Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Cannabis e Ciência: Identificação de Redes de Pesquisa com/sobre a Cannabis a Partir da Plataforma de Currículos Lattes
Cannabis and Science: Identification of Research Networks with/about Cannabis Using the Lattes Platform
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 28, núm. 3, e48577, 2023
Universidade Estadual de Londrina

DOSSIÊ – Conhecimentos Canábicos: Práticas Sociopolíticas Emergentes


Recepção: 15 Julho 2023

Revised document received: 23 Agosto 2023

Aprovação: 04 Dezembro 2023

DOI: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2023v28n3e48577

Resumo: A adoção de uma política internacional de drogas de cunho proibicionista, que classificou a cannabis como uma droga ilícita, resultou no hiato científico que perdurou entre o início do século XX e os anos 1960, quando Raphael Mechoulam instituiu novos marcos para a ciência canábica (descoberta do THC, do CBD e descrição do Sistema Endocanabinoide). Hoje, observa-se o crescente interesse pela planta e seus atributos medicinais e mercadológicos. Assim, esta pesquisa objetiva mapear as redes de pesquisadores com/sobre a cannabis no Brasil a partir de currículos Lattes. Foram analisados currículos de 59 autores de artigos sobre o tema. As relações de coautoria apontam distintas formações de redes de pesquisa que englobam desde parcerias orientador-orientados até colaboradores em uma mesma instituição ou instituições diversas. Os resultados permitem identificar, mapear e popularizar algumas dessas redes de pesquisa com e sobre a cannabis no Brasil, em Saúde, Ciências Humanas e Agrárias.

Palavras-chave: Conhecimentos canábicos, redes de pesquisa, currículo Lattes.

Abstract: The adoption of an international drug policy based on prohibition, which classified cannabis as an illicit drug, led to a scientific hiatus that lasted from the early 20th century until the 1960s, when Raphael Mechoulam established new milestones for cannabis science (discovery of THC, CBD, and the description of the Endocannabinoid System). Today, there is a growing interest in the plant and its medicinal and marketable attributes. Thus, this research aims to map the networks of researchers with/about cannabis in Brazil based on Lattes curricula. Curricula of 59 authors of articles on the subject were analyzed. Co-authorship relationships indicate different research network formations, ranging from advisor-advisee partnerships to collaborators within the same institution or different institutions. The results allow for the identification, mapping, and popularization of some of these research networks with and about cannabis in Brazil, within Health, Human Sciences, and Agrarian Sciences.

Keywords: Cannabis knowledge, research networks, lattes curriculum.

Introdução

As plantas do gênero cannabis estão recebendo cada vez mais atenção, seja no âmbito acadêmico-científico, seja no mercadológico, devido à imensidão de possibilidades de uso que a erva oferece. Tal planta vem sendo utilizada para fins de alimentação, medicina e fabricação de fibras há cerca de quatro mil anos (Backes, 2017; Brand; Zhao, 2017; Zuardi, 2006). A recente redescoberta dessas propriedades tem sido motivo de debate entre políticos, legisladores, associações civis em prol da cannabis, ativistas, pesquisadores, a indústria farmacêutica, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Conselho Federal de Medicina (CFM), entre outros. Para solucionar esse impasse, verifica-se a urgência de fazer pesquisas sobre a planta em todas as áreas do conhecimento, o que já vem ocorrendo nas últimas décadas.

No entanto, a pesquisa com uma planta que ainda é ilegal no Brasil traz consigo uma série de dificuldades e entraves burocráticos que incluem questões éticas e legislativas, envolvendo o acesso ao material vegetal, a disponibilidade de recursos e financiamento e várias outras objeções.

Assim, o presente estudo visa mapear as redes de pesquisadores com/sobre a cannabis no Brasil a partir de currículos Lattes. Tal pesquisa se justifica, pois fornece uma visão abrangente da pesquisa sobre o assunto no Brasil, uma vez que o mapeamento das redes de cannabis é uma abordagem multifacetada que beneficia a comunidade acadêmica, os formuladores de políticas e a sociedade em geral, ao oferecer uma compreensão mais profunda e atualizada desse campo de estudo em constante evolução.

No entanto, antes de se descrever a conjuntura que coloca a cannabis no campo científico das pesquisas no Brasil, primeiramente faz-se necessário compreender quais aspectos envolvem essa relação. Deste modo, segue uma breve contextualização dos estudos com/sobre cannabis no mundo ocidental e, principalmente, no Brasil.

Cannabis e Ciência: Breve Contextualização da Ciência com e sobre a Planta

Os primeiros relatórios científicos publicados da medicina ocidental sobre os benefícios terapêuticos da cannabis datam do século XIX, tendo como marco inicial os estudos de William B. O’Shaughnessy, médico irlandês pioneiro nas experimentações sobre a toxicidade da cannabis (Backes, 2017). O’Shaughnessy é autor do estudo Sobre as preparações do cânhamo indiano, ou gunjah2 (1839), no qual descreve experimentos em humanos usando cannabis para reumatismo, convulsões e principalmente para espasmos musculares de tétano e raiva (Zuardi, 2006). 

Na mesma época, o psiquiatra francês Jacques-Joseph Moreau realizava experimentos sistemáticos com diferentes preparações de maconha, cujos resultados foram publicados em 1845 no livro De Haxixe e Insanidade: Estudos Psicológicos3, considerado uma das descrições mais completas dos efeitos agudos da cannabis. Entre 1850 e 1900, uma série de artigos científicos sobre os potenciais terapêuticos da cannabis foram publicados nos Estados Unidos e na Europa. As pesquisas com a planta atingiram seu apogeu na virada para o século XX, quando diversos laboratórios produziam e comercializavam extratos ou tinturas de cannabis, dentre os quais cita-se Merck (Alemanha), Burroughs-Wellcome (Inglaterra), Bristol-Meyers Squibb (Estados Unidos), Parke-Davis (Estados Unidos) e Eli Lilly (Estados Unidos) (Zuardi, 2006).

Foi nas primeiras décadas do século XX que ocorreu a queda do uso medicinal cannabis no Ocidente, em parte devido ao surgimento de um paradigma proibicionista (Fiore, 2012) iniciado nos Estados Unidos e na Inglaterra com políticas como a Lei Seca4 (1920 a 1933) e a Guerra às Drogas5 (a partir de 1971). Este paradigma culminou em uma série de legislações e convenções internacionais que classificaram a cannabis como uma das três drogas ilícitas, juntamente com a cocaína e a heroína (Amaral; Torossian, 2018; Backes, 2017; Carneiro, 2019).

Por outro lado, a proibição em terras brasileiras se iniciou em 1830, quando o Conselho Municipal do Rio de Janeiro, sob pressão das autoridades religiosas, proibiu o uso da planta, penalizando o “pito de pango” (maconha). Essa lei também restringia a venda, uso público e conservação da maconha em casas. A criminalização da maconha foi fortalecida pelo discurso médico-científico, destacando-se o papel do médico José Rodrigues Dória em 1915, cujo texto “Os fumadores de maconha: efeitos e homens do vício” argumentava que o uso da planta era uma “toxicomania” que causava loucura e criminalidade. Esse discurso também continha elementos eugênicos e racistas, passando a criminalizar grupos sociais marginalizados, como negros e culturas não dominantes, sob a justificativa de características naturais de crimes (Barros; Peres, 2011; Souza, 2015).

Neste contexto, percebe-se que a criminalização do uso da Cannabis sativa no Brasil precede o movimento proibicionista nos Estados Unidos e na Inglaterra. Além disso, vale destacar que mesmo que a permissão para pesquisar a planta já estivesse presente na Convenção Única sobre Entorpecentes (1961), a mesma não foi regulamentada por legislação posterior, nem mesmo pela lei 11.343/2006, também chamada Lei de Drogas (UNODC, [2023]).

Tais políticas dificultavam fortemente o acesso à planta, inclusive para fins medicinais. Mas em se tratando dos usos terapêuticos, outros fatores também contribuíram para essa queda, dentre os quais cita-se o surgimento de medicamentos, no final do século XIX (vacinas, analgésicos, aspirina, morfina injetável, hidrato de cloral, paraldeído e barbitúricos), que possuíam eficácia conhecida para o tratamento dos casos para os quais a cannabis era indicada em oposição à dificuldade de obter efeitos replicáveis com as tinturas e extratos da planta. Em outras palavras, o não conhecimento dos psicoativos da planta, responsáveis pelos efeitos medicinais da cannabis, tornou-se um obstáculo na precisão dos resultados das pesquisas (Zuardi, 2006).

As pesquisas sobre cannabis medicinal foram retomadas com os estudos de Raphael Mechoulam, pesquisador israelense, principalmente a partir descoberta do canabidiol (CBD) em 1963 e a descoberta e isolamento do delta-9-tetra-hidrocanabinol (Δ9-THC) em 1964 e 1970, respectivamente (Backes, 2017; Corrêa et al., 2020). Outras contribuições de pesquisa de Mechoulam foram a identificação dos endocanabinoides anandamida (AN) e 2-arachidonolyl-glycerol (Ara-Gl) (1992), a identificação de receptores canabinoides CB2 periféricos (1995) e a consolidação do Sistema Endocanabinoide (2015).

Uma revisão sistemática realizada por Zuardi (2006) com publicações relacionadas à cannabis entre 1955 e 2004 na plataforma ISI Web of Knowledge identificou dois marcos para a pesquisa: a descoberta do THC e a descoberta dos receptores endógenos CB1 do Sistema Endocanabinoide. Após a descoberta do TCH (1964), o número de publicações cresceu de 222 para 1.061 até o final de 1969. Durante os anos de 1970 e 1980, ocorreu um decréscimo na quantidade de estudos publicados. Vale destacar que o contexto social da época coincide com o período inicial da política de Guerra às Drogas. Um retorno das pesquisas é observado na década de 1990, após a descoberta do CB1, que incrementou o número de pesquisas publicadas até 2004, quando Zuardi encerrou sua pesquisa.

Até 2005, os efeitos terapêuticos do THC tinham sido estudados para casos de epilepsia, insônia, vômito, espasmo, dor, glaucoma, asma, inapetência, síndrome de Tourette e outros. As indicações terapêuticas do THC listadas pelo autor eram: antiemético, estimulante do apetite, analgésico e nos sintomas da esclerose múltipla. Sobre CBD, foram pesquisadas evidências de efeitos terapêuticos em epilepsia, insônia, ansiedade, inflamações, danos cerebrais (como neuroprotetor), psicoses, entre outros (Zuardi, 2006).

Em relação às pesquisas no Brasil, Carlini (2010), juntamente com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), realizou um “levantamento incompleto” que catalogou 470 artigos de brasileiros sobre maconha publicados nos séculos XX e XXI, no qual fez importantes apontamentos sobre a pesquisa com cannabis no Brasil. Segundo o autor, entre 1930 e 1959 as publicações reforçavam o negativismo e o proibicionismo contra a maconha. Encabeçados por José Lucena e seus colaboradores, que publicaram estudos com títulos alarmantes, descreviam os sintomas apresentados pelos usuários da maconha, contribuindo para a repressão ao seu uso; até mesmo ações policiais contra cultivadores e usuários da planta eram empreendidas.

José Lucena foi um pesquisador pernambucano que deslocou o foco dos riscos de “degenerescência” e “impulso criminal” associados ao uso da maconha para uma perspectiva de doença em suas numerosas obras sobre o assunto. Suas análises, embora distintas em métodos e objetivos, corroboraram as ideias de José Rodrigues Dória, destacando a introdução da planta por africanos e caracterizando o perfil dos usuários como predominantemente homens, jovens, pobres, analfabetos, mestiços e negros. Lucena contribuiu para a disseminação da associação entre maconha e doença mental, usando termos como “maconhismo” ou “canabismo” (Brandão, 2017).

Nos anos de 1960, os estudos pioneiros de José Ribeiro do Valle na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) foram os primeiros a apresentar uma perspectiva voltada aos benefícios medicinais e terapêuticos da cannabis. Valle foi responsável por acolher vários jovens brasileiros com interesse científico pela planta, dando origem ao que Carlini (2010, p. S3) definiu como “o principal e duradouro grupo de pesquisa sobre a maconha, que tem continuidade até o presente graças aos ‘filhos, netos e bisnetos’ de Valle”. Neste grupo foram formados pesquisadores como o próprio Elisaldo Carlini (“filho de Valle”), A. W. Zuardi, R. Takahashi e I. Karniol (“netos de Valle”) e os seus orientandos (“bisnetos de Valle”), os quais Carlini acreditava que continuariam a contribuir com importantes pesquisas sobre este tema. Esses pesquisadores se estabeleceram como produtivos grupos de pesquisa, no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.

Deste modo, atenta-se para a tradição da pesquisa com a cannabis na área da saúde desde os anos de 1960. No entanto, esses conhecimentos científicos sobre a planta ficavam restritos à comunidade científica. O ano de 2006 também foi o ano de publicação da Lei nº 11.343/2006, também chamada de Lei de Drogas. Seu Art. 2º proíbe as drogas (que incluem a maconha), assim como “o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas”. Por outro lado, abre a seguinte lacuna:

Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas

(Brasil, 2006).

Apesar de não ser a única razão para o “renascimento” da cannabis ou maconha como medicamento, tal lei aguçou o debate sobre o tema. Assim, mesmo diante da máxima dos opositores a ela de que a maconha não apresentaria efeitos terapêuticos comprovados, intensificou-se no Brasil entre 2006 e 2010 a discussão sobre o uso medicinal da maconha, assim como a divulgação da comercialização em diversos países de medicamentos à base de seus princípios ativos (Carlini; Orlandi-Mattos, 2011). Essa possibilidade se torna atraente, tanto para o meio científico quanto para a indústria, que via um futuro promissor no Brasil. No entanto, o debate persiste nos dias atuais.

Mesmo diante de um cenário proibicionista, as pesquisas com a cannabis têm se fortalecido em número de pesquisadores e estudos publicados, alcançando outras áreas de conhecimento e adeptos em diversas universidades e centros de pesquisa. Estudos pioneiros têm sido realizados no campo agronômico, inclusive com cultivo da planta em território nacional mediante permissões judiciais. A Universidade Federal de Viçosa (UFV) foi uma das primeiras a obter a autorização judicial. Em parceria com a startup ADWA Cannabis, iniciou, no final de 2020, o primeiro trabalho no Brasil de melhoramento genético da cannabis, realizado por Sérgio Barbosa Ferreira Rocha6.

As contribuições de Sérgio Rocha (2019) para o conhecimento canábico incluem títulos como Potencial brasileiro para o cultivo de Cannabis sativa L. para uso medicinal e industrial e Modelagem para determinação da duração do ciclo, da data de plantio e de colheita de Cannabis spp. (Rocha; Oliveira; Silva, 2018). Outra pesquisadora da UFV que tem sido reconhecida por seus estudos é Laura Grandíllia Araújo Esposito, engenheira agrônoma que publicou o estudo Immune Responses Are Differentially Regulated by Root, Stem, Leaf, and Flower Extracts of Female and Male CBD Hemp (Cannabis sativa L.)7, que proporcionou novas possibilidades para os cultivadores e jardineiros da maconha (Esposito et al., 2021).

Outras universidades também alcançaram autorização semelhante. A Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), em 2017, foi a primeira instituição nacional a obter autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o cultivo (in vitro) de células e tecidos desta planta8. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) iniciou em 2023 o cultivo de cannabis para aplicação em pesquisa na área de medicina veterinária. Seu objetivo é produzir os extratos de cannabis a partir de plantas cultivadas em laboratório9. A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) firmou acordo de cooperação técnico-científica em julho do mesmo ano com a associação sem fins lucrativos Canabiologia, Pesquisa e Serviços (Canapse), que visa viabilizar estudos farmacológicos e na área de melhoramento genético com a planta cannabis sativa e suas variações10. Vale lembrar que esses são apenas alguns exemplos. A lista de iniciativas como essas segue crescente.

Tendo conhecimento desses estudos que tanto contribuíram para a consolidação de uma ciência canábica no Brasil, buscou-se uma forma de identificar pesquisadores que têm se destacado no campo científico com seus estudos com e sobre a cannabis. Assim, optou-se por analisar currículos vinculados à plataforma Lattes, a fim de recriar essas redes a partir de alguns autores pré-selecionados.

Materiais e Métodos

A plataforma Lattes, vinculada ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem o objetivo de integrar bases de currículos acadêmicos de instituições públicas e privadas em uma única plataforma. O seu padrão de currículo é considerado o padrão brasileiro de avaliação, pois apresenta um histórico das atividades científicas, acadêmicas e profissionais dos pesquisadores nela cadastrados (Brito; Quoniam; Mena-Chalco, 2016).

Essa plataforma oferece dois modos de busca: por nome ou por assunto (título ou palavra-chave da produção). Ao realizar a busca por assunto pelo termo “Cannabis”, obtiveram-se 5.938 resultados (2.306 doutores e 3.632 demais pesquisadores, mestres, graduados, estudantes, técnicos, etc.). Verificou-se, no entanto, que fazer o mapeamento por esse caminho dificulta a identificação dos pesquisadores mais influentes, visto que aqui são contabilizados todos os currículos que fazem menção ao termo. Além disso, há presença de estudantes de Ensino Médio, que ainda não realizam pesquisa acadêmica, assim como casos de pesquisadores que só se vinculam à temática para fins de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), que em geral possuem baixa significância entre as produções científicas.

Assim, optou-se por outro procedimento metodológico de seleção de currículos, partindo inicialmente de um levantamento bibliográfico que identificasse autores influentes sobre o tema no Brasil. A base escolhida foi banco de dados do Portal Brasileiro de Publicações e Dados Científicos em Acesso Aberto (Oasisbr)11. Essa escolha se deve ao fato de que o Oasisbr é uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) que reúne a produção científica e os dados de pesquisa em acesso aberto, publicados em revistas científicas, repositórios digitais de publicações científicas, repositórios digitais de dados de pesquisa e bibliotecas digitais de teses e dissertações. Além disso, desde 2022 as Teses e dissertações do Lattes passaram a receber selo de certificação de autenticidade do Oasisbr (IBICT, 2022).

Como recorte analítico, optou-se por analisar somente os artigos e, por essa razão, outros formatos de textos científicos (monografias, dissertações, teses e resumos em congressos, por exemplo) não foram incluídos. A busca foi realizada pelo vocábulo “Cannabis” na base de dados Oasisbr. Observa-se aqui que a opção por buscar pelo termo “Cannabis” e não por outras nomenclaturas, como, por exemplo, “maconha”, deu-se pelo fato de o objetivo do presente estudo ser mapear pesquisadores que realizam pesquisa diretamente com a planta e/ou seus derivados e substratos. Após um levantamento teste, percebeu-se que, ao pesquisar por terminologias mais populares (maconha, haxixe, liamba, etc.), se abriria o leque para ramificações muito abrangentes da temática, que incluem, por exemplo, pesquisas mais voltadas para as representações sociais da planta e seus usuários do que sobre a planta em si. Deste modo, foram identificados inicialmente 1.727 autores desses artigos.

A fim de focar a análise nos principais autores, optou-se por analisar somente aqueles que possuíam duas ou mais citações no Oasisbr. Esse critério se justifica pelo fato de que, ao analisar currículos de autores com apenas uma publicação, percebeu-se que a cannabis não era o principal tema de interesse deles, de forma que não se observou uma continuidade nessas pesquisas. Isso reduziu o corpus para 141 autores. Como existe uma divergência de formas de citações, identificou-se que alguns autores estavam duplicados. Após eliminar os duplicados, restaram 132 autores.

Para esses, foi feita a busca por nomes na Plataforma Lattes manual e individualmente. Alguns nomes não estavam cadastrados, e outros não foram identificados devido ao grande número de pesquisadores homônimos. Como o objetivo desta pesquisa foi identificar as redes de pesquisadores brasileiros, um terceiro critério foi a eliminação de autores estrangeiros, assim como um artigo de autoria da Fundação Oswaldo Cruz. Isso ocorreu por dois motivos. Primeiramente porque a maioria dos autores estrangeiros identificados não possuíam currículos cadastrados na plataforma Lattes (que é uma plataforma brasileira). Em segundo lugar, levou-se em conta que o objetivo era identificar as redes dos principais autores brasileiros, sendo que alguns dos autores estrangeiros, assim como aqueles brasileiros que possuíam apenas uma publicação, voltam a ser referenciados nas redes, visto que as parcerias eliminadas na etapa de seleção de currículos são retomadas na etapa de busca de parceria dentro dos currículos dos autores principais.

Assim, chegou-se ao número de 68 currículos analisáveis no Lattes. No entanto, após verificação aprofundada deles, percebeu-se que nove não mencionaram o termo “cannabis”. Assim, foram analisados 59 currículos, listados a seguir: Abreu, A. M. M.; Albuquerque, K. L. G. D.; Almeida, I. B. C. M.; Anghinah, R.; Araújo, P. G. G. L.; Araujo, R. B.; Arruda, J. T.; Bícego, K. C. ; Conceição, M. I. G.; Costa, F. B.; Crippa, J. A. S.; Cunha, P. J.; Del-Ben, C. M.; Diehl, A.; Duarte, J. A.; Ferigolo, M.; Ferrão, M. F.; Fraga, P. C. P.; Fukushima, A. R.; Gargaglioni, L. H.; Gonzaga, R. V.; Gorziza, R. P.; Guimarães, F. S.; Hallak, J. E. C.; Lara, D. R.; Laranjeira, R.; Limberger, R. P.; Mazoni, C. G.; Medeiros, W. M. B.; Moreira, T. C.; Mossini, S. A. G.; Nicoletti, M. A.; Nunes, E. L. G.; Oliveira Júnior, E. Q.; Oliveira, M. S.; Patrone, L. G. A.; Pedroso, R. S.; Pontes, K. M.; Ramos, M. C.; Ramos, M. F.; Rezende, M. A.; Rodrigues Junior, O. M.; Rosa, M. D.; Santos, J. S.; Scanferla, D. T. P.; Shuhama, R.; Silva Junior, E. A.; Silva, A. B. F.; Silva, J. K. N.; Silva, L. A.; Silva, R. R.; Sousa, J. M. M.; Torro, N.; Vasconcelos, T. C. L.; Ventura, C. A.; Villas Bôas, G. K.; Wagner, M. F.; Yonamine, M.; Zuardi, A. W.

Durante a planificação em Excel, algumas informações iniciais foram cadastradas: autor (citação), link para o Lattes, número de citações do termo “cannabis” no Lattes, área de pesquisa, vínculo recente ou mais atual verificado e, caso necessário, observações, entre outros.

O último procedimento realizado foi a seleção dos 10 principais autores da lista supracitada, a fim de identificar através de seus currículos Lattes as relações de coautoria em artigos publicados em periódicos científicos. Esse procedimento permite detectar as redes de pesquisa desses autores, o que serve para exemplificar parcialmente as relações de pesquisa com/sobre a cannabis existentes no Brasil. Para a elaboração das redes, fez-se uso do software gratuito Gephi12. Os resultados são apresentados a seguir.

Perfil dos Pesquisadores: A Produção sobre Cannabis nas Categorias do Lattes

O primeiro dado observado foi a origem das pesquisas, ou seja, em qual universidade ou instituição brasileira o estudo foi realizado. Em relação ao vínculo de pesquisa, a USP foi a universidade que mais se destacou, com 13 autores vinculados a ela. Trata-se de uma instituição que já tem um arcabouço de pesquisas na área de saúde (principalmente Psiquiatria e Farmácia).

Outra instituição que se destaca é a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com oito autores vinculados. Em relação a essa universidade, infere-se que o pico de pesquisas nos últimos 10 anos com a cannabis esteja diretamente relacionado com a criação e parceria com a Associação Brasileira de Apoio à Cannabis Esperança (ABRACE Esperança). A Abrace, além de possuir sede no mesmo estado, ainda foi a primeira a alcançar o direito de cultivo associativo na esfera civil no Brasil, o que pode ter facilitado o acesso de pesquisadores à planta, assim como aos pacientes usuários. Nesta instituição, é possível verificar que há pesquisas nas áreas de Medicina, Farmacologia, Psicologia e Neurociência.

O levantamento demonstrou que os artigos disponíveis na plataforma Oasisbr foram produzidos também por pesquisadores de instituições como: Fiocruz (7); UFRGS (7); PUC-RS (3); UEM (3); UFCSPA (3), UNESP (3), UFJF (2), UFPB (2), UFSM (2), UNIFESP (2). As áreas mais estudadas foram: Farmácia, Psiquiatria, Medicina, Psicologia, Direito, Fonoaudiologia, Neurociência, Química e Saúde coletiva.

No que tange à titulação desses autores, cinco são somente graduados, três possuem especialização (pós-graduação), seis possuem mestrado, 26, doutorado e 18, pós-doutorado. Destaca-se ainda que 46% (27 pesquisadores) atuam no magistério superior como professores adjuntos, associados ou titulares, dentre os quais 16 são bolsistas de produtividade13.

Nos currículos Lattes, a trajetória acadêmica do pesquisador é apresentada de acordo com sua formação, o vínculo institucional e a produção bibliográfica e técnica de seus usuários cadastrados. Dentro dessas produções, encontram-se gêneros acadêmicos e outras publicações, como textos em jornais e revistas, blogs, sites e redes sociais, entrevistas na mídia e várias outras possibilidades. Neste estudo, consideraram-se para o estabelecimento dos perfis dos pesquisadores apenas os artigos completos publicados em periódicos.

Deste modo, a partir da análise dos currículos, identificou-se que nem todos os pesquisadores listados possuem a cannabis ou a maconha como principal objeto de pesquisa. A maioria apresentava em seu currículo baixa produção acadêmico-científica sobre o tema (menos do que 10 produções), sendo que 41 currículos (69%) tinham até cinco produções, dentre os quais seis não possuíam nenhuma produção (11%). Assim, a tabela a seguir lista os 10 autores mais atuantes nesta área de pesquisa:

Quadro 1
Dez autores mais atuantes, segundo informações dos seus respectivos currículos Lattes

Fonte: Dados da pesquisa.

O primeiro aspecto que se deve considerar a partir da análise do quadro anterior é a relação que se estabelece entre os autores e suas respectivas instituições. Tal ponto já induz a formação de redes de pesquisa dentro de cada instituição, o que será melhor abordado no tópico seguinte deste estudo; no entanto, adianta-se aqui que há um grupo de pesquisadores que realizam pesquisas colaborativas (principalmente na área de saúde) na USP, na UFRGS e na PUC-RS. Esse trabalho conjunto faz com que as publicações levem grande número de autores, o que influencia diretamente o aumento da produção científica desses pesquisadores sobre o tema.

Na área da saúde, é possível identificar artigos com mais de 15 autores, o que dificulta a determinação precisa da participação de cada pesquisador no texto. Mas mesmo nesses casos é possível reconhecer os pesquisadores mais atuantes, como, por exemplo, Crippa, J. A. S. e Zuardi, A. W. e Hallak, J. E. C, que, apesar de coautores juntamente com Diehl, A., Cunha, P. J., Guimarães, F. S. e Yonamine, M., ainda participam efetivamente em eventos científicos apresentando trabalhos.

O mesmo não se observa na área de Ciências Humanas e Sociais. As revistas e periódicos dessa área costumam estabelecer um limite de até três autores por artigo, tendo-se a obrigação de especificar o papel de cada coautor na pesquisa publicada. Assim, vê-se uma produção de certo modo isolada de Fraga, P. C. P. (cientista social da UFJF), em relação ao qual, apesar de muito atuante, não é possível identificar inicialmente sua rede de colaboradores.

A partir da observação dos 10 autores com maior produção sobre o tema, verifica-se que autores da USP tendem a formar equipes de trabalho, assim como na PUC-RS. Assim, para demonstrar como se organizam esses grupos de pesquisadores, geraram-se, a partir do software Gephi, algumas figuras com redes formadas pelos nomes de coautores desses cientistas mais atuantes.

Na análise de redes, deve-se levar em conta que cada nó representa um autor ou coautor e cada aresta representa uma relação de coautoria de artigos científicos. Para a formação dessas redes, optou-se por destacar o grau de entrada, ou seja, quanto mais vezes o nome do pesquisador aparece nos currículos analisados, maior é o tamanho da fonte do nome escrito. Do mesmo modo, quanto mais espessa a aresta, maior o número de artigos de coautoria entre os pesquisadores interligados. Feitas tais considerações, na figura 1 apresenta-se a rede completa de pesquisadores formada a partir das relações de coautoria com os 10 autores selecionados.


Figura 1
Rede de pesquisa dos 10 principais autores e suas relações de coautoria
Fonte: Dados da pesquisa.

Para facilitar a identificação do leitor, foi acrescido à rede o sobrenome dos autores de referência que deram nome a cada rede menor, sejam elas: CRIPPA-HALLAK-ZUARDI, FRANÇA, ALBUQUERQUE, LARANJEIRA e OLIVEIRA-PEDROSO-ARAUJO. O décimo nome da lista é o da pesquisadora Alessandra Diehl (Diehl, A.), da USP. Apesar de não possuir uma rede representada, ela é o elo que liga a USP de Ribeirão Preto a outras duas redes: Araújo, R. B. (PUC-RS) e Laranjeira, R. (UNIFESP). Seus temas de interesse são principalmente dependência química, sexualidade e prevenção ao uso de álcool e outras drogas, sendo que a autora analisa a maconha (nomenclatura mais utilizada nas pesquisas de Diehl) sob esta ótica. Esse pode ser o motivo para sua rede não apresentar ligações com a rede Crippa-Zuardi-Hallak. As pesquisas dessa autora buscam equilibrar os usos da maconha apontando os riscos e cuidados que devem ser tomados. Suas parcerias com Laranjeira, R. e com Araújo, R. B. versam principalmente sobre tratamentos farmacológicos de dependentes químicos da maconha.

A fim de facilitar a visualização das redes parciais, a rede completa foi desmembrada em cinco figuras. A figura 2 mostra a correlação entre três autores da USP, Crippa, J. A. S., Zuardi, A. W. e Hallak, J. E. C., apresentada a seguir.


Figura 2
Rede de pesquisa com os autores da USP Crippa, J. A. S., Zuardi, A. W. e Hallak, J. E. C.
Fonte: Dados da pesquisa.

A rede que se forma a partir desses três pesquisadores da USP de Ribeirão Preto conta com um extenso número de colaboradores que colocam suas contribuições pontuais. Nesta rede, para organizar visualmente o grafo, foram colocadas no interior do triângulo que forma a tríade de autores as relações de coautoria em artigos escritos em colaboração com os três autores. Fora do triângulo, têm-se as parcerias com dois desses autores ou com somente um deles. Pela arquitetura da rede, é possível visualizar graficamente por que Crippa, J. A. S. é o principal autor dentro desse corpus, pois o maior número de relações se direciona a ele.

Como já descrito, há artigos neste grupo com mais de 15 autores, e da forma como são listados infere-se que a maioria dos coautores menores sejam parte de grupos de pesquisa dos autores principais, uma vez que aparecem uma, duas ou no máximo três vezes em artigos publicados em períodos de até dois anos, sendo que não há outras pesquisas com a cannabis no currículo desses coautores após esse período de possível participação no grupo de pesquisa. Outra contribuição pontual que aparece e merece ser destacada nessa rede é a colaboração com pesquisadores internacionais. Há até mesmo a participação do próprio Raphael Mechoulam em um dos artigos.

Foram contabilizadas 61 publicações de artigos, livros e capítulos de livros frutos desta rede. Elas se organizam da seguinte forma: 20 possuem somente a contribuição de Crippa, J. A. S. (32,8%), nove são de autoria de Zuardi, A. W. e seus colaboradores (14,8%) e dois são de Hallak, J. E. C. (3,3%). As colaborações entre eles somam 50% das publicações, sendo 13 delas resultado da parceria Crippa-Zuardi (21,3%), duas Crippa-Hallak (3,3%) e 15 Crippa-Zuardi-Hallak (24,6%). Não houve publicações de uma parceria Zuardi-Hallak.

Nesta nuvem ainda se destacam os nomes Martín-Santos, R., Bhattacharyya, S., Atakan, Z. e McGuire, P. K., por exemplo. Apesar destes autores contribuírem com frequência nas publicações da rede, eles não entraram para a nossa análise por serem fruto de parcerias internacionais. Rocío Martín-Santos é professora da Universidade de Barcelona e consultora sênior em Psiquiatria do Departamento de Psiquiatria e Psicologia do Hospital Clínico de Barcelona (Espanha). Sagnik Bhattacharyya e Zerrin Atakan são professores do Institute of Psychiatry, na King’s College London (Reino Unido). Já Philip K. McGuire é professor do Department of Psychiatry na University of Oxford (Reino Unido). Vale destacar que as iniciativas de internacionalização da ciência são desejáveis e necessárias para o desenvolvimento sustentável das nações, uma vez que permitem oferecer condições a professores pesquisadores e estudantes estrangeiros de atuar em colaboração com os brasileiros, elevando assim o país aos padrões científicos internacionais (Cunha-Melo, 2015). O mesmo ocorre no caso das pesquisas em saúde com a cannabis.

A terceira nuvem de autores corresponde à rede de colaboradores do professor de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Ronaldo Ramos Laranjeira (Laranjeira, R.). Seus temas de interesse abarcam tratamento da dependência química, o impacto das políticas públicas do álcool e outras drogas, bases biológicas da dependência e avaliação epidemiológica do uso de substâncias. Neste caso, verifica-se que suas pesquisas com a cannabis também são direcionadas para este viés de dependência da substância e tratamento de seus usuários.


Figura 3
Rede do pesquisador Ronaldo Laranjeira, conforme dados do seu currículo Lattes
Fonte: Dados da pesquisa.

Dentro da rede de colaboradores de Laranjeira, R., o nome mais frequente é de Flávia S. Jungerman, psicóloga clínica e pesquisadora da Unidade de Pesquisas em Álcool e |Drogas (UNIAD), vinculada à Unifesp. Frutos dessa parceria são estudos que se dedicam à revisão e análise dos problemas associados ao uso da cannabis.

Em vertente semelhante, encontram-se os estudos de Margareth da Silva Oliveira (Oliveira, M. S.) e Renata Brasil Araujo (Araujo, R. B.), vinculadas à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e Rosemeri Siqueira Pedroso (Pedroso, R. S.), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). As pesquisas deste grupo visam identificar crenças sobre a maconha e a correlação entre o uso da substância e o desenvolvimento de transtornos mentais como depressão. 


Figura 4
Rede de pesquisa com as autoras Oliveira, M. S., Araujo, R. B. (PUC-RS) e Pedroso, R. S. (UFRGS)
Fonte: Dados da pesquisa.

Ainda no tocante a estudos na área da saúde, mas retomando a vertente defensora da cannabis terapêutica, destacam-se os estudos de Katy Lísias Gondim Dias de Albuquerque (Albuquerque, K. L. G. D). Como professora associada da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Albuquerque tem se destacado com estudos sobre o uso terapêutico e medicinal com extratos de cannabis desde de 2015. Também foi uma das pesquisadoras fundadoras da SBEC e, em 2019, foi responsável pela criação e oferta da primeira disciplina sobre cannabis em universidade pública (UFPB) do país oferecida para os cursos de Medicina, Biomedicina, Farmácia, Enfermagem, Odontologia, Nutrição, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Biotecnologia.


Figura 5
Rede da pesquisadora Katy Albuquerque, conforme dados do seu currículo Lattes
Fonte: Dados da pesquisa.

A rede de Albuquerque, K. L. G. D. é formada principalmente por dois perfis de pesquisadores: estudantes vinculados a seus projetos de pesquisa e pesquisadores da SBEC (Nunes, E. L. G., por exemplo).

Por fim, a última rede apresentada remete aos estudos de Paulo Cesar Pontes Fraga (Fraga, P. C. P.), professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Esta rede é formada principalmente por um seleto número de professores e pesquisadores doutores. Outra característica está na diferença no tamanho da fonte do nome do autor principal para os demais; isso demonstra o fato de seus artigos terem poucos coautores, sendo que na maioria ele é o único autor, ou seja, Fraga, P. C. P. possui várias publicações sobre o tema, mas suas parcerias são poucas.


Figura 6
Rede do pesquisador Paulo Fraga, conforme dados do seu currículo Lattes
Fonte: Dados da pesquisa.

Os estudos de Paulo Fraga apresentam um olhar sociológico para a planta e o cenário que a rodeia. Suas pesquisas têm ênfase em política de drogas, cultivos ilícitos, sociologia da violência, e ele se interessa por temas como: violência, drogas, políticas públicas, direitos humanos e adolescente.

Cada uma a seu modo, todas essas redes desempenham seu papel na construção do conhecimento canábico, seja pela identificação de tratamentos medicinais e terapêuticos a partir da planta, seja alertando para seus efeitos, por vezes negativos, no organismo, ou mesmo debatendo as violências que ameaçam seus usuários, frente à política proibicionista. Graças a pesquisas como estas, respostas estão sendo dadas aos questionamentos da sociedade e o conhecimento científico segue avançando.

Conhecimento Canábico e Ensino Superior: Orientações, Bancas e Projetos

Outros dois itens de destaque no currículo Lattes, principalmente para aqueles que atuam no magistério superior, são as orientações e participações em bancas. Tais itens são importantes, pois estão relacionados não só à pesquisa, mas também ao ensino e à formação de novos pesquisadores. Neste ponto, identificou-se que os principais pesquisadores no quesito número de publicações por vezes correspondem aos mais presentes como orientadores ou membros de bancas. Verificou-se que os pesquisadores com maior número de orientações foram Albuquerque, K. L. G. D., Fraga, P. C. P.e Oliveira, M. S., e os mais presentes como membros de banca foram Albuquerque, K. L. G. D., Crippa, J. A. S. e Fraga, P. C. P.

Em relação aos projetos de pesquisa, extensão, ensino e desenvolvimento identificados nos currículos analisados, percebe-se que há ou já houve grupos atuando nas quatro modalidades; no entanto a pesquisa se destaca tanto em projetos concluídos como em andamento, como demonstra o Quadro 2.

Quadro 2
Projetos desenvolvidos com/sobre a cannabis no Brasil

Fonte: Dados da pesquisa.

Aspecto que merece destaque é o fato das modalidades de extensão, ensino e desenvolvimento só terem sido cadastradas a partir de 2016. Infere-se que tal dado seja consequência de um processo de ressignificação social da cannabis no Brasil, em parte devido ao debate que se instaura em torno da luta de pacientes e seus familiares pelo direito ao seu uso medicinal, que recebeu cobertura midiática por volta de 2014. Nesta época, foi divulgado o documentário Ilegal: a vida não espera (2014), dirigido por Tarso Araújo e Raphael Erichsen. Além disso, uma das cinco famílias retratadas no audiovisual, a família Fischer, tornou-se representante da causa ao aparecer em reportagens de programas televisivos como Fantástico e o Encontro com Fátima Bernardes no ano seguinte (Rodrigues; Lopes; Mourão, 2021). A curiosidade da sociedade pelo tema pode ter inspirado atividades de extensão, ensino e desenvolvimento a partir de então. No entanto, não se observa uma perenidade dessas iniciativas, uma vez que na data deste estudo há somente dois projetos de extensão em andamento.

No que se refere aos projetos de pesquisa, por outro lado, percebe-se o crescimento ao longo dos anos. O projeto mais antigo, criado em 2003, permanece ativo. Tem o título “The Effects of D-9-THC (Delta-9-Tetrahydrocannabinol) and CBD (Cannabidiol) on Cognitive and Emotional Function: A Functional Magnetic Resonance Imaging Study”, coordenado por Philip K. McGuire, professor de Psiquiatria da Universidade de Oxford. O projeto aparece no currículo de Crippa, J. A. S., sendo ele um de seus integrantes, juntamente com Zuardi, A. W., Atakan, Z., Seal, M. e Santos, R. M. S. A pesquisa tem o objetivo de “investigar os efeitos do D9-THC e do CBD, usando Ressonância Nuclear Magnética funcional (RNMf), em um estudo cruzado, duplo-cego, controlado por placebo”, e é financiada por instituições nacionais e internacionais. Apesar de contar com nomes reconhecidos da ciência canábica, este projeto envolve apenas um estudante de doutorado e um de especialização, gerando inovação para o campo, mas se mantendo distante dos pesquisadores em formação.

O contrário se observa em projetos coordenados, por exemplo, por Albuquerque, K. L. G. D. A professora de Farmacologia da UFPB se destaca, tendo liderado nove projetos de pesquisa, sete de extensão e um de ensino. No caso deste último, trata-se da proposta “Projeto de monitora da disciplina sistema endocanabinoide e perspectivas terapêuticas da cannabis sativa l. e seus derivados”. Outro pesquisador atuante neste quesito é o professor de Sociologia da UFJF Fraga, P. C. P., que coordenou 11 projetos de pesquisa concluídos e em andamento entre 2011 e 2023. Por outro lado, não há registros do pesquisador liderando outras modalidades de projetos. Projetos como esses dão oportunidade para que novos pesquisadores se envolvam com o tema e possam dar continuidade à pesquisa futuramente, como afirmava Carlini (2010) ao classificar os filhos, netos e bisnetos de João do Valle.

Considerações Finais

Esta pesquisa mapeou parte dos pesquisadores da cannabis no Brasil. Apesar das limitações da metodologia, foi possível identificar 59 autores de diversas áreas do conhecimento que se dedicam a estudar os vários aspectos que essa planta oferece. Ao recriar as redes dos 10 principais autores deste corpus, identificaram-se centenas de outros pesquisadores. Mesmo assim, reconhece-se que, para um mapeamento completo, é preciso buscar outras fontes complementares ao método utilizado.

Em suma, a análise do perfil dos pesquisadores e suas redes de colaboração revela um panorama diversificado e dinâmico no campo da pesquisa sobre cannabis no Brasil. Diferentes instituições de ensino superior e profissionais de várias áreas, incluindo Medicina, Farmácia, Sociologia e Psicologia, estão contribuindo para o avanço do conhecimento sobre essa planta. A presença de pesquisadores de renome internacional e a colaboração com especialistas estrangeiros também enriquecem o cenário de pesquisa.

Além disso, a evolução das atividades de extensão, ensino e desenvolvimento relacionadas à cannabis indica uma crescente conscientização e interesse público pelo tema, impulsionado em parte pelo movimento em prol do uso medicinal da planta. Essas atividades podem desempenhar um papel fundamental na disseminação de informações precisas e na formação de novos pesquisadores.

No entanto, é importante ressaltar que a pesquisa sobre a cannabis no Brasil ainda enfrenta desafios e limitações, como a falta de financiamento adequado e a complexidade da legislação relacionada à planta. Apesar disso, a dedicação e o comprometimento dos pesquisadores mostram que o conhecimento canábico continua a se expandir e a contribuir para uma compreensão mais abrangente dos diversos aspectos relacionados à cannabis, desde seus efeitos medicinais até as implicações sociais e políticas.

Além disso, é preciso que novos pesquisadores, de todas as áreas da ciência, adentrem neste campo de pesquisa, o que reforça a importância de os professores do magistério superior envolverem seus alunos em grupos de estudos, projetos de pesquisa, extensão, ensino e desenvolvimento, além de orientações em trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses. Isso permitirá que o conhecimento siga avançando através das gerações.

Referências

AMARAL, Belchior Puziol; TOROSSIAN, Sandra Djambolakdjian. Drogas, o que são? Por que usamos? Por que devemos repensá-las? In: ALEXANDER, Bruce K.; MERHY, Emerson Elias; SILVEIRA, Paulo (org.). Criminalização ou acolhimento?: políticas e práticas de cuidado a pessoas que também fazem o uso de drogas. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2018. p. 112-130. (Série Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde).

BACKES, Michael. Cannabis pharmacy: the practical guide to medical marijuana. London: Hachette UK, 2017.

BARROS, André; PERES, Marta. Proibição da maconha no Brasil e suas raízes históricas escravocratas. Revista Periferia, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 1-20, jan. 2011.

BIANCARELLI, Aureliano. Universidades federais plantam maconha com aval da Justiça para estudos inéditos no Brasil enquanto UFV, de Viçosa (MG), deu a largada para o primeiro programa brasileiro de melhoramento genético, UFRRJ, do Rio de Janeiro (RJ), pesquisa cultivo da cannabis. Globo Rural, São Paulo, 25 nov. 2020. Disponível em: https://globorural.globo.com/Noticias/Pesquisa-e-Tecnologia/noticia/2020/11/universidades-federais-plantam-maconha-com-aval-da-justica-para-estudos-ineditos-no-brasil.html. Acesso em: 7 jun. 2023.

BRAND, E. Joseph; ZHAO, Zhongzhen. Cannabis in Chinese medicine: are some traditional indications referenced in ancient literature related to cannabinoids?. Frontiers in Pharmacology, Lausanne, v. 8, p. 1-11, mar. 2017.

BRANDÃO, Marcílio Dantas. Dito, feito e percebido: controvérsias, performances e mudanças na arena da maconha. 2017. 411 f. Tese (Doutorado) – Curso de Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.

BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2006.

BRITO, Aline Grasiele Cardoso de; QUONIAM, Luc; MENA-CHALCO, Jesús Pascual. Exploração da plataforma Lattes por assunto: proposta de metodologia. Transinformação, Campinas, v. 28, n. 1, p. 77-86, abr. 2016.

CARLINI, Elisaldo Luis de Araújo. Pesquisas com a maconha no Brasil. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 32, p. S3-S4, maio 2010. Suplemento 1.

CARLINI, Elisaldo Luis de Araújo; ORLANDI-MATTOS, Paulo Eduardo. Cannabis sativa L (maconha): medicamento que renasce?. Brasília Médica, Brasília, v. 48, n. 4, p. 409-415, 2011.

CARNEIRO, Henrique. Drogas: a história do proibicionismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.

CORRÊA, Leonardo Tibiriçá; PLATA, Cleber Fernandes; RICCI, Esther Lopes; NICOLETTI, Maria Aparecida; CAPERUTO, Erico Chagas; SPINOZA, Helenice de Souza; PEÑA MUÑOZ, Juliana Weckx; FUKUSHIMA, André Rinaldi. Revisão bibliográfica sistemática: sistema de endocanabinoides: tendências de uso na farmacologia. Brazilian Journal of Forensic Sciences, Medical Law and Bioethics, Ribeirão Preto, v. 9, n. 2, p. 146-167, 2020.

CUNHA-MELO, José Renan da. Effective indicators for science internationalization. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Rio de Janeiro, v. 42, n. 1, p. 20-25, 2015.

ESPOSITO, Laura G. A.; XIONG, Jia; RATHINASABAPATHY, Thirumurugan; KOMARNYTSKY, Slavko; SILVA, Derly José Henriques da; ESPOSITO, Debora A. Immune responses are differentially regulated by root, stem, leaf, and flower extracts of female and male CBD hemp (cannabis sativa L.) plants. Immuno, [s. l.], v. 1, p. 369-379, 2021.

FIORE, Maurício. O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 92, p. 9-21, 2012.

IBICT – INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Oasisbr passa a ser utilizado como mecanismo de certificação de Teses e Dissertações no Currículo Lattes. Brasília, DF: IBICT, 9 set. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/ibict/pt-br/central-de-conteudos/noticias-ibict/setembro/plataforma-curriculo-lattes-passa-a-ser-certificada-pelo-oasisbr. Acesso em: 14 jul. 2023.

ROCHA, Sérgio Barbosa Ferreira. Potencial brasileiro para o cultivo de Cannabis sativa L. para uso medicinal e industrial. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL CANNABIS MEDICINAL: um olhar para o futuro, 2., 2019, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2019. p. 1-5.

ROCHA, Sérgio Barbosa Ferreira; OLIVEIRA, Guilherme de Castro; SILVA, Derly José Henriques da. Modelagem para determinação da duração do ciclo, da data de plantio e de colheita de Cannabis spp. In: SIMPÓSIO DE PLANTAS MEDICINAIS DO BRASIL, 25., 2018, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: UNIFESP, 2018. p. 62.

RODRIGUES, Ana Paula L. S.; LOPES, Ivonete da Silva; MOURÃO, Victor Luiz Alves. “Ninguém está falando em liberação da droga”: ressignificação da maconha nos programas matinais das redes Globo e Record. Research, Society and Development, Itapira, v. 10, n. 2, p. 1-12, fev. 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i2.12344

SOUZA, Jorge Emanuel Luz de. Sonhos da diamba: controles do cotidiano: uma história da criminalização da maconha no Brasil republicano. Salvador: EDUFBA: CETAD/UFBA, 2015.

UFRRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO. UFRRJ celebra convênio para desenvolver pesquisas científicas com cânabis. Rio de Janeiro: UFRRJ, 6 out. 2020. Disponível em: https://portal.ufrrj.br/ufrrj-celebra-convenio-para-desenvolver-pesquisas-cientificas-com-canabis/. Acesso em: 7 set. 2023.

UFSC – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. UFSC inicia cultivo de Cannabis para aplicação em pesquisa na área de medicina veterinária. Florianópolis: UFSC, 27 mar. 2023. Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2023/03/ufsc-inicia-cultivo-de-cannabis-para-aplicacao-em-pesquisa-na-area-de-medicina-veterinaria/. Acesso em: 7 jun. 2023.

UFSJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI. Pesquisa uso de canabinoides para tratamento medicinal. São João del-Rei: UFSJ, 7 nov. 2017. Disponível em: https://www.ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=6656. Acesso em: 7 set. 2023.

UNODC – UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. Drogas: marco legal. New York: United Nations / UNODC, [2023]. Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/drogas/marco-legal.html. Acesso em: 7 set. 2023.

ZUARDI, Antonio Waldo. History of cannabis as a medicine: a review. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 153-157, jun. 2006.

Notas

2 Tradução nossa para o título original: On the preparations of the Indian hemp, or gunjah. A obra não foi traduzida para o português.
3 Tradução nossa para o título original: Du Hachisch et de l'Alienation Mentale: Etudes Psychologiques. A obra não foi traduzida para o português.
4 A Lei Seca dos EUA, também conhecida como a Proibição, foi um período de 1920 a 1933 durante o qual a fabricação, venda e consumo de álcool foram proibidos em todo o país. Foi revogada pela 21ª Emenda em 1933 devido a efeitos colaterais negativos, como aumento do mercado negro e crimes relacionados ao álcool.
5 Termo comumente aplicado a uma campanha, liderada pelos Estados Unidos, de proibição de drogas, contando com intervenção militar, que teve o intuito de definir e reduzir o narcotráfico. Tal política trouxe consequências negativas, como superlotação prisional e violência. O debate sobre essa política persiste globalmente.
6 Cf. Universidades federais plantam maconha com aval da Justiça para estudos inéditos no Brasil (Biancarelli, 2020).
7 As respostas imunes são reguladas diferencialmente por extratos de raiz, caule, folha e flor de cânhamo CBD feminino e masculino (Cannabis sativa L.)
8 Cf. UFSJ (2017) pesquisa uso de canabinoides para tratamento medicinal.
9 %Cf. UFSC (2023) inicia cultivo de Cannabis para aplicação em pesquisa na área de medicina veterinária.
10 Cf. UFRRJ (2020) celebra convênio para desenvolver pesquisas científicas com cânabis.
12 O Gephi é uma ferramenta de software de código aberto e sem custos que permite visualizar, analisar e editar redes e gráficos, disponível para download em: https://gephi.org/.
13 A bolsa de produtividade é destinada a pesquisadores de destaque entre seus pares, ou seja, é uma forma de valorizar sua produção científica segundo critérios normativos, estabelecidos pelo CNPq, e específicos, pelos Comitês de Assessoramento (CAs) do CNPq.

Autor notes

* Ana Paula Lopes da Silva Rodrigues. Doutora em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (2022). Pesquisadora Independente. Pesquisa financiada pela FAPEMIG (Processo nº APQ-01152-22). E-mail: analopesufv@gmail.com.
Editor(a) de Seção: Victor Luiz Alves Mourão, https://orcid.org/0000-0003-2770-721X;

Marco Vinicius de Castro, https://orcid.org/0000-0002-9916-7470



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por