ARTIGOS
Percepções sobre os Porcos: Povos de Faxinais e Lutas Territoriais
Perceptions about Pigs: People of Faxinais and Territorial Struggles
Percepções sobre os Porcos: Povos de Faxinais e Lutas Territoriais
Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 29, no. 1, e48414, 2024
Universidade Estadual de Londrina
Received: 14 June 2023
Accepted: 02 December 2023
Published: 28 March 2024
Resumen: A partir do estudo etnográfico da comunidade tradicional de Faxinal Meleiro, na região metropolitana sul de Curitiba, o artigo tem como objetivo explorar as diversas concepções e noções faxinalenses acerca da criação de porcos no contexto do uso comunal de terras, o que envolve o intercâmbio e a transmissão de conhecimentos tradicionais, formas de sociabilidade local e regras de uso e gestão territorial. Busca-se, portanto, entender a importância dos porcos na construção e acionamento da identidade faxinalense, e como o animal emerge como símbolo da luta política, associado às estratégias organizativas levadas a cabo pelo movimento social dos povos de faxinais.
Palavras-chave: Porcos, faxinais, povos e comunidades tradicionais, território.
Abstract: Based on the ethnographic study of the traditional community of Faxinal Meleiro in the southern metropolitan region of Curitiba, the article aims to explore the different conceptions and notions in Faxinal about pig farming in the context of communal land use, which involves exchange and transmission of traditional knowledge, forms of local sociability and rules for land use and management. Therefore, the aim is to understand the importance of pigs in the construction and activation of the Faxinal identity and how the animal emerges as a symbol of the political struggle, associated with the organizational strategies carried out by the social movement of the people living in such areas.
Keywords: Pigs, faxinal population, traditional peoples and communities, territory.
Introdução
Os porcos, assim como inúmeros animais domesticados por diversas sociedades ao redor do mundo, são objetos de atribuição de diferentes significados, representações, agências e valores, sejam estes culturais, simbólicos, religiosos, econômicos, sociais ou ecológicos. Nesse sentido, as comunidades tradicionais de faxinais no estado do Paraná (Brasil) colocam-se enquanto lugares interessantes para análise das noções e concepções locais sobre os animais; afinal, dispõem de um modo de vida em que se destaca a relação com a criação de animais à solta, em especial os porcos. A criação dos porcos acontece por meio do uso coletivo do território, lançando mão de regras comunitárias para utilização e gestão dos recursos naturais a partir de práticas de baixo impacto ambiental, o que inclui o manejo de pastagens, aguadas, frutas nativas e plantas medicinais, além de organizar-se a partir da identidade étnica e coletiva de povos e comunidades tradicionais de faxinais (Lewitzki, 2015).
Na Antropologia, os animais ocupam um lugar privilegiado em diversas etnografias, tanto clássicas quanto contemporâneas. Para fins de exemplificação, passa-se a dois exemplos de abordagens clássicas de formas de percepção sobre os porcos. O primeiro é a descrição etnográfica de Roy Rappaport (1968), em Pigs for the ancestors, acerca da criação de porcos pelos Tsembaga, um dos grupos formadores do povo Maring na Nova Guiné. Em 1963, o antropólogo participou do kaiko, festa ritual realizada pelos Maring em determinados períodos, chegando a ser executada uma a duas vezes em cada geração. A festa consiste na matança do rebanho de porcos que se acumulou desde o último evento. Nela, centenas de porcos são sacrificados, sendo a carne distribuída entre as famílias aldeãs e grupos vizinhos, que ingerem as proteínas em sua totalidade, através de cerimônias que homenageiam seus antepassados.
Rappaport (1968) argumenta que tal sistema revela um elaborado mecanismo ecológico de gestão territorial que propicia o equilíbrio ambiental, por meio do controle ritual e religioso da quantidade de porcos criados. Este controle é feito por meio da matança dos porcos, relacionada com a capacidade territorial e com o volume de trabalho do grupo, principalmente no que concerne às mulheres, as quais são responsáveis pela produção da alimentação dos porcos e das suas famílias. A sobrecarga das mulheres e do território pela demanda de cuidado dos porcos sinaliza a necessidade da realização de um novo kaiko.
Marvin Harris (1978), desde a perspectiva do materialismo cultural, busca explicar o amor e ódio aos animais. A partir da noção de amigos e inimigos dos porcos, contrastam-se os diferentes tratamentos culturais que as populações destinam aos suínos. Baseado na etnografia de Rappaport sobre os Maring, Harris afirma que esse povo configura o centro mundial de amor aos porcos. Segundo o autor, este amor permeia toda a organização social da tribo, por meio das atividades rituais, produtivas, guerreiras, sociais, de aliança, sendo um componente central no modo de vida das tribos de horticultores que habitam a região da Nova Guiné e as Ilhas Melanésias do Sul do Pacífico.
Em contraposição, o autor descreve que os judeus, muçulmanos e cristãos colocam-se como inimigos dos porcos. Tal concepção decorre das passagens bíblicas que classificam o porco como imundo – um animal que polui se for provado ou tocado. Esta mesma visão sobre o porco aparece na declaração de Alá ao profeta Maomé: “que idêntica seria a reputação dos porcos para todos os seguidores do islamismo” (Harris, 1978, p. 35), ou ainda no argumento de que “antes da Renascença a crença mais popular era de que o porco é literalmente um animal sujo – mais sujo que os outros porque se chafurda na própria urina e come excrementos” (Harris, 1978, p. 36). O autor busca explicar a repulsa aos porcos nos textos sagrados devido a aspectos ecológicos do Oriente Médio, que privilegia a criação de animais ruminantes, como cabras, vacas e carneiros, não sendo interessante a criação dos porcos, devido à sua baixa dieta de celulose e à desvantagem em relação aos ovinos que fornecem leite, couro e estrume.
Cabe ressaltar que Harris tem sido descrito como um materialista extremo que reduz as relações entre humanos e animais a uma análise de custo-benefício, deixando de lado questões simbólicas e ideológicas (Vayda, 1987). Porém, a ideia de amigos e inimigos dos porcos abordada pelo autor exemplifica formas de perceber a relação entre humanos e animais, a qual oferece pontos de pensamento crítico sobre o papel material, econômico e social dos animais em diferentes culturas e diversos sistemas cosmológicos.
Os estudos citados sobre os porcos apresentam diferentes formas nas quais os animais são analisados e percebidos pelos autores no contexto da Nova Guiné, abordando-se dimensões ecológicas (Rappaport) e materiais (Harris), que no contexto de estudo são extrapoladas pela diversidade de formas de concepções, relações, valores e afetos agregados aos porcos. Dessa forma, é importante ressaltar que a Antropologia, desde os primórdios da disciplina, a partir de diferentes perspectivas teóricas, abordagens metodológicas e contextos etnográficos, tem privilegiado estudos com e sobre os animais, a partir das relações entre humanos e animais, humanos e não humanos, humanos e extra-humanos ou ainda, de forma mais recente, em etnografias multiespécies (Kirksey et al., 2020). Ademais, “a etnologia indígena tem se destacado na produção de trabalhos que renovam os estudos das relações entre humanos e não-humanos” conferindo papel privilegiado aos animais na teoria antropológica (Albernaz; Lewgoy, 2013, p. 1). Este movimento ganha corpo com a emergência das teorias pós-estruturalistas, feministas e do ator-rede (Latour, 2005; Law, 2008), das reflexões sobre naturezas-culturas (Haraway, 2021), das teorias do habitar e das meshworks (Ingold, 2000, 2007), do animismo (Descola, 1986) e do perspectivismo ameríndio (Lima, 1996; Viveiros de Castro, 1996), da ecossemiose generalizada (Kohn, 2013), entre outras, conforme sintetizam Coltro e Velden (2019, p. 11), organizadores do Dossiê Humanimalia: espaço, agência e não-humanos. Os contextos etnográficos são férteis ao mesmo tempo que desafiam a disciplina, em termos metodológicos e éticos, conforme descrevem Albernaz e Lewgoy (2013, p. 10) ao apresentar o Dossiê Animais e Humanos, que aborda novas modalidades de interação com os animais de estimação, debates sobre direitos animais, a emergência de sujeitos culturais não humanos, a dignidade epistêmica e jurídica da vida selvagem, experimentos com espécies vivas, entre outras.
No entanto, a abordagem proposta se refere à dimensão política dos porcos nas lutas de reconhecimento formal do território e da identidade dos faxinais no estado do Paraná, que dialoga com os processos de emergência étnica e coletiva levados a cabo por povos e comunidades tradicionais, em que os porcos se destacam tanto nas relações cotidianas quanto nas implicações políticas. Tal dimensão não anula outros significados e percepções acerca dos porcos para as comunidades tradicionais de faxinais; no entanto, o interesse é apreender o papel dos porcos na construção e acionamento da identidade étnica e coletiva faxinalense, no contexto de disputas fundiárias, conflitos socioambientais e lutas políticas.
Nesse sentido, cabe destacar o trabalho de Rodrigo Bulamah (2022) sobre alianças políticas interespécies em comunidades camponesas no Haiti. A partir da perspectiva histórica sobre a introdução de porcos no processo de colonização das Américas, o autor aborda o papel dos porcos na construção da autonomia de comunidades camponesas e suas formas de resistência ao modelo colonial de plantation, que “possibilitou a reafirmação da humanidade dos negros e o surgimento de novas alianças a partir das práticas, dos afetos e das técnicas desenvolvidos na relação com a terra, com os terrenos de provisão, com as plantas e com os animais, particularmente os porcos” (Bulamah, 2022, p. 16-17).
Malcom Ferdinand (2022), a partir do contexto caribenho, discute como articular a agenda ambiental contemporânea e a crítica decolonial a partir da experiência de povos e comunidades remanescentes da diáspora africana. O autor apresenta situações de escravização de pessoas, animais e plantas como expressão do colonialismo e do racismo; desta forma, argumenta acerca de alianças interespécies decoloniais, designadas como “a situação em que humanos e não humanos, a despeito de suas diferenças, formam alianças politicamente fortes, que, por uma simpraxis, um agir com, podem se opor ao Plantationoceno e às suas escravidões” (Ferdinand, 2022, p. 252).
Na perspectiva das lutas territoriais dos faxinais no interior paranaense, o comentário a seguir se dedica à descrição etnográfica das práticas de criação e cuidado dos porcos, a fim de explorar a noção do porco enquanto símbolo da emergência política dos faxinais, enquanto povos e comunidades tradicionais no Brasil, isto é, como o animal desponta como representação de reivindicações políticas. Observa-se que nos faxinais os porcos estão presentes de forma física e simbólica em suas bandeiras de luta, e no cotidiano medeiam relações entre cultura e natureza, o que corresponde a relações antagônicas e complementares, marcadas pelo dentro-fora, interno-externo, coletivo-privado, áreas de criar-áreas de plantar, conflito-organização sociopolítica.
Desta forma, apresento os faxinais presentes singularmente no estado do Paraná, situados no bioma floresta com araucária. Em seguida, descrevo o Faxinal Meleiro enquanto lugar de estudo, de onde foram extraídos os dados etnográficos, por meio do trabalho de campo realizado pela autora nos anos de 2014 e 2015. Na sequência, abordo os acordos comunitários, os quais são regras de uso e gestão territorial estritamente vinculados à criação de animais à solta, para então explorar a figura do porco nos processos de reivindicação política da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses (APF), a partir de suas práticas cotidianas de criação e cuidado de porcos em terras comunais. Em outras palavras, busca-se entender como se insere a figura dos animais na relação dos faxinalenses com o Estado, desde a luta por direitos que procura traduzir o modo de vida dos faxinais em políticas públicas em prol da manutenção do território tradicional.
Povos e Comunidades Tradicionais de Faxinais
Os faxinais são comunidades tradicionais situadas no estado do Paraná, na região sul do Brasil. São comunidades rurais que se caracterizam pelo uso coletivo do território para a criação de animais à solta, seguindo regras comunitárias para o uso e gestão dos recursos naturais a partir de práticas de baixo impacto ambiental, e se organizam a partir da identidade étnica e coletiva de povos de faxinais (Lewitzki, 2015). O uso coletivo corresponde à área de criador ou criadouro comunitário, termo usado como sinônimo de faxinal. Sua etimologia local é oriunda da prática de criação de animais à solta, um dos elementos mais relevantes para caracterização dos faxinais, o qual consiste na livre circulação dos animais no território, principalmente os porcos, que são criados em maior quantidade que vacas, cavalos, carneiros, cabritos, diferentemente das aves, que circulam nos arredores das casas, não adentrando no criadouro em sua totalidade.
No criador estão localizadas as casas dos moradores e as estruturas necessárias às práticas cotidianas relacionadas ao trabalho na roça e ao cuidado dos animais, como paióis, mangueiras, chiqueiros e galinheiros, assim como as hortas, pomares, quintais e jardins onde são produzidos alimentos, plantas medicinais e espécies ornamentais. O espaço do criadouro conjuga, portanto, as casas faxinalenses e suas estruturas, os espaços comunitários – associação, armazéns, bares, escola, igrejas, posto de saúde –, a criação de animais à solta e a floresta de araucária. No faxinal são preservadas inúmeras espécies nativas da Floresta Ombrófila Mista (FOM), onde se extraem erva-mate, frutas nativas, lenha, mel e plantas medicinais. A floresta também é fonte de alimento para os animais que pastam sombreados pelas araucárias, imbuias e ipês, ao mesmo tempo que se alimentam dos frutos de araçá, guabiroba, jabuticaba, pinhão, pitanga, uvaia, entre outras frutas silvestres.
As áreas de plantação se localizam nos arredores do criadouro, isto é, fora do faxinal, separadas das áreas de criar por cercas, valas e barreiras naturais como rios e vales, que impedem a passagem dos animais do criadouro para as roças onde se cultivam alimentos de forma individual ou associativa, prioritariamente milho e feijão, além de arroz, centeio, soja, abóbora, alho, cebola, batata-doce, batatinha, mandioca, etc. No Faxinal Meleiro, a produção de hortaliças e verduras também acontece nas áreas de plantio para comercialização na capital, Curitiba, diferentemente de outros faxinais em que tais alimentos são cultivados nas hortas em quantidades menores, suficientes para consumo e comércio local.
Nos faxinais, encontram-se diversas modalidades de propriedade da terra, em que as áreas de uso comum são compostas de lotes individuais oriundos de título de propriedade, posse, herança e cessão. O coletivo, portanto, refere-se ao uso do território e não à propriedade da terra em si, sendo comum a presença de famílias que não detêm terras no faxinal e usufruem do direito à criação de animais à solta no criadouro, sendo beneficiadas pelo uso comunal da terra; nesta modalidade enquadram-se os que conseguiram um espaço cedido por outra família para viver no faxinal. Existem, portanto, regras locais de gestão e uso do território que são definidas pelos moradores por acordos verbais fundamentados na tradição, os quais variam de um faxinal para o outro, sendo comum o compartilhamento dos recursos naturais do criador, como áreas de pastagem e aguadas para criação animal.
Além disso, os estudos sobre faxinais (Man Yu, 1988; Sahr; Cunha, 2005; Souza, 2009; Bertussi, 2010; Soares; Sahr, 2013; Lewitzki, 2015) indicam que essa forma de manejo territorial desenvolvida pelos faxinalenses na região sul do país, considerando as diferenças entre faxinais em relação a densidade populacional, disponibilidade territorial, pressão territorial externa e práticas de manejo, situa os faxinais como áreas estratégicas para a conservação ambiental. Este fato aproxima os criadouros comunitários cada vez mais das políticas públicas e planos de governo para conservação da floresta de araucária, devido ao baixo impacto ambiental das práticas socioprodutivas faxinalenses em comparação com o agronegócio, modelo de produção convencional agrícola e pecuária que faz intenso uso de fertilizantes e defensivos químicos, além de sementes híbridas e transgênicas que ocupam grandes áreas.
Faxinal Meleiro
O Faxinal Meleiro localiza-se na zona rural do município de Mandirituba, na região metropolitana sul de Curitiba, a 60 quilômetros da capital paranaense. A proximidade geográfica da capital insere o Faxinal em uma realidade singular em relação aos demais faxinais do estado, devido à influência e impacto da expansão da grande Curitiba, inclusive pela especulação imobiliária e a indisponibilidade territorial que agregam cada vez mais os faxinalenses às dinâmicas laborais atreladas ao crescimento da capital.
Formado por 80 famílias, as principais atividades socioeconômicas da população do Meleiro consistem na criação de animais à solta, cultivo de grãos e hortaliças, atividade assalariada nas fábricas localizadas nas cidades metropolitanas à volta de Curitiba, trabalho doméstico das mulheres no centro da capital paranaense e a aposentadoria rural. O perímetro total das áreas de criar compreende as comunidades faxinalenses de Pedra Preta, Meleiro e Espigão das Antas, conformando um território único entre os três povoados. Os serviços públicos como escola, posto de saúde, serviço de correio, assim como a Igreja Católica, cemitério, supermercado, lojas e armazéns, estão situados no faxinal Espigão das Antas, o qual ocupa o centro social e comercial dos três faxinais.
A organização social dos moradores enquanto povos de faxinais é recente e está associada à Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses, movimento social estadual dos faxinais criado no ano de 2005. Os moradores fazem parte do Núcleo Faxinalense da Região Metropolitana de Curitiba, formada por seis comunidades situadas nos municípios de Mandirituba e Quitandinha, que integra a estrutura da APF desde o ano de 2008. No ano de 2014 os faxinais da região criaram a Associação Faxinalense da Região Metropolitana de Curitiba (ASAFAXIM), com o objetivo de executar projetos de desenvolvimento específicos para a região.
A principal ação local dos faxinalenses organizado enquanto movimento social de populações tradicionais é a luta por direitos territoriais que possam garantir a permanência do uso comum do território, tendo em vista a intensificação de conflitos com as chacreiras e chacreiros. Devido à proximidade de Curitiba, as áreas de faxinais, por apresentarem condições ambientais ideais para o lazer e descanso, são constantemente compradas pelos curitibanos para servirem de chácara para finais de semana e férias. No entanto, os novos moradores, quando não respeitam as regras de uso local, de imediato cercam suas áreas. Os fechos (cercamentos) representam diretamente a perda do território, pois impedem o uso comunal para pastagens dos animais.
A mobilização sociopolítica dos faxinalenses pleiteia a criação de uma Área Especial de Uso Regulamentado (ARESUR), categoria de unidade estadual de conservação ambiental específica para faxinais, criada pelo Decreto Estadual 3.446/1997 (Paraná, 1997), nos faxinais Espigão das Antas, Meleiro e Pedra Preta, com o intuito de fortalecer a manutenção do modo de vida tradicional do faxinal, por meio da sustentação jurídica do criadouro. Portanto, a presença de novas formas de propriedade e manejo alimenta conflitos e diferenças existentes, acirrando as alteridades entre faxinalenses e chacreiros.
Os acordos comunitários dos faxinais Espigão das Antas, Meleiro e Pedra Preta são uma ferramenta construída coletivamente e reconhecida juridicamente, no entanto, encontram vários empecilhos para sua aplicação, como a falta de fiscalização do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), que em 2019 passou a ser nomeado Instituto Água e Terra (IAT), órgão ambiental do estado do Paraná responsável por fiscalizar a aplicação dos acordos comunitários, conforme regulamentado pela Portaria IAP nº 34, de 25 de fevereiro de 2011 (Paraná, 2011). Há, também, o acirramento de conflitos internos entre moradores locais, e ainda a falta de força política que possa promover a ação coletiva para proteção do faxinal em relação às novas dinâmicas territoriais pautadas pelo uso individual e defendidas por algumas das famílias faxinalenses.
Acordos Comunitários
Os acordos comunitários são regras de uso e manejo do território, principal ferramenta de gestão coletiva do criadouro. Eles surgiram para mediar conflitos internos relacionados aos danos e prejuízos causados pelos animais a roças de terceiros em virtude da falta de manutenção de cercas e valas que impeçam a passagem dos animais para áreas de plantar. Quando os animais conseguem chegar às roças, causam estragos na produção de alimentos, ocasionado conflitos, desavenças e tensões em nível local. A centralidade dos animais nas relações socioculturais e econômicas no cotidiano faxinalense, como veremos adiante, demandou a elaboração local da figura do inspetor de quarteirão, autoridade local masculina reconhecida pela comunidade para resolver os conflitos em torno de um dado animal, assim como desentendimentos entre vizinhos ocasionados por questões diversas. O quarteirão, neste caso, corresponde ao faxinal como uma repartição administrativa, também chamado de logradouro ou criadouro.
Seu Ivo Cruz, com 73 anos no momento em que esta pesquisa foi realizada (2015), foi o último inspetor de quarteirão do Faxinal Meleiro, o qual ocupou o cargo por quase duas décadas, entre os anos de 1960 e 1980. A partir de sua trajetória como autoridade local e suas referências dos inspetores que o antecederam, é possível elencar algumas características determinantes do papel do Inspetor. As relações que este tinha na comunidade, sendo de parentesco, compadrio, vizinhança e troca econômica decorrente da posse de terras que possibilitavam que ele oferecesse trabalho na roça aos moradores locais sem terras de plantio, eram elementos que concorriam para sua posição de privilégio, autoridade e respeito em relação aos demais. Tal perfil viabilizava sua intervenção em situações de conflitos e sua permissão para o uso de arma de fogo pelos delegados regionais de polícia. O inspetor poderia ser indicado diretamente pelo delegado de polícia ou apontado pelos próprios faxinalenses à delegacia local. Em pesquisa sobre os códigos de posturas relacionados aos faxinais, Souza (2009, p. 90) encontra referências que regulamentavam a ação do inspetor de quarteirão como mediador de conflitos, através da aplicação de multas aos infratores que ocasionavam danos aos seus vizinhos devido à falta de manutenção de cercas e controle dos animais “daninhos”. É importante destacar que os códigos adotavam no texto jurídico o termo “daninho” para designar uma concepção local sobre o animal que produz danos, ou seja, é nocivo aos humanos.
O desuso do papel de inspetor de quarteirão nos faxinais está relacionado a várias situações. No caso específico de Seu Ivo, este foi motivado a deixar de cumprir tal função social devido à sua filiação a uma igreja pentecostal que chegou ao Faxinal Meleiro nos anos 1980 e trouxe com ela outras perspectivas, inclusive a proibição do uso de armas de fogo por parte de seus membros. Nesse momento, Seu Ivo, que até então pertencia à comunidade católica, optou por deixar o cargo devido à igreja evangélica, por causa do porte de arma que configurava o perfil da autoridade local. O papel de Seu Ivo não foi assumido por outras pessoas do Faxinal Meleiro, o que resultou na decadência da prática.
Essa questão interna e particular se relaciona com o cenário regional da época, o qual pode ser entendido pelo contexto de fragilização dos faxinais nos anos 1980, em que se intensificam as pressões territoriais externas, ocasionando a desintegração de inúmeros criadouros comunitários (Man Yu, 1988). As políticas para a modernização da agricultura a partir de pacotes tecnológicos de fomento à produção mecanizada de grãos, a falta de políticas públicas específicas ao modo de vida nos faxinais e a expansão da grande Curitiba são alguns fatores que causaram fortes impactos aos faxinais da região metropolitana sul de Curitiba. Entre os impactos, destacam-se a destruição de criadouros, a perda e diminuição de território de uso comum devido à especulação imobiliária, a devastação de recursos naturais como madeira nativa e erva-mate para exportação via Porto de Paranaguá e o uso de mão de obra faxinalense para grandes empreendimentos, por exemplo, a construção da rodovia BR 116 que liga Curitiba ao sul e ao nordeste do país.
Nesse contexto, os faxinais tiveram uma perda significativa de território, tensionando cada vez mais as relações internas entre moradores e a gestão dos regimes de uso comum e externas no sentido de resistências e negociações com o modelo dominante de produção, pautado pela propriedade privada e ação individual em detrimento do uso coletivo do território e da ação coletiva enquanto comum-unidade. Neste cenário de conflito territorial, muitas comunidades de faxinais conseguiram manter em parte as regras de gestão territorial, correspondente à manutenção de barreiras para impedir o acesso dos animais às áreas de plantar, mesmo sem inspetores de quarteirão, ou ainda com a autoridade dos inspetores fragilizada pelas novas relações em voga, como o fortalecimento da presença do Estado e seus projetos de desenvolvimento econômico.
No ano de 2005, com a formação da APF em prol de ações para a manutenção e promoção do modo de vida faxinalense, as regras comunitárias são retomadas pela categoria de “acordos comunitários”. Os acordos passam a ser uma bandeira de luta sociopolítica dos sujeitos faxinalenses, reivindicando o reconhecimento e respeito das normas locais como um dos elementos constitutivos da identidade étnica e coletiva enquanto povos tradicionais.
Os acordos comunitários pra nós é até mesmo a forma que a gente já vinha tendo as práticas, vários itens, mas que não estavam no papel. Então todos os faxinais discutiram a necessidade, até mesmo pela exigência das leis que infelizmente vale mais o que está no papel. Então houve as reuniões para que fosse elaborado os acordos comunitários e colocado no papel aquilo que a gente já vinha fazendo, das regras que eram seguidas, mas que não constavam escrito. E a prova escrito é mais fácil tornar pública e até na questão de uma demanda é uma prova mais concreta. A regra já vinha sendo seguida desde antigamente. Os acordos são regras de convivência. Tem a mais a questão do amparo jurídico, na questão jurídica tem mais validade, mesmo sendo amparado pelo costume tradicional que vai passando de geração em geração, uma forma de convivência, mas que não estava no papel
(A.S. B., 43 anos. Faxinal Meleiro, 2015).A narrativa do interlocutor, liderança do Faxinal Meleiro e um dos coordenadores da APF, esclarece o processo de passagem das regras de gestão territorial coletiva da forma verbal para a escrita, em que o registro dos acordos comunitários no papel busca operar em conformidade com o universo jurídico oficial do Estado. Isto é estratégia do movimento social para reconhecimento de suas normas de convivência culturalmente elaboradas e contextualmente atualizadas.
O respaldo jurídico dos acordos comunitários decorre da atuação política dos faxinais como povos e comunidades tradicionais do Brasil, através da articulação com grupos sociais de diferentes regiões do país, como as quebradeiras de coco babaçu do Maranhão, as comunidades de fundos e fechos de pasto na Bahia, os gerazeiros e vazanteiros de Minas Gerais, seringueiros do Acre, entre outros povos que se autorreconhecem enquanto coletividades étnicas. Estes pautaram o Estado brasileiro e, como resposta, obtiveram no ano de 2007 a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil (PNPCT), instituída pelo Decreto 6.040/2007 (Lewitzki, 2015). A PNPCT tem como objetivo geral promover o desenvolvimento sustentável das populações culturalmente diferenciadas, com destaque ao “reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições” (Brasil, 2007, p. 2).
O contexto nacional de emergência política e avanços jurídicos dos povos tradicionais fortaleceu as lutas dos faxinais na esfera estadual, culminando na aprovação da Lei Estadual 15.673/2007 (Lei dos Faxinais) em que o estado do Paraná reconhece que “As práticas sociais tradicionais e acordos comunitários produzidos pelos grupos faxinalenses deverão ser preservados como patrimônio cultural imaterial do Estado, sendo, para isso, adotadas todas as medidas que se fizerem necessárias” (Paraná, 2007, p. 1).
A Lei dos Faxinais passa a reconhecer, portanto, os acordos comunitários como patrimônio cultural imaterial do Estado. Além disso, dispõe sobre o reconhecimento dos faxinais e sua territorialidade específica, “que tem como traço marcante o uso comum da terra para produção animal e a conservação dos recursos naturais” (Paraná, 2007, p. 1). Os animais, portanto, estão no centro da gestão territorial, sendo eles uma das motivações dos acordos comunitários devido aos conflitos locais; são os demarcadores do território de uso comum, e suas rotas e áreas de pastagem materializam o uso comunal das terras nos faxinais.
Conhecimentos, Concepções e Movimentações Políticas
Faz tempo, vem do pai, vem de família. Eu ia ajudar ele a tratar as criação e fiquei entusiasmada ‘pai dá o porquinho pra mim’, ‘tá bom mas você tem que ajudar a debulhar milho’, descascar milho que era tudo na raspadeira, uma ripa com um prego, aí fui me interessando pelos bichinhos. Fui me engraçando pela criação. Eu fui crescendo com os animais, e foi evoluindo minha habilidade com os animais, na verdade estou até hoje na lenga [atividade], de pai passou pra filha
(V. S., 47 anos. Faxinal Meleiro, 2015).A narrativa da faxinalense sobre sua trajetória vinculada à criação de porcos introduz um tema comum às mulheres e aos homens dos faxinais acerca do conhecimento tradicional sobre criar e cuidar de animais. Existe uma série de saberes e fazeres que envolvem toda a vida do porco e, por consequência, a vida de suas donas e donos. Assim como a vida dos porcos é fracionada em períodos etários, o aprendizado sobre os modos de criar também se inicia na infância, no criadouro, como relata a interlocutora.
Os porcos são classificados por seus criadores por idade/tamanho/sexo (leitoazinha, leitãozinho, leitoa, leitão, porca, porco), donas e donos (porco do faxinal, porco de fora do faxinal, porco da filha de fulana de tal), comportamentos (daninho, fuçador, mansinho, pulador de cerca), finalidades (engorde, venda, criação [criadeira, cachaço]) e raças. Sobre as raças, as autoras Denise Leite e Maria Loddi (2012) caracterizaram as raças nativas presentes no Faxinal Marcondes (Prudentópolis) e no Faxinal dos Kruger (Boa Ventura de São Roque), na região centro sul do Paraná, como Cuié, Carioca, Caruncho, Casco de burro, Bolachin, Lagarto, Macau, Moura, Pelado, Piau, Porco brinco, algumas delas presentes no Faxinal Meleiro.
A diversidade de raças é importante, porque conserva a variedade genética dos animais, diferentemente das raças industriais “onde a alta pressão de seleção sobre as raças comerciais poderá levar a uma drástica redução da variabilidade genética” (Leite; Loddi, 2012). Além disso, conforme advogam as autoras, as raças nativas são formadas por “animais mais rústicos e menos exigentes em alimentação e manejo, mais resistentes às doenças e, consequentemente, mais adaptados do que as raças melhoradas”.
A criação de porcos nos faxinais conecta as áreas de criar com áreas de plantar; afinal, a criação dos animais demanda a produção de seu principal complemento cereal, o milho:
O milho depende pro porco comê, você vai plantar milho por quê? Tipo você planta o milho pra dar pras criação, fazer a quirera, conforme a coisa a pessoa, tem o milho branco, faz a canjica também, mas tem que ser especializado pra canjica, o milho branco a criação não come porque é muito duro a semente dele, e tem o milho de várias qualidades. Aproveita o milho, passa no triturador. Meu pai dizia antes da porca cria, vá na roça e corte uma serraia que é pra não enfebrá, às vezes a porca demora criar passa daquele tempo que você marcou. O milho você vai dá pra galinha, porco, vaca, assim por diante
(V. S., 47 anos. Faxinal Meleiro, 2015).Nesse sentido, as roças localizadas nos arredores dos faxinais fazem parte da dinâmica socioprodutiva do sistema. Para que se possa manter o criador em funcionamento, são necessários o acesso e a manutenção das áreas de plantar. As famílias que não detêm terras de cultivo, por consequência do custo da alimentação dos animais, limitam ou eliminam seu rebanho, como é o caso tanto do Faxinal Meleiro quanto dos demais faxinais da região metropolitana sul de Curitiba, os quais crescem demograficamente nas últimas décadas enquanto significativamente perdem territórios de plantar para produtores rurais de médio e grande porte, terras que hoje são utilizadas para plantio de monocultivos florestais, ou ainda para a produção mecanizada de soja.
O diagnóstico socioambiental realizado no âmbito de um projeto de conservação ambiental no faxinal estudado (Gerar, 2015) apresenta que 26% do número total de 80 famílias do Faxinal Meleiro não criam animais, enquanto 27% criam aves, como galinhas, galinhas de angola, gansos, marrecos e patos. Os dados se relacionam diretamente com a questão territorial, já que as aves são os animais que menos demandam espaço para sua criação, assim como alimentação, diferentemente dos porcos, que percorrem grandes áreas e cuja nutrição carece de pastagens e complementação cereal.
No Faxinal Meleiro, 60% dos moradores não detêm terras de plantar, tampouco dispõem de áreas no espaço de uso comum. Isso significa que existe uma indisponibilidade territorial que afeta o modo tradicional de vida, pois, sem terra suficiente para desenvolver atividades socioprodutivas no faxinal, muitos residem no criadouro, mas trabalham fora do faxinal. As propriedades são configuradas por modalidades de herança, posse e cessão, o que muitas vezes compreende apenas o espaço da casa e estruturas agregadas ao lar, fatores que interferem na produção animal. No entanto, mesmo sem criar animais, os faxinalenses participam de outras formas da rede de sociabilidade local, pois criar animais exige uma conduta em relação ao trato que está estritamente ligada à posse de terras de plantar.
Tem que plantar porque deixar os bichos com fome não dá. Eu tenho as duas vacas, o boi, três cavalos, tenho três porcas criadeira e os leitão vendi tudo, tinha quatorze, vendi pra Natal e ano novo e aí levantei R$ 1.600,00 aí já serviu pra despesa. Meu cunhado vendeu 50 leitões e meu sobrinho fio do Loio vendeu sessenta e pouco e ainda faltou
(P.Z., 53 anos. Faxinal Campestre dos Paulas, 2015).A narrativa reforça o cuidado com os animais quando ressalta que “deixar os bichos com fome não dá”. Nesse sentido, não dispor da alimentação em qualidade e quantidade adequada aos animais torna-se um empecilho para sua criação. Possuir animais no faxinal significa ser responsável pela vida e bem-estar dos mesmos, através do bom trato que é o milho crioulo, cultivado nas áreas de plantar. Nesta linha, os porcos conectam os limites entre áreas de plantar e áreas de criar; ambos os lados do faxinal necessitam estar em equilíbrio para que o sistema funcione como um todo.
Os porcos também são importantes fontes de alimentação para as famílias, tanto internamente quanto externamente ao faxinal. A carne de porco crioulo é bastante apreciada regionalmente, possibilitando o comércio direto com pessoas que visitam as comunidades com o objetivo de comprar carne crioula. As vendas são significativas, principalmente no final do ano devido ao calendário festivo, sendo uma importante fonte de renda para as famílias. Além das datas comemorativas, periodicamente os criadores realizam vendas do animal vivo, morto e limpo (preparado para o consumo). A habilidade comercial também é motivo de satisfação, como relata um exímio criador faxinalense: “toda vida foi bão de vendê porco, era divertido. Que nem eu tenho, o R. tem, o N. tem, o J. aqui embaixo tem, o A., o Z., o F., a turma sempre cria, os morador daqui do lugar, aqui da comunidade” (P. Z., 53 anos, Faxinal Campestre dos Paula, 2015).
A mesa faxinalense é conformada por diversos produtos oriundos da carne e da gordura do porco e seus derivados, como a carne de lata, toucinho, torresmo, banha, banha suja, linguiça, chouriço, morcilha e a cracóvia, que são ingredientes para o preparo de diversos pratos e fazem parte da cultura nutricional dos faxinais. Como um dos diferenciais da culinária destaca-se a carne de lata, que consiste em uma técnica de conservação desenvolvida no período anterior à eletricidade (Neto et al., 2018), por meio da qual a carne frita é armazenada em latas metálicas, onde os pedaços são mergulhados na própria gordura, resultando na manutenção da carne e no sabor singular que é um demarcador da identidade faxinalense, sendo um prato presente no cardápio das festas tradicionais comunitárias e reuniões políticas organizativas dos faxinais.
Uma prática bastante valorizada e recordada com carinho nas narrativas faxinalenses é o “presente” ou “pacotinho”, que significa distribuir um pedaço de carne aos vizinhos quando determinada família abate um animal: “Quando meu pai matava um porco ele se preocupava em arrumar um pacotinho para cada vizinho. Assim, ninguém ficava sem carne fresca, porque sempre recebia um pacotinho de um e de outro” (J. B., 43 anos. Faxinal Meleiro, 2015). Essa prática ainda em exercício nos faxinais é uma entre tantas outras que faz parte de uma rede de troca/dádiva comunitária, que por sua vez sustenta um sistema de reciprocidade altamente importante para a manutenção das relações sociais na esfera local.
Essas são práticas e conhecimentos tradicionais relacionados ao território que são transmitidos entre as gerações pelo saber fazer faxinalense; destacamos, portanto, as práticas relacionadas à criação de porcos que perpassam o conhecimento das raças dos animais, os processos reprodutivos, a forma de captura de um animal perdido no criadouro, o acompanhamento da cria (gestação) pela contagem do calendário lunar, os períodos em que os animais devem receber tratamentos através de plantas medicinais encontradas no faxinal, habilidades comerciais, entre outras. São procedimentos que demandam troca e intercâmbio de saberes entre moradores com o objetivo de resolver problemas cotidianos. O mesmo acontece em relação ao período ideal para abate do animal, à forma de corte da carne, ao seu armazenamento e à preparação das receitas festivas, religiosas e cotidianas a partir dela.
Nesse contexto, como comunica a faxinalense, mesmo os moradores que não possuem porcos por motivos fundiários contribuem para a manutenção do criadouro comunitário. Afinal, estão interligados na rede de sociabilidade, em que acessam não somente a carne, mas os saberes intrínsecos ao modo de vida tradicional dos faxinais.
Todo mundo colabora, mas mesmo assim, botando vissa no outro que não faz, porque o outro tem criação e eu não tenho, mas pensando bem, não tem sim, mas o amigo tá precisando ter uma criaçãozinha tem, e você não compra carne do fulano que cria porco? Compra. É a mesma coisa você não tem [criação] mas você compra carne daquele que tem
(V. S., 53 anos. Faxinal Meleiro, 2015).No universo dos faxinais, criar animais à solta contribui para a forma singular de perceber o mundo através de práticas e ações relacionadas aos bens comuns, mas sobretudo formas de compreender e criar relações entre humanos e animais guiadas pelas noções de liberdade e limpeza.
Concepções Faxinalenses: o Criadouro de Liberdade e Limpeza
A concepção de liberdade de habitar o criadouro comunitário contrasta com o modelo convencional de criação de animais que aos poucos é introduzido nos faxinais. No caso dos faxinais da região metropolitana sul de Curitiba, desde os anos 1990 famílias faxinalenses começaram a criar aves em sistema integrado de granjas, perdendo relativamente sua autonomia em relação às práticas de criação controladas pelas empresas. O contrato com as empresas produtoras de carne de frango parte do investimento financeiro das famílias para a construção da estrutura física da granja e a mão de obra familiar para manter o aviário. As aves, sua alimentação e remédios são distribuídos pelas empresas em calendários rígidos a serem cumpridos pelos produtores. As exigências das empresas, cada vez maiores em relação à constante modernização das granjas, inclusive a proibição de criação de animais soltos nas proximidades dos aviários – por meio do argumento das empresas quanto à dispersão de doenças pelos animais crioulos –, geraram o rompimento de muitos contratos por parte dos produtores, sobrando a eles as dívidas de um projeto de desenvolvimento econômico intensamente apoiado pelos agentes públicos e pouco viável à lógica faxinalense, que tem como valor a liberdade.
Solto é melhor, porque eles têm a liberdade de tá fuçando a terra, sabe. De onde vêm os produtos, da terra, tudo é matéria-prima e eu gosto de ver a liberdade lá fora dos porquinho, eles acham minhoca, acham coisa boa pra eles, sabe. Olha ali meu gramado, tá fuçado, a porca entrou já hoje, na terra eles sentem a necessidade da terra, o cálcio da terra é igual o ferrodex que aplico neles, eles têm necessidade por causa disso. Dentro do chiqueiro não tem aquela liberdade deles correrem, andar por tudo, a água, água é tudo. A água [no chiqueiro] você tem que cuidar, cada três dia trocar por causa dos micróbios, e a água ali da lagoa não faz mal, porque é água da terra
(V. S., 43 anos. Faxinal Meleiro, 2015).A liberdade dos animais no criadouro, na concepção faxinalense, transcende o mundo animal, sendo um valor preponderante para o modo de vida local, o qual opera como uma categoria de alteridade em relação ao meio urbano. O espaço fora do faxinal, aos olhos dos moradores, é caracterizado pela falta de liberdade, tanto para circular quanto para estabelecer relações sociais
A liberdade deles [crianças], aqui eles têm uma liberdade de sair brincar e não precisar ter muita hora pra voltar e os pais ficam tranquilos porque vão estar na casa de algum vizinho. Agora as pessoas criadas na cidade, já nem os teus vizinhos você não conhece muito bem, já não tem como deixar uma criança brincando na rua e pelos perigos também que oferece. Acho que tem muita diferença, aqui eles parecem que eles são mais saudáveis porque aqui eles correm à vontade e lá eles ficam no fechadinho, cada um em seu pedaço de terra, sem liberdade de correr, nem a liberdade de trazer os amigos para dentro da casa, porque não tem aquela amizade entre os pais. Tem muita diferença
(L. F., 34 anos. Faxinal Salso, 2015).Além da liberdade, outra noção recorrente nos faxinais é a limpeza. O próprio nome “faxinal” deriva do termo faxina, vinculado à supressão do sub-bosque e ao favorecimento das árvores mais altas. A partir da faxina na mata resulta a composição florestal do faxinal, em que o mato limpo faxinado pela ação humana é mantido pela ação dos animais criados à solta, os quais pastam nas áreas comuns, não deixando sujar o faxinal. Essa noção de limpeza subverte a lógica metropolitana de oposição entre sujo e limpo, que considera o porco um animal atrelado à sujeira, tendo como referência o conhecimento sobre o ambiente que classifica as plantas que são mato, diferenciando-as daquelas que devem permanecer devido aos usos e relações que constituem a paisagem do faxinal. Em conversa com uma faxinalense sobre a importância da manutenção do criadouro comunitário, ela mencionou o papel do porco como um limpador do faxinal:
Na minha opinião sim [sobre a importância do criador], eu não tenho criação, a única criação que eu tenho é umas galinha, não tenho, mas eu acho que sim, pra começar o matagal, se nós não tiver esses bicho [porcos] pra limpá fora do nosso fechado, vai virar capoeira, um caivá [floresta], e eu gosto da carne do porco crioula, do boi crioulo, eu acho que deveria continuar, não acabar
(E. C., 53 anos. Faxinal Meleiro, 2015).De maneira similar, Mayra Lafoz Bertussi (2010), em sua etnografia sobre a comunidade vizinha de Espigão das Antas, notou a noção de limpeza como um elemento relacionado ao cuidado dispensado ao criador comunitário:
Esse ponto de vista é interessante se olharmos a limpeza do criador como uma forma de cuidado, de zelo com o lugar de moradia. Todavia, ao subsumir a noção de limpo e sujo a um padrão simbólico presente somente nas relações humanas, desqualificamos a ação dos animais nesse processo. Afinal, não se deve esquecer que o protagonismo na ação da limpeza são as criações
(Bertussi, 2010, p. 56).Seguindo o argumento da autora, o padrão simbólico de oposição entre o limpo e sujo, presente em diversas etnografias, pouco reconhece o papel dos animais nesse processo. Tal observação ressalta o papel do porco enquanto mediador das relações entre cultura e natureza, ao mesmo tempo que pode ser tomado como um animal domesticado pela cultura faxinalense; no espaço do criadouro ele encontra liberdade em estabelecer seus caminhos, não estando limitado ao controle de suas donas e donos.
O protagonismo do porco na manutenção do criadouro, seja pela limpeza das pastagens, nas relações com animais de outras famílias ou na demarcação territorial pela circulação em lugares usados para sua alimentação e reprodução, extrapola as relações internas nos faxinais, despontando como um ícone na ação política faxinalense.
Porco Político
A noção do porco enquanto animal político está atrelada à representação deste como símbolo das ações da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses, em que sua importância nas relações internas nos faxinais transpõe a fronteira dentro/fora do faxinal, ganhando visibilidade nos espaços de negociação com o Estado, diálogo com pesquisadores, parceria com organizações não governamentais e aliança com movimentos sociais. No entanto, para explorar essa noção de porco político é interessante resgatar o projeto estatal de fragilização dos faxinais por meio da proibição da criação de porcos à solta.
A imagem da criação de porcos à solta ressoa como símbolo de atraso do desenvolvimento rural, contrária à noção de industrialização proposta pelo projeto de modernização da agropecuária adotado pelo estado do Paraná. Tal concepção estatal pode ser percebida como uma estratégia de extermínio dos porcos dos faxinais e, por consequência, da fragilização e desintegração do território de uso comum. O estudo de Hocayen-da-Silva, Vizeu e Seifert (2016) sobre os faxinais enquanto um modelo de organização não convencional em contraste com as organizações pautadas pelo desenvolvimento capitalista registra tal postura.
Os autores analisam exaustivamente os atos administrativos do estado do Paraná, como mensagens do Executivo para o Legislativo, planos de governo e relatórios de políticas públicas no período de 1963 a 2003. Estes documentos expressam enfaticamente as investidas do governo paranaense para a integração dos agricultores familiares e faxinalenses ao modelo hegemônico de desenvolvimento econômico adotado pelo Estado, assim como projetos para melhoria genética de rebanhos suínos, e a exclusão dos porcos criados à solta através da permissão comercial apenas de animais procedentes de granjas certificadas, sendo a criação do Serviço de Inspeção do Paraná em 1988 um divisor de águas nesse processo.
As propostas de modernização não se restringem à agricultura. As atividades de pecuária também constituem interesse dos promotores de ações integradas ao desenvolvimento econômico do Paraná. Assim, ameaças à prática de criação de porcos à solta de forma comunitária nas Comunidades Tradicionais de Faxinais tornam-se evidentes no discurso histórico de modernização e industrialização proveniente de representantes públicos
(Hocayen-da-Silva; Vizeu; Seifert, 2016, p. 1172).No Estado do Rio Grande do Sul, Karin Inês Terhorst e José Antônio Schmitz (2007) descrevem as intervenções do Governo Federal e Estadual na criação de porcos à solta “tipo banha”, que são intensificadas a partir da década de 1930, quando o Governo Federal proíbe em 1937 o abate doméstico de porcos para exportação de banha, uma das atividades mais importantes para os agricultores do Vale do Taquari naquela época. Além disso, a concorrência criada pela entrada de banha americana e dos óleos vegetais no mercado nacional provoca alterações no sistema tradicional de criação, sendo inseridas em 1936 raças norte-americanas adquiridas pelo governo rio-grandense com a finalidade do melhoramento genético dos animais para produção de carne, os quais não podiam ser criados à solta como os porcos de raças crioulas, caracterizados como animais tipo banha.
Nesse processo, conforme a descrição dos autores, nota-se a diferenciação do uso dos termos “porco” e “suíno”. Enquanto “porco” é associado à forma tradicional de criação e consumo familiar, “suíno” é incorporado pelas resoluções legais e pelo discurso do Estado como produto industrial, o que incluiu a melhoria genética, a inserção de raças estrangeiras, a alimentação e a forma de criação dos animais.
A partir do contexto de criação industrial de porcos na França, Jocelyne Porcher (2010) argumenta que a industrialização da pecuária, por meio da produção animal de larga escala, reduziu as múltiplas lógicas de trabalho com os animais à lógica técnico-econômica, reprimindo particularmente a lógica relacional e o envolvimento afetivo como componente inevitável e necessário do trabalho com animais. A autora afirma que a pecuária cria animais, enquanto os sistemas industriais produzem matéria animal a partir de animais, situação que resulta em sofrimento animal e humano que impacta o modo de vida dos criadores de animais devido à transformação nas práticas de trabalho da indústria em detrimento da pecuária familiar. “O objetivo da pecuária é viver e trabalhar com animais; o objetivo do sistema industrial é o lucro. O mundo da produção animal industrial é violento, onde a sensibilidade, o afeto e a inteligência não têm lugar” (Porcher, 2010, p. 14, tradução nossa).
Conforme registrado por Hocayen-da-Silva, Vizeu e Seifert (2016), a criação do suíno de granja é incentivada pelo Estado, enquanto a criação de porco à solta é deslegitimada pelos dispositivos de controle sanitário e ambiental que reprimem a forma tradicional de criação.
Nesse sentido, uma interlocutora relata o episódio que aconteceu no ano de 2014, em que funcionários públicos da Prefeitura Municipal de Mandirituba visitaram o Faxinal para uma reunião, com o objetivo de colocar em votação a continuidade da criação de porcos à solta. “Veio a J. da Secretaria de Saúde, veio parece que era o R., o secretário do meio ambiente e um enfermeiro e daí fizeram a reunião e explicaram certinho o dano que a criação faz ao meio ambiente e se retiraram pra fazer a votação” (V. S., 43 anos. Faxinal Meleiro, 2015). Segundo a narrativa, sem nenhuma discussão anterior, os agentes públicos expuseram sua concepção acerca dos porcos, associando-os à degradação ambiental do faxinal e ao risco à saúde pública, pressionando o posicionamento dos participantes em continuar ou não a criação dos porcos à solta, o que acabou resultando na frustração dos funcionários diante da falta de adesão dos faxinalenses.
Essa é uma das tantas investidas do poder público em fragilizar a criação dos porcos nos faxinais, por meio de mecanismos de controle baseados em argumentos sanitários, ambientais e econômicos. Corroborando essa perspectiva, é possível identificar no levantamento histórico sobre dispositivos jurídicos municipais no Estado do Paraná que regulam as práticas de uso comum dos recursos nos faxinais, referentes ao período de 1831 a 2008, medidas que restringem a criação de porcos à solta.
No conjunto de 40 documentos levantados por Souza (2009), distribuídos em 18 códigos de posturas, 17 leis ordinárias, três leis orgânicas, um decreto e um edital, identifica-se que seis atos jurídicos proíbem diretamente a criação de porcos à solta nos municípios de Curitiba (1831, 1832, 1895), Guarapuava (1854), Palmeira (1895) e Prudentópolis (1906).
Nesse cenário, a luta dos faxinais por direitos territoriais na última década coloca os porcos como símbolo da sua resistência enquanto povos e comunidades tradicionais. Os porcos estão presentes no desenho da bandeira da APF, movimento social faxinalense, e a miniatura de um porco feita de material sintético integra a mística2 das reuniões com o Estado e ocupa a mesa de autoridades em conferências com líderes faxinalenses. O conteúdo das Leis Faxinalenses, estadual e municipais, assim como dos demais dispositivos jurídicos em defesa do território, como decretos, resoluções e acordos comunitários, inclui a temática da criação de animais à solta, ou ainda, em específico, a questão dos porcos.

Tal questão é observada também na violência contra o faxinal, isto é, contra o modo de vida faxinalense como um todo, que se materializa pela ação de grupos contra o faxinal, os quais são formados tanto por moradores dos faxinais quanto por pessoas externas ao criadouro e manifestam sua posição contrária ao criador por meio da violência contra os porcos. São inúmeros os casos de porcos alvejados por armas de fogo, cortados com facão, envenenados e espancados, e muitas ocorrências são judicializadas pela APF, que, em seus espaços de formação, orienta os faxinalenses para registrar as situações com máquina fotográfica para embasar as denúncias nas delegacias locais de polícia. Afinal de contas, machucar os porcos neste contexto é a forma direta de atingir a organização sociopolítica faxinalense e, por sua vez, o modo de vida no faxinal.
Porque os chacareiros que vieram, vieram só pra incomodar, machucar as criação. Aqui, seguido aparece os porco meu tudo manco. Então é ruim as pessoas que chegam, sabendo que os bicho são solto, porque fazer malvadeza, acho que é muita falta de juízo, tão vendo que os bicho é solto
(P. Z., 53 anos. Faxinal Campestre dos Paulas, 2015).Neste cenário, criar porcos é um ato político que se faz histórico e atual no sentido de afirmar um modo de ser e viver no faxinal, em que a prática de criar porcos à solta é um traço marcante, mas sobretudo está relacionado à resistência diária, associada às práticas cotidianas faxinalenses do saber fazer: “As vezes eu penso em largar mão de ter essa criaçãozada, começa machucá, dá dó. Mas na mesma hora, eu penso que é pior, porque daí acaba. Tendo criação tem que ter criador” (P. Z., 53 anos. Faxinal Campestre dos Paulas, 2015). Como afirma o faxinalense, “ter criação” é um dos principais pressupostos para a manutenção e gestão dos territórios de uso coletivo, animando a luta sociopolítica dos povos de faxinais no cenário de constantes projetos que ameaçam o modo de ser e viver no faxinal.
Considerações Finais
Conforme os argumentos apresentados, destaca-se que, nas relações entre humanos e animais no contexto dos faxinais, os porcos emergem como agentes políticos. Estes ocupam um papel importante na formação da identidade étnica e política dos povos de faxinais, por meio das práticas, concepções e conhecimentos acionados no processo de reivindicação de direitos em prol da defesa do território coletivo, para a manutenção do uso e manejo tradicional das terras comunais.
Neste sentido, chama-se a atenção para os valores políticos dos animais, para além de seus valores simbólicos, ecológicos e econômicos, em um cenário de intensificação de conflitos fundiários e de lutas territoriais dos povos e comunidades tradicionais no interior paranaense, onde o porco, além de um demarcador territorial, é um elemento diacrítico da identidade dos povos de faxinais.
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