ARTIGOS

Condições de Trabalho e Renda nos Empreendimentos Solidários no Brasil: Uma Análise Marxista

Work Conditions and Income in Solidarity Enterprises in Brazil: A Marxist Analysis

Daniel Nogueira Silva *
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Canada
Sylvio Antonio Kappes *
Universidade Federal do Ceará, Brasil

Condições de Trabalho e Renda nos Empreendimentos Solidários no Brasil: Uma Análise Marxista

Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 28, núm. 2, e47174, 2023

Universidade Estadual de Londrina

Recepção: 17 Dezembro 2022

Revised document received: 02 Junho 2023

Aprovação: 06 Agosto 2023

Resumo: O objetivo deste texto é fazer uma breve análise das condições de trabalho, renda e proteção social oferecidas aos trabalhadores da economia solidária com base na categoria marxista do Exército Industrial de Reserva (EIR). Para isso, é feita uma análise dos dados dos empreendimentos solidários no Brasil a partir do Segundo Mapeamento Nacional de Empreendimentos Solidários realizado em 2013. As principais conclusões apontam que uma parcela significativa dos Empreendimentos de Economia Solidária (EES) oferece aos seus membros pouca proteção social e baixos rendimentos. Com isso, apesar de ser uma fonte de subsistência, a economia solidária termina por manter uma parte dos trabalhadores na condição de EIR.

Palavras-chave: Economia Solidária, Empreendimentos Solidários, Condições de Trabalho, Exército Industrial de Reserva.

Abstract: The objective of this text is to make a brief analysis of the working conditions and income offered to workers in the solidarity economy based on the Marxist category of Industrial Reserve Army (IRA). For this, the article analyzes data on solidarity enterprises in Brazil from the Second National Mapping of Solidarity Enterprises carried out in 2013. The main conclusions point out that a significant portion of the solidarity ventures offers its members little social protection and low income. Thus, despite being a source of subsistence, the solidarity economy ends up keeping a part of the workers in the condition of IRA.

Keywords: Solidarity Economy, Solidarity Enterprises, Working Conditions, Industrial Reserve Army.

1. Introdução

O crescimento das experiências no campo da economia solidária vem produzindo um conjunto de estudos sobre o funcionamento e a prática nesses espaços, como descritos por Cattani (2003), Arcoverde, Souza e Fragoso (2006), Gaiger (2003, 2013), Coraggio (2011) e Diniz (2019). Em geral, não há grandes controvérsias dentro da literatura acadêmica quanto ao papel dos empreendimentos solidários para garantir condições mínimas de vida para uma significativa parcela da população que está excluída do emprego formal e o potencial papel emancipatório das relações de produção construídas nesses espaços (CAMPREGHER, 2004; CORAGGIO, 2011; SOUZA, 2008). Contudo, analisando o grau de proteção social de muitos desses empreendimentos, os limites e desafios enfrentados tornam-se evidentes, visto que a qualidade do posto de trabalho que é criado em alguns empreendimentos solidários difere, na maioria dos casos, do contrato de trabalho tradicional (DIAS, 2011; PAGOTTO, 2019; SINGER, 2003; TEIXEIRA, 2007).

Problemas como a informalidade do empreendimento e a baixa remuneração são alguns dos desafios enfrentados, impondo dificuldades para que essas experiências econômicas garantam uma melhor condição de vida aos trabalhadores envolvidos (GAIGER, 2021). Mesmo nos casos em que ocorre uma melhora na renda dessas pessoas, isso não significa tê-las retirado de uma condição de vulnerabilidade, pois, além de não gerar uma renda suficiente para que esses trabalhadores se dediquem apenas ao empreendimento solidário, parte da proteção social não é garantida (POCHMANN, 2004; SCHIOCHET; SILVA, 2013).

Buscando contribuir para o debate sobre o papel que os Empreendimentos de Economia Solidária (EES) desempenham na melhoria das condições de vida dos trabalhadores, o objetivo deste artigo é fazer uma breve análise das condições de trabalho, renda e proteção social nos EES com base no conceito marxista do Exército Industrial de Reserva (EIR) (MARX, 1983). Essa categoria teórica tem sido explorada em diversos contextos para compreender as dinâmicas contemporâneas do capitalismo central e periférico e pode contribuir na reflexão sobre as experiências econômicas no campo da economia solidária (BRASS, 2022; HEROD; GOURZIS; GIALIS, 2021; NUN, 1969; RIGAKOS; ERGUL, 2011). Destaca-se que o contexto da América Latina e de outros países periféricos impõe importantes desafios teóricos e metodológicos para compreender as características das relações de trabalho, o que torna necessário utilizar categorias teóricas que deem conta dos fenômenos estudados (NUN, 2003).

Além da análise teórica que articula a discussão do EIR e a economia solidária, também é feita uma análise empírica com base nos dados do Segundo Mapeamento Nacional de Empreendimentos Solidários (SMNES) realizado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) em 2013. Esses dados permitem construir uma reflexão mais detalhada acerca da realidade dos empreendimentos solidários no Brasil e ajudam a avaliar as hipóteses elaboradas na parte teórica do trabalho3.

Para alcançar esses objetivos, o texto está organizado em duas seções, além desta introdução e da conclusão em que são sintetizadas as principais ideias do trabalho. Na primeira, é apresentado o conceito de Marx de EIR e as suas subcategorias, precisamente o Exército Industrial nas suas formas líquida (flutuante), latente e estagnada. Além de explorar os pontos fundamentais desse conceito de Marx, nessa seção também é apresentada uma parte da literatura que busca aprofundar o entendimento dessa categoria com base nas estatísticas do mercado de trabalho. Na segunda seção, são apresentados alguns dados sobre o modo de organização dos empreendimentos solidários e as condições sociais dos seus participantes, dialogando com o conceito de EIR.

2. O Exército Industrial de Reserva e os Empreendimentos Solidários

Entre os teóricos socialistas, existe intensa discussão teórico-conceitual a respeito do cooperativismo, um dos principais fundamentos da prática econômica na economia solidária. Esse debate vai desde os autores adeptos do socialismo utópico, tendo como seus principais representantes Robert Owen e Charles Fourier, até autores marxistas como Rosa Luxemburgo e Karl Kautsky. Tomando como referência a contribuição de Marx (1986), algumas das questões que surgem nesse debate são: como o cooperativismo pode contribuir para a superação da alienação do trabalho (FRANKLIN; MOURA, 2015), a emancipação da classe operária por intermédio de fábricas recuperadas (LEOPOLDINO, 2011), as contradições da prática cooperativista no capitalismo (LUXEMBURGO, 1999; ZAMORA, 2014), o caráter contemporâneo da economia popular e solidária (DINIZ, 2019), entre outras questões.

Apesar da importância dessas discussões4, o presente trabalho não foca a sua análise no debate sobre o cooperativismo. Em vez disso, centra-se principalmente no conceito de Exército Industrial de Reserva, com o objetivo de analisar a proteção social dos trabalhadores em empreendimentos solidários. Como apontado por diversos autores como Ferraz (2010), Foley (1986), Foster, McChesney e Jonna (2011), Granato Neto e Germer (2013), essa categoria marxista permanece central para o entendimento das relações de trabalho no capitalismo contemporâneo. É importante ressaltar que autores como Nun (1969, 2003) destacam a necessidade de considerar aspectos específicos da formação histórica e social de regiões periféricas, como a América Latina, ao utilizar a categoria Exército Industrial de Reserva. Esses estudos apontam limitações em sua aplicação universal, porém não diminuem a importância desse conceito em iluminar aspectos centrais da dinâmica de acumulação capitalista.

Com o objetivo de construir uma análise dos empreendimentos solidários com base no conceito de Exército Industrial de Reserva, essa seção está dividida em duas partes. Na primeira é apresentado o conceito marxista de Exército Industrial de Reserva e as suas subcategorias. Na segunda parte, busca-se construir um nexo teórico que possibilite entender os limites estruturais de algumas experiências no campo da economia solidária com base nessa categoria.

2.1. O Exército Industrial e Suas Formas

O ponto inicial para analisar o conceito marxista de Exército Industrial de Reserva (EIR) é o Livro I, Volume II, de O Capital de Karl Marx (1983), especialmente o capítulo XXIII, em que o autor apresenta a Lei Geral da Acumulação Capitalista. Em resumo, o objetivo de Marx em escrever esse capítulo é descrever a influência que o crescimento do estoque e do valor do capital exerce sobre a vida dos trabalhadores. O aprofundamento da acumulação capitalista por meio da alteração na composição orgânica do capital – relação entre o capital variável (valor da força de trabalho) e o capital fixo (valor dos meios de produção) – leva à criação de uma massa de trabalhadores que não é aproveitada diretamente pelo capital. Nesse ponto é que Marx cria o conceito de EIR, para caracterizar esses trabalhadores que não estão inseridos no processo produtivo, mas que permanecem centrais para a acumulação capitalista. Uma leitura apressada pode considerar que essa massa de trabalhadores são os desempregados, mas a teoria de Marx coloca o Exército Industrial em uma condição mais ampla e complexa do que a situação de desemprego.

O EIR é uma força de trabalho que não é utilizada permanentemente na produção, mas que serve aos interesses do capital de diversas formas. Uma delas é o uso desses trabalhadores nos períodos de crescimento econômico e aumento da demanda por força de trabalho. A presença do EIR, além de servir como uma reserva de mão de obra, especialmente nos centros urbanos (OLIVEIRA, 2011), impede os trabalhadores que já estão inseridos diretamente na produção de mercadorias, diante de um aumento na demanda de sua mão de obra, recebam aumentos salariais ou exijam outros tipos de benefícios. Isso ocorre porque os trabalhadores empregados diretamente na produção de mercadorias podem ser substituídos por aqueles que ficam de fora desse processo, caso passem a exigir benefícios que os que estão à margem não exigem (MOSK, 2021). Sendo assim, apesar de não negar por completo a lei da demanda e da oferta de trabalho, Marx considera que a presença do Exército Industrial reduz o raio de ação dessa lei.

Voltando ao EIR, Marx descreve três formas em que ele pode manifestar: a forma líquida (flutuante), latente e estagnada. Essa divisão é útil porque a condição de vida desses trabalhadores que, em um dado momento, não participam diretamente da produção pode variar de modo significativo. Caso seja utilizado o conceito de EIR sem as suas subcategorias, há uma dificuldade maior em captar a heterogeneidade existente dentro da classe trabalhadora. Esse é um problema recorrente na literatura que utiliza esse conceito. Como destaca Granato Neto (2013), a maior parte dos trabalhos que utiliza a categoria marxista de Exército Industrial de Reserva não se apropria dessas subcategorias, como, por exemplo, nos trabalhos de Viana (2006), Ferraz (2010) e Foster, McChesney e Jonna (2011). Além disso, quando o fazem, utilizam apenas teoricamente o conceito, sem aplicá-lo diretamente às análises construídas. Algumas das exceções são os trabalhos de Foley (1986) e Granato Neto e Germer (2013).

Além de ajudar a entender as especificidades dos trabalhadores que não conseguem vender a sua força de trabalho para o capital, essas subcategorias também ajudam a organizar o EIR de acordo com a disponibilidade para o uso dos capitalistas. A primeira camada, o EIR líquido, diz respeito aos trabalhadores que já foram inseridos no sistema produtivo e estão temporariamente fora dele. Esse é o subgrupo do EIR que mais rapidamente pode ser inserido de volta no sistema produtivo e se move junto com os ciclos econômicos. Já na forma latente estão os trabalhadores que fazem parte dos setores econômicos que não estão diretamente relacionados com a produção do capital; no caso específico, Marx cita o setor agrícola. Esses trabalhadores são inseridos na indústria somente em casos excepcionais.

Na terceira forma, a estagnada, estão os trabalhadores que possuem ocupações irregulares. Na época em que Marx escreveu O Capital, o melhor exemplo que ele possuía era o trabalhador doméstico. Além de não haver uma regulação para o serviço, existem mais duas características para a forma estagnada: o tempo de trabalho é o máximo possível e a remuneração é a mínima. Observando o capitalismo do final do século XX e início do século XXI, especialmente em países subdesenvolvidos como o Brasil, essa caracterização também permite inserir diversos setores da economia informal dentro do conceito de EIR, como os trabalhadores autônomos, pequenos comerciantes e pequenos agricultores mercantis.

Ao separar conceitualmente os trabalhadores inseridos na dinâmica econômica (Exército Ativo) daqueles que ficam parcialmente de fora do processo produtivo (Exército Industrial de Reserva), a teoria marxista passa a tratar de duas formas específicas de inserção dos trabalhadores no capitalismo, sendo que, ao subdividir o EIR nas três camadas, obtém-se um grau mais amplo de heterogeneidade.

Utilizar a categoria EIR também amplia a compreensão sobre o desemprego ao mostrar como ele se insere dentro de uma dinâmica mais ampla, que é a da acumulação de capital. Além disso, permite uma compreensão mais precisa da utilidade que os trabalhadores que estão afastados do processo de produção têm para garantir os mecanismos de acumulação.

A camada líquida do EIR é a melhor aproximação que se pode fazer do conceito de desemprego. Marx afirma que esses são “os trabalhadores ora repelidos ora atraídos por setores da indústria, conforme a conjuntura” (MARX, 1983, p. 271). Essa mesma aproximação não pode ser feita com a camada latente e estagnada porque, na prática, elas dizem respeito a outras formas de inserção no mercado de força de trabalho. Para Foley (1986), os trabalhadores na camada latente só se tornam um exército ativo em duas situações. A primeira é quando o capital entra na esfera da produção onde a atividade está inserida. Um exemplo é a agricultura familiar de subsistência que se transforma em produção para o mercado (FOLEY, 1986; GRANATO NETO; GERMER, 2013). A segunda situação é por pressão da acumulação de capital que passa a demandar o trabalho das pessoas inseridas nessa camada. É o caso, por exemplo, das mulheres que estavam voltadas apenas ao trabalho doméstico das suas casas e passam a atuar nas indústrias.

Diferentemente da camada latente, os trabalhadores no EIR na forma estagnada estão inseridos no mercado capitalista, apesar de não estarem subordinados diretamente a ele. Nesse grupo estão os trabalhadores por conta própria sem relações contratuais formais ou informais com empresas capitalistas. Partindo da descrição feita por Marx, Granato Neto (2013) aponta para algumas características dessa camada. As principais delas são: a não garantia de rendimento, instabilidade, rendimentos abaixo do Exército Ativo e condições de trabalho mais precárias. Com base nessas características, percebe-se que a camada estagnada também pode estar associada a outras formas de relação de trabalho, como o trabalho por conta própria e o informal, todas elas caracterizadas por algum grau de marginalização.

2.2. Empreendimentos de Economia Solidária e o Exército Industrial de Reserva

De modo geral, poucos autores tentam construir um link entre os empreendimentos solidários e o conceito marxista de EIR. Alguns dos que o fazem, como Singer (2003) e Morais e Lanza (2010), em geral, associam o crescimento dos empreendimentos solidários com a redução do EIR e, consequentemente, com o fortalecimento da luta dos trabalhadores assalariados. Contudo, existem algumas limitações na utilização do conceito marxista por parte desses autores para entender o fenômeno da economia solidária. A principal delas é associar o EIR apenas ao desemprego. Singer (2003) afirma que quando a economia se aproxima do pleno emprego, consequentemente, o EIR tende para níveis próximos a zero. Essa suposição é equivocada porque o conceito marxista de EIR não corresponde apenas aos trabalhadores desempregados, como faz entender esse autor. Redução no nível de desemprego não é, portanto, uma proxy apropriada para analisar a queda no tamanho do EIR. Essa fragilidade na definição do EIR faz com que Singer (2003) considere os ganhos no nível de emprego gerados pelos empreendimentos solidários como uma evidência da queda do Exército Industrial, o que pode não ser correto, considerando as demais camadas do EIR.

Essa limitação é explorada, parcialmente, por Schmidt (2010), que, apesar de reconhecer o papel que esses empreendimentos solidários desempenham na luta dos trabalhadores por melhores condições, argumenta que são necessárias algumas qualificações de modo a identificar o real potencial que essas experiências possuem para contribuir na mudança da sociedade. Nesse sentido, a experiência econômica da ES, em muitos momentos, apenas serve de auxílio para garantir a reprodução da vida de parcelas dos trabalhadores que se encontram no EIR, sem necessariamente alterar a condição estrutural de vida dessas pessoas. A análise desse último autor dialoga de forma mais consistente com a complexidade das duas categorias – o Exército Industrial e a Economia Solidária –, contudo, dados os objetivos de seu texto, ele não desenvolve a sua argumentação, apenas aponta a limitação nas abordagens que analisam de forma homogênea as experiências no campo da economia solidária.

Quem desenvolve melhor esse argumento é Nogueira (1998). O autor faz uma análise ampla sobre o cooperativismo com base em uma abordagem marxiana e argumenta que, entre as experiências no campo da economia solidária, a mais problemática delas são as cooperativas de trabalho. Segundo Nogueira (1998, p. 97), esse tipo de organização “está presente no mecanismo global de expansão da superpopulação relativa, em especial na sua forma ‘estagnada’” e contribui para o aprofundamento das condições de precarização da classe trabalhadora. Isso ocorre porque essas cooperativas modificam as condições em que ocorre a luta de classes ao reduzir “o papel desempenhado pelos sindicatos e a sua forma de encarar o mercado de trabalho” (NOGUEIRA, 1998, p. 98).

Pochmann (2004, p. 13-14) argumenta que essas experiências solidárias, chamadas por ele de “cooperativas falsas”, fazem parte de um processo mais amplo de “desmantelamento da desregulamentação do trabalho”, juntando-se a outros segmentos ocupacionais, como o trabalho autônomo, programas de estágio, terceirizados, entre outros. Isso também é apontado por Cacciamali e Cortés (2010), Benini e Benini (2011) e Silva et al. (2004), que apontam tendências de terceirização e precarização das condições dos trabalhadores nas cooperativas de trabalho. Contudo, argumentam os autores, essas experiências são casos isolados, já que a maioria dos empreendimentos solidários cumprem um papel importante para melhorar a vida dos seus participantes.

Os elementos apresentados por esses trabalhos apontam para o limite de algumas experiências econômicas no campo da economia solidária. Em diálogo com eles, mas buscando ampliar os argumentos, a hipótese que busca ser analisada aqui é que, mesmo no caso de empreendimentos solidários que não se enquadram como cooperativas de trabalho ou falsas cooperativas, é possível que eles estejam atuando como uma ferramenta de reprodução de vida que mantém os trabalhadores como Exército Industrial de Reserva nas camadas estagnada e latente. Aqui não se busca reduzir os argumentos de autores como Coraggio (2011) e Diniz (2019), que apontam o potencial transformador que a economia popular e solidária pode desempenhar. O esforço é identificar algumas condições que enfraquecem as experiências no campo da economia solidária no contexto do capitalismo atual.

Partindo da análise de Marx sobre o funcionamento da economia capitalista, é improvável que o trabalhador permaneça por um tempo indeterminado na fração líquida do Exército Industrial (condição de desemprego). Caso não seja reinserido no exército ativo, a necessidade de encontrar meios de subsistência leva esses trabalhadores a se transferirem para os demais níveis do EIR. Com base na análise feita em O Capital, Granato Neto (2013) argumenta que o primeiro critério objetivo que define se o trabalhador está no EIR ou no exército ativo é se ele vende ou não a sua força de trabalho ao capital ou por instituições acessórias5 que o legitimam (como o Estado, as Forças Armadas, as ONGs). Caso ele não venda, esse trabalhador pode se caracterizar como sendo participante das fileiras do Exército Industrial.

Um segundo critério que define se o trabalhador pertence ao EIR é se ele está disponível para vender a sua força de trabalho quando o capital o demandar. Ao levar em consideração esse critério, a análise torna-se um pouco mais complexa. Caso a disponibilidade seja definida como o desejo pessoal de um trabalhador vender ou não a sua força de trabalho, pode-se argumentar que um trabalhador inserido em um EES que não tenha interesse em fazer parte de uma empresa tipicamente capitalista não faz parte do EIR. Contudo, quando Marx afirma que fazem parte do EIR todos os trabalhadores que estão disponíveis para vender a sua força de trabalho, não está se referindo a um desejo subjetivo pessoal do trabalhador de querer ou não vender a sua força de trabalho, e sim à capacidade que o capital possui de submeter toda a sociedade à sua lógica, como também argumenta Polanyi (2000).

Considerando o primeiro critério, todos os trabalhadores envolvidos exclusivamente em experiências econômicas que não reproduzem a relação capital/trabalho não podem ser definidos como Exército Ativo, o que inclui os trabalhadores dos empreendimentos solidários. Nesse ponto deve ficar claro que o fato de uma pessoa não vender a sua força de trabalho diretamente a um capitalista, ou a instituições acessórias, não significa que a sua existência não esteja subordinada ao capital. Mesmo reconhecendo que os EES não reproduzem uma relação propriamente capitalista, sendo em muitos momentos alternativa para retirar os trabalhadores do desemprego, os indivíduos inseridos nesses espaços não podem ser considerados como estando fora da dinâmica econômica capitalista, já que há um predomínio da lógica do capital no processo de reprodução social como um todo.

Como os trabalhadores dos empreendimentos solidários não fazem parte do exército ativo, a questão que surge é como enquadrá-los. Como dito anteriormente, a hipótese que busca ser analisada por este trabalho é de que uma parte dos empreendimentos solidários no Brasil possui uma dinâmica e perfil de funcionamento que, apesar de retirar muitos trabalhadores da condição de EIR na sua forma flutuante (desempregado), mantém parte dos seus participantes na condição de EIR latente ou estagnado.

Marx (1983), ao tratar do EIR na forma latente, toma como principal referência o trabalhador rural que permanece no campo e não está inserido em atividades da indústria agrícola. A formação desta camada ocorre na medida em que a produção capitalista vai se apoderando da agricultura e, pela sua dinâmica, vai reduzindo a demanda da população trabalhadora rural. As alternativas para essa superpopulação relativa são se transferir para os centros urbanos ou se manter no campo buscando formas de garantir a sua sobrevivência, sendo que a segunda decisão os coloca nessa condição “latente”, segundo Marx (1983).

O fato de mais de 65% dos Empreendimentos de Economia Solidária serem formados por trabalhadores rurais é um importante indicativo de que os participantes desses empreendimentos estavam na condição de EIR na forma latente e buscaram na economia solidária meios de subsistência. A questão relevante é saber se a decisão de fazer parte do EES alterou essa condição de EIR ou apenas manteve essas pessoas como uma parcela de trabalhadores “à espreita de condições favoráveis” para se transferirem para os centros urbanos em busca de uma inserção no Exército Ativo (MARX, 1983, p. 272).

Já o EIR na camada estagnada se caracteriza por ocupações irregulares, jornadas de trabalho elevadas, salários abaixo do nível normal médio da classe trabalhadora. Essa camada é responsável, segundo Marx (1983, p. 272-273), por absorver “continuamente os redundantes da grande indústria e da agricultura e notadamente também de ramos industriais decadentes”. Em geral estão ocupados em atividades não subordinadas ao capital e por isso sem relação de assalariamento, mas inseridas no mercado capitalista.

Partindo dessas categorias, há duas questões principais a serem respondidas: a primeira é saber se a atividade desenvolvida no EES se insere no mercado capitalista em uma relação de não assalariamento. A segunda é entender quais as condições concretas de trabalho que o EES consegue garantir para os seus participantes.

Sobre a primeira questão, é evidente que a maior parte dos empreendimentos de economia solidária estão inseridos diretamente no mercado capitalista, mas sem relação de assalariamento. No caso dos empreendimentos na área da produção, por exemplo, isso ocorre tanto pelo acesso aos insumos (69% deles compram de empresas privadas e apenas 9% de outros empreendimentos solidários) quanto na venda dos produtos (cerca de 46% da produção é destinada para empresas privadas). Em relação à segunda questão é necessário um olhar mais detalhado nos dados dos empreendimentos solidários no Brasil, que ajude a construir um panorama geral das condições de trabalho e proteção social dos EES e sua relação com o EIR.

Antes disso, é relevante mencionar que a análise de Nun (1969) sobre marginalidade e a formação da “subclasse” no contexto latino-americano também pode abranger os trabalhadores da economia solidária que enfrentam falta de proteção social. Adotando uma perspectiva crítica com base nas ideias marxistas, Nun (1969) denunciou a formação de uma “subclasse” dentro do proletariado latino-americano. Essa subclasse é composta por dois grupos distintos: o Exército Industrial de Reserva, que engloba a mão de obra excedente disponível para o sistema capitalista e pronta para ser absorvida no processo produtivo, e a Superpopulação Relativa, que representa aqueles indivíduos que ultrapassam os limites de absorção do sistema produtivo.

A partir do conceito de Massa Marginal, Nun (1969) vai incorporar aspectos importantes no debate sobre a relação entre o EIR e a Superpopulação Relativa em economias periféricas. Para o autor, a Massa Marginal geralmente inclui pessoas que vivem em condições precárias, como pobreza, marginalização política, entre outros, contudo, diferentemente do exército industrial, trata-se de uma “parte afuncional o disfuncional de la superpopulación relativa [...]” (NUN, 1969, p. 21) que não é incorporada no sistema e permanece permanentemente fora do mercado.

Partindo dessa análise, uma parcela dos trabalhadores engajados em empreendimentos de economia solidária pode encontrar-se em uma situação de vulnerabilidade, devido à ausência de benefícios trabalhistas e à falta de acesso a programas de proteção social, que também os coloque em uma condição de Massa Marginal. Essa realidade incorpora uma dimensão adicional à compreensão da marginalidade na esfera produtiva, destacando a importância de considerar os desafios específicos enfrentados pelos trabalhadores da economia solidária na luta por melhores condições de trabalho e bem-estar social, mas que, pelos objetivos propostos no trabalho não serão explorados aqui.

3. O Perfil dos Trabalhadores nos Empreendimentos Solidários

Partindo do conceito de Marx de EIR, a análise dos dados referentes aos empreendimentos solidários é feita, principalmente, com base no Segundo Mapeamento Nacional de Empreendimentos Solidários no Brasil6, realizado entre 2009 e 2013, que foi uma continuidade das pesquisas feitas no primeiro mapeamento7. Entre os seus principais objetivos, segundo Gaiger et al. (2014, p. 21), um deles é “identificar e caracterizar a Economia solidária no Brasil”. Segundo essa pesquisa, existia no Brasil um total de 19.708 empreendimentos que contavam com um total de 1.423.631 associados, entre mulheres e homens (GAIGER et al., 2014). Esses empreendimentos correspondem a experiências econômicas e sociais das mais diversas, uma vez que o conceito de Empreendimento Solidário engloba um conjunto diversificado de atividades e um perfil heterogêneo de trabalhadores.

Além dos dados do mapeamento de 2013 feito com os empreendimentos solidários, também são usados neste trabalho alguns resultados da pesquisa por amostra realizada entre os membros associados dos EES. Diferentemente dos 1º e 2º mapeamentos, em que as perguntas são dirigidas aos empreendimentos, a pesquisa amostral entrevistou diretamente os membros associados dos EES, com o objetivo de conhecer o perfil dos integrantes e avaliar as mudanças provocadas pela participação nos empreendimentos8.

Para facilitar a exposição e a análise dos dados, esta parte do trabalho está organizada em duas subseções. Na primeira, são apresentadas as formas em que um empreendimento solidário pode ser organizado e os principais motivos que levam à sua criação. Nessa parte também são utilizados alguns dados da pesquisa amostral para saber qual a motivação dos sócios em participarem do empreendimento e permanecerem nele ao longo do tempo. Na segunda subseção, analisam-se a área de atuação dos empreendimentos e suas condições econômicas, com destaque especial àqueles que possuem como principal atividade a produção e a comercialização.

3.1. Formas de Organização e Motivação

De modo geral, os EES apresentam quatro formas de organização; são eles: grupo informal, associação, cooperativa e sociedade mercantil. O grupo informal é uma união básica de pessoas sem personalidade jurídica; a associação é uma pessoa jurídica que reúne indivíduos com interesses comuns; a cooperativa é uma empresa autônoma de propriedade coletiva, com membros como trabalhadores e proprietários; e a sociedade mercantil é uma forma convencional de organização econômica que pode adotar práticas solidárias. Cada forma apresenta características distintas em estrutura e governança. De acordo com os dados do segundo mapeamento, a forma predominante de organização é a associação, com praticamente 60% dos empreendimentos, seguida dos grupos informais9, com 30,54%. Na forma de cooperativas estão 8,83% dos EES, enquanto sociedades mercantis são menos de 1%. O primeiro elemento que chama atenção nesses dados é o elevado número de grupos informais. Esse acaba sendo um problema grave para os empreendimentos, especialmente por dificultar o acesso a recursos públicos ou empréstimos privados, limitando a capacidade de crescimento dessas entidades (GAIGER, 2013).

Tratando dos motivos que levam à organização dos empreendimentos solidários, de acordo com os dados da pesquisa, as principais motivações apontadas para que o EES fosse criado foram: ser uma fonte complementar de renda (48,83%), alternativa ao desemprego (46,2%), obtenção de maiores ganhos com empreendimentos associativos (42,98%) e participarem de uma atividade em que todos são donos (40,71%)10. O fato de quase metade dos empreendimentos solidários serem criados motivados pela ausência de alternativas de trabalho também se confirma na pesquisa amostral. Nela, 41,86% dos entrevistados afirmaram que um dos motivos que pesaram para que eles entrassem em um EES foi para sair do desemprego. Este mesmo motivo é importante quando os sócios (as) são questionados em relação aos fatores que pesam para a sua permanência no EES, com 46,77% afirmando ser para evitar o desemprego.

As motivações para a criação e participação nos EES apontam que boa parte dos trabalhadores que passaram a participar de EES se encontravam anteriormente na condição de Exército Industrial de Reserva, especialmente na sua forma líquida (desempregada), reforçando os argumentos apresentados na seção anterior. Em relação aos trabalhadores que afirmaram participar desses empreendimentos com o objetivo de complementar a renda, os dados não permitem avaliar de qual tipo de atividade econômica os trabalhadores faziam parte antes de ingressar nos EES. Contudo, considerando as características do mercado de trabalho brasileiro, é provável que a maior parte desses trabalhadores que responderam dessa forma estivessem ocupados em trabalhos precarizados, como empregos domésticos sem carteira assinada, trabalhos informais e/ou de tempo parcial (GRANATO NETO, 2013), o que também coloca esses trabalhadores na condição de EIR, mas nesse caso em suas formas estagnada ou latente.

Combinar as informações referentes às formas de organização com as motivações para a criação dos empreendimentos revela uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos empreendimentos solidários. A existência de vários trabalhadores que estavam desempregados ou precarizados e agora estão em empreendimentos solidários informais indica que, para muitos trabalhadores, participar de um EES pode significar melhoria na renda, mas ainda mantendo uma condição de vulnerabilidade. Dos empreendimentos que informaram que a motivação para a sua criação era ser uma alternativa ao desemprego, 38% estavam organizados como grupos informais. Dados parecidos se observam quando se analisam os empreendimentos criados com a motivação de conseguir uma fonte complementar de renda. Nesse último caso, são 38,04% aqueles que estão na forma de grupos informais.

Segundo Gaiger et al. (2014), os empreendimentos informais são aqueles que apresentam as relações econômicas mais precárias, relacionadas, principalmente, ao subemprego e à insuficiência de renda. Outra consideração importante sobre a condição dos trabalhadores é o fato de muitos sócios terem o EES como uma fonte complementar de renda. Essa resposta indica que parte dessas pessoas trabalha em outros espaços, submetendo-se assim a jornadas duplas de trabalho. Na pesquisa amostral, 42,75% dos entrevistados informaram que no último ano trabalharam em alguma atividade fora do EES. Desses, 34,12% continuavam trabalhando no momento da entrevista e 8,63% não estavam trabalhando no momento.

No caso das mulheres, por terem que se dedicar ao cuidado do lar e dos filhos, essa dupla jornada de trabalho se torna muitas vezes tripla. Segundo os dados amostrais, 88,3% das mulheres dividem as atividades nos EES com atividades domésticas de cozinhar, lavar e limpar a casa; 75,5% cuidam de filhos menores e/ou dependentes. Tais características reforçam uma evidência sistemática apontada pela literatura de que são as mulheres um dos principais grupos que compõem o EIR (BRUEGEL, 1979; ENLOE; 1980), especialmente na sua forma estagnada. Como apontado por Marx (1983, p. 272), essa fração do EIR “é caracterizada pelo máximo do tempo de serviço e mínimo de salário”, sendo que “sob a rubrica de trabalho domiciliar, já tomamos conhecimento da sua principal configuração”.

A baixa remuneração combinada com jornadas mais amplas de trabalho em empreendimentos solidários informais aponta que parte desses trabalhadores da economia solidária estão mantidos em condições próximas ao EIR na sua forma estagnada. Granato Neto e Germer (2013) argumentam que os setores econômicos no Brasil dominados pelo EIR estagnado são, principalmente, aqueles com pouca penetração das empresas capitalistas, característica que, como apontam os dados, também são comuns para os empreendimentos solidários (RÊGO; MOREIRA, 2013).

3.2 Área de Atuação, Direitos Trabalhistas e Viabilidade Econômica

No 2º Mapeamento, a depender da atividade econômica realizada, os empreendimentos são divididos em seis grupos. A maior parte deles são os empreendimentos de produção, que correspondem a mais da metade do total (56%). Aqui estão inseridos os empreendimentos que têm como objetivo-fim a produção de algum bem, seja ele agrícola ou (semi)manufaturado. Além deles, também existem os empreendimentos de troca de produtos ou serviços (2%), comercialização (13%), prestação de serviços ou trabalho para terceiros (7%), finanças solidárias (2%) e consumo/uso coletivo dos participantes (20%). A maioria dos empreendimentos concentra-se na região Nordeste (8.040), seguida pela região Sul (3.292), Sudeste (3.228), Norte (3.127) e Centro-Oeste (2.021). Como apontado anteriormente, em geral, os empreendimentos têm como área de atuação a zona rural (54%) ou atuam simultaneamente na zona rural e urbana (10%), o que demonstra não haver um predomínio de trabalhadores operários urbanos.

Uma característica marcante dos EES é a elevada quantidade de trabalhadores sem proteção social. No mapeamento, os EES são questionados sobre o nível de cobertura social à qual trabalhadores participantes do empreendimento têm acesso11. Nos empreendimentos voltados para a produção, somente 2% dos participantes têm acesso a férias remuneradas e 7,2% a previdência social. Resultados parecidos também se repetem nos empreendimentos voltados para a comercialização (6,7% e 12,6%), serviços (8,7% e 15,6%) e consumo (1,3% e 4,3%). A única exceção são os empreendimentos de poupança, em que mais de 40% dos participantes têm direito ao descanso remunerado e à previdência social. Contudo, 53% dos participantes desses empreendimentos informaram que não tinham acesso a nenhuma proteção social. Como é de se esperar, os demais EES apresentaram resultados ainda piores: 81,2% dos participantes nos empreendimentos de produção informaram que não tinham nenhuma proteção social, 77,7% nos de comercialização, 68,5% nos de serviço e 92,8% nos de consumo. A Tabela 1 apresenta esses resultados em números absolutos.

Entre os diversos fatores que podem ajudar a explicar a falta de garantias trabalhistas nos EES, o primeiro é o elevado número de empreendimentos informais, como discutido na seção anterior, e o segundo é a dificuldade que esses empreendimentos têm de remunerar os seus participantes. Tais características também colocam parte dos trabalhadores da ES em condições de trabalho bem próximas do EIR latente e estagnado.

Sem garantias de uma renda constante ou proteção social, o empreendimento solidário se torna um trabalho provisório para os trabalhadores que possuíam contratos tradicionais de trabalho e ficaram desempregados (EIR flutuante). Nessas condições de renda e pouca proteção social, a permanência no EES tende a durar apenas até o momento em que eles consigam se inserir novamente no EIR ativo. Já os trabalhadores que estavam em outros setores econômicos compostos pelo EIR latente e estagnado, por serem pouco demandados pelo capital, permanecem na ES apenas se não conseguirem se inserir em outras atividades econômicas que ofereçam condições melhores de trabalho, mesmo mantendo a condição de precarização e baixa renda.

Tabela 1
Número de Empreendimentos Solidários com Proteção Social no Brasil
Número de Empreendimentos Solidários com Proteção Social no Brasil
Fonte: Dados do Segundo Mapeamento Nacional da Economia Solidária.

Obs.: 1) EES de troca não respondem essa questão. 2) É permitido responder mais de uma questão.

A ausência de qualquer nível de proteção social que atinge mais de 80% desses empreendimentos (Tabela 1) é um indicador de que os avanços alcançados pela economia solidária no que diz respeito à autogestão e ao controle do processo produtivo pelos trabalhadores têm limites importantes. É fundamental reconhecer que a ausência de proteção social não é por si uma evidência de que os trabalhadores da economia solidária permanecem como sendo EIR, já que mesmo em empresas capitalistas a ausência dessa proteção social é observada ao longo da história. Contudo, tendo em vista o fato de atualmente os contratos tradicionais de trabalho oferecerem algum nível de proteção, mesmo com significativas perdas no contexto do neoliberalismo, é de se esperar que uma parte dos participantes de EES sintam-se atraídos a fazerem parte do EIR ativo para terem acesso a esses benefícios.

Outro elemento a destacar é que dentre os EES que focam sua atividade econômica na produção e comercialização, apenas em 31% os valores gerados pelo empreendimento são a fonte principal de renda dos participantes. Em 29,27% eles são apenas um complemento. Esse último dado confirma o que também aparece quando os entrevistados falam da motivação de criar e participar dos empreendimentos solidários. Como apontado no 2º Mapeamento e na pesquisa amostral, a principal resposta que os entrevistados deram para justificar o seu interesse em participar do EES é para complementar as suas rendas. A parcela dos indivíduos que têm a renda recebida complementada por doações ou que fazem parte de programas sociais é de 4,75%, e a dos que recebem pensões ou aposentadorias é de 2,2%.

Tais evidências apontam para a condição de vulnerabilidade em que muitos desses trabalhadores se encontram antes de participarem desses empreendimentos, reforçando o papel social que a economia solidária desempenha. Todavia, a existência desse perfil de trabalhador que participa do empreendimento solidário e ao mesmo tempo de outras atividades (provavelmente) precarizadas aponta para um perfil de trabalhador que, apesar de atuar em um EES, permanece fazendo parte das fileiras do Exército Industrial de Reserva, especialmente em sua forma estagnada.

Ainda nos empreendimentos de produção, quando questionados se as atividades conseguem remunerar os seus sócios, 68% afirmaram que sim e 32% que não. Essa dificuldade também é colocada quando questionados sobre os principais desafios dos empreendimentos. Em 74% dos EES a resposta foi gerar renda adequada aos seus sócios. Ela ocorre porque parte significativa dos empreendimentos não consegue ser viável economicamente. Do total dos EES, 37,5% afirmaram que os resultados financeiros só permitiram pagar as despesas sem ficar nenhuma sobra, sendo que 11,34% dos EES não conseguiram receitas suficientes nem para pagar as despesas. Esse último resultado é uma das principais evidências que mais reforçam a limitação dos Empreendimentos de Economia Solidária de retirar o trabalhador da condição de EIR.

A dificuldade de gerar renda dialoga diretamente com o segundo desafio mais importante apontado pelos EES, que é viabilizar economicamente o empreendimento (67%). Essa dificuldade se reflete em diversos outros problemas enfrentados pelos EES. Quando questionados, por exemplo, se o empreendimento foi capaz de fazer investimentos nos últimos 12 meses, somente 32,27% responderam que sim. Além disso, um pouco mais da metade do total dos EES (52,55%) tiveram sobras ou excedentes no último ano. Desse total, o principal destino dado a esses recursos foi o fundo de investimento (21,28%) e a distribuição entre os sócios (10,54%). A falta de capacidade de muitos EES gerarem recursos para os seus sócios, como apresentado anteriormente, é resultado dessa dificuldade que muitos têm de serem viáveis economicamente.

Conclusão

Marx, ao analisar a transição do modo de produção feudal para o capitalismo, argumenta que as sementes que levaram à desintegração do sistema feudal são as mesmas que permitiram ao capital assumir uma posição central na produção econômica. Essa transição foi lenta e gradual e, apesar de ter momentos históricos que servem como marco, como a Revolução Francesa e a Revolução Gloriosa na Inglaterra, a mudança de um modo de produção para outro ocorre a partir de um processo dinâmico permeado por contradições e luta de classes. Nesse sentido, pode-se também pensar que a superação do modo de produção capitalista ocorrerá a partir das suas próprias contradições internas. Isso significa assumir que dentro dele já estão sendo gestados os elementos para a sua superação.

A economia solidária pode ser pensada como sendo um desses fenômenos que, ao mesmo tempo que integra o modo de produção capitalista, pode produzir os elementos para a sua superação (SINGER, 2008). Contudo, em muitos momentos ela é útil apenas como forma de auxiliar a reprodução do capital, sem conseguir se firmar como uma via para a sua superação (POCHMANN, 2004). Como apresentado no texto, os dados da economia solidária no Brasil apontam para um número considerável de empreendimentos que têm dificuldade de se firmarem como alternativas econômicas viáveis para os trabalhadores; além disso, há diversos outros problemas, como a ausência de proteção social, que amplia ainda mais a precarização dos trabalhadores, ao invés de fornecer melhores alternativas de trabalho.

Nesse sentido, este artigo buscou analisar os EES a partir do conceito de Exército Industrial de Reserva. Com base nessa categoria é possível identificar como os fatores estruturais que impedem o pleno funcionamento de algumas experiências econômicas solidárias se tornam mecanismos para manter parte dos trabalhadores na condição de EIR. Como argumentado, para que o capital consiga submeter toda a classe trabalhadora à sua lógica é fundamental que seja criada uma massa de trabalhadores que estejam, provisoriamente, excluídos dos processos diretos de produção, mas ao mesmo tempo estejam disponíveis para serem usados quando demandados.

Mais do que uma visão fatalista ou de impossibilidade de funcionamento dos empreendimentos solidários, reconhecer a condição de parte dos trabalhadores que compõem esses empreendimentos como sendo uma fração do EIR coloca em evidência a necessidade da luta de classes, que, como destaca o próprio Marx, é o principal instrumento para a superação das relações capitalistas de produção. Não se pretende, portanto, negar o importante papel que esses empreendimentos desempenham ao fornecer condições mínimas de vida para uma parte da classe trabalhadora, e tampouco reduzir a importância que a ES possui de construir alternativas de organização no espaço de trabalho baseadas na solidariedade, autogestão, democracia, valores fundamentais na construção de uma alternativa ao capitalismo (BENINI; BENINI, 2011).

Essa luta precisa estar articulada a outros movimentos a partir da construção de elos com os demais grupos que também são explorados dentro do capitalismo (SCHMIDT, 2010). Como destacado por Campregher (2004), o potencial transformador dos EES precisa estar fundamentado em dois pontos: na construção do novo trabalhador coletivo e no enfrentamento da acumulação capitalista.

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Notas

3 Embora antigo, esse levantamento permanece sendo o mais atualizado sobre a Economia Solidária em nível nacional.
4 Rêgo Moreira (2013) e Leopoldino (2011) apresentam um resumo da discussão teórica sobre as cooperativas.
5 “[...] Essas instituições acessórias são todas aquelas instituições que, embora empreguem trabalho assalariado, não são propriamente capitalistas, pois não têm objetivo de produzir ou fazer circular mais-valia [...]” (GRANATO NETO, GERMER, 2013, p. 163).
6 Como não se trata de dados temporais, o que se tem nesse trabalho é um retrato das características dos EES no Brasil (e seus sócios) em um dado momento no tempo.
7 O primeiro mapeamento foi feito entre 2005 e 2007, com um registro de aproximadamente 15 mil EES. Em 2007 foi feita uma pesquisa complementar, resultando em um total de 21.859 empreendimentos. Devido às diferenças metodológicas entre os dois mapeamentos, como destacado por Gaiger et al. (2014), esse trabalho focou na análise apenas do segundo mapeamento em vez de uma análise comparada entre as duas pesquisas.
8 Cabe destacar que a metodologia da pesquisa permite em vários momentos que mais de uma resposta seja dada para a mesma questão. Com isso, pode ocorrer que o somatório das respostas que são dadas no questionário corresponda a valores acima de 100%.
9 Os grupos informais são aqueles empreendimentos que não possuem nenhum tipo de registro formal junto aos órgãos públicos.
10 Além dessas motivações, existem também as opções: atuação profissional em atividade econômica específica (14,35%), condição exigida para ter acesso a financiamento (20,96%), recuperação de empresa privada que faliu (3,05%), motivação social filantrópica (19,29%), desenvolvimento comunitário de capacidades e potencialidades (28,65%), alternativa organizativa (16,03%), incentivo de política pública (15,80%), fortalecimento de grupo étnico (9,70%), produção ou comercialização de produtos orgânicos (8,15%) e outros.
11 São eles: descanso remunerado, licença-maternidade, creche, qualificação social, equipamentos de segurança, comissão de prevenção de acidentes, previdência social, plano de saúde, auxílio-educação, auxílio-transporte, seguro de vida ou nenhum desses.

Autor notes

* Daniel Nogueira Silva. Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2019). Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. E-mail: daniel.nogueira@unifesspa.edu.br.
* Sylvio Antonio Kappes. Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2020). Professor Adjunto no Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará. E-mail: sylviokappes@gmail.com
Declaração de Co-Autoria: Daniel Nogueira Silva e Sylvio Antonio Kappes declaram ser, ambos, igualmente responsáveis pela concepção, coleta, tratamento e interpretação dos dados, bem como pela redação do texto.
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