nos Quadros 1 e 2, adiante.

Quadro 1
Hidrelétricas no Brasil

Fonte: Adaptado ANEEL (2020b).

Quadro 2
Projetos hidrelétricos em estudo no Brasil

Fonte: Adaptado ANEEL (2020a).

Com a abertura do mercado, iniciada na década de 1990, investir no setor de energia elétrica no Brasil se tornou um negócio altamente lucrativo. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas estimou o faturamento total do setor de quase R$150 bilhões de reais (cento e cinquenta bilhões de reais), somente para o ano de 2017. Estas cifras despertam, cada vez mais, interesses privados nacionais e, sobretudo, estrangeiros. O crescimento dessas inversões pode ser averiguado na aquisição dos empreendimentos leiloados. De todos os leilões de geração de energia ocorridos a partir de 2016, “as empresas nacionais privadas foram responsáveis pela aquisição de 15,9% dos empreendimentos, o restante foi adquirido por empresas estrangeiras (73,6% privadas e 10,5% estatais)” (FGV, 2018, p. 16).

O modelo de privatização seguiu o receituário inglês, no qual a energia é de origem termelétrica à base de carvão e gás natural (ZHOURI, 2003). Trata-se, portanto, de uma outra realidade que não envolve recursos de múltiplos usos, como é o caso da água. Na virada do século XXI, então, houve uma corrida de construtoras e de empreiteiras aos processos de licenciamento, sem que houvesse uma avaliação sobre a necessidade efetiva de novas barragens. Os anseios pela construção e, concomitantemente, pelo ganho financeiro de investidores, de fabricantes de equipamentos e de empreiteiras, fazem com que qualquer análise mais apurada para avaliar o estado de operação das barragens já construídas fique em segundo plano.

Das 1.368 hidrelétricas em operação no Brasil, 333 (24%) são de antes de 1990, conforme se verifica no Gráfico Nº2, seguinte.


Gráfico 2
Empreendimentos hidrelétricos por período de entrada em operação no Brasil
Fonte: Adaptado ANEEL (2020b). * Para uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) e 77 Centrais de Geração Hidrelétrica (CGH) não foi possível confirmar a data de entrada em operação.

Somente em 2019, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) publicou um estudo sobre a possibilidade de modernização de 51 barragens com mais de 25 anos de operação e com capacidade superior a 100 MW. O próprio estudo critica a falta de investimentos em eficiência, considerando a existência de um parque instalado antigo e de grande dimensão, como é o caso brasileiro (EPE, 2019). A EPE aponta efeitos positivos da repotenciação, como o prolongamento da vida útil e menos gastos com a inevitável degradação do rendimento das usinas antigas. Em suma, a modernização dessas 51 hidrelétricas implicaria no aumento da capacidade instalada de 49.973 MW e na redução de 11% a 15% dos custos operativos do sistema (EPE, 2019). Conforme estima o estudo:

[...] os custos com a extensão da vida útil dos equipamentos – entendida como recuperação próxima ao desempenho original de projeto – seriam de aproximadamente 60% dos custos dos equipamentos novos, enquanto os custos de upgrade – entendidos como processo capaz de incorporar ganhos tecnológicos – seriam de aproximadamente 90% dos custos de novos equipamentos

(EPE, 2019, p. 47).

Desta forma, investir na repotenciação dessas 51 usinas, por exemplo, acrescentaria ao sistema uma potência equivalente a cinco hidrelétricas de Tucuruí, localizada no rio Tocantins, no Estado do Pará, a quinta maior hidrelétrica do mundo, cuja potência outorgada é de 8.535 MW. Seria um acréscimo maior do que o potencial hidrelétrico inventariado (47.207 MW) para as regiões Norte, Nordeste e Sudeste juntas (ELETROBRÁS, 2018). A modernização do sistema implicaria não somente em economia de investimento, mas na eliminação dos efeitos negativos que a implementação destes empreendimentos imputa à biodiversidade e à população local, como veremos mais adiante.

Outrossim, a modernização e a manutenção adequada também das redes de transmissão do país, que possui cerca de 140 mil km de extensão, evitaria as altas taxas de desperdício de energia elétrica e acrescentaria ainda mais eficiência ao sistema.


Gráfico 3
Montante de perdas de energia elétrica entre 1970 e 2019 (valores em porcentagem - %)
Fonte: Adaptado EPE (2020a).

O gráfico anterior demonstra a intensificação das perdas de energia elétrica a partir da década de 1990, período quando se inicia a privatização do setor, chegando a quase 17% em 2019 (EPE, 2020a). De acordo com o relatório da Aneel sobre as perdas de energia elétrica na distribuição, o Sistema Elétrico brasileiro apresenta perdas da ordem de 14% sobre a energia injetada (ANEEL, 2019). São perdas que ocorrem desde a geração nas usinas, passando pelas linhas de transmissão e redes de distribuição, até chegar na tomada do consumidor final (BERMANN, 2001). Para se ter uma dimensão real do desperdício, basta fazermos o cálculo entre geração de energia e percentual de perda. Pelos dados constantes no relatório de informações gerenciais da Aneel (2019), de janeiro a dezembro de 2018 foram gerados 546.824.000 MWh. Se ocorresse investimento em eficiência, digamos, reduzindo as perdas para parâmetros internacionalmente praticados, como de 6%, teríamos um acréscimo anual no Sistema de Energia Integrado da ordem de 43.746.000 MWh. Este valor equivale ao que produz anualmente a Usina de Tucuruí, citada anteriormente. Seria energia suficiente para abastecer a região metropolitana de São Paulo. Portanto, mesmo com a existência de programas nacionais de eficiência energética traçados desde os anos 2000, não há garantia da aplicação dos parcos recursos para implementação dos projetos e tampouco acompanhamento técnico para essa efetivação (COLLAÇO; BERMANN, 2017). Caso houvesse de fato uma política de gestão e eficiência, a repotenciação de hidrelétricas e a redução do percentual de perdas da energia injetada promoveriam o abastecimento regular equivalente ao que é consumido por seis regiões metropolitanas de São Paulo, sem que se construísse uma usina sequer.

Vale destacar que as medidas de racionamento adotadas durante a crise de 20016, assim como o incentivo à troca de lâmpadas mais econômicas, aparelhos mais eficientes e outras mudanças de comportamento no âmbito do consumidor doméstico, representaram um enorme potencial de redução de consumo. O resultado das medidas implementadas no ‘apagão de 2001’ constituíram excedentes de energia da ordem de 7.800 MW, mais do que a potência outorgada da parte brasileira de Itaipu (7.000 MW). Numa outra dimensão, a pandemia causada pela disseminação da Covid-19, no primeiro semestre de 2020, impôs aos países o isolamento de seus cidadãos e o fechamento temporário do comércio não essencial. Tais medidas adotadas pelos governantes também significou uma drástica redução no consumo de energia. No Brasil, se compararmos o consumo do mês de maio de 2020 com o mesmo mês em 2019, a redução no consumo total foi de 11% (EPE, 2020b).

Evidentemente, a pandemia remete a um grave problema de saúde pública e a uma situação de excepcionalidade não desejável, mas possibilita pensar em mudanças de comportamento e de formas econômicas que poderiam, em tese, prover bases para uma nova política de gestão energética. Entretanto, situações que remetem à possibilidade de redução do consumo de energia são entendidas como uma ameaça ao setor elétrico. Para se ter um exemplo, a redução do consumo de energia, no período da pandemia, afetou as receitas das companhias. Este fato fez com que a diretoria da Aneel aprovasse em 23 de junho de 2020 uma ajuda financeira às empresas do setor, dinheiro repassado para as contas dos consumidores em 2021 (ROUBICEK, 2020). Neste sentido, a redução do consumo configura-se mais como uma prática que deve ser punida do que incentivada.

E, assim, a atual política continua respondendo às pressões imediatistas e pautadas pelos interesses econômicos voltados para a acumulação e amparados no mito desenvolvimentista: incentivo ao consumo e redução de impostos junto a setores eletrointensivos que consomem grande quantidade de energia para cada unidade produzida, como o praticado na produção de aço, de alumínio (metais não ferrosos), de cimento, de ferro-ligas (metalurgia), de petroquímica e de papel e celulose. Bermann nos traz o exemplo do alumínio:

O Brasil produz atualmente cerca de 1,6 milhão de toneladas de alumínio, e cada tonelada de alumínio produzida exige por volta de 15.000-16.000 quilowatts/hora. Consideremos que um domicílio, em média no Brasil, gasta cerca de 155 quilowatts/hora por mês, ou 1.840 quilowatts/hora por ano. Essa é uma média pois não considera os domicílios de alto poder aquisitivo, que consomem muito mais. Isso sem contar Estados mais pobres, como o Maranhão, onde o consumo domiciliar médio por mês é de 80 quilowatts/hora. [...] Então a conta, que [...] deve ser feita assim: se a tonelada de alumínio consome 15.000-16.000 quilowatts/hora e uma família consome, em média 1.840 quilowatts/hora por ano, o fato é que a produção anual de alumínio primário no país é da ordem de 24 bilhões de quilowatts/hora, equivalente ao consumo médio anual de 13 milhões de domicílios

(MACHADO, 2015, p. 7).

Neste sentido, é importante ressaltar a falácia de um argumento muito utilizado pelos empresários do setor elétrico para justificar a construção de uma nova usina, que é o da produção de energia para atender milhões de domicílios. Como se verifica no Quadro 3, a seguir, uma pequena parcela de consumidores do setor industrial (0,6%) consome mais energia (34,8%) do que os consumidores residenciais (86,3%), que consomem menos de 30% de energia elétrica.

Quadro 3
Participação no consumo de energia elétrica e de consumidores, por setor, no ano de 2019

Fonte:EPE (2020b).

Com efeito, refletindo a partir de critérios pautados pela racionalidade ambiental e por políticas centradas em dimensões da sustentabilidade, adicionalmente à implementação de uma gestão voltada para a eficiência energética, esforços concentrados igualmente na construção de uma política ancorada na perspectiva da suficiência e da equidade ambiental deveriam ser imperativos. Ou seja, a construção de um planejamento que leve em consideração não somente a oferta e a demanda, mas os setores econômicos e os segmentos sociais consumidores de energia e as prioridades a serem adotadas para cada um deles e para o país como um todo. Afinal, quais são os alcances dos investimentos concentrados em geração de energia para subsidiar atividades extrativas que têm como foco a exportação de bens primários com mínima agregação de valor aos produtos? Dentre os consumidores do setor industrial, apenas sete ramos específicos consomem juntos 20,34% de toda energia elétrica gerada no país, quase a mesma quantidade consumida pelas residências no Brasil.

Quadro 4
Participação dos sete maiores consumidores industriais de energia elétrica no país, em 2019

Fonte: EPE (2020b).

Mesmo diante da capacidade atualmente instalada, desengavetam-se projetos inventariados há meio século, realizados pelo Consórcio Canambra e pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte), quando a realidade e o conhecimento técnico, científico e ambiental eram ainda incipientes (GOMES et al., 2003). Belo Monte é o exemplo mais paradigmático neste sentido: uma energia a ser potencialmente gerada que já produziu um déficit social e ambiental que só agrava o processo de despossessão (HARVEY, 2004) e de vulnerabilização das camadas historicamente mais exploradas e/ou esquecidas dos projetos desenvolvimentistas: grupos indígenas, comunidades tradicionais e populações ribeirinhas da Amazônia.

Hidrelétricas, ‘grandes obras’ por excelência, constituíram-se como símbolos de desenvolvimento em regimes ditatoriais. As grandes barragens das décadas de 1960 e 1970, ícones da matriz desenvolvimentista, foram, contudo, duramente criticadas nos anos 1980 pelos seus significativos impactos ambientais e sociais. No final dos anos 1990, as ‘pequenas’ centrais hidrelétricas são lançadas, de forma genérica, como solução menos impactante, conforme qualificam Custodio e Rodrigues (2018). A partir do neodesenvolvimentismo de meados dos anos 2000, representados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), grandes e pequenas barragens se complementam numa matriz energética que agrava as iniquidades e os danos socioambientais.

Do ponto de vista meramente ambiental, como afirma Aziz Ab’Saber, os efeitos causados por qualquer barragem são imensos, irreversíveis em sua maioria e ainda desconhecidos: “cada vez que se constrói uma barragem, é uma terra nova que se cria, com novos ecossistemas, dos quais não se conhece o comportamento” (AB’SABER, 1996).

Do ponto de vista social, pode-se afirmar que a implementação desses empreendimentos contribui para aprofundar a dinâmica da despossessão (HARVEY, 2004, p. 145), uma vez que a comodificação e a privatização da terra produz um modelo de expropriação e de concentração fundiária, recursos e territórios, a partir da conversão de variadas formas de direitos de propriedade (consuetudinário, pública, de uso comum etc), em direitos exclusivos de propriedade privada com uma única finalidade: a geração de energia elétrica. O resultado é a intensificação dos conflitos ambientais (ACSELRAD, 2004), sobretudo os conflitos ambientais territoriais (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010) que, em sua faceta mais violenta, promovem uma multiplicidade de deslocamentos compulsórios (OLIVEIRA; ZHOURI; MOTTA, 2021).

A imposição da construção de uma usina hidrelétrica, com fins exclusivos para suprir a energia elétrica demandada por um determinado segmento da economia industrial, expropria os diversos modos de apropriação, uso e significação dos espaços ambientais ocupados por comunidades atingidas que:

[...] não só perdem a base material de sua existência, as condições ambientais apropriadas ao seu modo de produção - terras férteis agricultáveis, as beiras dos rios, as nascentes, etc -, como perdem também suas referências culturais e simbólicas, as redes de parentesco estabelecidas no espaço, a memória coletiva assentada no lugar etc.

(ZHOURI; OLIVEIRA, 2005, p. 51).

Neste cenário, a escolha política pela continuidade e intensificação da exploração dos espaços, como se estes fossem “terras vazias” (BEBBINGTON, 2007) ou “áreas de sacrifício” (SVAMPA; VIALE, 2014), através dos processos de privatização do território para produção de energia e de outros insumos para a formação do capital, perpetua iniquidades e enseja conflitos políticos, ambientais, culturais e territoriais. Nestes estão envolvidos atores com modos de vida diferenciados, visões de mundo distintas e condições assimétricas de poder. Suas lutas envolvem a legitimação e a redistribuição da capacidade de apropriação material sobre os territórios e os bens comuns (ACSELRAD, 2004; CARNEIRO, 2009; ZHOURI; LASCHEFSKI; PEREIRA, 2005). Portanto, são conflitos que evidenciam os diferentes processos de construção social dos territórios, bem como salientam as formas desiguais de acesso ao meio ambiente.

Em face da lógica mercantil e desigual, concentradora de espaço e de recursos, que orienta a produção energética, cabe indagar se tamanho seria, de fato, uma medida de sustentabilidade e de justiça ambiental no que concerne a construção de barragens hidrelétricas.

Pequenas Represas Podem Evitar Problemas Sociais e Ecológicos?

Não há uma resposta simples quando se trata de pensar a sustentabilidade social e ambiental de projetos hidrelétricos. As chamadas PCHs e CGHs constituem uma fonte complementar de energia e não necessariamente uma fonte alternativa, quando consideramos sua inserção no circuito de distribuição e de finalidades energéticas. O critério do tamanho, portanto, frequentemente acionado nos debates sobre ‘alternativas energéticas’, por si só, configura indicador limitado para assegurar sustentabilidade ou ausência de problemas sociais e ambientais (LATINI; PEDLOWSKI, 2016).7 Neste caso, somos forçados a afirmar que, a priori, o ‘pequeno’ não é necessariamente ‘bonito’ (para um trocadilho com a expressão em inglês small is beautiful).

Se o critério tamanho já ilude quanto ao dimensionamento dos efeitos dos projetos, os problemas se agravam quando observamos os diferentes parâmetros usados pelas agências para definição de tamanho. Segundo a Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica, as chamadas pequenas barragens (PCHs) são usinas com potência instalada total de até 30 MW e reservatório de até 3 km2, ou seja, uma área inundada máxima de 300 hectares. Há ainda uma discussão sobre a possibilidade de aumentar essas medidas para potência instalada de até 50 MW. Contudo, para o Icold (International Comission on Large Dams) no âmbito da World Commission on Dams, uma 'pequena' barragem teria até 15 metros de altura acima do leito do rio. Neste sentido, muitas das chamadas 'pequenas' barragens no Brasil não se enquadrariam nos critérios internacionais, visto apresentarem altura superior a 15 metros. No âmbito regional, a Deliberação Normativa 217/2017 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais (Copam) determina um empreendimento hidrelétrico como sendo de ‘pequeno’ porte quando este tiver entre 5MW e 30MW de capacidade instalada, sem limite espacial de área inundada. Portanto, o parâmetro tamanho encontra-se submetido a critérios distintos em nível estadual, nacional e internacional, uns levando em conta a altura, outros o volume de energia produzida, a extensão da área a ser inundada, ou até mesmo uma combinação dos dois últimos.  

Entretanto, a controvérsia não reside apenas na divergência entre os parâmetros de classificação nacionais e internacionais, até porque barragens de até 15 metros de altura não asseguram impactos sociais e ambientais menores do que os empreendimentos com altura superior.

Vejamos o caso em Minas Gerais. Este estado, situado na região sudeste, representa o terceiro maior PIB do Brasil. Os ecossistemas dominantes - Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica - são ameaçados por atividades agrícolas, tais como as monoculturas de eucalipto, cana-de-açúcar, soja, café, pecuária extensiva e mineração (incluindo metalurgia e siderurgia). Em Minas Gerais, encontram-se ainda três das sete bacias hidrográficas brasileiras, sendo por isto considerada uma região importante para recarga hídrica de mananciais subterrâneos e superficiais no Brasil.

Atualmente, são 770 processos técnicos cadastrados no sistema ambiental de Minas Gerais (MINAS, 2020), que envolvem projetos hidrelétricos já analisados ou em licenciamento ambiental pelo estado. Devido à composição típica de relevo montanhoso, berço das principais nascentes que alimentam três grandes bacias hidrográficas brasileiras (do Rio Paraná, do Rio São Francisco e do Atlântico Leste), os projetos são propostos nos vales encaixados onde vive a maioria da população rural e se encontram os últimos remanescentes florestais. Com esta configuração, as hidrelétricas trazem enormes impactos sociais e ambientais, contrariando a tese de que são ambiental e socialmente sustentáveis, constituindo-se, pois, como alternativas energéticas limpas. No caso do projeto PCH Fumaça, por exemplo, localizado no município de Mariana-MG, uma iniciativa de autoprodução da Alcan Alumínios do Brasil cuja capacidade instalada é de 10 MW, foram atingidas aproximadamente 200 famílias numa área inundada de 2,2 km2, o que representa 91 famílias afetadas por km2. No Brasil, seis famílias são afetadas, em média, por km2 alagado com a construção de hidrelétricas (ZHOURI, 2003).

Contudo, a contabilidade dos empreendedores da PCH Fumaça, estratégica-mente centrada no número de propriedades inundadas diretamente pelo reservatório, registrou 112 propriedades e um total de 317 pessoas atingidas pela hidrelétrica. Este número foi contestado pelos atingidos, uma vez que não contemplava as categorias de trabalhadores não-proprietários, tais como: meeiros, diaristas, garimpeiros, artesãos de pedra sabão, dentre outros. Consideradas essas categorias, o número de atingidos ultrapassou o total de mil pessoas (GESTA, 2010). Cabe destacar também que são considerados atingidos somente os ‘inundados’ pelo lago (VAINER, 2008). Ou seja, a identificação do universo atingido, submetida à lógica do empreendimento e da rentabilidade dos negócios, subestima as afetações desconsiderando as territorialidades específicas das famílias e suas redes de trocas, intercâmbios, circuitos comerciais, relações de trabalho e, sobretudo, seus laços comunitários rompidos pelo projeto (OLIVEIRA; ZHOURI; MOTTA, 2021). As propostas de reassentamento não raro contemplam uma parcela da comunidade que é removida para outro local, além de criar desvios dos caminhos de acesso intercomunitários, acesso às terras de cultivo, muitas vezes dispersas.

Outro exemplo dos problemas oriundos das chamadas “pequenas represas” é ilustrado pelos casos das CGHs Alagoa II e III no rio Aiuruoca, no município de Alagoa, Sul de Minas Gerais. Submetidas ao licenciamento ambiental simplificado, a população da região tomou conhecimento do projeto a partir das dinamitações no rio, em meados de 2020, já em fase de implantação. Ao investigarem, os moradores foram surpreendidos pela notícia de que teria ocorrido, meses antes, um ‘convite’ para uma ‘reunião de apresentação dos projetos’, com duração de apenas 30 minutos, na Câmara Municipal (GESTA, 2020). Alijada dos processos de decisão sobre seu futuro, a população se mobilizou para salvar o rio, as águas e as matas que ainda restam e que exercem uma função essencial de conectividade e dispersão genética. Em menos de três semanas, uma petição pública virtual alcançou o número de 11 mil assinaturas. No contexto da pandemia de Covid-19, com o isolamento social, as movimentações do Coletivo SOS Rio Aiuruoca nas redes virtuais celebraram as belezas cênicas do lugar, situado na Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira, além do turismo ecológico, rural e gastronômico como atividades econômicas reais e sustentáveis para a região. Em virtude da mobilização social, uma Ação Civil Pública foi instaurada pelo Ministério Público de Minas Gerais. O juiz da comarca local chegou a emitir uma ordem de suspensão das atividades. Contudo, as empresas recorreram e, em setembro de 2020, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais autorizou a continuidade das obras.


Figura 1
Intervenções das obras das CGHs Alagoa II e III no Rio Aiuruoca.
Fonte: GESTA (2020). * Rio Aiuruoca. Cachoeira dinamitada, na foto à esquerda; e duto que leva água do rio até a casa de força, na foto à direita.

Além dos problemas trazidos por cada empreendimento, muitos projetos, sejam grandes ou pequenos, localizados em um mesmo rio ou bacia hidrográfica, causam danos cumulativos e sinérgicos, normalmente não avaliados. Este é o caso de vários rios em Minas Gerais. Pelo Mapa Nº1, adiante, é possível visualizar projetos hidrelétricos em operação e já inventariados para um mesmo rio, como são os casos: do Rio Araguari, no Triângulo Mineiro; dos rios São Francisco, Paraopeba e das Velhas na região Central; dos rios Araçuaí e Jequitinhonha no Vale do Jequitinhonha; e do Rio Doce, na região leste do Estado.


Mapa 1
Parte do Estado de Minas Gerais e as Usinas Hidrelétricas maiores de 50MW em operação, em construção, com estudos de viabilidade e inventariadas
Fonte: Eletrobrás (2018).

Tantas hidrelétricas consecutivas resultam na morte dos rios, uma vez que esses são transformados em uma sucessão de lagos. Falamos da morte de um rio não apenas como metáfora da radicalidade representada pela transformação de um ambiente lótico em lêntico, mas porque, ao contrário de uma visão instrumental que define os rios como meros provedores de serviços ambientais, os rios podem de fato constituir diferentes realidades e significados para uma diversidade de grupos sociais, tais como os povos tradicionais e indígenas. Para os indígenas Krenak, por exemplo, o rio Doce não é uma realidade externa às relações sociais próprias ao grupo. O Rio Doce é considerado um parente (Watu), um ente com o qual os Krenak estabelecem relações socioambientais e afetivas (FLORIT, 2019). Desta forma, referem-se ao comprometimento do rio causado pelo desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton, em 2015, como agonia e morte do parente (ZHOURI; PASCOAL, 2022).

Neste sentido, cabe mencionar a preocupante condição ecológica da bacia hidrográfica do Rio Doce, que conta com um total de 112 usinas, sendo oito PCHs e uma CGH em construção, 28 em estágios avançados de projeto (25 PCHs e 3 UHEs), além de outras 75 hidrelétricas já em operação (ANEEL, 2020a). Esses projetos incidem sobre matas ciliares, sobretudo a Mata Atlântica, que conta com 10,2% de remanescentes no estado (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA, 2019). Além disso, são áreas de conectividade florestal com as encostas, constituindo-se importantes corredores de dispersão genética entre as demais áreas devastadas. Quando não incidem sobre essas áreas, que são ainda protegidas pela legislação ambiental, os projetos recaem sobre áreas ocupadas por ribeirinhos, que se utilizam dos solos férteis para plantio de alimentos nas margens dos rios, além de incidirem igualmente sobre a pesca, a faiscação e outras atividades desenvolvidas de forma tradicional. Não se sabe em que medida esse conjunto de usinas poderá agravar ainda mais a difícil recuperação do Rio Doce, severamente comprometido pela avalanche de rejeitos da mineração, provenientes do rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana.

A tendência em dividir os projetos em unidades menores, inclusive para facilitar a obtenção de licenças ambientais, vem sendo observada nas últimas duas décadas. No estado de Minas Gerais, alguns critérios de classificação dos empreendi-mentos hidrelétricos, estabelecidos pela Deliberação Normativa (DN) nº 74/2004 do Copam para definição das modalidades de licenciamento ambiental, foram alterados pela Deliberação Normativa nº 217/2017. Pela legislação anterior (DN nº 74/2004), o potencial poluidor/degradador de qualquer projeto hidrelétrico era considerado ‘grande’ para efeito de classificação do empreendimento. A partir da nova Deliberação, criou-se uma diferenciação para a Central Geradora Hidrelétrica (CGH), em que essa recebeu o status de potencial poluidor ‘médio’, por ter capacidade instalada abaixo de 5MW. Na prática, esta condição implica no fato de que jamais uma CGH passará por um licenciamento ambiental trifásico, com análise técnica em cada uma de suas fases de Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação. Dependendo da modalidade de licenciamento em que a CGH seja enquadrada, ela poderá ter autorização para construção e operação com a entrega de um simples cadastro no órgão ambiental. Para averiguar o porte de uma CGH, é utilizado o critério de volume do reservatório (em m3) e não mais a área a ser inundada (em hectares), como era utilizado na DN nº 74/2004.

A DN nº 217/2017 promoveu alteração também na análise do licenciamento das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Não se utiliza mais o critério da área inundada para avaliar seu porte. O critério para esta definição é exclusivo da sua condição de ter capacidade instalada maior do que 5MW e menor do que 30 MW, o que lhe enquadra, obrigatoriamente, como um projeto de “pequeno porte”, portanto, passível de obter licenças concomitantes.


Gráfico 4
Quantidade de hidrelétricas em operação por tipo e por ano (2001 a 2020) no Brasil
Fonte: ANEEL (2020b).

Pelo Gráfico 4, é possível averiguar o salto expressivo na quantidade de PCHs e CGHs que entraram em operação nas duas primeiras décadas do século XXI. Enquanto a inserção de novas Usinas Hidrelétricas (UHE) e PCHs praticamente se estabiliza a partir de 2012 e 2013, respectivamente, observa-se uma aceleração no número de CGHs que, em 2014, ultrapassa as PCHs. Em um período de apenas seis anos (2014 a 2020), a quantidade de CGHs em operação quase dobra o efetivo de PCHs.

E não é apenas a chamada versatilidade e o ganho no cronograma de desenvolvimento do projeto que atraem os investidores ao setor (ABRAPCH, 2018). A fragmentação dos projetos em unidades menores também é uma estratégia recorrente para capturar incentivos tributários e fiscais. Como afirma a Associação Brasileira de PCHs e CGHs:

O tema é espinhoso porque envolve uma disputa delicada entre a empresa contribuinte e a Receita Federal. A reportagem apurou que nenhum gerador poderia assumir abertamente que fragmentou um projeto apenas para estar no lucro presumido, sob o risco de sofrer algum tipo de penalização por parte do órgão fazendário. O entendimento que prevalece é que as usinas são pensadas na sua origem para ter um determinado tamanho e são devidamente autorizadas e fiscalizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Essa situação deixa a Receita Federal numa posição fragilizada para questionar tal prática. No entanto, o que se verifica são projetos fragmentados, que depois são chamados de Complexos

(ABRAPCH, 2018, p. 4).

O Quadro 5, seguinte, permite visualizar, comparativamente, quais são os incentivos nos encargos setoriais que, de certa forma, contribuem para que empreendedores invistam na estratégia de fragmentação de hidrelétricas. Visualiza-se que as CGHs estão isentas de praticamente todos os encargos. As PCHs igualmente apresentam inúmeras isenções. Todavia, chama atenção o fato de os Produtores Independentes de Energia Elétrica (PIE) e Autoprodutores de Energia Elétrica (AE) possuírem mais incentivos do que os projetos em que a energia produzida se destina à prestação de Serviço Público (SP). Esta informação contradiz argumentos bastante utilizados pelo setor, como o de geração de receitas e de serem as hidrelétricas um ‘bem público’. Ora, com tantas isenções e descontos, a arrecadação em todas as esferas (municipal, estadual e federal) é mínima porque resta um ou outro imposto a ser pago (como, por exemplo, ISS - Imposto Sobre Serviços) pela implantação e operação dos empreendimentos. Ademais, como discutido anteriormente, trata-se de uma energia para uso exclusivo (caso dos AE), quando não, para um ganho particular com a venda de energia para o Sistema Interligado Nacional (caso dos PIE e excedente do AE). Curiosamente, é justamente sobre a energia destinada ao Serviço Público que recai a obrigatoriedade de pagamento de maiores encargos. E o mais agravante é que a definição da geração de energia como ‘bem público’ se sobrepõe a qualquer lei de proteção ambiental, ou mesmo social, impondo aos territórios almejados uma exclusividade de uso e a desqualificação e desterritorialização de vários outros.


Quadro 5
Incentivos nos encargos do setor de energia elétrica por fonte hídrica.
Fonte: Adaptado de estudo da PSR (2018).8

A facilidade de financiamento dos projetos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que pode chegar até a 100% do investido, soma-se aos incentivos nos encargos e nos regimes especiais de tributação, como, por exemplo: a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); do Imposto de Importação sobre bens sem similar nacional (II); da contribuição referente ao Programa de Integração Social e ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP); da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para aquisição de equipamentos utilizados na construção, geração e transmissão de energia; dentre outros benefícios.

Teme-se, portanto, pelo destino das águas doces brasileiras, mercantilizadas, privatizadas e destinadas ao uso exclusivo como fonte de energia, enquanto promove-se a despossessão de milhares de pessoas sem, contudo, dar-lhes destino apropriado e justo. Vale reiterar o fato de que a maioria dos projetos é destinada ao fomento da indústria de alumínio e demais eletrointensivas, não beneficiando diretamente grande parte da população.

Para Pensar um Modelo Energético Centrado em Princípios de Sustentabilidade e Equidade Socioambiental

Conforme argumentamos ao longo do artigo, os chamados 'pequenos' projetos hidrelétricos revelam que tamanho, por si só, é um critério frágil para considerar sua sustentabilidade. Da mesma forma, a mera listagem de alternativas técnicas, tais como as energias solar, eólica e biomassa, não assegura a formulação de uma política energética de fato voltada para a sustentabilidade e a equidade socioambiental. A questão de fundo repousa na premência de um planejamento livre das determinações exclusivas dos imperativos econômicos colocados em causa por uma parcela reduzida da sociedade brasileira. Princípios democráticos centrados na diversificação, distribuição, eficiência e descentralização da matriz energética, de um lado, e o respeito à diversidade sociocultural, de outro, seriam importantes indicadores a balizar tal planejamento.

Do ponto de vista da geração de energia apenas, uma concepção de sustentabilidade que incorporasse o princípio distributivo associado à dimensão da racionalidade ambiental, além da gestão energética, exigiria o apreço conjugado dos seguintes aspectos: a) considerações sobre a destinação da energia, ou seja, sobre o projeto de sociedade ao qual a geração de energia se vincula; b) um zoneamento socioambiental, técnico e econômico dos projetos, contemplando fatores como: avaliação individual, com licenciamento trifásico (LP/LI/LO) de cada empreendimento; uma análise do conjunto de projetos em determinada bacia hidrográfica, atentando-se para as especificidades dos ecossistemas, suas consequências sinérgicas e cumulativas; consideração sobre a existência de alternativas técnicas e locacionais, conforme determina a legislação9 e, por último, c) uma 'revolução da eficiência', no sentido de maior aproveitamento dos recursos já disponíveis, e de um generalizado programa de conscientização e treinamento para que indústrias – setor que demanda maior consumo de energia – possam otimizar o uso energético com redução do desperdício.

Essa 'revolução da eficiência', que implica uma racionalidade ambiental para diminuição do desperdício de matéria no processo produtivo, constitui etapa fundamental e necessária para se pensar algum princípio de sustentabilidade. Contudo, ela configura somente uma parte do processo. As considerações sobre os danos e prejuízos sociais causados por qualquer empreendimento, um dos vértices do consagrado tripé do desenvolvimento sustentável, também exigem que o processo se faça com participação efetiva e amplo debate da sociedade, para que o cidadão possa, de fato, tomar parte nas decisões que dizem respeito ao destino do seu lugar. O marco regulatório ambiental, em geral, prevê a participação da população para uma etapa muito tardia do processo. Esta ocorre em audiência pública, quando já está em andamento o licenciamento ambiental. Nesta etapa, porém, acordos e financiamentos já foram firmados na fase anterior, a do planejamento, o qual ocorre, portanto, de maneira centralizada e pouco transparente. Não bastasse a ausência de participação da população no planejamento territorial, as audiências públicas dos processos de licenciamento ambiental, quando ocorrem, são reduzidas a mero rito burocrático, a exemplo da situação envolvendo as referidas CGHs Alagoa II e III, e análises em Zhouri, Laschefski e Paiva (2005); Bronz (2016), entre outros.

Considerações Finais

Nas duas últimas décadas, sob a égide do neodesenvolvimentismo, o processo gradual de desregulação ambiental foi transformando o licenciamento em mera formalidade burocrática, processo que pavimentou o caminho para a ‘abertura de porteiras’ e ‘passagens da boiada’ em contexto recente. De um ambientalismo liberal, centrado no discurso do desenvolvimento sustentável, assistimos a emergência do antiambientalismo a partir de 2019 (BRONZ; ZHOURI; CASTRO, 2020). Projetos hidrelétricos se multiplicam sem que a população consiga sequer participar do licenciamento ambiental. Neste contexto de desregulação, as quase 600 “pequenas barragens” em estudo no Brasil, sinalizadas no Quadro º2, emergem como projetos alternativos, sustentáveis, dispensáveis até mesmo de análise do impacto ambiental e, portanto, passíveis de um licenciamento considerado mais flexível. Essas são condições ideais para a atração de investidores e perpetuação da pilhagem da natureza. Assim sendo, elas se colocam na contramão das políticas de eficácia e eficiência energética, tais como a repotenciação das usinas antigas e a redução das perdas na transmissão de energia. Ademais, a fragmentação de projetos e sua implementação pulverizada em um mesmo rio ou bacia, sem avaliação de impactos sinérgicos e cumulativos, somada à ausência de uma efetiva participação da sociedade que contemple, inclusive, a possibilidade de não execução dos projetos, sobretudo diante de outras propostas e expectativas das comunidades locais, configura distanciamento das pretensões mais conservadoras ao desenvolvimento sustentável.

Finalizamos, portanto, ressaltando a arbitrariedade e a falácia do critério tamanho, tomado de forma apriorística e isolada, como argumento pretensamente objetivo em defesa de menor impacto e dano ambiental atribuído às “pequenas barragens”. Assinalamos, ainda, os retrocessos na política ambiental com significativos efeitos sobre a política energética. Na continuidade da cultura colonial subjacente à economia neoextrativa do país, a natureza segue sendo economicamente apropriada por uma minoria com altos custos socioambientais. Uma pequena elite econômica mundial define o significado e o destino dos rios, montanhas, florestas, planícies e dos ecossistemas, transformando sociobiodiversidades em “monoculturas sociais e ambientais”. Contudo, a luta social pela defesa do lugar e do território é persistente. Neste contexto, as políticas energéticas não poderão furtar-se à continuada e legítima defesa dos diferentes modos de vida, nem sempre urbanos e industriais, os quais contribuem para pensarmos e realizarmos um sentido mais amplo e profundo de sustentabilidade e equidade socioambiental.

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Notas

3 Os problemas relativos ao licenciamento ambiental não serão aprofundados neste artigo, uma vez que muito já se produziu sobre as diversas injunções que operam de forma a esvaziar a capacidade regulatória deste marco legal. Para uma análise mais apurada sobre os constrangimentos de ordem político-estrutural e procedimentais do licenciamento, ver Zhouri, Laschefski e Paiva (2005). Sobre as “cenas participativas” nas audiências públicas, ver Bronz (2016). As estratégias corporativas e a domesticação do conflito podem ser observadas em Oliveira e Zucarelli (2020). Para uma análise das medidas flexibilizantes do licenciamento e as estratégias de viabilização política dos empreendimentos, consultar Zucarelli (2011). Uma análise sobre a economia de visibilidades presentes nos EIA-RIMAs é apresentada por Oliveira, Zhouri e Motta (2021). Além desses, uma série de trabalhos clássicos analisam o licenciamento ambiental em diferentes décadas, a exemplo de Sigaud (1989) e Lacorte & Barbosa (1995).
4 Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) pelo apoio aos projetos de pesquisas desenvolvidos ao longo desses anos.
5 Os casos analisados que subsidiaram o arcabouço desta pesquisa podem ser consultados no Observatório dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais.
6 A crise foi deflagrada pelo baixo nível de chuvas naquele ano, fato que coloca em evidência a fragilidade de uma matriz energética dependente de um único recurso – a água.
7 Para além dos problemas sociais, Latini e Pedlowski (2016) trazem uma compilação de extensas alterações ambientais causadas pela construção de pequenas represas.
8 Siglas constantes no Quadro 5: Contrato de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEAR); Contrato de Energia de Reserva (CER); Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH); Reserva Global de Reversão (RGR); Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE); Uso do Bem Público (UBP); Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D); Contribuição Associativa do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS); Contribuição Associativa da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE); Tarifa de uso do sistema de transmissão (TUST); Tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSDg).
9 A maioria dos projetos de barragens incide sobre as chamadas Áreas de Preservação Permanentes. O Código Florestal, Lei 4.771, de 15/09/65, em seu Artigo 2º considera áreas de preservação permanentes as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: “I. ao longo dos rios em faixa marginal...III. nas nascentes permanentes ou temporárias, incluindo os olhos d’água e veredas...VI. Nas encostas ou parte destas, com declividade superior a cem por cento ou quarenta e cinco graus na sua linha de maior declive...” A Medida Provisória No. 1.956-60, de 26 de maio de 2000, altera os arts 1º, 4º, 14, 16 e 44, e acresce dispositivos à Lei 4.771 de 1965 que institui o Código Florestal: “II – Área de Preservação Permanente: área protegida nos termos dos arts.2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas. IV – Utilidade Pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia. Art. 4º: A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse socioeconômico, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto”.

Autor notes

* Marcos Cristiano Zucarelli. Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2018). Pós-doutorando junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional e Pesquisador do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisa financiada pela FAPERJ, Programa Pós-Doutorado Nota 10 (Processo nº E-26/204.246/202). E-mail: mczucarelli@gmail.com
* Andréa Zhouri. Doutorado pela Universidade de Essex, Reino Unido (1998). Professora Titular junto ao Departamento de Antropologia e Arqueologia e ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisa financiada pelo CNPq (Processo nº 473203/2004-9) e pela FAPEMIG (Processos nº SHA 398/06 e SHA 481/02). Email: azhouri@gmail.com.
Declaração de Co-Autoria: Marcos C. Zucarelli e Andréa Zhouri declaram ter participado igualmente de “todas as etapas necessárias para a construção do artigo”, à exceção dos quadros e gráficos utilizados, que foram elaborados pelo primeiro autor.


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