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Oito Anos da Lei do Feminicídio (13.104/15) e Muitos Desafios
Rossana Maria Marinho Albuquerque
Rossana Maria Marinho Albuquerque
Oito Anos da Lei do Feminicídio (13.104/15) e Muitos Desafios
Eight Years of the Feminicide Act (13.104/15) and Many Challenges
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 29, no. 1, e49160, 2024
Universidade Estadual de Londrina
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Resumo: O artigo apresenta uma discussão sobre a Lei do Feminicídio (13.104/15) no Brasil, a propósito dos oito de sua criação, a partir de uma análise que considera a) a relevância da inserção deste instrumento jurídico no Código Penal brasileiro; b) o contexto de retrocessos políticos e sociais vivenciados no Brasil brasileiro e suas implicações para o enfrentamento da violência de gênero; c) os enquadramentos e limitações configurados atualmente na legislação do feminicídio. A partir de uma discussão teórico-bibliográfica e da análise empírica de situações de violências de gênero vivenciadas por mulheres brasileiras (de ameaça a feminicídio), o texto reflete sobre os desafios existentes para que a lei cumpra seu propósito, especialmente em casos situados para além da violência letal ocorrida em contexto doméstico e familiar e, sobretudo, para que os mecanismos de proteção das vidas das mulheres possam potencializar a redução da letalidade feminicida no país.

Palavras-chave: Feminicídio, Lei 13.104/15, violência de gênero.

Abstract: The article is a discussion of the Feminicide Act (13.104/12) in Brazil, at the occasion of its eighth anniversary, though an analysis that considers a) the relevance of the insertion of this legal instrument in the Brazilian Criminal Code; b) the context of political and social setback experienced in Brazil and its implications to facing gender violence; c) the framings and limitations presently existing in the legislation on feminicide. Based on a theoretical-bibliographical discussion and empirical analysis of gender violence situations experienced by Brazilian women (from threats to feminicide), the article reflects upon the existing challenges for the law to fulfill its purpose, especially in cases that go beyond lethal violence occurred in the domestic and family environment and, above all, for the mechanisms of protection of women’s lives to promote the reduction of the feminicide lethality in the country.

Keywords: Feminicide, Act 13.104/15, gender violence.

Carátula del artículo

DOSSIÊ – Mulheres e Política, e Políticas para Mulheres no Século XXI

Oito Anos da Lei do Feminicídio (13.104/15) e Muitos Desafios

Eight Years of the Feminicide Act (13.104/15) and Many Challenges

Rossana Maria Marinho Albuquerque*
Universidade Federal do Piauí, Brasil
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 29, no. 1, e49160, 2024
Universidade Estadual de Londrina

Received: 17 October 2023

Accepted: 08 February 2024

Published: 05 April 2024

Introdução

Em março de 2023, a Lei do Feminicídio (13.104/15) completou oito anos de sancionada (Brasil, 2015). No decurso de quase uma década, o termo passou a ser amplamente conhecido, bem como a produção de números que mensuram esta realidade, de modo que o país passou a visualizar as estatísticas do feminicídio e acompanhar, a cada ano, a variação nos percentuais destas mortes motivadas pela violência de gênero.

Embora tenhamos nos acostumado com a existência deste instrumento jurídico, é importante lembrar que, na época de sua criação, muito se questionou sobre a inserção da qualificadora no Código Penal, chegando-se a argumentar que a tipificação do crime de homicídio era suficiente para abarcar esta modalidade (Machado; Elias, 2018). Desde 2015, no entanto, a coleta de dados produzida nos estados ainda se realiza de forma muito desigual, dificultando que possamos examinar com mais acuidade a realidade do feminicídio no contexto brasileiro, de maneira complexa e considerando as especificidades dos diferentes cenários regionais. Com os dados disponíveis em âmbito nacional, a exemplo dos publicados pelos Anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2023), tem sido possível identificar o recorte racial majoritário das vítimas, faixa etária, local de ocorrência dos crimes, tipos de instrumentos utilizados e tipo de vínculo entre autor do assassinato e vítima.

Muitos esforços institucionais foram demandados a partir da Lei do Feminicídio (Wiecko, 2017), porque a sua inserção no Código Penal produzia uma mudança na realidade de um país que tem a violência de gênero como um elemento histórico e estrutural, trazendo para o debate público a questão das relações de gênero como central no enfrentamento destas mortes. Identificar a perspectiva de gênero nas mortes foi uma das primeiras consequências da criação da lei, compreendendo desde a fase de investigação dos assassinatos até os julgamentos dos casos. Muitas têm sido as mudanças produzidas a partir da criação da lei, considerando que somos um país em que até recentemente os assassinatos de mulheres se justificavam como “crimes em nome da honra” masculina e que apenas no ano de 2023 o Supremo Tribunal Federal (STF) impediu que este tipo de alegação fosse utilizado pelas defesas dos réus acusados pelos assassinatos, aprovando por unanimidade a resolução de que este argumento contraria princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção à vida e da igualdade de gênero (Brasil, 2023)2.

À medida que os dados sobre os feminicídios foram produzidos nos últimos anos, temos podido visualizar um certo retrato empírico do fenômeno, considerando as informações disponibilizadas publicamente, e, com o acúmulo de reflexões neste período, se faz necessário provocar novos questionamentos, incorporando aspectos que sequer estão visíveis nas estatísticas até então disponíveis nacionalmente.

O intuito deste texto é desenvolver uma reflexão sobre os desafios que se colocam para que a Lei do Feminicídio se articule a um conjunto mais amplo de mecanismos de proteção das vidas das mulheres e para que os enquadramentos existentes na legislação não ocultem, universalizem e deixem de fora situações que podem ser configuradas como feminicídios, que atualmente sequer estão contabilizadas nas estatísticas oficiais. Parte-se do pressuposto de que a Lei do Feminicídio não será responsável pela redução dos assassinatos das mulheres, mas sua existência, aliada a um conjunto mais amplo de iniciativas de prevenção e enfrentamento das violências de gênero, fortalece a proteção das vidas das mulheres e o direito a uma vida digna.

Para abordar o recorte proposto, o texto compreende uma discussão teórico-bibliográfica e análise de situações empíricas, de modo a contemplar os seguintes tópicos: a) situar o contexto brasileiro de retrocessos políticos e sociais, que fragilizou o enfrentamento das violências de gênero nos últimos anos; b) desenvolver uma discussão crítica sobre a redação adotada na Lei 13.104/15 e os enquadramentos que acabam por presumir uma dada condição feminina, além de enfocar, majoritariamente, os casos de feminicídio que envolvem violência doméstica e familiar; c) a partir da exposição de quatro casos de violências de gênero vivenciadas recentemente por mulheres brasileiras, discutir os desafios que se apresentam para um enfrentamento das violências contra as mulheres, que podem ocorrer em espaços para além dos ambiente doméstico (trabalho, lazer, lugares públicos, escolas, universidades, entre outros). Passada quase uma década da inserção da qualificadora no Código Penal, é importante a produção de análises críticas sobre este instrumento jurídico e os desafios que se apresentam para além da própria legislação.

Situando a Lei 13.104/15 no Contexto de Retrocessos Políticos e Sociais

O intuito desta seção é refletir sobre o cenário político e social brasileiro no qual se criou a Lei do Feminicídio e suas implicações para o enfrentamento das violências de gênero, o que inclui também pensar sobre as estatísticas de feminicídio no país. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 17 (FBSP, 2023) informam que o país registrou 1.437 feminicídios em 2022, aumentando 6,1% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 1.347 casos. As tentativas de feminicídio também sofreram acréscimo de 16,9%, quando comparados os registros de 2.563 no ano de 2022 e 2.181 em 2021. O Anuário identifica que todos os indicadores de violência doméstica cresceram no ano de 2022. O Brasil tem registrado uma curva crescente dos casos, contabilizando 449 em 2015 e chegando a 1.437 em 20223. Para refletir sobre a realidade desses números, é importante observar os cenários de disputas políticas, econômicas, culturais e jurídicas vivenciadas nos últimos anos, muitas delas em torno das questões de gênero e das garantias de direitos aos grupos minoritários.

O feminicídio é a ponta final das expressões da violência de gênero (Pasinato, 2011), e olhar para esta realidade, evidenciada pelas estatísticas, remete-nos a pensar sobre as fragilidades dos mecanismos de proteção das vidas e enfrentamento das violências, inclusive as que se revelam como projetos de poder e sociedade que têm nas práticas violentas um componente estrutural. Assim, retomamos alguns elementos situados no ano da criação da lei e discutimos os cenários de disputas e divergências em torno dos projetos de sociedade, que se constituíram como um período de retrocessos em vários âmbitos.

É importante destacar que, para além do contexto de disputas vivenciado nos últimos anos, considera-se aqui que o campo político é permeado por constantes embates de interesses, de modo que toda afirmação de direitos e garantias jurídicas é resultante de lutas políticas e enfrentamentos, que não cessam uma vez que sejam formalizadas essas conquistas, não se constituindo como garantias fixas, por mais consolidadas que estejam nos ordenamentos jurídicos. Resguardadas as diferenças de cenários políticos e econômicos, favoráveis ou não às conquistas sociais, em uma sociedade estruturada por desigualdades e opressões, cada conquista expressa o atendimento dos interesses dos grupos minoritários, que podem ser ameaçados a qualquer momento. Neste sentido, observar as conquistas que as mulheres tiveram neste início do século XXI significa atentar para as lutas que pautaram tais interesses e, ao mesmo tempo, para o fato de que estas conquistas incomodam os setores contrários às transformações sociais inclusivas.

Desde a criação da Lei Maria da Penha/LMP (11.340/06) (Brasil, 2006), o debate público em torno das questões de gênero e da violência doméstica ganhava força, bem como os mecanismos de elaboração de políticas para mulheres em âmbito nacional. No contexto latino-americano, ampliaram-se os debates sobre a necessidade de tipificar os crimes de femicídio/feminicídio, segundo as diferentes realidades vivenciadas nos países4. O Protocolo Latino-Americano de Investigação das Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero (ONU Mulheres, 2014) se constituiu como um documento importante para nortear a discussão, ao se constatar que, em nível mundial, os assassinatos de mulheres eram uma realidade constante, motivados pelas relações de poder generificadas, em articulação com os demais aspectos dos cenários sociais, dentre eles as desigualdades de classe, raça, etnia, questões territoriais, colonizações, guerras e conflitos de grupos armados. Amparando-se no modelo latino-americano, um protocolo para a investigação das mortes com base no gênero foi publicado no Brasil, em 2014, no qual estavam sinalizados aspectos importantes do enfrentamento da violência no país, desde os parâmetros para investigação dos casos com perspectiva de gênero até recomendações para todos os poderes públicos, endossando a responsabilidade pública do Estado para com as violências e mortes das mulheres. Em 2012, o Congresso Nacional instaurou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), a “CPMI da Violência Doméstica”, que teve como objetivo investigar a situação da violência contra a mulher e apurar denúncias de omissão por parte do poder público (Campos, 2015a; Machado; Elias, 2018). O relatório final da comissão, publicado em 2013, reúne informações sobre os estados brasileiros e recomendações para o fortalecimento de ações referentes ao enfrentamento da violência contra as mulheres. Em virtude de uma forte articulação com as previsões jurídicas da LMP, os trabalhos da CPMI enfatizaram o âmbito da violência doméstica e familiar e, de certa forma, a redação final da Lei do Feminicídio expressou essa pauta que norteou o trabalho da comissão.

Se, por um lado, havia um cenário de debate público, afirmação de direitos e iniciativas institucionais de enfrentamento das violências, por outro, o Brasil vivia, desde o ano de 2013 – com as chamadas Manifestações de Junho –, um crescimento da presença de grupos conservadores na atuação política, acirrando tensões em torno de diversas pautas. Em síntese, tratava-se de um projeto de destruição de conquistas políticas, jurídicas e econômicas, ao lado de emblemas conservadores em defesa do modelo de família cisheteropatriarcal, da recusa de que grupos historicamente mais afetados pelas desigualdades sociais tivessem acesso a direitos, da exaltação de discursos e práticas misóginas, racistas e autoritárias (Menicucci, 2018). O marco do êxito deste projeto conservador culminou no conjunto de fatos que produziram o Golpe de 2016, articulado por uma aliança retrógrada que depôs a presidenta Dilma Rousseff, condenada sem provas, em uma votação pelo seu impeachment caracterizada majoritariamente pela presença de homens brancos, de partidos de direita e extrema-direita, que justificavam seus votos em nome da pátria, da família tradicional e dos valores cristãos, sinalizando para o cenário de desmontes e retrocessos que o país viveria a partir de então.

O Golpe de 2016 foi fortemente marcado pelo seu caráter misógino, a princípio direcionado à presidenta Dilma, mas também ampliado para todas as mulheres, especialmente aquelas que não se encaixassem nos ideais conservadores deste projeto que era a expressão de uma sociedade fundada em um processo de colonização, uma formação social racista, patriarcal, heteronormativa, predatória na extração de recursos naturais e escravocrata.

Retomar esses aspectos é fundamental, pois um instrumento jurídico importante foi sancionado em 2015, justamente quando o contexto acenava para o enfraquecimento das políticas de proteção das vidas das mulheres. A partir de 2018, o projeto político autoritário e conservador se tornou hegemônico, com a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais, que promoveu o maior desmonte da máquina pública nos últimos anos e (des)governou o país apelando para o terror. Sua candidatura sinalizava para um conjunto de ataques a grupos sociais e instituições, promovidos ao longo dos quatro anos de um governo declaradamente misógino, homofóbico, violento, que ampliou desmedidamente o acesso a armas de fogo, responsáveis pelo aumento da letalidade no país. Sua “agenda” de política para mulheres estava incorporada na criação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, tendo como ministra Damares Alves, com atuação marcada pelos ataques às pautas de direitos humanos e pelos discursos essencialistas de gênero. A criação do ministério sinalizava para o descompromisso com uma pauta de direitos dos segmentos minoritários e desmonte de iniciativas importantes no campo dos direitos das mulheres. Some-se a isso o período da pandemia da COVID-19, que tornou a situação do país mais crítica diante da necropolítica (Mbembe, 2018) que se expressou na morte de milhares de pessoas, além do agravamento de outros problemas sociais, a exemplo da violência doméstica e dos feminicídios, uma vez que as omissões do governo em várias pautas eram evidentes (Mendes, 2021).

Na agenda do retrocesso, as questões de gênero certamente estão entre as mais caras. Uma perseguição sistemática foi produzida nos ambientes políticos, jurídicos, educacionais, científicos, na tentativa de interditar os debates sobre as questões de gênero, sexualidade e diversidade, distorcendo e simplificando temas complexos, sob a pecha da “ideologia de gênero” (Biroli, 2018). Não há como dissociar a realidade dos números da violência contra as mulheres de um contexto que fortaleceu, de vários modos, a lógica machista e desmontou políticas de promoção de direitos que vinham se constituindo mediante muitos esforços políticos e institucionais no Brasil. Uma vez que a própria questão de gênero se tornou alvo de ataques, que as mulheres eram cotidianamente hostilizadas pelo presidente, como esperar que os números da violência traduzissem uma realidade mais otimista?

A forma como a questão de gênero foi mobilizada pelos grupos conservadores para atacar direitos, debates e segmentos sociais pode ser articulada para pensarmos em como a violência se constitui como um componente estrutural da sociedade brasileira – regulando corpos, reforçando práticas, punindo comportamentos e resistências – e como há uma reiteração atualizada das práticas violentas contra determinados alvos. Embora as práticas de violência tenham suas lógicas próprias, enquanto práticas generificadas participam do ordenamento da vida social; portanto, não são uma questão apartada das demais relações sociais. Como afirma Connell (2009), o gênero se constitui como um traço profundo das relações sociais e não simplesmente um adendo.

Um país como o Brasil, marcado pelas constantes violências contra as mulheres, população negra, indígena, LGBTQIA+, possui tais características como parte de um processo histórico que hierarquizou as pessoas e adotou a violência como mecanismo sistemático de exercício de poder e manutenção da ordem social. Na agenda contemporânea da afirmação de direitos humanos, manifestam-se como conflitos atuais, muitas vezes associados a uma ideia de cidadania individual. Porém, a partir de uma lupa decolonial (Lugones, 2014), vêm à tona as circunstâncias que configuram historicamente uma dada sociedade e ecoam como feridas reiteradas que, quando sequer estão visíveis, provavelmente não serão enfrentadas com a complexidade exigida.

Para tratar teoricamente dessa realidade que articula um passado colonial permeado de explorações e opressões com um tempo presente que reitera de forma atualizada tais processos, constrói-se aqui um diálogo entre as perspectivas feminista, decolonial e interseccional, de modo a compreender as imbricações existentes entre as questões de gênero que nos conectam ao tema da violência e as demais dimensões da vida social que dizem respeito à raça, à classe, à orientação sexual, ao território, à região (Lugones, 2014; Segato, 2021; Vergès, 2021). Com os dados que mensuram a letalidade que atinge a população negra no Brasil, é possível perceber um extermínio sistemático, produzido por uma sociedade estruturalmente racista. Se tratamos “mulheres”, “feminicídios”, como termos universais, perdemos de vista justamente as particularidades existentes na sociedade brasileira (Pasinato, 2011) que fazem de nós um lugar onde viver a experiência de ser uma mulher negra é estar mais sujeita à letalidade.

Ao adotar uma perspectiva feminista interseccional e crítica à colonialidade, explicitamos contradições sociais profundas, compreendendo por que as vulnerabilidades se concentram mais em alguns grupos. Não são apenas aspectos descritivos da realidade social: uma perspectiva interseccional crítica enfatiza o caráter histórico, político e social das categorias, interpretando a configuração da realidade a partir das relações sociais estabelecidas (Collins; Bilge, 2021). Neste sentido, a atuação de grupos políticos conservadores que se colocaram ativamente a favor da retração pública em investimentos sociais, contrários a uma agenda de promoção de direitos humanos, à redução das desigualdades sociais e proteção social do trabalho, conduzia-nos ao ideário do projeto civilizatório colonizador, que se forjou mediante o uso sistemático da violência contra os povos colonizados e racializados. Levando-se em consideração o lugar do gênero e da violência na construção dessa ordem social, torna-se possível compreender como as práticas generificadas circunscrevem as pessoas em determinados espaços, ações, expectativas, e como atuam de maneira ativa na produção da vida social, podendo, inclusive, fomentar violências e letalidade.

Uma vez que possuímos algumas evidências de quais mulheres têm sido alvo da letalidade, em termos de gênero e raça, é necessário formular novas perguntas a respeito do feminicídio. Questionar o que esses números comunicam sobre uma sociedade forjada em uma estrutura colonial, racista e cisheteropatriarcal é um caminho que pode ampliar a noção de proteção social das vidas e visibilizar o que está eclipsado pelas premissas universalizantes sobre quem são as mulheres que sofrem violências (Lugones, 2014).

Articular a colonialidade a uma perspectiva interseccional significa pensar em como esses processos se relacionam historicamente e como a violência feminicida é parte de um conjunto mais amplo de formas de controle dos corpos e mecanismos de eliminação. Daí por que se faz necessário desenvolver operações analíticas que desprendam as categorias de noções fixas, deixando que elas se movimentem interseccionalmente e nos comuniquem sobre as construções de relações em determinados contextos, seja quando produzem privilégio para alguns, seja quando promovem opressões e exclusões para outros.

Quando tratamos das sociedades marcadas por processos coloniais, a história do gênero é permeada por violências, que passam pela construção dos ideais de humano/não humano (Lugones, 2014), pelo controle da reprodução biológica como forma de gerência do devir social, pelo estabelecimento de normas, comportamentos e valores que produzem expectativas atribuídas aos corpos, pelo uso sistemático da violência como forma de controle dos corpos segundo uma lógica cisheteropatriarcal. Uma vez constituídas por hierarquizações estruturais, as sociedades marcadas por processos coloniais articulam gênero e raça, reiterando e atualizando suas formas, mesmo quando os indivíduos passam a ser afirmados pela condição jurídica universal de cidadania (Vergès, 2021; Segato, 2021).

A análise que leva em conta o gênero e as experiências interseccionais situa o fenômeno dos feminicídios no contexto das relações, considerando que a combinação de categorias presentes nas experiências das mulheres é heterogênea, demonstrando em que sentido morrer por ser mulher tem relação com o modo como se vivia essa condição de gênero, que tornou essa vida mais passível de letalidade. Neste sentido, também se faz necessário analisar criticamente a esfera do Estado, permeada de contradições no que diz respeito às afirmações de direitos das mulheres, ao mesmo tempo que regula uma ordem social marcada por desigualdades estruturais em uma lógica capitalista cisheteropatriarcal. Nas palavras de Segato (2021, p. 89-90),

O fato é que o Estado oferece com uma mão o que já roubou com a outra em seu percurso rumo à ordem colonial-moderna da cidadania individual. O Estado provê uma lei que protege as mulheres de uma violência que, de início, não teria sido possível se as instituições tradicionais e os laços comunitários que as protegiam não tivessem sido destruídos. O advento da modernidade introduz o antídoto para o veneno que ela mesma inocula. O Estado moderno das repúblicas latino-americanas é herdeiro direto da administração ultramarina e, portanto, seu objetivo permanente é colonizar e intervir. [...] com uma mão, oferece a versão da modernidade baseada no discurso igualitário crítico, enquanto, com a outra, já introduziu uma versão de modernidade baseada na razão instrumental capitalista liberal e no racismo que sujeita homens não brancos à emasculação.

Uma vez discutido o contexto político e econômico no qual se deu a criação da Lei do Feminicídio, apresentados os pressupostos teóricos que norteiam a análise aqui desenvolvida, passamos a tratar dos problemas referentes ao próprio texto inserido no Código Penal – ele próprio alvo de disputas –, apontando algumas implicações decorrentes dos seus enquadramentos e da invisibilidade produzida pela concepção de gênero e violência implícita na redação adotada na legislação, que oculta uma realidade sequer considerada nas estatísticas oficiais.

“A condição do sexo feminino”: os Enquadramentos da Lei e Seus Limites Discursivos

Machado e Elias (2018) sintetizam as divergências em torno da criação da Lei do Feminicídio no Brasil, que compreendiam desde os debates sobre a necessidade da tipificação jurídica até as disputas em torno dos termos que foram incorporados no texto da legislação. As autoras mencionam a versão que foi proposta no Senado, que tratava o crime nos seguintes termos:

A proposta do Senado versava, inicialmente, sobre a inclusão de um novo parágrafo ao dispositivo, que contemplasse o feminicídio como qualificadora do crime, portanto com pena de reclusão de 12 a 30 anos, sob a seguinte delimitação: §7º Denomina-se feminicídio à forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias: i – relação íntima de afeto ou parentesco, por afinidade ou consanguinidade, entre a vítima e o agressor no presente ou no passado; ii – prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após a morte; iii – mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte [...]

(Machado; Elias, 2018, p. 287).

Após os debates que se seguiram, a redação final passou por mudanças, de modo que o texto incorporado ao Código Penal inseriu a qualificadora do feminicídio nos seguintes termos (Brasil, 2015):

Feminicídio

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

§ 2º - A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Aumento de pena

§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Se a criação da lei criou condições para nomear e julgar os crimes de feminicídio, por outro lado, é importante discutir aspectos problemáticos, que se colocam para além dos entraves do cenário político conservador vivenciado pelo país nos últimos anos. O texto da lei produz enquadramentos, do ponto de vista do gênero, que têm norteado muito da percepção sobre o feminicídio no Brasil e, ao mesmo tempo, eclipsa experiências femininas que não se encaixam em um certo perfil presumido nas situações previstas na lei.

A lei 13.104/15 (Brasil, 2015) passou a nomear uma realidade histórica enraizada nas relações sociais, mas a forma como nomeou o fenômeno reduziu seu potencial crítico, além de direcionar nosso olhar para determinadas formas de feminicídio, especialmente aquelas ocorridas no ambiente doméstico e familiar, aspecto também observado por Perrone (2023). Com o intuito de pontuar alguns dos problemas contidos na redação da lei, são destacados a seguir alguns argumentos:

a) “a condição do sexo feminino”: o termo foi adotado na redação final, resultado de uma pressão da bancada evangélica na Câmara Federal (Campos, 2015b). A adoção do termo “sexo” foi uma derrota política, considerando o cenário tenso em torno das questões de gênero e todas as tentativas conservadoras de eliminar a palavra e os debates sobre o tema. Começar por este aspecto traz à tona a importância da categoria gênero na vida social e nas situações de violência em questão. O “sexo feminino” essencializa a concepção de mulher, presumindo um determinado corpo e operando uma lógica a partir da qual o gênero está contido no corpo/sexo. Deste modo, quando afirmamos que a “mulher morre por ser mulher”, em vez de procurarmos as causas nas relações, nos dirigimos ao seu corpo. Embora se tenha evitado a expressão “gênero” no texto da lei, o termo “sexo” se constitui na prática como uma concepção generificada, embora permeada de essencialismos (Butler, 2010). A adoção do termo “sexo” é também um posicionamento excludente sobre o gênero, pois contém implícita a mulher cisgênero. Ao mesmo tempo que presume uma dada experiência feminina, o termo estabelece uma relação assimétrica, uma vez que a mulher seria assassinada “pela condição do sexo feminino”, supostamente inferiorizada. Como lembra Segato (2021), a lógica binária moderna é essencialmente hierarquizante: cria pares binários no interior dos quais sempre uma parte é vista como inferior e, portanto, sua existência está condicionada à subalternização daquele que o define como outro. A substituição de um termo por outro produz uma mudança de significados: se o feminicídio é motivado pela violência de gênero, sua causa está contida nas relações; se ele ocorre por conta da condição do sexo feminino, eu aprisiono este corpo a uma relação assimétrica, na qual uma das partes parece estar condenada à sujeição – a mulher é situada como vítima, no pior sentido da expressão. O texto da lei, então, essencializou e inferiorizou a mulher, na contramão de debates internacionais que caminhavam no sentido de afirmar os direitos, a autonomia das mulheres e a busca pela equidade de gênero. Além disso, vários têm sido os casos de feminicídios em que as mulheres são assassinadas quando estavam em alguma posição de protagonismo, ou quando decidem romper com relacionamentos violentos, o que demonstra mais uma vez quão problemática é a utilização da expressão “condição do sexo feminino”.

Ao definir as razões da condição do sexo feminino, a lei traz em seu texto dois incisos: “I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Embora o inciso II deixe implícitas situações para além do ambiente doméstico, podendo ser adotado para enquadrar uma série de casos como feminicídios, em seu conjunto a lei é direcionada majoritariamente para as situações de violência doméstica e familiar, como pode ser observado nos fatores que fazem agravar a pena, conforme também discutido por Perrone (2023). O inciso II, neste sentido, apesar de ser amplo em sua previsão, fica à mercê de uma concepção de gênero de quem aplica a lei, o que pode ocorrer desde a fase de investigação até a etapa do julgamento (Perrone, 2023). Considerando a forte presença da cultura patriarcal no contexto brasileiro, pode-se questionar se os termos “condição do sexo feminino”, “menosprezo” e “discriminação à condição de mulher” são suficientes para presumir uma série de situações nas quais as mulheres foram vítimas (ou quase) da letalidade com base nas relações de gênero quando elas estão fora de um enquadramento hegemônico que pressuponha quem é essa mulher e em que local ocorreu o assassinato. Em diálogo com Butler (2010, p. 19), poderíamos questionar quem é o sujeito presumido na Lei do Feminicídio, considerando, nos termos da autora, que “o poder jurídico ‘produz’ inevitavelmente o que alega meramente representar”.

b) violência como uma questão de gênero: para evitar os riscos de essencializar o gênero, é importante enfatizar o caráter social da categoria. Na discussão da violência, esse pressuposto é fundamental, pois quando falamos em mortes em razão do gênero, estamos tratando das relações que produziram os gêneros e suas desigualdades, inclusive as relações de poder generificadas, que são reiteradas nas práticas cotidianas. Em sociedades de herança patriarcal (Saffioti, 2001) como a nossa, o gênero é produzido desigualmente, tendendo a privilegiar as atribuições e experiências masculinas, que vão conferindo ao corpo o significado de que ele tem mais poder que os outros. Ao mesmo tempo, o gênero organiza a vida social, através das diferenças que se produzem na generificação de atividades domésticas, de cuidados, no mundo do trabalho, no âmbito da política, das instituições, da reprodução biológica dos indivíduos. Ademais, o gênero se combina com outras estruturas, fazendo com que os corpos generificados sejam posicionados de diferentes formas, não vivenciando as mesmas situações por pertencerem “ao mesmo gênero”.

Quando observamos as estatísticas de feminicídio, identificamos que há um predomínio de mulheres negras vítimas, e, para compreender tais vulnerabilidades, é necessário analisar seus contextos sociais e históricos que se constituem por gênero, raça e outras categorias. Conceber a violência em articulação com a questão de gênero requer que enfatizemos seu caráter social e histórico, de modo que se compreenda como as relações produzem e reiteram o gênero, de forma tão sistemática que chegam mesmo a convencer que o corpo tem esse poder de definir biologicamente um conjunto de práticas e significados. O gênero é uma categoria social de muita relevância, pois classifica os indivíduos desde que são inseridos na vida social e continua orientando suas práticas ao longo de toda a sua existência (Connell, 2009). Em se tratando de uma forma primária de designar relações de poder, como definiu Scott (1995), o gênero confere significados aos corpos e pode situá-los em desiguais exercícios de poder, a partir dos quais alguém pode ser mais validado e até mesmo se utilizar da força física para impor suas vontades. Para todas essas situações, são as relações que criam e legitimam (ou não) os significados e o modo como os gêneros se expressarão na vida social. Em uma sociedade na qual o gênero se produz mediante práticas violentas (desde as simbólicas até as físicas), as relações sociais são as chaves para compreendermos os roteiros de violências vivenciados pelas mulheres (Saffioti, 2001).

c) os enquadramentos e suas lacunas: o texto da legislação induz a um enquadramento que privilegia as situações que envolvem a violência doméstica e familiar, para além dos essencialismos já comentados. Em parte, a presença de um cenário doméstico se justifica pelo fato de historicamente as residências não serem um lugar seguro para as mulheres, sendo historicamente um locus de domínio patriarcal (Segato, 2016). Por outro lado, as demais situações, descritas como estão no inciso II, contribuem para direcionar a percepção dos feminicídios apenas quando eles apresentam determinadas características. O próprio fato de que a Lei do Feminicídio foi um desdobramento dos trabalhos institucionais que tinham forte relação com a implementação da LMP e da fiscalização das omissões por parte do Estado brasileiro produz um enquadramento que associa violência de gênero a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Deste modo, outros assassinatos de mulheres com marcas da violência de gênero ficam fora deste enquadramento, sendo subnotificados, a exemplo de transfeminicídios, lesbofeminicídios, feminicídios políticos, feminicídios associados a conflitos de facções criminosas, feminicídios praticados em via pública por desconhecidos5.

As lacunas existentes na legislação brasileira podem contribuir para o silenciamento de feminicídios que não se expressam estritamente na redação da lei, tornando algumas vidas mais vulneráveis e impedindo que os casos possam ser classificados ou mesmo julgados como feminicídios. Como bem expressou Butler (2016, p. 21), em “Corpos que ainda importam”, presumimos, ao afirmar que “nos opomos a certos tipos de violências, que todas as pessoas compreendem ‘quem’ são as pessoas afetadas, potencial ou efetivamente, [...] por essas formas de violência”. Porém, afirma a autora (Butler, 2016, p. 22), “conforme analisamos esses documentos, podemos notar várias operações de discurso que não somente estão construindo um argumento sobre o que deve acontecer a uma determinada população, mas estão ativamente definindo essa população”6.

Quantas situações que podem ser configuradas como feminicídios hoje estão ausentes das estatísticas? Como é possível mensurar a gravidade destas ocorrências quando sequer estão contabilizadas e especificadas suas causas? Mesmo se considerarmos as estatísticas produzidas atualmente, os números indicam que há um predomínio de mulheres negras vítimas de feminicídios, o que demonstra a existência de um elemento do racismo estrutural nos assassinatos das mulheres, mas este aspecto não parece nortear a percepção sobre as particularidades do fenômeno no país. Em comparação com a Lei do Feminicídio, a LMP menciona explicitamente as questões de gênero, além de citar classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade, religião e direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Trata-se de um instrumento complexo em sua previsão, mas seu alcance está circunscrito às situações que envolvam a violência doméstica e familiar, então a questão do vínculo entre as partes é fundamental. A Lei do Feminicídio, por sua vez, alcança a ponta final da violência, abrangendo mais situações para além do âmbito doméstico, que podem ser determinadas por outras dinâmicas, relacionadas a uma lógica patriarcal, porém manifestadas em vários espaços. Muitos desses espaços – como trabalho, escolas, universidades, espaços de lazer – não contam com instrumentos que possam coibir as situações de violência de gênero (assédios, discriminações, ameaças, etc.), o que potencializa a ocorrência de suas manifestações, podendo levar à letalidade. Como essas práticas não estão nomeadas em vários espaços de sociabilidade, as violências de gênero existem, mas nem sempre visualizadas enquanto tal, fragilizando a proteção das vidas e ocultando potenciais riscos de mortes. É fundamental enfatizar a perspectiva de gênero na discussão sobre as lacunas existentes na Lei do Feminicídio e ampliar a percepção sobre as expressões das violências de gênero existentes, que se conectam com outras modalidades de opressão, com o intuito de evitar essas mortes.

d) desessencializar o gênero interseccionalmente: com a produção de dados sobre o feminicídio nos últimos anos, temos um determinado retrato desta realidade. No entanto, é importante problematizar como esses dados têm sido produzidos nas bases de dados estaduais, o que é possível visualizar e o quanto deixamos de perceber, quando privilegiamos observar os números sem suas especificidades. Segundo o Anuário da Segurança Pública (FBSP, 2023), nos casos de feminicídios registrados em 2022, em 49,9% foram utilizadas armas brancas como instrumento do crime, 69% ocorreram nas residências das vítimas, 53,6% dos crimes foram cometidos pelos companheiros e 19,4% pelos ex-companheiros, 61,2% das vítimas eram mulheres negras e a faixa etária prevalecente das mulheres assassinadas foi de 18 a 24 anos (16,2%). Ainda de acordo com o relatório, 71,9% das vítimas de feminicídio tinham entre 18 e 44 anos, o que demonstra o risco prolongado de exposição à letalidade na vida das mulheres. Se considerarmos o percentual de vítimas mulheres negras, constatamos que a probabilidade do risco é maior para elas. Interpretando os dados até então disponíveis, temos muitos motivos para desessencializar o gênero e observá-lo interseccionalmente, para compreender as mortes de forma complexa. Embora nem sempre se perceba ou se mencione, os dados majoritários sobre os feminicídios se referem às mulheres cisgênero. Então, o retrato disponível nacionalmente diz respeito ao que está sendo registrado e que configura a realidade das mulheres cisgênero. O próprio Anuário 2023 faz menção à ausência ou precariedade de produção de dados sobre a população LGBTQIA+ no Brasil, e no documento não há a presença de termos como transfeminicídio, mulheres cisgênero, por exemplo. A cisgeneridade é presumida – bem como a heterossexualidade –, mas poderia ser mencionada para explicitar quais mulheres estão sendo consideradas nas estatísticas. Na sessão destinada a tratar da violência contra a população LGBTQIA+, os homicídios são informados englobando todos os indivíduos, não ficando explícito quem dentro desta população heterogênea foi assassinado/a/x.

As lacunas no texto da legislação certamente influenciam a forma como os dados são produzidos, fazendo com que determinadas realidades sequer sejam consideradas, o que aumenta a probabilidade das violações de direitos humanos deste grupo tão vulnerabilizado. Deste modo, desconhecemos situações que incluam mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis que possam ter sido vítimas da violência letal. Em termos do recorte racial, é de se notar também um baixo percentual de mulheres indígenas, embora se tenha constatado um aumento de feminicídios na região Norte do país nos últimos anos. No ano de 2022, segundo os dados do Painel da Violência contra a Mulher disponibilizado pelo FBSP ([2022]), somando todos os estados da região Norte, o recorte racial das vítimas de feminicídio foi de 83% de mulheres negras, 14,2% de brancas e 2,8% de indígenas. Para compreender interseccionalmente a realidade da violência letal feminicida, uma classificação racial produzida adequadamente é fundamental, não somente para possibilitar percentuais mais precisos, mas também para que seja possível um enfrentamento da violência que leve em consideração os contextos de vida das mulheridades. É neste sentido também que chamamos a atenção para o caráter social da categoria gênero. Em si, o gênero já poderia nos conduzir a uma análise das realidades sociais, se observamos como ele se faz presente nas vidas das mulheres e como a violência vai se entrelaçando nas suas trajetórias. No entanto, visibilizar e articular outras categorias possibilita explicitarmos as diferenças e desigualdades que atravessam as vidas das mulheres, tornando algumas vidas mais passíveis de letalidade que outras. Uma perspectiva interseccional é capaz de contribuir significativamente para a elaboração de políticas de enfrentamento das violências contra as mulheres de forma contextualizada, justamente por priorizar as especificidades dos contextos de vida, que não se expressam universalmente para todas, identificando quais situações ou fatores agravam os cenários de violência e/ou letalidade. Deste modo, é possível perceber como o ser mulher vai se produzindo nas relações nas quais ela está inserida e como sua trajetória se entrelaça com a violência.

A Proteção das Vidas das Mulheres para além da Violência Doméstica: Refletindo a partir de Algumas Situações

Nesta seção, a partir de quatro casos selecionados, tem-se o intuito de discutir as situações de violências contra as mulheres para além do ambiente doméstico, que demonstram a necessidade de alargar a concepção da condição feminina quando tratamos de violência de gênero, de modo a impedir ou reduzir a letalidade, considerando que se trata de mortes evitáveis (Meneghel; Portella, 2017). Os casos também demonstram a existência de um gap entre os mecanismos de prevenção e enfrentamento das violências e a lei que trata da punição dos feminicídios. Em outros termos, os instrumentos de prevenção e enfrentamento são balizados principalmente pela LMP, que trata especificamente das violências em âmbito doméstico e familiar, fragilizando mecanismos de proteção em outros espaços ocupados pelas mulheres e potencializando o risco de letalidade. Ademais, a existência do inciso II da Lei do Feminicídio, em sua ampla previsão de discriminação e menosprezo, não é fortalecida por instrumentos de proteção das vidas das mulheres que possam nomear essas violências em diversos espaços, de modo a serem compreendidas como violências de gênero que oferecem riscos variados às mulheres. Incluir situações que variam de ameaças até assassinatos nos permite visualizar que os riscos de letalidade feminicida existem em vários graus e contextos, porém nem sempre percebidos enquanto tais. Os casos aqui reunidos sinalizam alguns dos desafios apontados no texto, demonstrando a necessidade de aprofundar o debate crítico sobre o enfrentamento da violência contra as mulheres no Brasil e, especificamente, sobre a Lei do Feminicídio, em quase uma década de existência.

a) o caso da procuradora-geral: em junho de 2022, a procuradora-geral do município de Registro/SP, Gabriela Samadello, foi agredida fisicamente no ambiente de trabalho por outro procurador, Demétrius Oliveira (Figueiredo, 2023). Além da intensidade das agressões, socos, chutes, o autor das violências ofendeu Gabriela e outras colegas de trabalho. As atitudes agressivas do procurador já vinham se manifestando no ambiente de trabalho, razão pela qual Gabriela chegou a providenciar um processo administrativo, denunciando as atitudes. Tamanha foi a gravidade da violência praticada por Demétrius que ele foi preso e denunciado pelo Ministério Público de São Paulo por tentativa de feminicídio. Um ano depois, o Tribunal de Justiça de São Paulo o considerou inimputável, em razão do laudo que atestou esquizofrenia paranoide no acusado, que teve como pena reclusão para tratamento, por no mínimo três anos.

O caso de Gabriela chama atenção, pois no Brasil não há instrumentos jurídicos que tratem especificamente da violência de gênero no âmbito do trabalho, ficando as situações sujeitas às normas genéricas que regulam as condutas de trabalhadores/as. A lacuna de um instrumento desta natureza deixou Gabriela na iminência de um feminicídio quando estava no ambiente de trabalho. No julgamento do caso, é notável o apagamento das questões de gênero, pois embora seja razoável considerar que situações de doença mental mereçam um tratamento específico, a decisão pela inimputabilidade se dá neutralizando um cenário em que a violência tinha claros sinais de um viés misógino, considerando que as atitudes se intensificaram após a promoção de função da procuradora e que as agressões físicas foram acompanhadas de ofensas com teor misógino, claramente direcionadas a uma profissional mulher, não sendo uma violência praticada indistintamente contra qualquer profissional do setor. O caráter de patologização também reforça a dissociação das agressões de uma cultura patriarcal que violenta as mulheres historicamente, tratada como se fosse uma exceção e problema da ordem individual e subjetiva do agressor (Hendel, 2019).

b) as parlamentares lésbicas ameaçadas: em agosto de 2023, parlamentares lésbicas de diferentes estados brasileiros denunciaram as ameaças recebidas por e-mail (Carvalho, J., 2023), feitas por autores desconhecidos, de cunho lesbofóbico (estupro corretivo, assassinato) e de violência política (ameaças à permanência na atividade política). Os casos revelam a gravidade das situações de violência enfrentadas por estas mulheres, principalmente considerando a baixa representatividade feminina nos espaços de representação política no Brasil. As ameaças também sinalizam para o risco real de formas mais graves de violência. Nestes casos, as mulheres são mais expostas aos riscos de violação de direitos, passando pelo gênero, pela orientação sexual e pela atuação política. As ameaças se constituem como clara manifestação da tentativa de eliminar a presença das mulheres em sua diversidade nos espaços de poder e inibir um aumento da participação, resultando numa “guerra contra as mulheres”, nos termos de Segato (2016). São ameaçadas justamente pelo seu protagonismo e visibilidade. Esta é uma típica situação que também passa pelo gênero e evidencia a ausência de políticas de proteção às mulheres lésbicas nas situações de violência de gênero, pois não se enquadra como violência doméstica, nem diz respeito à heterossexualidade, e, no entanto, tem a marca da cultura patriarcal.

c) o caso de Mãe Bernadete: no mês de agosto de 2023, essa mulher negra, liderança quilombola e ialorixá, que já havia denunciado publicamente as ameaças de morte que sofria, foi assassinada por desconhecidos com uso de arma de fogo, dentro de casa, na frente dos netos (Carvalho, I., 2023). Embora o assassinato tenha ocorrido na residência, não possui características de violência doméstica. Mãe Bernadete era uma mulher que protagonizou lutas políticas em defesa do território Quilombo Pitanga dos Palmares (BA), liderando a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq). A cobertura da imprensa sobre o fato não mencionava o termo feminicídio, embora se tratasse de uma mulher negra que desafiava estruturas políticas e econômicas, em defesa de um território e de um povo. O fato de o crime não ter características de um homicídio íntimo parece afastar a possibilidade de ser concebido como um assassinato com marcas de gênero, que transmite a mensagem de que esta mulher não pode ocupar o espaço de protagonismo. Em novembro de 2023, o Ministério Público da Bahia denunciou o caso como homicídio qualificado por motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima, associando o crime a facção criminosa atuante no tráfico de drogas (Pitombo, 2023). O caso Mãe Bernadete demonstra a fragilidade do inciso II na Lei do Feminicídio, se considerarmos que a perspectiva de gênero nele contida serviria justamente para demarcar a modalidade de violência que o homicídio qualificado (Artigo 121, § 2 do Código Penal) não daria conta de nomear e especificar (Campos, 2015b). Todas as especificidades de violências presentes no caso Mãe Bernadete se apagam quando a qualificadora do feminicídio é desconsiderada.

d) o caso Janaína Bezerra: em janeiro de 2023, a estudante de jornalismo Janaína Bezerra foi assassinada na Universidade Federal do Piauí (UFPI), por um mestrando em matemática, Thiago Mayson. Janaína foi cruelmente assassinada, estuprada e o autor do assassinato chegou a fazer gravações do estupro no aparelho celular, além da tentativa de ocultar o cadáver (Romero, 2023). Os trabalhos de investigação constataram se tratar de um feminicídio e, no mês de agosto do mesmo ano, o caso foi a julgamento. Apesar da celeridade no trâmite do processo, o julgamento foi adiado duas vezes e a sessão que condenou o réu foi realizada no mês de setembro. O caso mobilizou vários segmentos da sociedade piauiense, que realizaram manifestações pedindo justiça pela estudante e acompanharam o julgamento em frente ao Fórum da capital Teresina/PI, uma vez que a sociedade, a imprensa e até a família de Janaína foram impedidas de acompanhar a sessão. O resultado do julgamento, que ocorreu 24 horas após iniciada a sessão, gerou muitos questionamentos: o réu foi condenado a 18 anos e 6 meses de prisão, respondendo pelos crimes de homicídio, estupro, vilipêndio de cadáver e fraude processual. A qualificadora do feminicídio, no entanto, não foi considerada na condenação.

O caso Janaína sintetiza muitos problemas, pois, além de ter sido um feminicídio ocorrido dentro da universidade, a exclusão da qualificadora na condenação indica os desafios que se colocam para que este instrumento cumpra sua função. Ao dissociar o crime do feminicídio – mesmo que tenha havido condenação por estupro e o caso se mantivesse em segredo de justiça sob a alegação de que as provas de violência sexual poderiam revitimizar a jovem, motivo também alegado para impedir a família de acompanhar o julgamento –, apagam-se justamente as marcas da violência de gênero, principal razão para a inserção da qualificadora no Código Penal. A lei acaba sendo “desqualificada”. O caso também revela que, mesmo que haja um esforço nos trabalhos de investigação por parte das autoridades policiais em adotar uma perspectiva de gênero, as características identificadas podem ser apagadas, a depender do tratamento conferido ao crime nas demais etapas, fragilizando as diretrizes para investigar, julgar e punir a violência letal de gênero.

Em todas as situações descritas, a “condição do sexo feminino” não parece alcançar a complexidade das situações violentas vivenciadas por mulheres, nos diversos espaços. Das ameaças ao feminicídio, muitos são os desafios para proteger a vida das mulheres e muitas são as lacunas nos mecanismos de proteção que vislumbrem as mulheres ocupando diversas atribuições, com garantias de uma vida digna onde quer que estejam.

Considerações Finais

A lei do feminicídio completou oito anos, no momento em que a conjuntura política do país se colocou em um cenário mais favorável, com a eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva. A criação de ministérios com pautas relevantes, dentre eles o Ministério das Mulheres, sinaliza o retorno de uma agenda pública de fundamental importância, considerando os inúmeros retrocessos vividos no país desde 2016. Apesar de um cenário mais otimista, várias têm sido as ofensivas dos grupos conservadores, que seguem com pautas retrógradas, inclusive nas instâncias políticas de representação. As tensões entre projetos de sociedade permanecem, e os avanços relativos aos direitos das mulheres continuam se deparando com muitos desafios.

Tendo em vista os argumentos apontados no texto, afirmamos que a criação da Lei 11.340/15 (Brasil, 2015) foi um marco importante, mas o seu propósito de fortalecer uma rede institucional de proteção das vidas das mulheres tem sido confrontado de muitas maneiras: desde o cenário de retrocessos que se estabeleceu no país até as concepções essencializantes e/ou universalizantes sobre as questões de gênero, que desconsideram ou invisibilizam realidades que também deveriam ser levadas em conta. O enfraquecimento da perspectiva de gênero tem beneficiado autores de feminicídios, quando os julgamentos descartam a qualificadora, reforçando a lógica da violência patriarcal.

Para além do gênero, com todo o seu potencial analítico enquanto categoria social, as abordagens interseccionais e decoloniais se mostram fundamentais no enfrentamento de uma realidade marcada pelos processos históricos de violências e opressões, seja quando nos referimos às suas várias modalidades ou, principalmente, quando se trata da letalidade feminicida, que vitima milhares de brasileiras anualmente. Neste sentido, considerando o que informam as estatísticas atualmente disponíveis, o recorte racial precisa ser priorizado no enfrentamento da questão, não sendo suficiente que apenas constatemos o predomínio dos assassinatos reiterados das mulheres negras no Brasil. Para além dos dados disponíveis atualmente, é fundamental que as estatísticas sejam produzidas mais adequadamente, nos âmbitos estaduais e nacional, pois ainda há mortes que sequer estão visíveis, impedindo uma visualização mais concreta da gravidade do feminicídio no Brasil e a proporção de suas motivações.

A partir dos casos discutidos na última seção, apontam-se alguns dos desafios que se colocam para que a Lei do Feminicídio cumpra sua função, quando há ocorrência de letalidade, bem como para que a lei seja articulada a um conjunto mais amplo de ações de prevenção e enfrentamento das violências de gênero, para além do âmbito doméstico e familiar. Considerando que as violências e desigualdades de gênero se constituem como mecanismos de exclusão das mulheres em vários espaços, é importante observar suas manifestações para além do ambiente doméstico, em uma perspectiva de garantia de direitos humanos das mulheres. O que se constata, passados os anos da criação da lei, é que a letalidade não se reduz ao âmbito doméstico e familiar e as demais formas de feminicídios são invisibilizadas, por não serem consideradas como questões de gênero. Assim, ficam até ausentes das mensurações estatísticas. A desconsideração da qualificadora do feminicídio é parte de um enfraquecimento da perspectiva de gênero que embasa o trabalho das instituições e contraria as recomendações de documentos como o relatório da CPMI da Violência Doméstica, do Modelo de Protocolo Latino-Americano para Investigação de Mortes Violentas de Mulheres publicado no Brasil e do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ, 2021).

Por fim, a Lei do Feminicídio, em si, é impotente para que possamos falar mais da proteção das vidas das mulheres do que do alto número de suas mortes. O crescente índice de feminicídios no Brasil indica o quanto é necessário fazer em termos de iniciativas que previnam as ocorrências, protejam as mulheres nos casos de violências e julguem os casos. As estruturas ainda precisam se movimentar muito em direção à participação das mulheres em vários espaços, pois muitas dessas mortes se manifestam como barreiras estruturais que tentam impedir, de forma extrema, o direito à vida, à liberdade e às garantias fundamentais.

Supplementary material
Referencias
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Notes
Notes
2 Supremo Tribunal Federal. Mês da Mulher: STF derruba uso de tese de legítima defesa da honra para crimes de feminicídio (Brasil, 2023).
3 O ano de 2015 contém muitas subnotificações, considerando que nem todos os estados desenvolveram metodologias de investigação com perspectiva de gênero, para identificar e registrar os casos de feminicídio.
4 Para mais detalhamento, ver Pasinato (2011), Campos (2015b), Romio (2019) e Lagarde (2006).
5 O Protocolo Latino-Americano tipifica pelo menos 13 categorias de feminicídios (Caicedo-Roa; Bandeira; Cordeiro, 2022, p. 6).
6 Esta referência tem bastante pertinência, pois o texto é a transcrição de uma palestra de Butler, em Salvador/BA, no ano de 2015, meses após a criação da Lei do Feminicídio no Brasil, quando não havia ainda produção de dados no país, algo só tornado possível a partir do ano seguinte, quando começa a divulgação das estatísticas de feminicídio em âmbito nacional. Em sua exposição, a filósofa faz menções diretas ao feminicídio e levanta uma série de questões, desde quem é presumido como sujeito nos instrumentos jurídicos até quais pressupostos estão implícitos em legislações, políticas, normas, que muitas vezes são tratados como assuntos de ordem prática, em contraponto ao amadurecimento teórico sobre os temas, dicotomia que a autora critica. Passados os anos da criação da lei e todos os desafios enfrentados, as afirmações de Butler continuam atuais.
Author notes
Minicurrículo da Autora: Rossana Maria Marinho Albuquerque. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (2015). Docente junto ao Departamento de Ciências Sociais e ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Piauí. Pesquisa financiada pelo CNPq (Processo nº 306423/2022-7). E-mail: rossanamarinho@ufpi.edu.br.
Editoras de Seção: Daniela Tonelli Manica, https://orcid.org/0000-0001-8014-9996; Martha Celia Ramirez Gálvez, https://orcid.org/0000-0003-3802-393X.
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