DOSSIÊ – Conhecimentos Canábicos: Práticas Sociopolíticas Emergentes

Disputando as Evidências, Negando a Pertinência: O Processo para Incorporação dos Derivados de Cannabis no SUS

Disputing Evidence, Denying Pertinence: The Process of Incorporating Cannabis Derivatives into SUS (Brazil’s Unified Health System)

Lucas Nishida *
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Roberta Custodio Cavedini *
Pesquisadora independente, Brasil

Disputando as Evidências, Negando a Pertinência: O Processo para Incorporação dos Derivados de Cannabis no SUS

Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 28, núm. 3, e48571, 2023

Universidade Estadual de Londrina

Recepção: 14 Julho 2023

Revised document received: 26 Setembro 2023

Aprovação: 03 Dezembro 2023

Resumo: Este artigo discute a incorporação dos derivados da Cannabis sativa para uso terapêutico no Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS). Mesmo com mudanças regulatórias nos últimos anos, o acesso às terapias pelo SUS ainda é limitado nacionalmente. Esta pesquisa analisa os processos de avaliação tecnológica em saúde feitos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e as respectivas consultas públicas, olhando para as disputas, os argumentos e estratégias mobilizados. Por um lado, a conformação regulatória nacional, as diretrizes da Conitec e o tipo de estudos considerados resultam na negativa da incorporação e indicam a necessidade de rotas alternativas. Por outro lado, as consultas públicas revelam uma disputa sobre a multiplicidade das formas dos produtos canábicos, em suas composições, práticas produtivas e epistemológicas.

Palavras-chave: Cannabis, avaliação tecnológica em saúde, regulamentação, participação pública, controvérsia.

Abstract: This article discusses the incorporation of Cannabis sativa derivatives for therapeutic use in the Brazilian Unified Health System (SUS). Even with regulatory changes in recent years, access to therapies through SUS is still limited nationally. This article analyzes the processes of health technology assessment carried out by the National Commission for the Incorporation of Technologies into the Unified Health System (Conitec) and the respective public consultations, looking at the disputes, arguments and strategies mobilized. On the one hand, the national regulatory conformation, the Conitec guidelines and the type of studies considered lead to the denial of incorporation and indicate the need for alternative routes. On the other hand, the public consultations reveal a dispute over the multiplicity of ways of cannabis products, in their compositions, productive and epistemological practices.

Keywords: Cannabis, health technology assessment, regulation, public participation, controversy.

Introdução

Desde 2014, tem havido uma série de mudanças regulatórias quanto à importação, produção e acesso de produtos derivados da planta Cannabis sativa para uso medicinal no Brasil (Caetano, 2023b; Oliveira, 2017). Essas mudanças têm acontecido em meio à mobilização de pacientes, familiares, ativistas, advogados, cientistas e interessados no tema. Atualmente, existem algumas vias pelas quais os produtos podem ser adquiridos com autorização de médicos especializados e registro na Anvisa: por meio de farmácias, nas associações canábicas ou pela importação. Há ainda aqueles que conseguem autorizações judiciais para plantio domiciliar ou que conseguem que o Estado forneça os medicamentos por meio de judicialização (Barbosa, 2022; Oliveira; Vieira, Ackerman, 2020).

Autores como Caetano (2023a), Costa (2022) e Oliveira (2017) relatam que a regulamentação de usos medicinais de derivados da cannabis está ligada a processos de branqueamento e elitização do debate público sobre a cannabis. O relatório produzido pela organização Movimentos (Napolião, 2023) aponta para uma segregação que é, simultaneamente, de classe, raça e espacial. Ela coloca, por exemplo, os moradores das favelas como alvos da repressão e violência da “guerra às drogas”, enquanto no “asfalto” há acesso à cannabis medicinal com controle de qualidade. O alto custo dos tratamentos, que são inacessíveis a grande parte dos pacientes, a prevalência da regulamentação do acesso à cannabis em formas farmacêuticas e para exclusivo uso médico e as dificuldades em conseguir autorizações jurídicas para o cultivo domiciliar são outros aspectos limitantes do acesso aos produtos (Nelvo, 2019).

A disponibilização regular dos derivados da cannabis por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) poderia se configurar como uma forma de garantir o amplo acesso a eles, em acordo com o direito constitucional à saúde e aos princípios de universalidade, equidade e integralidade do SUS. Localmente, em meio a pressões de ativistas, diversos projetos de lei estão sendo elaborados e votados em estados e cidades do país para construir tal política pública. A Lei nº 17.618 aprovada em janeiro de 2023 no estado de São Paulo é um exemplo, embora sua regulamentação ainda esteja em curso (São Paulo, 2023).

Em âmbito nacional, no entanto, a incorporação de derivados da cannabis foi analisada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) em duas ocasiões e não foi aprovada. Uma incorporação federal evitaria um acesso fragmentado e possibilitaria, por meio de compras estatais centralizadas, que o Estado estivesse em uma melhor posição de negociação de preço em comparação com as compras descentralizadas ou judicializadas (Aureliano; Gibbon, 2020; Biehl; Petryna, 2016).

A Conitec avaliou a incorporação de dois componentes derivados da cannabis, o tetraidrocanabinol (THC) 27 mg/ml e canabidiol (CBD) 25 mg/ml para tratamento de espasticidade moderada a grave relacionada à esclerose múltipla, e o canabidiol 200 mg/ml para crianças e adolescentes com epilepsia refratária a medicamentos antiepilépticos. Em ambos os casos, as evidências presentes nos estudos utilizados na avaliação foram consideradas pelos membros da Conitec como insuficientes ou de baixa qualidade e confiabilidade para justificar a incorporação. Essas avaliações produziram ainda disputas, destacadas nas consultas públicas, em torno das evidências utilizadas e das melhores composições e formas de dispensação dos derivados da cannabis.

O objetivo deste artigo é analisar o processo de incorporação dos derivados da cannabis no SUS e refletir sobre as disputas e argumentos que ele mobiliza. Com isso, esperamos responder às perguntas: Como a conformação regulatória nacional interfere na incorporação dos produtos no SUS? Como as diretrizes de operação da Conitec favorecem e hierarquizam algumas evidências em detrimento de outras em suas análises? De quais estratégias se valem as pessoas nas consultas públicas para contestar as decisões técnicas? Como a multiplicidade de composições, modos de produção e lógicas de cuidado enredada nos produtos derivados da cannabis é mobilizada e mobiliza esse processo?

Este artigo está separado em tópicos que constroem a discussão, partindo de uma breve recapitulação do histórico terapêutico e de regulamentação dos derivados de cannabis, para depois abordar o funcionamento da Conitec e proceder a uma descrição e análise das duas avaliações de produtos derivados de cannabis e suas consultas públicas.

O trabalho aqui apresentado é um estudo qualitativo feito com base na análise dos documentos da avaliação dos dois produtos derivados de cannabis pela Conitec, sendo quatro relatórios técnicos de recomendação, quatro listas com as contribuições públicas dos processos e quatro reuniões de plenário. O estudo também inclui a análise das políticas, legislações e resoluções que regulamentam os derivados da cannabis. Adicionalmente, este estudo contou com revisão bibliográfica de estudos relacionados ao uso medicinal dos derivados da cannabis no Brasil, especialmente aqueles construídos a partir dos Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia.

Este artigo tem como objetivo contribuir para o avanço das discussões sobre a regulamentação de psicoativos no Brasil, sobre a incorporação de derivados de cannabis no SUS, sobre a participação pública em processos de avaliação tecnológica em saúde e sobre as relações entre ciência, sociedade civil e órgãos reguladores.

O Uso Terapêutico da Cannabis e sua Regulamentação no Brasil

Nesta seção apresentaremos brevemente o histórico do uso terapêutico e da regulamentação da cannabis medicinal no Brasil, uma vez que esse contexto é importante para a análise que segue. No entanto, não é nosso objetivo fazer uma apresentação extensiva e detalhada. Para isso, recomendamos que se recorra à leitura completa das referências aqui citadas.

A Cannabis sativa é exógena à flora brasileira, sendo sua chegada ao Brasil fonte de controvérsia, como apontado por Policarpo e Martins (2019), com duas principais versões sobre o fenômeno. Há indícios de que ela poderia ter chegado e sido disseminada por pessoas negras escravizadas, mas também pelos colonizadores portugueses, para uso das fibras têxteis da planta (França, 2022). Apesar da controvérsia, autores como Saad (2013) e Carlini (2006) afirmam que até metade do século XIX havia diversos usos da planta, religiosos, recreativos ou medicinais, principalmente, entre populações negras e indígenas. A partir de meados do século XIX, a cannabis passou a ter uma maior aplicação e indicação também na medicina ocidental, chegando a ser anunciada nos anuários médicos brasileiros (Carlini, 2006).

Saad (2013) ressalta a importância da passagem do século XIX para o século XX no processo de criminalização da cannabis, em um contexto de fim da escravidão e de tentativas de modernização e higienização do país. Nesse contexto, a ciência e o saber médico passam a exercer uma maior influência política e social. O racismo científico, a perseguição dos costumes associados às pessoas negras e a hegemonia do saber biomédico e científico sobre a cura reconfiguram a cannabis para categoria de ‘droga’, em um processo de criminalização e demonização. A cannabis passa a ser progressivamente restringida, com sua proibição nacional completa em 1938. Junto do processo de criminalização, Carlini (1980) especula ainda que o não isolamento de princípios ativos da cannabis e o uso de preparações brutas da planta foram alguns dos motivos para o desuso médico.

Esse histórico aponta que a prática médica e o conhecimento científico são elementos importantes, ora para legitimar e disseminar os usos da planta, ora para criminalizá-la e demonizá-la. Durante o século XX, após ser tornada ilegal e num contexto de proibicionismo e “guerra às drogas”, o uso e a disseminação de conhecimento sobre a cannabis no país foi limitado. No entanto, cabe destacar que durante o período houve pesquisas sobre o assunto, como é o caso da publicação do artigo a respeito dos efeitos anticonvulsivantes do canabidiol pelo Prof. Dr. Elisaldo Carlini em 1980 (Cunha, 1980). Além disso, muitos dos conhecimentos sobre cannabis no país continuaram sendo disseminados através de redes informais de usuários (Barbosa, 2022).

Alguns estudos descrevem o processo pelo qual famílias de crianças com doenças raras passaram a importar óleo de derivados de cannabis ilegalmente para usar em seus filhos, com destaque para publicações de Fabiana Oliveira (2016) e Monique Oliveira (2017). Devido à falta de informação disponível e à ausência de testes clínicos para os produtos, as famílias passaram a dispor das ferramentas que tinham para compartilhar entre si e com os profissionais de saúde as informações sobre seu uso. Essas ações se tornaram uma mobilização pública e midiática, com apoio de grupos de cientistas, que acabou resultando na reclassificação do canabidiol pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2015, permitindo sua importação. No entanto, considerando os altos preços do produto importado e as sucessivas limitações regulatórias e burocráticas, seja quanto à composição dos derivados de cannabis, seja no modo de sua obtenção, apareciam simultaneamente ao avanço da regulação redes de distribuição clandestinas de óleos de cannabis e grupos que defendiam a permissão do cultivo pessoal e domiciliar da planta.

Esse cultivo permitiu que alguns pacientes testassem doses e diferentes composições dos componentes da cannabis, questionando a autorização de uso exclusiva para o canabidiol isolado3. Judicialmente, algumas pessoas conseguiram permissões para cultivo domiciliar, assim como associações canábicas, que passaram a ter permissão para produzir óleo de cannabis para distribuição e venda. Além disso, essas associações compartilham informações e dão cursos sobre o cultivo da cannabis (Oliveira, 2020).

Barbosa (2022) argumenta que é esse conhecimento gerado e compartilhado coletivamente pelas famílias e associações canábicas, sobre seu uso e experimentação dos derivados da cannabis, que tem permitido tanto o avanço de pesquisas científicas quanto o uso das informações produzidas para legitimar decisões jurídicas e regulatórias.

Desde 2015 algumas famílias conseguiram também judicialmente que o Estado custeasse a compra dos óleos. Além disso, a regulamentação dos produtos derivados de cannabis vem sofrendo alterações na Anvisa. Caetano (2023b) faz uma análise dos documentos referentes às decisões da Anvisa e do Conselho Federal de Medicina entre 2014 e 2019. Em 2016, a Anvisa retirou também o THC da lista de substâncias proibidas. Em 2017, o primeiro medicamento com THC e CBD em sua composição teve sua eficácia e segurança analisada e foi aprovado para venda no Brasil. O medicamento, de nome comercial Mevatyl, foi o primeiro a ser avaliado pela Conitec em 2021.

A maior mudança regulatória se deu com a aprovação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa de número 327/2019 (Brasil, 2019). Após a realização de controversas consultas e audiências públicas, a resolução aprovada passou a regular a produção, comercialização e prescrição do uso de produtos derivados da cannabis. A medida autoriza a venda de óleos de canabidiol com teor máximo de 0,2% de THC (exceto em casos em que foram esgotadas alternativas terapêuticas), em farmácias, mediante apresentação de receita médica de controle especial (Caetano, 2023b). Além de outras restrições publicitárias, no rótulo dos produtos canábicos precisa constar que “Este produto não possui eficácia e segurança avaliada pela Anvisa”. A Anvisa criou ainda a categoria de ‘produtos derivados de cannabis’, alegando que não havia no momento evidências científicas para sua aprovação enquanto medicamento. Villas Bôas e Rezende (2020) destacam que a resolução não resolve muitas pendências regulatórias relativas à cannabis, como sobre o cultivo da planta.

Desde a aprovação da resolução, a produção e comercialização de produtos derivados de cannabis no Brasil por empresas nacionais e internacionais se intensificaram (Costa, 2022). Outras medidas regulatórias posteriores facilitaram a autorização para a importação e fabricação dos óleos canábicos (Costa, 2022) e a autorização para uso de cannabis para pesquisa. A complexa regulamentação dos derivados de cannabis, ainda em curso atualmente, com a revisão da RDC 327/2019 (Brasil, 2019), é importante para compreender suas especificidades e analisar como elas interferem nos processos de avaliação tecnológica e incorporação dos produtos no SUS, como se descreve nos próximos tópicos.

A Incorporação de Medicamentos no SUS

No Brasil, a avaliação de tecnologias em saúde (ATS) para a incorporação nacional de novos medicamentos e procedimentos no SUS e para a geração e atualização de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas é feita a partir do assessoramento da Conitec ao Ministério da Saúde (MS). A Conitec está vinculada ao Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS) da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (Sectics4/MS, antiga SCTIE) (Novaes; Soárez, 2020; Silva et al., 2019).

A criação da Conitec em 2011 se deu em meio a debates internacionais sobre o uso de ferramentas de custo-efetividade para estabelecer prioridades no uso do orçamento da saúde. Essas discussões se intensificaram após a crise econômica de 2008 e a consequente pressão neoliberal por racionamento dos recursos públicos, somada ao envelhecimento da população e ao crescente desenvolvimento de medicamentos de alto custo (Klein, 2010).

Até agosto de 2022, a comissão era composta por uma secretaria executiva, exercida pelo DGITS, e por um plenário, composto por um representante de cada uma das sete secretarias do MS, e representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde (CONASS), do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) (Brasil, 2022b)5.

A secretaria executiva era responsável pela coordenação da Comissão e pela emissão dos relatórios técnicos a serem analisados. Essa avaliação normalmente seguia alguns critérios, como a aprovação prévia de segurança e eficácia pela Anvisa, uma previsão de custo feita pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), a existência de evidências científicas que apoiassem a incorporação e uma análise de custo-efetividade e impacto orçamentário. Por vezes, o DGITS encomendava análises de grupos de pesquisa especializados em ATS para complementar os relatórios. O plenário era o fórum deliberativo que decidia pela incorporação, exclusão ou modificação de novas tecnologias no SUS. As reuniões do plenário da Conitec foram gravadas e estão disponíveis em seu canal do Youtube6.

O fluxo de análise da Conitec se dava da seguinte forma: os pedidos de avaliação de uma tecnologia eram submetidos externamente, por exemplo, a partir de dados apresentados por uma indústria farmacêutica, ou internamente, por solicitação do próprio MS. A avaliação da tecnologia era apresentada em um parecer técnico-científico (PTC), produzido de acordo com as diretrizes metodológicas da saúde baseada em evidências disponibilizadas pelo MS (Brasil, 2021c).

Essas diretrizes estabelecem os parâmetros da busca e inclusão dos estudos científicos que podem embasar as decisões, da hierarquização desses estudos de acordo com seu tipo, da verificação do risco de vieses e da graduação da qualidade da evidência considerada. Os estudos incluídos na análise devem ser aqueles que correspondem à população e intervenção específicas a serem analisadas. Ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáticas de ensaios clínicos devem ser priorizados na análise e são considerados de maior qualidade que estudos observacionais e estudos de caso. Critérios mal definidos, problemas no desenho dos estudos (de randomização e sigilo), estudos com poucos participantes e números estatisticamente incertos são indícios de evidência de menor qualidade (Brasil, 2021c).

As evidências priorizadas no PTC são aquelas que fazem generalizações sobre populações, abstraindo os contextos sociais e históricos e as perspectivas individuais, de acordo com uma lógica biomédica de saúde (Camargo, 2005; Lock; Nguyen, 2018). Outra característica biomédica relevante é a fragmentação analítica da ATS, que considera as intervenções e populações de maneira específica e determinada (por exemplo, observando o efeito de um componente isolado da cannabis sobre o sintoma de uma doença rara, em vez de avaliar a multiplicidade dos efeitos e usos medicinais da planta).

Após sua produção, o PTC era apresentado ao plenário da Conitec, onde seus membros votavam pela recomendação de incorporação ou não. No plenário também estava previsto um espaço chamado Perspectiva do Paciente, onde um paciente selecionado relatava sua experiência de uso com a tecnologia avaliada. Após discussão, o plenário tomava uma decisão preliminar, para ser submetida à consulta pública. O PTC era então disponibilizado à comunidade por 20 dias no próprio site da Conitec para contribuições livres. As contribuições se davam pela Plataforma Participa + Brasil, através do cadastro no site gov.br.7 Havia dois formulários possíveis de preenchimento, um “técnico-científico” e outro de “experiência e opinião”.

Essas contribuições eram sistematizadas, analisadas em uma nova reunião do plenário e incluídas no relatório final. Esse documento com considerações da consulta pública e uma recomendação final sobre a incorporação era então enviado ao secretário da SCTIE/MS, responsável pela tomada de decisão. Em tese, a decisão do secretário da SCTIE pode contrariar o parecer elaborado pela Conitec, porém esse precedente não foi aberto (Caetano; Haugen; Osorio-de-Castro, 2019).8

Mevatyl – Disputando as Evidências

Dois produtos derivados da cannabis foram avaliados para incorporação no SUS. O primeiro, em 2020, foi a composição de THC, 27 mg/mL + CBD, 25 mg/mL para espasticidade ligada a esclerose múltipla (EM) que não respondia adequadamente a outras terapias. Esse fitofármaco, de nome comercial Mevatyl, é produzido pela Beaufour Ipsen Farmacêutica Ltda, indústria farmacêutica multinacional com sede na França e filial no Brasil. O segundo, em 2021, foi a composição de 200 mg/ml de CBD purificado para epilepsias refratárias a outras terapias produzida pela Prati-Donaduzzi, farmacêutica brasileira com sede no Paraná. Ambos tiveram suas incorporações negadas pela Conitec, e, desde então, nenhum outro produto derivado de cannabis foi avaliado pela comissão.

A avaliação do Mevatyl foi solicitada pela própria fabricante do fitofármaco. A EM é apresentada no relatório da Conitec como uma doença autoimune neurológica que provoca desmielinização e degeneração de componentes de neurônios no sistema nervoso central (Brasil, 2020b). Essa degeneração afeta a transmissão dos impulsos nervosos e causa sintomas como fraqueza, dores, dificuldade de locomoção, entre outros. Uma das manifestações mais prevalentes é a espasticidade, caracterizada por aumento do tônus e rigidez muscular localizada ou generalizada, que provoca espasmos, quedas, dor, dificuldade de andar, distúrbios urinários e do sono, entre outros.

Após a primeira avaliação dos dados apresentados em relação ao Mevatyl, o plenário da Conitec emitiu parecer de não incorporação da tecnologia. O relatório diz:

O plenário considerou que o medicamento só apresentou benefício quando avaliado por escala subjetiva e a ausência de eficácia do fitofármaco na redução da espasticidade por escala objetiva comparado ao placebo, além disso os estudos apresentaram médio a alto risco de viés, o que tornou a evidência de baixa qualidade

(Brasil, 2020b, p. 40).

A escala objetiva em questão é a escala de Ashworth, que mede a espasticidade em um momento pontual do tempo de acordo com a percepção do observador, por exemplo, um médico ou pesquisador. A escala subjetiva é a Numeric Rating Scale (NRS), que avalia a espasticidade nas últimas 24h de acordo com a percepção do próprio paciente (Arroyo; Massana; Vila, 2013).

Na segunda reunião do plenário, o entendimento do parecer quanto às escalas foi questionado após considerações das consultas públicas, que indicavam, a partir da apresentação de artigos científicos, que a escala NRS é clinicamente significativa e pode ser melhor correlacionada com uma melhora na qualidade de vida que a própria escala de Ashworth (Arroyo; Massana; Vila, 2013).9 No entanto, o plenário seguiu entendendo unanimemente que o benefício apresentado pelo medicamento não justificava sua incorporação e que as evidências possuíam alto risco de viés, por exemplo, por causa de problemas de randomização dos ensaios clínicos utilizados.

Controvérsias como essa expressa na disputa entre a subjetividade e a objetividade da evidência são uma parte inerente das relações entre ciência, política pública e sociedade (Turnhout; Gieryn, 2019). Nas consultas públicas analisadas neste artigo, uma série de raciocínios e argumentos são utilizados para contestar o PTC e a decisão do plenário da Conitec, como discutiremos abaixo. Mas antes cabe notar que as controvérsias públicas não são somente sobre conhecimento, mas também sobre suas implicações políticas e sociais, sobre valores e interesses. Os contextos nas controvérsias de conhecimento influenciam quais critérios, definições e padrões diferentes são usados para avaliar a validade de afirmações científicas (Turnhout; Gieryn, 2019).

As consultas públicas se configuram como espaços onde os usuários, profissionais de saúde e interessados no tema podem contribuir com suas experiências de uso com os produtos avaliados e opinar em relação à recomendação de incorporação. Apesar de não se tratar de um plebiscito, um grande engajamento na consulta pública influi sobre o processo político de incorporação do medicamento.

Foram feitas 306 contribuições quanto ao Mevatyl, 302 no formulário de experiência ou opinião e 4 no técnico-científico (Brasil, 2020a). As contribuições, em sua grande maioria favoráveis à incorporação, apelavam para a esperança de acesso a uma alternativa terapêutica para condições de saúde progressivamente debilitantes (Castro, 2018; Novas, 2006). Algumas contribuições questionavam a decisão negativa da Conitec, alegando benefícios que o tratamento trouxe para a pessoa em suas experiências de uso:

1ª – Discordo [da decisão da Conitec de não incorporação], eu tenho espasticidade e uso o óleo com CBD + THC sempre que consigo comprar. Resolve minha espasticidade 100%, além de melhorar significativamente a qualidade do meu sono e acabar com minhas dores. Sempre sofri muito com os efeitos colaterais da medicação, fornecida pelo SUS, para tratar a EM. Quando uso o óleo, esses efeitos colaterais simplesmente nem aparecem

(Brasil, 2020a, p. 10, paciente).

Como discutido em seção anterior deste texto, o conhecimento produzido pelos próprios usuários sobre os derivados de cannabis para o tratamento de doenças tem sido gerado a partir de um uso autogerido e compartilhado por meio de redes extra-acadêmicas, como as associações canábicas (Barbosa, 2022; Oliveira, 2017). O saber mobilizado por essas pessoas não é exatamente aquele que está sendo utilizado na avaliação da Conitec, mas também não é desvinculado do conhecimento biomédico. Trata-se muitas vezes de um saber prático, produzido em ação, construído na relação de experiências pessoais com esse conhecimento biomédico, nas consultas médicas, nas buscas online por informação, nas relações com outros pacientes, na atuação das associações (Barbosa, 2022; Oliveira, 2016; Pols, 2014).

As próprias contribuições à consulta pública frequentemente se utilizam do argumento das evidências científicas para defenderem suas posições: “Já existem diversas evidências científicas que apontam que além de menos eficaz, o uso de substâncias isoladas da planta traz mais riscos de efeitos colaterais indesejados” (Brasil, 2021b, p. 206, profissional de saúde). Outra estratégia utilizada por algumas pessoas era indicar suas profissões para atribuir legitimidade a suas considerações: médicos, farmacêuticos, biólogos, pesquisadores, engenheira agrônoma e veterinária.

Outro depoimento, “Além disso, este é um medicamento registrado pela ANVISA, logo, tem sua evidência de eficácia comprovada” (Brasil, 2020a, p. 26, paciente), se utiliza da contradição entre os pareceres dados pela Anvisa e pela Conitec. A aprovação do Mevatyl pela Anvisa foi dada após avaliação de eficácia e segurança pela agência, sendo anterior à publicação da RDC nº 327/2019 (Brasil, 2019). Logo, o comentário da consulta pública disputa a afirmação da Conitec de que não havia evidências suficientes para justificar sua incorporação, com base na legitimidade de outra agência de avaliação de tecnologias em saúde.

No entanto, todas essas estratégias não encerraram essa controvérsia e não produziram as condições técnicas e políticas para a incorporação do Mevatyl (Turnhout; Gieryn, 2019). Apesar das contribuições na consulta pública, o parecer final emitido pela Conitec aponta que não houve elementos novos que pudessem ser considerados para uma mudança na decisão (Brasil, 2020b). Nesse contexto da ATS para incorporação de um produto derivado de cannabis no SUS, prevaleceram as diretrizes metodológicas de elaboração do PTC, que hierarquizam as evidências e indicam, por exemplo, que o relato de profissionais não deve ser considerado na avaliação (Brasil, 2021c).

Por fim, apesar de a consulta pública solicitar contribuições sobre o uso especificamente para espasticidade relacionada à esclerose múltipla, pessoas relataram melhora de condições como ansiedade, depressão, fibromialgia, dores crônicas. Esse aspecto múltiplo do uso da cannabis apresenta um conflito com a forma fragmentária da biomedicina e da ATS de fazer análises (Camargo, 2005; Lock, Nguyen, 2018). Enquanto os defensores dos derivados de cannabis argumentam que eles são benéficos no tratamento de múltiplas condições de saúde em diferentes formulações e composições, a lógica biomédica reside em isolar componentes e testá-los individualmente para cada condição apresentada. A multiplicidade é um elemento importante nos debates relativos ao outro produto derivado de cannabis, como se apresenta na seção a seguir.

Canabidiol 200 mg/ml – Multiplicidade Canábica

O segundo produto derivado de cannabis avaliado pela Conitec foi um composto purificado de canabidiol 200 mg/ml para uso em pessoas com epilepsia refratária a tratamentos com antiepiléticos. Essa segunda avaliação, de 2021, seguiu um processo diferente da anterior, pois partiu de uma solicitação interna da SCTIE, a partir de pedido da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas. Assim, o levantamento de estudos e as análises de custo-efetividade e de impacto orçamentário foram realizadas pela própria secretaria executiva da Conitec.

Essa análise também produziu uma fragmentação ao abordar as epilepsias refratárias. Embora o pedido original não tenha especificado o tipo de epilepsia, só foram encontrados nas bases de dados científicas estudos clínicos randomizados referentes a duas síndromes específicas de epilepsia refratária, a Síndrome de Dravet e a Síndrome de Lennox-Gastaut.

De acordo com o PTC, a epilepsia é uma doença neurológica caracterizada por padrões anormais de ativação nervosa, que provoca convulsões (Brasil, 2021d). A epilepsia prejudica a qualidade de vida e diminui a expectativa de vida. O tratamento para a epilepsia consiste no uso de medicamento anticonvulsivante ou na combinação de dois medicamentos diferentes. Na maioria dos casos, os medicamentos evitam as crises durante a infância, o quadro se estabiliza e elas deixam de ocorrer conforme o cérebro amadurece na vida adulta. Quando os medicamentos anticonvulsivantes não controlam a expressão da doença, a epilepsia é refratária. As duas síndromes raras avaliadas pela Conitec são epilepsias refratárias e progressivas, com agravamento da condição com o tempo.

O canabidiol produzido pela empresa Prati-Donaduzzi foi o escolhido para análise de custo-efetividade, pois ele era o único registrado pela Anvisa naquele momento10. O impacto orçamentário anual estimado para o tratamento de pouco mais de 3.400 pacientes com as duas síndromes ultrapassava os 80 milhões de reais. A recomendação preliminar da Conitec por unanimidade foi pela não recomendação da incorporação do canabidiol:

Os membros do Plenário consideraram que as evidências disponíveis incluíram poucos pacientes e apresentaram benefício clínico questionável e aumento importante de eventos adversos e descontinuação do tratamento, com resultados de custo-efetividade e impacto orçamentário elevados

(Brasil, 2021d, p. 8).

A quantidade insuficiente de participantes ou os dados pouco numerosos são problemáticas presentes nos estudos referentes às doenças raras, não só porque são condições que só recentemente têm sido o foco do desenvolvimento tecnológico farmacêutico, mas também por causa do baixo número total de pessoas com as condições raras (Amaral; Rego, 2020; Douglas et al., 2015). A decisão por analisar somente as síndromes de Dravet e de Lennox-Gastaut limitou o escopo da análise, o que foi utilizado pela própria Conitec como argumento contra a incorporação. Esse problema implica outro aspecto dos debates relativos aos derivados da cannabis: o número insuficiente de estudos científicos feitos com os derivados da planta, devido ao histórico do proibicionismo e seus impactos sobre a pesquisa científica, assim como às disputas morais, epistemológicas e econômicas em torno dos usos da cannabis (Barbosa, 2022).

A insuficiência da evidência de eficácia levou os membros do plenário a questionarem se sequer era pertinente que eles estivessem fazendo uma análise de custo-efetividade do canabidiol (Brasil, 2021d). A regulação especial da Anvisa para produtos derivados de cannabis é citada no relatório da Conitec, destacando a presença da informação nos rótulos de que eles não haviam sido avaliados por sua eficácia e segurança e, portanto, não possuíam indicações de uso específicas, nem uma regulamentação de preços pela CMED. Esse aspecto trouxe uma certa confusão em relação a como proceder nas análises de produtos derivados de cannabis que não haviam sido avaliados anteriormente pela Anvisa, situação sem precedente na Conitec.

Após consideração da consulta pública, o relatório final também listou como justificativas para a não inclusão os seguintes argumentos: “a) grande variabilidade de apresentação dos produtos de cannabis; b) não comprovação de intercambialidade ou equivalência entre os produtos disponíveis e os que foram utilizados nos estudos clínicos; [...] (Brasil, 2021e, p. 49).

O item B questionava o uso de dados científicos de um óleo de canabidiol produzido por outra empresa que não a Prati-Donaduzzi, como foi feito na avaliação da Conitec, já que não havia ensaios clínicos produzidos utilizando o produto dessa empresa. Essa consideração e a justificativa expressa no item A se baseiam no entendimento, expresso no plenário, de que, por se tratar de fitofármacos, os derivados de cannabis são produtos de matriz complexa e de difícil controle de qualidade. Assim, o óleo extraído da planta e purificado teria variabilidades e não apresentaria bioequivalência entre as diferentes produtoras.

Se extrapoladas, no entanto, essas considerações valeriam para todos os produtos extraídos de plantas medicinais e poderiam ser utilizadas para limitar a incorporação de qualquer fitoterápico no SUS. De fato, quando observamos a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), lista publicada bianualmente com os medicamentos disponibilizados pelo SUS, nenhum fitoterápico foi acrescentado à lista desde 2012. Essa data corresponde ao início das atividades da Conitec, quando esta passou a ser responsável por sugerir alterações e acréscimos na Rename (Brasil, 2022c).

A consulta pública para o Canabidiol 200 mg/ml teve 4.661 contribuições no total, 779 pelo formulário técnico-científico e 3.882 pelo formulário de experiência ou opinião. O número foi consideravelmente maior que o do Mevatyl, revelando um maior engajamento público nessa segunda avaliação. As contribuições no formulário de experiência e opinião traziam, em sua maioria, posições favoráveis à incorporação, utilizando argumentos também presentes na consulta pública do Mevatyl. Havia relatos de melhoras nas convulsões após o uso de CBD. Além disso, muitas das contribuições foram feitas a partir da experiência de uso do óleo para outras condições de saúde (Brasil, 2021a).

No entanto, em comparação com o Mevatyl, houve uma quantidade maior de contribuições também no formulário técnico-científico (Brasil, 2021b). Enquanto parte das contribuições nesse formulário eram também favoráveis à incorporação, muitas delas eram contrárias à incorporação do canabidiol da empresa Prati-Donaduzzi. O formulário técnico-científico configurou-se como o local onde as disputas em torno do produto derivado da cannabis se evidenciaram. Essas disputas revelavam mais uma vez a multiplicidade das formas de existir dos produtos derivados da cannabis: em sua composição, na forma de sua produção, em seus usos.

Em oposição ao entendimento da Conitec de que sequer era pertinente avaliar um produto devido à variabilidade de seus compostos, muitas das contribuições defendiam que a incorporação dos derivados de cannabis não deveria estar restrita a uma concentração de CBD purificado. Ela deveria considerar que o extrato integral da planta e variações nas porcentagens de seus componentes compunham uma terapêutica mais adequada e personalizada.

No espaço da Perspectiva do Paciente, durante a reunião do plenário, uma mãe de criança com uma das síndromes analisadas deu seu depoimento de experiência de uso do óleo para controle das crises epilépticas. Ela relatou que suas experiências com o óleo de CBD purificado importado não melhoraram a condição da filha, trazendo efeitos adversos consideráveis. Foi somente com autorização para cultivo domiciliar e extração artesanal de um óleo com um teor de THC baixo que ela conseguiu controlar as crises de sua filha. Ela defendeu que o THC não era um vilão e não deveria ser assim tratado, em uma fala que se opõe ao relatório da Conitec, que diz que o THC é contraindicado para tratamento de epilepsias, já que esse componente psicoativo poderia desencadear uma crise epiléptica.

A mãe fez um apelo, dizendo que uma única composição de derivado de cannabis não iria servir para todo mundo, que se trata de uma planta com variedades com diferentes proporções de THC, CBD e outros componentes e que para cada condição deve se experimentar até encontrar a composição ideal. Ela indicou que a solução não seria incorporar um medicamento específico, mas sim fomentar uma regulamentação que permitisse a todos essa possibilidade de testar diferentes composições.

A disputa sobre a forma de composição dos produtos derivados da cannabis, se uma molécula de CBD purificada, se um componente que possui tanto CBD quanto THC, ou um extrato integral da planta, que possui também outras moléculas como terpenos e flavonoides, é uma controvérsia que caracteriza outras disputas em torno dos produtos derivados da cannabis (Ribeiro, 2018). Os defensores da planta inteira alegam que há evidências de que quando utilizado o extrato integral, o efeito conjunto das moléculas regula e intensifica o benefício terapêutico:

Há diversos estudos comprovando o "Efeito comitivo" ou "Entourage effect" que consiste no sinergismo entre diversos componentes da planta (especialmente o THC) que potencializa os efeitos terapêuticos do CBD. O canabidiol sintético proposto para disponibilização não é o mais recomendado para o uso medicinal, exatamente por não ter as diversas outras substâncias contidas na planta. O óleo fitoterápico a base de Cannabis, produzido pelas Associações Terapêuticas, resultaria em maior contribuição terapêutica aos pacientes além de beneficiar pessoas que hoje trabalham a margem da lei para proporcionar os medicamentos as famílias que os necessitam!

(Brasil, 2021b, p. 144, profissional de saúde).

Na contribuição do profissional acima, o argumento vem acompanhado da defesa do modelo de produção das associações canábicas. Essa dimensão do modelo de produção também aparece em contribuições críticas à incorporação do óleo de CBD de uma única marca específica. As opiniões contrárias à incorporação do produto eram justificadas por argumentos de que o preço era abusivo e fora da capacidade orçamentária do SUS:

Estamos no pior momento da pandemia de covid, com o SUS solicitado na sua capacidade máxima. Não vejo sentido no fato do Ministério da Saúde direcionar recursos para fornecer um medicamento de altíssimo custo, no SUS que só atenderá a demanda de um grupo específico de pacientes e beneficiando um grande laboratório com interesse exclusivamente comercial, por um preço abusivo

(Brasil, 2021b, p. 145, interessado no tema).

Outras perspectivas de impacto econômico apareceram nas contribuições, reforçando ora a incorporação do produto, ora a não incorporação. Elas argumentavam que o impacto orçamentário não deveria se limitar ao custo do medicamento ao sistema, mas também ser entendido a partir dos benefícios de uma nascente economia dos produtos canábicos.

A avaliação econômica pode ser muito positiva especialmente pensando no potencial agrônomo que o país tem e de potencial produção futura do medicamento no país, sendo essa incorporação um início para termos estímulos para o desenvolvimento de tecnologias nacionais para produção [...]. É economicamente mais positiva a regulamentação de fornecedores provenientes da agricultura familiar e associações; isso fortalece a economia local e empodera o povo Brasileiro, sem contar que sai mais barato

(Brasil, 2021b, p. 97, 140, profissional de saúde, interessado no tema).

As contribuições na consulta pública se valem de entendimentos contextuais (a pandemia de Covid-19, o orçamento do SUS) e sobre os mercados de produtos canábicos (um monopólio de apenas uma empresa, o desenvolvimento de uma economia em torno da produção). Essas contribuições reforçam que a análise das disputas sobre as evidências dos produtos canábicos precisa também considerar os regimes materialmente situados de valor e troca que os perpassam (Appadurai, 1986).

As disputas expressas na consulta pública revelam que a incorporação de um determinado produto no SUS não implica apenas a aprovação de uma terapêutica, mas também a legitimação e fortalecimento de um dos modos de existir dentro da multiplicidade ontológica da cannabis (Mol, 1999). Não se trata apenas de aprovar um composto, mas também suas práticas produtivas e epistemológicas.

Assim, a disputa expressa nas consultas públicas compõe uma política ontológica sobre a existência dos derivados de cannabis, com efeitos bastante notáveis. Se em um primeiro momento a incorporação no SUS seria justificada pela facilitação do acesso e redução de desigualdades, por outro lado, a aprovação de uma determinada composição poderia ser limitadora e se sobrepor às demais formas de dispensação, meios de produção e lógica de cuidado (Mol, 1999).

Perspectivas Alternativas à Incorporação

Em artigo sobre a sociologia das terapias complementares e alternativas, Nicola Gale (2014) discute as formas pelas quais conhecimentos produzidos a partir de lógicas diferentes da biomédica podem ser incluídos nos sistemas de saúde. A ‘incorporação’ (como sugerido no nome da Conitec) seria a assimilação das terapias alternativas, sendo referendada pelos conhecimentos biomédicos. ‘Integração’, por outro lado, seria o uso com respeito mútuo, que pressupõe a transformação de ambos os conhecimentos envolvidos, biomédico e alternativo. Como seria possível pensar em uma forma de ATS que, segundo os sentidos descritos, integrasse a multiplicidade da cannabis no SUS?

Dada a inadequação expressada pela Conitec sobre a avaliação dos derivados de cannabis, uma proposição de regulamentação alternativa presente nas consultas públicas era de incorporar os produtos da cannabis por meio da Farmácia Viva. Este programa dispõe sobre o fomento e organização da produção e distribuição de plantas medicinais e fitoterápicos no SUS e poderia enquadrar as associações canábicas.

Essa proposta também estava expressa nas resoluções aprovadas pela Conferência Livre Nacional de Cannabis Medicinal de 2023 (Propostas [...], 2023), composta por associações canábicas, instituições de pesquisa e sociedades de estudos da cannabis, que foram apresentadas à 17ª Conferência Nacional de Saúde. Todas as propostas referentes ao acesso aos produtos canábicos via SUS apresentadas à Conferência foram sintetizadas em uma formulação que foi levada a plenário da conferência e aprovada:

Criar Programa de Cultivo Controlado, por meio de procedimentos administrativos, incluindo-se o cadastramento dos pacientes e, também, dos profissionais de saúde habilitados à prescrição, fins de concessão de autorização de cultivo doméstico e familiar pelo Ministério da Saúde ou órgão designado a tal função, considerando-se o cultivo por pequenos grupos, como clubes e associações, com cumprimento das necessárias boas práticas de produção e extração e com distribuição interna, restrita aos associados, dispensada a certificação das sementes para o cultivo artesanal

(A 17. Conferência [...], 2023).

Com essa resolução, as propostas de inclusão da cannabis no SUS via Farmácia Viva não foram votadas. A resolução aprovada parece solicitar um programa e uma regulamentação próprios para a cannabis distinta dos demais fitoterápicos e que não passa pela aprovação da Conitec. Isso favoreceria e legitimaria um modo de produção, de geração de conhecimento e de uso terapêutico praticado pelas associações canábicas. A resolução da conferência é uma diretiva a ser analisada pelo MS, que deverá nos próximos anos avaliar sua implementação.

Considerações Finais

Os dois casos discutidos neste artigo e a resolução aprovada pela Conferência apontam para as especificidades dos derivados de cannabis e dos processos que avaliam sua incorporação no SUS. Por um lado, os argumentos apresentados pelos defensores da incorporação não produziram as condições técnicas e políticas para a aprovação e a insuficiência na qualidade e confiabilidade das evidências foi a palavra final na decisão da Conitec.

Por outro lado, como as disputas nas consultas públicas nos mostram, consolidar uma formulação determinada por meio da aprovação da incorporação no SUS em todo território nacional poderia ser a cristalização de uma forma única de derivado de cannabis, seja uma determinada proporção de THC ou CBD, seja uma indústria farmacêutica produtora, seja a indicação a uma condição de saúde específica.

Sendo assim, um caminho alternativo possível seria pensar em regulamentações que permitam incluir no SUS os derivados da cannabis em sua multiplicidade de conformações, considerando a variedade de conhecimentos que a planta mobiliza.

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Notas

3 O CBD e o THC são os principais princípios ativos isolados da Cannabis sativa. No entanto, as duas moléculas, que apresentam efeitos distintos e, por vezes, complementares, passam por trajetórias regulatórias diferentes para seu uso médico. A leitura de Oliveira (2016) auxilia na compreensão de como, nos primeiros marcos regulatórios do uso medicinal da cannabis, o CBD passou por uma construção social como “mocinho” da planta, enquanto, o THC, com efeito psicotomimético e mais associado a riscos pelo discurso biomédico, foi construído como “vilão’.
4 Com a reestruturação ministerial quando da troca de governos no início de 2023, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) passou a se chamar Sectics.
5 A partir do Decreto Nº 11.161, de 4 de agosto de 2022 (Brasil, 2022a), a Conitec passou a ser organizada por uma secretaria executiva e por três coordenações: a Coordenação-Geral de Gestão Estratégica de Tecnologias em Saúde (CGGTS), a Coordenação-Geral de Avaliação de Tecnologias em Saúde (CGATS) e a Coordenação-Geral de Gestão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (CGPCDT). Como os dois medicamentos à base de cannabis discutidos neste texto foram avaliados antes dessa mudança, optamos por destacar no texto a estrutura anterior.
8 As consultas públicas em aberto no momento podem ser acessadas em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/participacao-social/consultas-publicas. As respostas das consultas encerradas desde 2012 podem ser acessadas em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/participacao-social/consultas-publicas/encerradas.
9 O próprio trabalho de selecionar e hierarquizar estudos para avaliar a incorporação de uma tecnologia tem uma dimensão subjetiva e que pode variar de acordo com o trabalho de cada técnico, como destacado nas diretrizes metodológicas da Conitec (Brasil, 2021d).
10 Posteriormente outros medicamentos, em outras doses, foram registrados como produtos derivados de cannabis, o que muda a configuração do mercado.

Autor notes

* Lucas Nishida. Mestre em Comunicação e Informação em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (2019). Doutorando junto ao Programa Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas. Pesquisa financiada pela Fapesp (Processo nº 2022/05201-3). E-mail: lucasnishida2@gmail.com.
* Roberta Custodio Cavedini. Bacharela e Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (2023). Pesquisadora independente. E-mail: robertaccavedini@gmail.com.
Editor(a) de Seção: Victor Luiz Alves Mourão, https://orcid.org/0000-0003-2770-721X;

Marco Vinicius de Castro, https://orcid.org/0000-0002-9916-7470

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