ARTIGOS

“O Ornitorrinco”, 20 Anos depois

“The Ornithorhyncus”: 20 Years later

Fabiano José Araújo dos Santos *
Universidade Regional do Cariri, Brasil

“O Ornitorrinco”, 20 Anos depois

Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 28, núm. 3, e47465, 2023

Universidade Estadual de Londrina

Recepção: 04 Fevereiro 2023

Revised document received: 01 Maio 2023

Aprovação: 07 Agosto 2023

Resumo: O presente trabalho resgata a crítica presente em “O ornitorrinco”, famoso ensaio da última fase da produção teórica do sociólogo marxista Francisco de Oliveira, em que se discute a estrutura da economia brasileira no início deste século, caracterizando-a como um “impasse evolutivo”, à semelhança do animal que dá título ao ensaio. Tendo vindo à luz em um momento de grande euforia pela chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em seu primeiro mandato, o texto, na contramão disso, confirma Oliveira como um dos poucos críticos ferrenhos do novo governo em sua etapa inicial. Com efeito, ao identificar, muito cedo, o projeto do governo petista como sendo de continuidade em relação a seu antecessor, FHC, entendia-o tanto como um golpe nas esperanças de transformação social quanto como uma grande oportunidade desperdiçada. Tratava-se, para ele, portanto, de um projeto político que confirmaria o país no limbo histórico entre o que então havia de “mais primitivo” e “mais avançado”, funcionando num todo complexo e orgânico unicamente para confirmar e aprofundar o que a sociedade capitalista brasileira historicamente produzira de mais brutal. O breve texto que se segue busca, então, fazer um pequeno balanço (não exaustivo) da análise de Oliveira em diálogo com alguns pontos que buscam caracterizar a realidade do país exatos 20 anos depois, no momento em que Lula inicia seu terceiro mandato como presidente.

Palavras-chave: O Ornitorrinco, Francisco de Oliveira, ciência política, marxismo.

Abstract: The present work retrieves the criticism present in “O Ornitorrinco”, a famous essay from the last phase of the theoretical production of the Marxist sociologist Francisco de Oliveira, which discusses the structure of the Brazilian economy at the beginning of this century is discussed, characterizing it as an “evolutionary impasse”, similar to the animal that gives the essay its title. Published at a moment of great euphoria when Luiz Inácio Lula da Silva took office as President in his first term, the text, in contrast to this, confirms Oliveira as one of the few staunch critics of the new government in its initial stage. Indeed, by identifying, very early on, the project of the PT administration as being in continuity with its predecessor, FHC, he understood it both as a blow to the hopes of social transformation and as a great wasted opportunity. It was, for him, therefore, a political project that would confirm the country in the historical limbo between what was then “most primitive” and “most advanced”, functioning in a complex and organic whole solely to confirm and deepen what the Brazilian capitalist society had historically produced as its most brutal features. The article makes a brief (not exhaustive) assessment of Oliveira’s analysis in dialogue with some points that seek to characterize the country’s reality exactly 20 years later, at the moment when Lula begins his third term as President.

Keywords: The Ornithorhyncus, Francisco de Oliveira, political science, Marxism.

Introdução

Em 2003, Francisco de Oliveira lançava um dos trabalhos mais significativos da última fase de sua produção intelectual. Intitulado “O ornitorrinco”, o pequeno ensaio discutia com pessimismo bastante realista a economia brasileira de inícios deste século, bem como suas possibilidades, no contexto tanto dos desdobramentos da terceira Revolução Tecnológica quanto dos primórdios da quarta etapa desta. Vale notar que a análise presente no texto é também uma espécie de carta de despedida de Oliveira do Partido dos Trabalhadores (PT) e das esperanças nele depositadas. O ex-militante e membro-fundador, àquela altura, via então com tristeza a mudança de orientação do partido. Ele se convencera, portanto, da incapacidade do partido de enfrentar o totalitarismo neoliberal. “E como para Francisco de Oliveira o PT era um núcleo fundamental para articular essa frente, o partido não só perdeu seu encanto aos olhos do sociólogo como passou a refletir, através de sua estrutura interna e de seu alinhamento mais à direita – a derrota da política” (Mendes, 2015, p. 239).

Essa compreensão da realidade brasileira e a postura dela resultante contrastavam claramente com o momento inicial de euforia que tomava conta de boa parte dos brasileiros. De fato, o país tinha no seu recém-eleito presidente uma figura com talento político e carisma suficientes tanto para sedimentar uma boa imagem do Brasil em âmbito internacional quanto para acender, internamente, esperanças de que era questão de tempo até que o Brasil pudesse superar problemas estruturais históricos e entrar de vez no tão sonhado caminho do desenvolvimento.

Hoje sabemos que os rumos foram outros, como também sabemos que a visão dominante do processo político que se seguiu identifica no golpe parlamentar de 2016 uma guinada conservadora e liberalizante. Contudo, a análise de Oliveira serve como ponto de partida para a compreensão de que esse processo é bem mais complexo do que parece.

Na verdade, desde a reforma da Previdência do setor público promovida por Lula ainda no primeiro ano de mandato (o que Fernando Henrique, seu antecessor, em oito anos de governo não conseguira), passando por políticas como a controversa “Lei Antiterrorismo”, claramente direcionada à possibilidade de criminalizar os movimentos sociais potencialmente críticos ao governo e implementada por exigência do Banco Mundial em meio a um clima de grande crise política nos meses finais do segundo governo Dilma, há também quem veja com grandes ressalvas a experiência dos governos do PT. Poder-se-ia dizer, inclusive, que, do ponto de vista dos ganhos gerais, na prática, os anos Lula/Dilma foram muito mais questionáveis do que uma análise superficial ou mesmo com excessiva nostalgia retrospectiva – em função da perspectiva de quatro anos de um governo de extrema-direita com características abertamente fascistas – possa sugerir. Lembremos, por exemplo, que o governo Temer, apesar de sinalizar alguma ruptura, mostra no essencial o que pode ser entendido mais como uma continuidade, ainda que com alguma aceleração e aprofundamento de tendências anteriormente já sinalizadas ou postas, do que sua antítese. Significa dizer, portanto, que, em conjunto, toda a experiência de Lula até nossos dias seria, então, muito mais uma confirmação das críticas de Oliveira do que um mero desditoso acidente2. É o que tentaremos mostrar nas linhas seguintes.

“Como é o Ornitorrinco?”

O provocativo título do ensaio de 2003, como ele mesmo esclarece, surgiu do convite para a banca de doutoramento de seu amigo Carlos Eduardo Fernandez da Silveira, em 2001, em que este defendia sua tese “Desenvolvimento tecnológico no Brasil: autonomia e dependência num país periférico industrializado”. Como Chico nos explica, “a sociedade que ele [Eduardo] descrevia, em seus impasses e combinações esdrúxulas, só podia ser um ornitorrinco” (Oliveira, 2013, p. 125). A descrição fornecida pelo próprio Chico daquela realidade, de fato, fala por si:

Altamente urbanizado, pouca força de trabalho e população no campo, dunque nenhum resíduo pré-capitalista; ao contrário, um forte agrobusiness. Um setor industrial da Segunda Revolução Industrial completo, avançando, tatibitate, pela Terceira Revolução, a molecular-digital ou informática. Uma estrutura de serviços muito diversificada numa ponta, quando ligada aos estratos de altas rendas, a rigor, mais ostensivamente perdulários que sofisticados; noutra, extremamente primitiva, ligada exatamente ao consumo dos estratos pobres. Um sistema financeiro ainda atrofiado, mas que, justamente pela financeirização e elevação da dívida interna, acapara uma alta parte do PIB, cerca de 9% em 1998, quando economias que são o centro financeiro do capitalismo globalizado alcançaram apenas 4% (Estados Unidos), 6% (Reino Unido), 4% (Alemanha), 4,2% (França). Em contrapartida, os créditos bancários totais sobre o PIB foram de apenas 28% em 2001 e já haviam caído para 23% no primeiro trimestre de 2003; países desenvolvidos têm proporções que vão dos 186%, no Japão, 146% para os Estados Unidos e até 80% para a Itália. Como o crédito financia a circulação de mercadorias, e por essa via, indiretamente, a acumulação de capital, é fácil perceber o significado de um sistema bancário fraco. Em termos da PEA ocupada, fraca e declinante participação da PEA rural, força de trabalho industrial que chegou ao auge na década de 1970, mas decrescente também, e explosão continuada do emprego nos serviços

(Oliveira, 2013, p. 132-133).

E ele arremata: “[...] esta é a descrição de um animal cuja ‘evolução’ seguiu todos os passos da família! Como primata ele já é quase Homo sapiens!” (Oliveira, 2013, p. 133). A referência ao estranho animal, considerado um impasse evolutivo entre réptil, pássaro e mamífero, serviria, portanto, para assinalar uma metáfora do Brasil em seu “impasse evolutivo” enquanto nação, um híbrido do mais avançado em termos de acumulação de capital e das formas mais primitivas de trabalho, ambos em perfeita funcionalidade (ou “organicidade”), mas condenando o país a uma situação na qual as promessas da então terceira etapa da Revolução Tecnológica3 se apresentavam como praticamente interditadas.

Se no passado o setor “informal” da economia poderia ser entendido como uma situação de caráter passageiro, posto que, como ele mesmo assinalara em seu clássico Crítica à razão dualista, as relações de trabalho se encontravam numa forma aquém do valor4, com a confluência da Terceira Revolução Tecnológica e o movimento de mundialização do capital, tem-se o exato oposto, e a “a produtividade do trabalho dá um salto mortal em relação à plenitude do trabalho abstrato” (Oliveira, 2013, p. 135).

Essa afirmação, sabemos, pode parecer um pouco hermética aos que têm pouca familiaridade com a teoria marxiana, mas o próprio Chico busca esclarecer esse ponto com sua habitual didática. Segundo ele, Marx denomina o salário de “capital variável” tanto por este ser um adiantamento do capitalista quanto “porque sua resultante na formação do mais-valor5 depende das proporções de emprego de mão-de-obra e dos tempos de trabalho pago e não-pago” (Oliveira, 2013, p. 136). Ademais, considerando que, “no lucro como recuperação da mais-valia, ela depende da realização ou não do valor” (Oliveira, 2013, p. 136), temos como tendência moderna do modo de produção capitalista a supressão do adiantamento do capital para pagamento de salários, de modo que a renda dos trabalhadores não se dê mais identificada a essa forma de remuneração, mas pelo resultado do que se puder realizar das vendas de mercadorias6. Na base desse fenômeno, está o fato de que:

[...] todo o crescimento da produtividade do trabalho é a luta do capital para encurtar a distância entre essas duas grandezas [tempo de trabalho total e tempo de trabalho da produção]. Teoricamente, trata-se de transformar todo o tempo de trabalho em trabalho não-pago; parece coisa de feitiçaria, e é o fetiche em sua máxima expressão

(Oliveira, 2013, p. 135).

Chico está atento para o fato de que Marx, no Livro I de O Capital, ao tratar do mais-valor relativo, já indica que a extração de mais-valor combina todas as formas possíveis ao mesmo tempo. É nesse sentido que ele vê na terceirização e em outras formas de trabalho ainda mais precarizadas, presentes no Brasil no início deste século, a explicitação da fusão entre mais-valor absoluto e mais-valor relativo, i. e., a exploração do trabalho baseada respectivamente em aumento da jornada de trabalho e melhorias tecnológicas (técnicas e organizacionais).

Ele observa que, “na forma absoluta, o trabalho informal não produz mais que uma reposição constante, por produto, do que seria o salário” (Oliveira, 2013, p. 135-136), enquanto, “na forma relativa, é o avanço da produtividade do trabalho nos setores hard da acumulação molecular que permite a utilização do trabalho informal” (Oliveira, 2013, p. 136), entendendo, com isso, que a mencionada fusão não poderia levar a outra coisa que uma contradição. Ora, segundo ele, se a jornada do mais-valor relativo deveria ser de diminuição do trabalho não pago, o que se tem, na verdade, é justamente o contrário, pela agora estreita conexão entre as duas formas. Assim, ele conclui, “graças à produtividade do trabalho, desaparecem os tempos de não-trabalho: todo o tempo de trabalho é tempo de produção” (Oliveira, 2013, p. 136, grifo nosso). O resultado lógico dessa tendência seria, com isso, o da eliminação de postos de trabalho fixos, dado que essa combinação de fatores seria responsável por levar às últimas consequências a consideração do salário (e, portanto, do trabalhador) como um simples “custo”. Por sua vez, a consequência política óbvia seria a de que qualquer medida ou proposta apontando na direção da garantia de direitos passa a ser condenada por buscar uma “regressão” dessa tendência7.

É como desdobramento dessa propensão que ele entende, no caso do Brasil, o estancamento da formalização das relações de trabalho (assalariado) já na década de 1980, vendo-se, a partir daí, o aumento crescente do que, ele chama atenção, é inapropriadamente chamado de setor ou trabalho “informal”. Com efeito, é possível afirmar que a moderna precarização surge, dentre outros fatores, como consequência direta da reestruturação produtiva, consolidada na segunda metade dos anos 1970, e da subsequente nova divisão mundial do trabalho, que implica, para as economias dependentes, uma readequação de seu lugar e suas funções. É justamente nesse contexto que essas novas formas de trabalho – resultado da destruição das relações de salário, que se tornariam cada vez mais raras – passam ao primeiro plano. Seu exemplo a esse respeito é bastante ilustrativo e muito familiar:

[...] grupos de jovens nos cruzamentos vendendo qualquer coisa, entregando propaganda de novos apartamentos, lavando-sujando vidros de carros, ambulantes por todos os lugares; os leitos das tradicionais e bancárias e banqueiras ruas Quinze de Novembro e Boa Vista em São Paulo transformaram-se em tapetes de quinqui-lharias; o entorno do formoso e iluminadíssimo Teatro Municipal de São Paulo – não mais formoso que o Municipal do Rio de Janeiro, anote-se – exibe o teatro de uma sociedade derrotada, um bazar multiforme onde a cópia pobre do bem de consumo de alto nível é horrivelmente kitsch, milhares de vendedores de Coca-Cola, guaraná, cerveja, água mineral, nas portas dos estádios duas vezes por semana. Pasmemos teoricamente: trata-se de trabalho abstrato virtual

(Oliveira, 2013, p. 142-143).

Chico de Oliveira mostra a dureza de sua análise ao explicar que, diante desse cenário, as políticas de treinamento e qualificação dos desempregados formais ocupados nessas atividades não seriam outra coisa que pura piedade, realizando o impossível trabalho de Sísifo: “jogando água em cesto, acreditando que o velho e bom trabalho com carteira voltará quando o ciclo de negócios se reativar” (Oliveira, 2013, p. 143)8. Para ele, portanto, a tendência era que se desse justamente o oposto, e cada pequena onda de retomada de empregos (ocorrendo “de forma intermitente, sem sustentabilidade previsível”) serviria apenas para aprofundar ainda mais o novo paradigma.

Corolário fundamental dessas novas relações, em um país já marcado por profunda desigualdade, não poderia ser outra coisa que o aprofundamento ainda mais radical desse revés. Chico de Oliveira identifica aí a combinação de dois fatores: o estatuto rebaixado da força de trabalho e a dependência externa. O primeiro ponto já servira de objeto de análise no já mencionado Crítica à razão dualista, lançado em 1972. Nessa obra, ele se opõe às teses à época correntes que viam na agricultura brasileira um setor improdutivo (e que funcionaria como impedimento do crescimento), no inchaço das cidades apenas a marginalidade e na legislação então vigente do salário uma incompatibilidade com a acumulação de capital. Em resposta, ele mostra como, na verdade, estruturados na absurda má distribuição de renda característica de nosso país, esses elementos poderiam constituir empecilho para uma etapa futura da acumulação, mas tiveram papel essencial para o processo de industrialização.

Por sua vez, o segundo ponto se apresenta como responsável pela criação de um mercado interno estruturado todo em função do consumo de cópias. Ele nos alerta, então, para o fato de que “todas as formas dos produtos da revolução molecular-digital podem chegar até os estratos mais baixos de renda, como bens de consumo duráveis: as florestas de antenas, inclusiva parabólicas, sobre os barracos das favelas é sua melhor ilustração” (Oliveira, 2013, p. 144). E se hoje essa realidade já não choca, à época ela também não se apresentava como um mistério para Chico, que via ali, além de um resultado da já mencionada expansão do consumo, um “poderoso narcótico social”, uma coluna de sustentação fundamental do capitalismo contemporâneo, que ele lembra também ter sido percebida por Celso Furtado em seu (último) livro (lançado ainda em vida) Em busca de um novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea, de 2002.

Não se deve perder de vista que isso não seria possível não fosse o nível vigente do desenvolvimento das forças produtivas, já que

[...] no fundo, só a plena validade do mais-valor relativo, isto é, de uma altíssima produtividade do trabalho, é que permite ao capital eliminar a jornada de trabalho como mensuração do valor da força de trabalho, e com isso utilizar o trabalho abstrato dos trabalhadores “informais” como fonte de produção do mais-valor

(Oliveira, 2013, p. 137).

Ponto importante é que, como tendência geral, essa característica que nega qualquer elemento de dualidade do desenvolvimento do capitalismo na periferia, posto que combina organicamente elementos de “avanço” (alta tecnologia de produção e de informação) e “atraso” (exploração do trabalho em alto nível de precarização), não se limita aos países pobres ou “em desenvolvimento”, mas busca espaço também no território das nações que ocupam a ponta da hierarquia do capital. A razão disso Chico de Oliveira identifica no lugar ocupado contemporaneamente pelo chamado setor de serviços, configurando-o, portanto, como o lugar onde a mencionada ruptura se mostra de maneira mais nítida. Para ele, seria possível identificar aí a criação de uma espécie de “trabalho abstrato virtual”, posto que “as formas ‘exóticas’ desse trabalho abstrato virtual estão ali onde o trabalho aparece como diversão, entretenimento, comunidade entre trabalhadores e consumidores: nos shopping centers” (Oliveira, 2013, p. 137, grifo nosso). Mas isso não seria tudo. Na verdade, os ramos mencionados não passariam do aspecto mais visível da mudança em processo, e seria no ramo particular da tecnologia da informação que poderíamos encontrar seu núcleo. Por certo, pode-se dizer que é graças aos desenvolvimentos aí realizados que se pode pensar o trabalho mais pesado como lugar do trabalho abstrato virtual.

Coroando todo esse processo, retomando a metáfora evolutiva, não se pode esquecer que uma das características do ornitorrinco é justamente o fato de ele ter perdido sua capacidade de evoluir e disputar espaço nos marcos da competição tecnológica (não por acaso, o lugar decisivo da “seleção natural” do mercado, segundo os economistas neoschumpeterianos). Ora, sendo o progresso técnico um processo incremental9, existe tanto a dependência dos resultados da etapa anterior quanto o problema relativo às formas de propriedade do conhecimento atual. Em outras palavras,

[...] enquanto o progresso técnico da Segunda Revolução Industrial permitia saltar à frente, operando por rupturas sem prévia acumulação técnico-científica, por se tratar de conhecimento difuso e universal, o novo conhecimento técnico-científico está trancado nas patentes, e não está disponível na prateleira do supermercado das inovações. [...] Essa combinação de descartabilidade, efemeridade e progresso incremental corta o passo às economias e sociedades que permanecem no rastro do conhecimento técnico-científico

(Oliveira, 2013, p. 138).

Nesse sentido, a então recente e comemorada decifração do genoma da Xylella fastidiosa (FAPESP [...], 2000), realizada por pesquisadores brasileiros, deveria ser entendida não como verdadeira produção de conhecimento capaz de competir internacionalmente, mas, no contexto da ciência industrializada e do conhecimento cada vez mais privado, como uma espécie de “ornamento”, de demonstração de capacidade dos pesquisadores residentes no país. Em verdade, a revolução molecular-digital tem por característica distintiva que “não há produtos tecnológicos disponíveis, à parte, que possam ser utilizados sem a ciência que os produziu. E o inverso: não se pode fazer conhecimento sem a tecnologia adequada” (Oliveira, 2013, p. 139) – o que, Chico bem o compreende, já estava indicado em produções como das bombas de hidrogênio e atômica e também dos reatores de energia nuclear. 

A possibilidade de superar o quadro da “descartabilidade/efemeridade” poderia ser vista em um “esforço descomunal de pesquisa científico-tecnológica, aumentando-se o coeficiente de P&D ou C&T sobre o PIB em algumas vezes” (Oliveira, 2013, p. 140). Seria esse o caminho para um salto à frente na produção doméstica de tecnologia. Todavia, o coeficiente brasileiro de fins da década anterior (1997) era menos que 1,5%. A razão dessa ser pensada por Chico de Oliveira como a única estratégia possível se deve ao fato de que, no comparativo com a etapa anterior da produção de tecnologia, estaria dado um curioso paradoxo que, na verdade, seria o cerne do problema: o fato de que, enquanto na segunda revolução tecnológica se podia avançar a partir do conhecimento técnico-científico disponível, apesar das formas serem indivisíveis, na terceira, é o conhecimento técnico-científico que se torna indivisível, apesar das formas poderem ser divididas.

Como exemplo, ele faz referência a momentos históricos em que, segundo ele, “diversos subsistemas econômicos nacionais realizaram tal façanha, à custa de enorme repressão política, de uma economia de monge franciscano, com total irrelevância da produção de bens de consumo” (Oliveira, 2013, p. 140-141). Esse seria o caso das economias japonesa e soviética: a primeira marcada por tal cultura de poupança que a economia doméstica daquele país havia gerado como resultado tanto a impossibilidade de se consumir internamente todas as quinquilharias eletrônicas ali produzidas quanto também que não veria seu alto nível de poupança revertido em investimento, enquanto que, no segundo caso, o extraordinário avanço tecnológico da URSS contrastava com a incapacidade da agricultura nos últimos anos do regime, criando uma situação de carestia de alimentos para marcar o melancólico fim daquela experiência.

Pode-se concluir, portanto, que

[...] o ornitorrinco é isso: não há possibilidade de permanecer como subdesenvolvido e aproveitar as brechas que a Segunda Revolução Industrial propiciava; não há possibilidade de avançar, no sentido da acumulação digital-molecular: as bases internas da acumulação são insuficientes, estão aquém das necessidades para uma ruptura desse porte. Restam apenas as “acumulações primitivas”, tais como as privatizações propiciaram: mas agora com o domínio do capital financeiro, elas são apenas transferências de patrimônio, não são, propriamente falando, “acumulação”. O ornitorrinco está condenado a submeter tudo à voragem da financeirização, uma espécie de “buraco negro”: agora será a previdência social, mas isso o privará exatamente de redistribuir a renda e criar um novo mercado que sentaria as bases para a acumulação digital-molecular. O ornitorrinco capitalista é uma acumulação truncada e uma sociedade desigualitária sem remissão. Vivam Marx e Darwin: a periferia capitalista finalmente os uniu

(Oliveira, 2013, p. 150).

Ou, na correta síntese de Roberto Schwarz: “o país se define pelo que não é, ou seja, pela condição subdesenvolvida, que já não se aplica, e pelo modelo de acumulação, que não alcança” (Oliveira, 2013, p. 15).

O Ornitorrinco, 20 anos depois

Pioneiro no trato de temas hoje corriqueiros no debate crítico, como a própria questão da precarização contemporânea ou “uberização”, nos termos de (Antunes, 2020) do trabalho, o ensaio de Chico de Oliveira tem o mérito, resultante do bom uso da dialética materialista, de apontar tendências da lógica do capital no estágio de desenvolvimento em questão. Sem a pretensão de apresentar nessas poucas páginas toda a complexidade do que venha a ser a experiência brasileira nesses 20 anos desde a publicação original do ensaio, tomemos como referência os eixos principais nos quais se assenta o advento do que se costuma chamar de neoliberalismo no Brasil, segundo Filgueiras (2012), para pontuar algumas questões. São eles: além do próprio “novo” liberalismo como ideologia política, a reestruturação produtiva, a globalização (em especial, a financeira) e a convergência desses três movimentos. Nesse sentido, comecemos por lembrar que um dos pontos centrais da crítica de Oliveira se dirige justamente à primeira grande “vitória” (Reforma [...], 2003) do governo Lula: a reforma da Previdência do setor público – um feito que, como já dissemos, Fernando Henrique em oito anos de mandato fora incapaz de realizar.

Oliveira, atento ao fato de que a Previdência já representava um filão bastante cobiçado, entende esse fenômeno como expressão de transformações não apenas na estrutura produtiva, mas também, como fenômeno resultante, na estrutura de classes. O resultado disso seria que os elementos melhor posicionados do antigo proletariado haviam se convertido em “analistas simbólicos” ou “sujeitos monetários” (termos emprestados das análises de Robert Kurz, como ele explica), isto é, trabalhadores que, ascendendo à função de administradores de fundos públicos de Previdência complementar, estariam preocupados unicamente com a rentabilidade desses fundos, que, paradoxalmente, serviriam de financiamento da reestruturação produtiva causadora do desemprego e das reformas que levariam, em última instância, os assalariados a buscar esses fundos. Para ele, portanto,

[...] é isso que explica recentes convergências pragmáticas entre o PT e o PSDB, o aparente paradoxo de que o governo Lula realiza o programa de FHC, radicalizando-o: não se trata de equívoco, nem de tomada de empréstimo de programa, mas de uma verdadeira nova classe social, que se estrutura sobre, de um lado, técnicos e economistas doublés de banqueiros, núcleo duro do PSDB, e trabalhadores transformados em operadores de fundos de previdência, núcleo duro do PT

(Oliveira, 2013, p. 147).

Também atenta à continuidade do projeto neoliberal característico do governo Lula, Paulani, escrevendo em maio de 2004, afirma em seu “O Brasil como plataforma de valorização financeira internacional” que, àquela altura, já estava mais do que claro que a opção política do governo em seu primeiro mandato pela manutenção da estratégia do “tripé macroeconômico” iniciada por seu antecessor (metas fiscais, metas de inflação e câmbio flutuante) não era em absoluto uma tática inicial para acalmar os “ânimos tensos” ante a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, como pensavam e diziam os defensores do governo e simpatizantes em geral, mas de uma escolha bastante consciente, e que, uma vez tomado aquele rumo, as condições de mudança de rota posteriores se mostrariam muitíssimo limitadas. No que diz respeito à reforma da Previdência consolidada em dezembro do ano anterior, ela lembra que,

[...] a exemplo do que FHC fizera com a previdência dos trabalhadores do setor privado da economia, o principal instrumento proposto para operar essa mudança foi a imposição de tetos para os benefícios, tetos que obrigarão os servidores a participar de fundos complementares de previdência. Mas, diferentemente de FHC, que não ousou dispensar as “regras de transição”, a proposta original do governo do PT foi ao parlamento sem elas, cabendo aos congressistas a introdução das mudanças que tornaram “menos radical” a reforma proposta

(Paulani, 2008, p. 43).

O governo Lula, portanto, em uma clara démarche liberalizante, tornara mais difícil o acesso aos ganhos de aposentadoria ao mesmo tempo que aprofundava os mecanismos garantidores dos ganhos financeiros com especulação, confirmando o papel central do Estado nesse processo.

Outra importante ação do governo Lula foi a conversão da dívida pública externa em interna. Como outra grande jogada de marketing, segundo Paulani (2008), Lula anunciou que havia pagado a dívida pública externa (ou seja, dívidas junto ao Banco Mundial, BID, FMI e outras instituições). Não obstante, o que não foi mencionado à época foi a forma como se deu a quitação dessas obrigações. Se é verdade que em janeiro de 2003 a dívida externa líquida era de cerca de R$ 256 bilhões, com a interna na marca dos R$ 673 bilhões, num total de aproximadamente R$ 929 bi, já no início de 2007, com a dívida externa virtualmente anulada, o valor da dívida interna estava na casa dos R$ 1,157 trilhão; ou seja, um aumento de quase 25% da dívida total. Lula, portanto, ao mesmo tempo que recuperava ainda mais sua imagem (um pouco desgastada com o escândalo do chamado “mensalão”, diga-se de passagem), com essa medida, alegrava ainda mais a parcela dos seus apoiadores capazes de se beneficiar do endividamento estatal. Sem embargo, três anos depois, em fins de 2007, a dívida interna líquida chegava à cifra de R$ 1,668 tri de dívida interna (Banco Central do Brasil, 2022).

Esses dados nos fazem lembrar da interessante pesquisa de Brettas (2020), que sugere, em seu Capitalismo dependente, neoliberalismo e financeirização das políticas públicas, que é justamente nos governos do Partido dos Trabalhadores que teremos a consolidação do que o debate crítico convencionou chamar de a financeirização no Brasil – processo que, todavia, se daria de modo um pouco mais complexo do que a simples reestruturação da dívida.

Segundo ela, é a partir do protagonismo do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, a partir da política das “campeãs nacionais”, operada entre 2008 e 2013, além do impulso dado aos mencionados fundos de pensão – não apenas com a reforma da Previdência promovida por Lula em 2003, mas também com a etapa seguinte desta, em 2012 –, que esse processo encontra sua maturidade. Não se perca de vista que a entrada do Brasil de maneira mais aprofundada no circuito financeiro internacional foi resultado tanto de interesses externos quanto internos, estes últimos ligados a frações da burguesia nacional mais associadas às finanças internacionais, o que explica o outro lado do Plano Real (e o conjunto de reformas e privatizações a ele atreladas), aquele que o confirma como muito mais do que um simples plano de contenção da inflação. De fato, para além da estabilidade monetária, que por si já se mostra como fundamental para garantir um ambiente atrativo ao capital especulativo, não se pode esquecer das “alterações feitas na política econômica para assegurar o pagamento de juros e a liberdade de capitais e a ampliação das bases de extração de mais-valor” (Brettas, 2020, p. 156).

Portanto, é possível dizer que o capital financeiro no Brasil teria se desenvolvido de maneira endógena, ainda que atrelado a interesses estrangeiros, no contexto do capitalismo tardio e sua lógica de aprofundamento da integração global. Efetivamente,

[...] o avanço em direção às economias dependentes se deu por meio da incorporação das grandes burguesias destes países ao projeto neoliberal e pela imposição, por parte dos organismos multilaterais, de políticas de estabilização econômica que conduzissem às alterações necessárias. Estas políticas vieram sempre acompanhadas da intensificação dos fluxos financeiros em direção aos países dependentes e funcionaram como uma estratégia fundamental de apropriação do mais-valor extraído

(Brettas, 2020, p. 159).

Para os países do centro hegemônico capitalista, essa seria uma forma de tentar contornar a tendencial queda da taxa de lucro, ao passo que, para os países dependentes, a justificativa dos ganhos seria para um grupo bastante reduzido, ao custo de uma reconfiguração que incluiria o aumento da dívida pública para justificar sucessivos ajustes fiscais, além de uma agenda sempre em curso de reformas (ou “contrarreformas”, se se preferir) e contenção de gastos sociais.

Na contramão do discurso de “menos Estado”, o que teríamos então, como resultado, seria, na verdade, o oposto, pois,

[...] longe de se tornarem mínimos – como muitos procuraram sintetizar –, [os Estados] precisavam ser fortes e robustos o suficiente para conseguirem implementar essas mudanças e sustentá-las, a despeito dos questionamentos que pudessem advir da classe trabalhadora ou de setores da burguesia (em especial a pequena burguesia) atingidos pelas medidas

(Brettas, 2020, p. 160).

Lembremos, por exemplo, do aparato repressivo, instrumento estatal mais evidente de contenção de insatisfações sociais, e de sua ação nos anos de governo do PT. Fica fácil, a partir daí, entender o vertiginoso aumento do número de pessoas encarceradas nos dois mandatos do governo Lula (até alcançar a 3ª posição mundial nesse quesito) e a violenta resposta aos protestos de 2013, durante a realização da Copa das Confederações – estes ainda espontâneos (Machado, 2019) e resultado em grande medida do próprio projeto econômico do governo Lula, responsável por um quadro de piora das condições de vida nas grandes cidades.

Poder-se-ia argumentar que o ex-metalúrgico, apesar disso, foi responsável por políticas sociais importantes, favorecendo também enormemente a classe trabalhadora. Seu governo teria sido, então, uma tentativa de conciliar interesses tanto muito diversos e complexos quanto conflitantes. Todavia, quanto ao primeiro ponto, Paulani comenta, de passagem, que o então programa Fome Zero (depois ampliado e renomeado Bolsa Família), àquela altura principal estratégia de marketing do governo, nem mesmo recebia a devida atenção para uma empreitada que tinha como objetivo a difícil missão de erradicar a fome em território nacional, pois não lhe eram destinados recursos substantivos, estando ele dessa forma muito mais caracterizado com a “feição filantrópica de um programa de caridade que a feição política de uma política de Estado” (Paulani, 2008, p. 43, grifo nosso). Em outras palavras, os maiores esforços do primeiro ano de mandato teriam sido, na verdade, direcionados ao único objetivo de garantir sua “governabilidade”, confirmando que não haveria nenhuma ruptura verdadeiramente significativa com o projeto dos governos anteriores10.

Isso nos ajuda a entender que é também em claro alinhamento com os ditames ditos neoliberais que o fio condutor de suas “políticas de inclusão” foi o mecanismo do endividamento das famílias, por meio de políticas como o microcrédito ou os programas de financiamento do ensino superior. E é isso que nos ajuda a entender como outra das marcas dos seus oito anos de governo, a bancarização, que, embora apresentada tanto por Lula quanto pelo BACEN como mecanismo de inclusão social (Meirelles, 2009), na prática, serviu como fundamento para os seguidos recordes de lucratividade das maiores instituições bancárias do país, culminando com a ampliação dos ganhos de nossos três maiores bancos em mais de quatro vezes na comparação com os anos do governo FHC (Duarte; Alvares, 2011).

Da mesma forma, a também aclamada expansão do ensino superior no governo Lula não difere em nada das orientações de documentos como “La Educación Superior en los Países em Desarrollo: Peligros y promesas”, produzido em parceria pelo Banco Mundial (2000) e a UNESCO, texto que deliberadamente associa “expansão” a “democratização”, ao mesmo tempo que defende uma “nova visão” de ensino superior, com a integração entre atores públicos e privados, compondo um grupamento diferenciado com instituições voltadas para diferentes fins. Nesse arranjo estariam um participante do sistema público, um privado e um terceiro híbrido, os três norteados por uma gestão que haveria de ser marcada por “pouco ou nenhum financiamento público e que ocorra uma maior adequação deste nível de ensino ao mercado, pela diferenciação entre as instituições: i) horizontal (financiamento público e/ou privado) e ii) vertical (distintos tipos de instituições)” (Coelho; Michelotto; Zainko, 2006, p. 187, grifo nosso). É desnecessário dizer que, enquanto a meta da adequação do ensino público ao mercado foi bem-sucedida, por outro lado, não fosse o financiamento público, não teríamos observado a proliferação de pequenas e médias universidades privadas ao longo da primeira década dos anos 2000 – boa parte delas ironicamente propagadoras do próprio discurso pró-mercado e antiestatal que foi componente importante do antipetismo em anos subsequentes.

Ainda sobre a questão do avanço dos interesses privados sobre a educação superior no Brasil, também cabe menção ao estudo de Evangelista e Seki (2016), que investiga as intenções dos industriais nacionais – representados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), Serviço Social da Indústria (SESI), Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) – face ao projeto de reestruturação do ensino público. Segundo eles, houve uma mudança de rumo a partir de 2005 que teve como consequência “uma concepção antiuniversitária e [n]a descaracte-rização do sentido amplo e público da formação universitária no país” (Evangelista; Seki, 2016, p. 67), marcada pelo direcionamento do ensino público nas IES “em direção ao ensino flexível e certificação em massa de ‘competências’”. Nas palavras dos autores,

[...] o que os empresários industriais propunham não era outra coisa, senão o absoluto empresariamento das universidades públicas, tanto pela incorporação dos paradigmas de gestão e avaliação de resultados próprios das empresas privadas, como pela venda direta de resultados de pesquisas aplicadas. No segundo aspecto, percebe-se a importância atribuída à privatização do conhecimento por meio de patentes no campo da inovação ou mesmo à prestação de serviços de consultoria e permeabilidade entre os quadros funcionais de universidades públicas com as empresas

(Evangelista; Seki, 2016, p. 69).

Obviamente não se negam aqui os eventuais efeitos positivos daí resultantes, como o fato de que, em fins do primeiro governo Dilma, o número de bolsas de mestrado e doutorado havia mais do que triplicado desde o início do governo Lula (Santos, 2014), em contraposição aos expressivos ataques ao ensino realizados nos anos FHC. Isso sem esquecer da política de cotas, política social verdadeiramente significativa e com impactos não negligenciáveis. Todavia, o que se quer salientar aqui é tanto o lado inviável (e, não raras as vezes, perverso) de algumas dessas políticas quanto o fato de que, seguindo o caráter do Bolsa Família, não houve esforços para dar a essas ações um caráter permanente de políticas públicas, ficando elas convenientemente associadas ao governo do PT.

Sobre o governo Dilma, para não nos alongarmos muito mais, bastaria lembrar Belo Monte, símbolo máximo do PAC, a principal política de desenvolvimento da presidenta (embora também herdada do governo Lula). A obra, além de condenada desde sua concepção, ainda se mostraria em assombrosa continuidade com a concepção desenvolvimentismo do período militar, como corretamente denuncia por Brum (2019) em seu Brasil, construtor de ruínas. Desnecessário dizer que, ainda que servindo apenas a alguns poucos e poderosos grupos econômicos, o grande monstro não seria suficiente para salvá-la do descontentamento de alguns desses mesmos beneficiados, o que acabaria por levar ao golpe parlamentar que a tirou do governo na segunda metade de 2016.

Sobre o governo Temer, seu vice e sucessor, e posteriormente a eleição de Bolsonaro não teríamos, nos limites desse pequeno texto, condições de explorar seus detalhes. Contudo, parece-nos suficiente assinalar que, muito mais do que um “retrocesso”, eles foram, em linhas gerais, apenas uma nova opção dos mesmos interesses que apoiaram Lula e Dilma nos anos de governo do PT – que, por sua vez, em aspectos decisivos, como a condução da política macroeconômica, foram em grande medida uma extensão do governo FHC.

Por fim, não poderíamos deixar de comentar, ainda que brevemente e também em referência ao ensaio de Chico, a discussão corrente acerca de uma possível quarta etapa da Revolução Tecnológica em andamento. Esta apareceu em perspectiva pela primeira vez em 2016, quando o fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, afirmou já estarmos nos inícios de uma nova etapa do desenvolvimento tecnológico. Em linhas gerais, esta seria caracterizada pela integração de tecnologias, agregando os domínios físico, digital e biológico, o que, segundo Pereira (2019), seria o ponto-chave para entender esse novo momento, posto que: “[...] em nenhuma das outras revoluções, houve a possibilidade de integração tão profunda entre as novas tecnologias e os mais diferentes domínios. Suas tecnologias serviam e eram voltadas, na maioria das vezes, para a produção de bens e/ou serviços” (Pereira, 2019, p. 24).

De fato, inovações como o Blockchain, a impressão 3D, a Inteligência Artificial, biotecnologias, entre outras, são entendidas por muitos pesquisadores como simples desdobramentos da Terceira Revolução Tecnológica. Todavia, um dos pontos que podem ser considerados como de ruptura entre essa etapa e as anteriores seria o das implicações éticas, no geral bastante abrangentes e de difícil mensuração. Assim, desde a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), caracterizada, em termos gerais, por dispositivos capazes de captar e organizar informações sobre o mundo ou sobre indivíduos, podendo essas informações ser posteriormente utilizadas com algum propósito, até os novos materiais modernamente descobertos ou desenvolvidos – alguns dos quais utilizados como tecnologia militar –, demarcando uma fronteira praticamente intransponível entre os setores de defesa dos países dominantes em relação aos países pobres, todas as grandes inovações da Quarta Revolução Tecnológica, além do incrível nível tecnológico que apresentam em primeiro plano, também parecem trazer no seu bojo questões implícitas que ultrapassam a mera consideração técnica. Sendo assim, como todas as fases anteriores do desenvolvimento tecnológico, não é uma questão menor a das possíveis implicações dessas tecnologias no mundo do trabalho. Basta lembrar que,

Uma alteração nos meios de trabalho, aliado [sic] a uma conjuntura específica da Primeira Revolução Industrial propiciou que uma sociedade essencialmente agrária do período feudal se aglomerasse nos centros urbanos para trabalhar na indústria nascente. O aumento no tamanho das empresas na Segunda Revolução Industrial possibilitou novas formas de estrutura organizacional, materializados [sic] nos conceitos de Administração Científica. O início da automação na produção da Terceira Revolução Industrial transferiu os trabalhadores da indústria (setor secundário) para o setor de bens e serviços (setor terciário)

(Pereira, 2019, p. 32).

E se o incrível aumento de produtividade característico da etapa anterior da Revolução Tecnológica (materializado na reestruturação produtiva da segunda metade do século passado, com a nova divisão do trabalho correspondente) já tem como marca o fato de que o aumento da produtividade caminha passo a passo com o aumento do desemprego e de ocupações precarizadas – fato bem percebido por Oliveira, como vimos –, a quarta etapa assinala como possibilidade também a precarização de setores que antes pareciam intocáveis. Segundo Schwab (apudPereira, 2019, p. 34),

[...] a IA já está avançando em profissões baseadas no conhecimento, como o direito, a medicina, a contabilidade e o jornalismo. Mesmo que ela não substitua completamente advogados ou médicos, os aplicativos de IA que podem sintetizar e analisar estudos de caso e diagnósticos de imagens vão mudar essas profissões.

Pode-se argumentar que atividades tipicamente humanas, ou seja, que envolvem, por exemplo, a criatividade e o conhecimento, nunca poderiam ser reproduzidas com a mesma feição por máquinas e robôs, mas não se pode negar, por outro lado, que esse avanço no sentido de uma maior integração segue como tendência irrefreável, nos marcos do desenvolvimento capitalista. Também sabemos, pela concretude da experiência histórica, o que significa o avanço da automação em um mundo dominado pela lógica do valor, em que as pessoas aparecem como meros suportes de uma relação que em verdade se dá entre coisas, isto é, mercadorias, para recuperar uma conhecida imagem apresentada por Marx.

Para o nosso ornitorrinco, as perspectivas não seriam, portanto, muito animadoras. Incapaz de acompanhar a “natureza” a seu redor e a evolução vertiginosa dos mecanismos de “seleção natural” desta, que alternativas ele tem? Em outras palavras, nos marcos do desenvolvimento e da lógica capitalista, a que o Brasil pode aspirar? A ideia de “retomada do rumo do crescimento” nesses termos e, em especial, com respeito ao desenvolvimento tecnológico verdadeiramente competitivo, parece cada vez mais um pueril autoengano que serve apenas para reforço da lógica que o condena a ser um “impasse evolutivo”.

Considerações Finais

O que esperar para os próximos anos? Além de termos assistido recentemente – em especial, desde o golpe parlamentar de 2016 – ao desmonte avassalador do que havia de minimamente “social” no Estado brasileiro bem como dos pequenos avanços conquistados, enfrentamos, a partir de 2020, também os efeitos devastadores de uma pandemia que ceifou em território nacional um número estimado de cerca de 700 mil vidas humanas. Em meio a tudo isso, assistimos sem grandes surpresas (mas com grandes expectativas por parte de alguns) ao ressurgimento de Lula como candidato na disputa do cargo de máxima autoridade do Executivo nacional, 20 anos depois de sua primeira vitória eleitoral e depois de um episódio bastante controverso de clara perseguição política que o tirou da disputa de 2018, abrindo caminho para a eleição de Jair Bolsonaro.

Ao longo da campanha, vimos Lula consolidar as previsões iniciais de ser o único capaz de derrotar o então presidente (Lula [...], 2021), o que, em parte, teve a ver com certo discurso nostálgico construído em torno de alguns dos resultados de seu período como presidente. Nesse percurso, banqueiros e “investidores” aderiram à sua campanha (Esperandio, 2021), que, consolidada como uma “frente ampla” contra Bolsonaro, teve ainda em seu início o apoio declarado de Fernando Henrique (Sharlon, 2021), além da escolha de Geraldo Alckmin como vice, alianças que chegam a ser quase uma grande ironia.

Lula venceu as eleições, apesar de todos os esforços de grupos opositores para que isso não fosse possível, no dia das eleições e depois, como bem sabemos. Indiferente à disputa institucional, no entanto, nosso ornitorrinco segue seu impasse evolutivo: o desemprego herdado por Lula em seu terceiro mandato alcançou formalmente algo em torno de 14,8 milhões de pessoas, de acordo com informe do DIEESE de 31 de maio de 2021, a dívida pública supera os R$ 5 trilhões (Máximo, 2021); a isto somam-se ainda todos os escândalos envolvendo recursos públicos durante o governo anterior, pouco a pouco divulgados.

Para ficar apenas em um – este não posto em sigilo –, recordemos que durante a pandemia, como mostrou Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, em um artigo de 2021 (Fattorelli, 2021), já no primeiro dia útil após o reconhecimento formal do estado de calamidade decorrente da pandemia, o BACEN autorizava um pacote de “auxílio” aos bancos no montante de R$ 1,2 trilhão. Isso somado à aprovação da PEC 10 (Emenda Constitucional 106), que, segundo Fattorelli (2021), escancarava “o funcionamento do Sistema da Dívida e o processo de financeirização” atual, em especial no seu Art. 7º, já que o referido dispositivo “autoriza o Banco Central atuar no desregulado mercado de balcão, como um agente independente, adquirindo papéis podres (debêntures e outros derivativos), assumindo riscos e prejuízos dos bancos sem limite e sem exigir contrapartida alguma ao país”. Fattorelli conclui que, dessa forma, o BACEN ficara claramente livre para operar como comprador de ativos privados de qualquer natureza (por exemplo, papéis “podres”) em troca de títulos da dívida pública, resultando em negociações “que poderão alcançar vários trilhões de reais”. Esse era apenas o começo de uma ofensiva tenebrosa de Bolsonaro que iria confundir os interesses de seus grupos de apoio com seus próprios interesses particulares – o que, em alguma medida, repercutiu na sua derrota. Mas isso é assunto para outra discussão...

Já sobre o ornitorrinco, voltemos à pergunta: há para ele evolução possível dentro desse cenário? A resposta positiva para essa indagação parece um bocado distante, o que, por outro lado, não precisa significar de modo algum uma postura derrotista ou conformista. Ao contrário, acreditamos que o “pessimismo realista” que Chico nos deixa como grande lição deve servir ao propósito de novamente sonhar com outro mundo. Nesse sentido, desnaturalizar a concepção que condena esse território e sua gente à simples condição de um “ornitorrinco” não seria mais que o primeiro passo.

Referências

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Notas

2 Em sua carta de desfiliação do PT, lançada três dias após a aprovação da reforma da Previdência de Lula, em fins do seu primeiro ano de mandato, Oliveira assim explica a razão de seu afastamento: “Afasto-me porque não votei nas últimas eleições presidencial e proporcional no Partido dos Trabalhadores, reiterando um voto que se confirma desde 1982, para vê-lo governando com um programa que não foi apresentado aos eleitores. Nem o presidente nem muitos dos que estão nos ministérios nem outros que se elegeram para a Câmara dos Deputados e para o Senado da República pediram meu voto para conduzir uma política econômica desastrosa, uma reforma da Previdência antitrabalhador e pró-sistema financeiro, uma reforma tributária mofina e oligarquizada, uma campanha de descrédito e desmoralização do funcionalismo público, uma inversão de valores republicanos em benefício do ideal liberal do êxito a qualquer preço – o ‘triunfo da razão cínica’, no dizer de César Benjamin –, uma política de alianças descaracterizadora, uma ‘caça às bruxas’ anacrônica e ressuscitadora das piores práticas stalinistas, um conjunto de políticas que fingem ser sociais quando são apenas funcionalização da pobreza – enfim, para não me alongar mais, um governo que é o terceiro mandato de FHC” (Oliveira apudMendes, 2015, p. 239-240).
3 Oliveira fala, aqui, em uma terceira etapa da Revolução Industrial. Em discordância, seguimos Marx, para quem a Revolução Industrial é a passagem da produção capitalista organizada na manufatura moderna para a grande indústria. Trata-se, portanto, de uma e única revolução. Nesse sentido, ele refere os desdobramentos dessa transformação radical como revoluções tecnológicas.
4 Em referência à teoria marxista do valor, de onde se tem o entendimento do capital como uma relação social criada a partir da lógica do valor que se autovaloriza. “Relações de trabalho aquém do valor” seriam, então, aquelas em que a lógica do valor (que se autovaloriza) ainda não está presente ou consolidada.
5 Aqui substituímos o uso feito pelo autor do termo “mais-valia” por “mais-valor”. Seguimos, nesse sentido, as traduções mais recentes, que apresentam “Mehrwert” em sua simplicidade e objetividade explicativas, tal como Marx, assim nos parece, pensara o termo. Com efeito, dado o fato de essa categoria ser usada simplesmente em referência ao trabalho não pago apropriado pelo capitalista, o uso do termo “mais-valia” acaba por gerar confusões (desnecessárias, diríamos) naqueles que tenham apenas seus primeiros contatos com os textos de Marx.
6 Não poderíamos também deixar de respeitosamente criticar em Chico o equívoco quanto à afirmação de que o capitalista adianta salários. De fato, no processo produtivo, é o trabalhador que, a rigor, adianta a mercadoria força de trabalho, recebendo por ela após seu uso, pelo capitalista, em algum prazo determinado (15, 30 dias, etc.). Vale dizer que esse erro, no entanto, não invalida o ponto-chave de sua análise, que aparece na citação que vem em seguida.
7 De fato, são essas as bandeiras dos partidos que se autointitulam “progressistas”. E não é exagero afirmar que a esquerda institucional (partidos, especialmente) reduziu seu leque de reivindicações à noção de que é possível tornar o capitalismo mais “humanizado”.
8 Esperança que, como bem sabemos, segue firme até nossos dias, tendo sido uma das bandeiras de Lula na campanha de 2022.
9 E também disruptivo, vale assinalar, complementando Oliveira.
10 Vale também mencionar A desertificação neoliberal no Brasil (Collor, FHC e Lula), obra de Antunes (2005), em que o sociólogo compila matérias de opinião por ele assinadas ao longo dos anos dos governos mencionados. O que se tem como resultado é uma interessante crônica de desilusões e críticas do autor com a “espantosa” continuidade desses governos aparentemente tão díspares.

Autor notes

* Fabiano José Araújo dos Santos. Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (2013). Doutorando em Economia junto ao Programa de Doutorado Inter-institucional Universidade Federal Fluminense e Universidade Regional do Cariri. E-mail: fabiano.santos@urca.br.
Editor(a) de Seção: Raquel Kritsch, https://orcid.org/0000-0002-5810-0704
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