DOSSIÊ – Hegemonia Cibernética, Tecnoextrativismo e Colonialidade

Reimaginando o Social em Tempos de Pandemia: Negacionismo Científico, Diplomacia Brasileira e o “Vírus do Comunismo”

Thiago da Costa Lopes
Casa de Oswaldo Cruz, Brasil

Reimaginando o Social em Tempos de Pandemia: Negacionismo Científico, Diplomacia Brasileira e o “Vírus do Comunismo”

Mediações - Revista de Ciências Sociais, vol. 29, no. 2, e50079, 2024

Universidade Estadual de Londrina

Received: 15 March 2024

Accepted: 27 May 2024

Published: 30 August 2024

Resumo: Abordando a circulação de enunciados científicos durante a pandemia de Covid-19 a partir dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, o artigo explora a hipótese de que o negacionismo esposado pela diplomacia brasileira, então vinculada às novas direitas extremistas à frente do poder político, deve ser lido à luz dos embates, que o vírus reativou, entre diferentes formas de imaginação sobre o social. Examinamos como a realidade mesma da Covid-19 e da crise socioeconômica por ela suscitada, instando os governos à adoção de medidas de proteção social e formas robustas de cooperação internacional, tornou-se objeto de intensas disputas entre representantes do chamado “antiglobalismo” nas instâncias diplomáticas brasileiras.

Palavras-chave: Negacionismo científico, pandemia de Covid-19, diplomacia brasileira, novas direitas, estudos sociais da ciência e da tecnologia.

Abstract: Examining the circulation of scientific statements during the Covid-19 pandemic in Brazil from an STS perspective, the article argues that the denialism espoused by the far-right diplomatic circles of the Jair Bolsonaro Administration must be understood in the light of the disputes, which the virus triggered, over different forms of imagining the social. We examine how the very reality of Covid-19 and the socioeconomic crisis to which it gave rise, urging governments to adopt social protection measures and strong forms of international cooperation, became the object of intense disputes between representatives of the so-called ‘anti-globalism’ in Brazilian diplomatic bodies.

Keywords: Scientific denialism, Covid-19 pandemic, Brazilian diplomacy, new right, Science and Technology Studies.

Introdução

A pandemia de Covid-19 evidenciou, de modo dramático, as tensões e dificuldades envolvidas na circulação de enunciados científicos na esfera pública contemporânea. Além das incertezas próprias à irrupção, na história, de um evento singular, provocado por um agente até então desconhecido, dúvidas entre o público sobre o que cientistas e especialistas tinham a dizer foram alimentadas em grande parte por campanhas de desinformação orquestradas por grupos facciosos, dentro e fora dos países, com base nas novas tecnologias de comunicação e informação. Nesse momento, a ciência se viu particularmente vulnerável a ataques visando à sua descredibilização, uma vez que a cobertura diária da pandemia, também ela sob o ritmo vertiginoso de um mundo em constante atualização, trouxe à tona muitos dos intrincados, e nada lineares, processos de formação dos consensos científicos. Valendo-se das idas e vindas características de um conhecimento que se encontrava em construção, atores sociais e políticos, particularmente aqueles ligados às novas direitas extremistas, buscaram desacreditar os enunciados veiculados pelos especialistas. Disseminando “fatos alternativos”, eles adotaram estratégias de intervenção que os estudiosos têm identificado ao fenômeno do negacionismo científico, centrado na produção de controvérsias artificiais que passam ao largo dos entendimentos alcançados pelos cientistas, promovem a confusão no debate público e levam à paralisia nas tomadas de decisão coletiva (Kropf, 2022; Oreskes; Conway, 2010)2.

Neste artigo, buscamos contribuir para o entendimento histórico e sociológico de como a Covid-19 veio a ser objeto de “fatos alternativos” por parte de representantes das novas direitas extremistas atuantes na diplomacia brasileira durante a pandemia3. Conforme argumentamos, a fim de compreendermos o que esteve na raiz da relativização das asserções produzidas pelos experts – tais como a gravidade da doença e a necessidade de adoção, por parte de governos e sociedades, de medidas preventivas de distanciamento físico –, devemos considerar não apenas as ameaças de instabilidade que o Sars-CoV-2 representou, em um primeiro momento, para grupos econômicos e os poderes estabelecidos, mas também seu caráter disruptivo sobre as formas vigentes de imaginação e organização do social.

Partimos aqui do postulado, que tem demonstrado grande valor heurístico nos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, segundo o qual “ciência” e “ordem social”, “conhecimento” e “sociedade” são coproduzidos, no lugar de serem, determinística e unilateralmente, condicionados um pelo outro (Jasanoff, 2006). De um prisma metodológico, tal abordagem nos exige que, ao enfocarmos as tensões e conflitos no processo de estabilização dos fatos científicos no espaço público, não percamos de vista que essas disputas se dão simultaneamente no plano cognitivo, das representações sobre o mundo natural, e no plano sociopolítico, das crenças e expectativas em relação à forma como as sociedades devem estar estruturadas e o poder e a autoridade nelas distribuídos. Para os fins desta análise, consideramos o social enquanto conjunto heterogêneo de atores e práticas marcado pelo constante refazimento dos laços, conexões e redes que o conformam, envolvendo agentes humanos e também não humanos, como os microrganismos e as doenças por eles provocadas. Estes, além de objeto de representações culturais e fonte indutora de respostas coletivas mais ou menos estruturadas na forma de políticas públicas, integram os materiais diversos a partir dos quais as sociedades humanas têm se constituído historicamente.4

Inicialmente, com base nos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, examinamos, em suas linhas gerais, o denominado negacionismo científico. Argumentamos que o fenômeno, tal como vem se manifestando contemporaneamente, é indissociável da ascensão das novas direitas extremistas no mundo. Apresentando-se como “antissistema”, esses grupos não apenas se alimentam da desconfiança crescente em relação às instituições que marca a crise das democracias representativas no presente, como buscam aprofundá-la, pondo em dúvida o valor de verdade de diferentes afirmações em circulação no espaço público. Em seguida, buscamos evidenciar, concentrando-nos no caso brasileiro, como a nova realidade instaurada pela pandemia passou a agir cognitivamente como fator de desestabilização do imaginário “antiglobalista” desses atores. À medida que enunciados científicos sobre a doença passaram a ser articulados a afirmações em prol da cooperação e da solidariedade intra- e internacionais, eles se tornaram alvo de ataques de representantes das direitas extremistas visando à sua fragilização. Conforme indicamos, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo, o primeiro a assumir a pasta das Relações Exteriores durante o governo Bolsonaro (2019-2022), articulou discursivamente parte das apreensões daqueles círculos quanto à capacidade política do Sars-CoV-2 em redefinir radicalmente o social ao afirmar que, acompanhando a disseminação do vírus, projetava-se, ameaçadoramente, a sombra do comunismo.

Negacionismo Científico e Direita Antissistema

O ano de 2016 foi um marco importante para as discussões sobre o papel das ideias de fato e verdade na esfera pública, especialmente no debate político. Episódios como o referendo do Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump nos EUA, que se fizeram acompanhar da reprodução massiva de notícias falsas através das redes sociais, conduziram observadores e analistas da imprensa à conclusão de que o mundo caminhava para uma era de “pós-verdade”, em que a crença comum na existência de fatos indisputáveis, acima das contendas partidárias e da afirmação dos valores políticos, parecia se dissolver. O fenômeno apontaria para uma obstinada recusa, quando não incapacidade, de parcelas consideráveis da população em apreciar o conteúdo factual de diferentes asserções em circulação no espaço público5.

De uma perspectiva sociológica, o problema nos parece, entretanto, mais complexo, como estudiosos da ciência têm indicado (Jasanoff; Simmet, 2017; Shapin, 2019). Nas sociedades contemporâneas, cujo funcionamento depende de uma variedade de artefatos, práticas e saberes científicos, a denominada “crise da verdade” não parece atingir indistintamente todas as afirmações provenientes do mundo da ciência, concentrando-se naquelas cuja aceitação coloca em xeque crenças, valores, interesses e estilos de vida arraigados (por exemplo, a mudança climática antropogênica, a teoria da evolução das espécies, a segurança das vacinas) (Eyal, 2019). Ademais, conforme observaram Oreskes e Conway (2010), que se debruçaram sobre a gênese, entre outros, do negacionismo climático, a descrença em proposições científicas é com frequência alimentada por agentes políticos e econômicos poderosos interessados em disseminar a dúvida e em estimular falsas controvérsias a respeito de questões em torno das quais consensos dentro da comunidade de estudiosos já foram estabelecidos.

No tempo presente, essa e outras formas de negacionismo científico parecem encontrar terreno fértil especialmente em uma cultura neoliberal fragmentadora, refratária à formação de acordos coletivos mínimos capazes de impulsionar soluções para os problemas comuns, na crise de confiança enfrentada pelas instituições, interrogadas com frequência sobre seus “reais interesses” e agendas, e na insatisfação popular crescente com o instituto da representação política característico das democracias liberais.

O esvaziamento do debate público de referenciais compartilhados, capazes de assegurar o pertencimento dos sujeitos a um mundo comum – o que, na prática, oferece sustentação à ideia de uma “realidade externa” e “independente” –, é visível na predisposição de muitos indivíduos e grupos a encararem toda e qualquer afirmação em circulação na esfera pública, mesmo aquelas que pretendem comunicar “fatos”, como “questão de opinião”. Essa tendência teria sido exacerbada pela lógica das redes sociais, conducente à formação de “bolhas” – que, em meio à cacofonia de vozes e informações, constituem o enquadramento a partir do qual os sujeitos efetivamente navegam no mundo virtual. Formada por contatos que partilham as mesmas opiniões e valores e mantida por cálculos algorítmicos que fornecem aos usuários, em suas buscas de pesquisa e feeds de notícias, conteúdos em conformidade com seus interesses e gostos, a bolha representaria uma dinâmica comunicacional e cognitiva insular, tendente a reforçar a identidade e as crenças do grupo e a eliminar o espaço para o divergente e o contraditório (Roberts, 2017). Esse processo, ao lado das crescentes desigualdades de renda, situação socioeconômica e formação educacional entre os diferentes segmentos que constituem as populações ao redor do globo, contribuiria para a fragmentação política, moral e epistêmica das sociedades (Rosenfeld, 2018). Na ausência de quadros de vida compartilhados, não deveria causar surpresa que visões “alternativas” da realidade acabem emergindo e que seu valor de verdade, por mais absurdo, seja defendido (Latour, 2020).

O insulamento comunicacional e cognitivo seria reforçado, ademais, pela busca de fontes de informação alternativas em meio à desconfiança generalizada a respeito das mídias tradicionais e à deterioração da credibilidade de atores e instituições públicas, vistas como enredadas em interesses particulares inconfessáveis. Conforme observou Shapin (2019), na raiz da adesão de parcela da população a teses negacionistas estaria, mais do que a falta de conhecimento científico, a carência de formas de “conhecimento social” capazes de permitir aos sujeitos a identificação de instituições verdadeiramente dignas de credibilidade. Estando a ciência associada a espaços e atores cuja capacidade de mediação (entre os interesses da sociedade como um todo e o exercício do poder político) se encontra sob suspeita, problema constitutivo da própria crise das democracias representativas, não é de se estranhar que a autoridade dos experts – isto é, daqueles tradicionalmente encarregados de traduzir achados científicos em recomendações práticas – venha sendo posta em dúvida, particularmente no que diz respeito à sua posição privilegiada na conformação das tomadas de decisão de âmbito coletivo em detrimento de outros atores (Eyal, 2019).

Não é, portanto, fortuito o fato de que o negacionismo científico tenha adquirido contornos vivos em meio à ascensão política das novas direitas extremistas em diferentes países. Elas se multiplicaram em um caldo de cultura formado por medos e insatisfações sociais contra as elites políticas que marcam a crise das democracias representativas e em um contexto de aumento das desigualdades e de depreciação das condições de vida das camadas médias e pobres assalariadas que se seguiu aos choques produzidos pelo neoliberalismo e pela globalização nas últimas décadas do século XX (Latour, 2020).

Ao mesmo tempo que se valeram do descontentamento difuso contra o establishment político para se alçarem ao poder, essas direitas, autodenominadas “antissistema”, têm estimulado fraturas e dissensos no debate público, sobretudo por meio da disseminação da desconfiança e de teorias conspiratórias, em um esforço contínuo de construção de si como ator político relevante do mundo contemporâneo. Por exibirem uma performance e uma retórica contestadoras da ordem política e da cultura dominantes, associadas aos setores políticos progressistas, esses grupos conformariam, segundo alguns estudiosos, uma direita “populista”, categorização que exige cautela dadas as fortes perspectivas normativas e os juízos de valor associados ao termo. Como nos lembra Laclau (2013), a linguagem do populismo pretende disputar aquelas que seriam as clivagens pertinentes do mundo social, insistindo sobre a centralidade da divisão entre uma “elite” usurpadora e mentirosa, por um lado, e o “povo” honesto, mas subjugado e traído, por outro6. No caso das novas direitas extremistas, não há dúvidas, entretanto, de que se trata de um ator político que se define como radical e insurgente, embora mais interessado na destruição do que existe do que na construção de uma nova sociedade (Teitelbaum, 2020a), o que torna inteligível a linguagem muitas vezes chula e violenta que emprega, vista como “autêntica”, “sincera” e, portanto, mais próxima das reações espontâneas das “pessoas comuns” do que o “politicamente correto” sancionado pela ordem estabelecida. Dado o radicalismo antiestablishment ao qual procura se associar, qualificar tal direita como “extremista” não nos parece inapropriado.

Na ótica desses grupos políticos, a ordem existente se materializa não apenas nas elites políticas nacionais, mas também nos fóruns e instâncias de decisão globais no âmbito das agências multilaterais. Não à toa, elas reivindicam um retorno ao “local”, apoiando-se na pretensa segurança oferecida pelo fechamento das coletividades em identidades provincianas, de corte nacional e étnico (Latour, 2020), ainda que identifiquem um rol diversificado de ameaças a essas comunidades imaginadas, que variam conforme o país e a região em que atuam7.

Compreende-se, desse modo, a insistência das novas direitas extremistas na ideia de “nação”, concebida como espaço natural da soberania popular. Tal nacionalismo não implica, no entanto, a defesa ou a valorização do Estado, cuja antiga razão de ser, de fiador dos interesses da nacionalidade por intermédio do exercício da autoridade política, passa a ser vista com desconfiança. Estando as mediações institucionais tradicionais sob suspeita, o líder político se torna o único ator legítimo capaz de dar expressão à vontade do “povo”, este sim considerado o verdadeiro substrato da nacionalidade. Evidentemente, o “povo” para o qual essas direitas apelam no intuito de se constituírem politicamente assume feições particulares. 

Embora apresentem especificidades relacionadas às diferentes circunstâncias nacionais em que aqueles grupos políticos operam, os esforços de construção desse “povo”, quando consideramos os casos estadunidense e brasileiro, guardam semelhanças8. Portador das reservas morais e religiosas da cultural judaico-cristã ocidental, imaginada como um todo homogêneo e coeso, ele seria formado por sujeitos ciosos, ao mesmo tempo, do valor da família nuclear cristã, do patriotismo e da liberdade individual, cuja defesa por vezes assume um sentido incondicional, avesso a compromissos institucionais ou societais mais amplos. Tal constructo político, conforme estudiosos têm indicado, refletiria uma combinação singular, em se tratando da agenda que essas direitas buscam promover, entre ultraliberalismo econômico e conservadorismo dos costumes (Brown, 2019; Rocha, 2019)9.

Na esteira da valorização do “povo” assim compreendido, as novas direitas extremistas enaltecem as formas de conhecimento de que este seria portador. Essa dimensão cognitiva não é menos relevante para a compreensão da conformação do sujeito político em questão. Na perspectiva daquele que se tornou um dos grandes representantes intelectuais desses grupos no Brasil, Olavo de Carvalho, o “povo”, considerado como intrinsecamente conservador, seria detentor de um “senso comum” que, embora silenciado no debate público, é visto, muitas vezes, como superior à racionalidade técnico-científica moderna, particularmente no que diz respeito à sua proximidade com verdades tidas como perenes e transcendentes, identificadas à metafísica e à religião, que conformariam uma tradição imemorial. Teríamos acesso a essas verdades por meio de um processo individual de introspecção calcado na intuição que não só dispensaria a mediação institucional do aprendizado acadêmico, como também seria oposto a este, apontado como fonte de embotamento e controle da consciência (Silva, 2021).

Não sem razão, o anti-intelectualismo é uma componente saliente das direitas extremistas que se projetaram politicamente, tanto nos EUA (Alexander, 2018) quanto no Brasil (Szwako; Souza, 2022). Intelectuais, acadêmicos e cientistas, identificados às elites globais desenraizadas e distantes das massas, tornam-se alvo das mesmas atitudes de crítica e questionamento dirigidas às mídias hegemônicas e àquilo que esses círculos políticos definem como o status quo (Rosenfeld, 2018). No Brasil, a partir dos escritos de Olavo de Carvalho, as novas direitas passaram a associar o ambiente universitário a uma suposta hegemonia do que denominam “marxismo cultural”, que atuaria gramscianamente sobre a cultura com o objetivo de se perpetuar no poder político, questão à qual retornaremos na última seção.

Note-se, entretanto, como se indicou acima, que não é a verdade enquanto tal que é objeto de descrédito por parte das novas direitas, mas a crença em seu acesso por meio das autoridades estabelecidas. Assim, a instauração de um novo regime político capaz de devolver ao “povo” o lugar que lhe foi usurpado pelas “elites” passa forçosamente pela refundação do regime comunicacional e epistêmico vigente. De acordo com essa visão, na medida em que a verdade for restituída às afirmações em circulação no debate público – graças, sobretudo, às mídias alternativas e a aplicativos como o WhatsApp, que propiciariam a comunicação direta e livre entre os cidadãos comuns –, o poder será, ao fim e ao cabo, restituído ao povo. Significativa a esse respeito foi a afirmação de Jair Bolsonaro em discurso após a vitória eleitoral de 2018, inspirada em versículo bíblico: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”10.

As reservas sobre as verdades veiculadas pelos meios de comunicação tradicionais parecem justificar, aos olhos das direitas “antissistema”, a insistência com que realizam a denúncia da natureza politicamente interessada de muitas afirmações sustentadas como científicas no debate público. Conforme argumentaremos a seguir, enfocando as discussões suscitadas pelo Sars-CoV-2, a adesão a correntes de “fatos alternativos” por parte desses círculos deve ser examinada à luz das disputas a um só tempo políticas e epistêmicas que vêm sendo travadas pelas novas direitas em seu processo de autoconstrução. Com a irrupção global do Sars-CoV-2, esses grupos políticos se viram, repentinamente, diante de uma nova e desconhecida realidade viral, cuja lógica acachapante parecia correr contrariamente ao seu esforço de redefinição do social em bases localistas e antissistêmicas.

A Emergência de Covid-19: Reimaginando o Social

A fim de compreendermos por que a Covid-19 acabou representando mais um capítulo da história contemporânea do negacionismo científico, colocando a máquina da desinformação das novas direitas extremistas para funcionar a todo vapor, precisamos considerar o caráter disruptivo da doença sobre as temporalidades e as formas de organização socioeconômica que estruturam o presente. Provocada por um vírus respiratório desconhecido que se mostrou altamente transmissível e letal, a Covid-19 se tornou uma ameaça à capacidade de resposta dos sistemas de saúde dos países já nos primeiros meses de 2020. Valendo-se dos fluxos ininterruptos de pessoas e mercadorias que organizam a vida social contemporânea, o vírus se espalhou rapidamente pelo globo. Diante das muitas incertezas e da falta de terapêuticas, medidas há muito utilizadas em episódios de surto epidêmico, como a restrição da circulação de pessoas, passaram a ser adotadas por autoridades em várias partes do mundo na tentativa de desacelerar o ritmo de disseminação da doença, levando muitas localidades à suspensão de atividades presenciais rotineiras, com grande impacto para a atividade econômica.

Dadas as dúvidas e o quadro de indefinição acerca da retomada das atividades presenciais – referida significativamente como a “volta ao normal” –, logo uma queda de braço pela reconquista das formas de organização do tempo se instaurou entre as sociedades humanas e o Sars-CoV-2. Possuindo uma dinâmica própria, ligada aos ritmos de transmissão e mutação do vírus, a Covid-19 instituiu uma nova temporalidade nos padrões estruturantes das experiências e interações sociais, o tempo da “emergência sanitária” (Hartog, 2021). Colocando momentaneamente em suspenso a rotina do capitalismo contemporâneo (Boyer, 2020), a pandemia abriu brechas para o questionamento dos arranjos sociotécnicos e econômicos do presente, que se mostraram por demais precários e vulneráveis à ameaça viral. A corrida global por insumos para testagem, material hospitalar e equipamentos de proteção individual expôs de modo eloquente a dependência da maioria dos países em relação a alguns poucos centros produtores mundiais, evidenciando assimetrias e desigualdades.

No início da pandemia, vozes influentes das novas direitas ao redor do mundo, como Alexandr Dugin, na Rússia, e Steve Bannon, nos EUA, mostraram-se confiantes de que a crise, pelas dimensões que assumiu, provaria a falência da lógica globalizada das sociedades contemporâneas, assinalando, por contraste, a importância da construção de um “local” mais robusto e autossuficiente (Teitelbaum, 2020a). Entretanto, na contramão dessas expectativas, apelos a formas renovadas de cooperação intra- e internacional, à consciência da interdependência entre indivíduos, povos e nações, assim como visões críticas sobre as causas estruturais que haviam agravado o drama sanitário, passaram igualmente a ser amarrados aos enunciados em circulação sobre o vírus.

Não demorou, portanto, para que disputas fossem travadas em torno das proposições e asserções que poderiam ser legitimamente atreladas à cadeia de afirmações iniciais que iam se construindo a respeito da doença. Considerando-se o cenário sombrio que se projetava, em que medidas não farmacológicas eram as únicas tecnologias então disponíveis para a luta contra o vírus e a minimização dos riscos de morte e contágio, tudo levava a crer que o caminho das sociedades seria o da coordenação, em uma escala sem precedentes, de autoridades políticas e sanitárias ao redor do mundo. Esta deveria ser acompanhada de novos modos de distribuição dos recursos econômicos entre os diferentes estratos sociais tendo em vista a viabilização do cumprimento das medidas sanitárias de isolamento, que afetavam, sobretudo, os grupos vulnerabilizados e empobrecidos. A estabilização desse tipo de resposta à crise, implicando remodelações do imaginário e das formas vigentes de solidariedade social, enfrentou, todavia, resistências, indo de encontro a interesses, valores e visões de mundo.

No caso do governo Bolsonaro, preocupações tanto domésticas (ligadas à disputa sobre a forma da sociedade brasileira) quanto internacionais (orientadas pela investida das novas direitas contra o chamado “globalismo”), serviram de combustível ao negacionismo pandêmico, produzindo um conjunto de enunciados que não apenas relativizavam a gravidade da doença, como também procuravam associar sistematicamente a OMS e a China ao agravamento da crise. Em 31 de março de 2020, distorcendo o sentido da declaração do diretor da agência, Tedros Adhanom, sobre a necessidade de garantir a renda das populações pobres do mundo em meio à desaceleração da atividade econômica, Bolsonaro afirmou que a agência se alinhava ao governo brasileiro ao demonstrar preocupação com a manutenção do emprego (Martins, 2020). Tedros tratou rapidamente de precisar o sentido de sua declaração: “Convoco os países a desenvolverem políticas que forneçam proteção econômica às pessoas que não possam receber ou trabalhar devido à pandemia da Covid-19. Solidariedade” (Martins, 2020).

Em abril de 2020, no esforço de deslegitimar as asserções da agência em prol da cooperação social em larga escala tendo em vista a implementação de medidas de contenção do vírus, como o rastreamento dos casos e o distanciamento físico, Bolsonaro acusou a OMS de defender a masturbação infantil e a “ideologia de gênero” em mensagem nas redes sociais, excluída pouco tempo depois (Ker, 2020). Posteriormente, na esteira de Trump, o mandatário brasileiro passou a levantar suspeitas sobre as reais motivações por trás das recomendações sanitárias da agência, ameaçando desligar o país da organização caso ela mantivesse seu “viés ideológico” (Garcia, 2020). Seu governo, à semelhança do estadunidense, passou igualmente a acumular insultos à China, a começar por uma postagem de Twitter do filho do presidente, o então deputado federal Eduardo Bolsonaro, que responsabilizava Pequim pelas proporções assumidas pela pandemia, sugerindo que a tentativa de controle autocrático das informações sobre os acontecimentos, ainda durante o surto inicial da doença em Wuhan, teria impedido que o mundo tomasse conhecimento dos fatos em tempo hábil (Fellet, 2020).

Medidas restringindo a circulação de pessoas se tornaram alvo do ataque sistemático de Bolsonaro depois que diferentes governos estaduais no Brasil resolveram adotá-las a partir da segunda quinzena de março de 2020. O ex-presidente passou a investir na construção de uma lógica disjuntiva que seria constante na sua forma de enquadrar a pandemia: ou manter as restrições gerais sobre a circulação de pessoas, o que afetaria o desempenho econômico do país, ou focalizar os idosos como segmento a ser isolado, promovendo a imunidade de rebanho e preservando o emprego e a renda. Esta maneira de construir as alternativas em meio à crise buscava apelar particularmente para os grupos sociais cujo orçamento mensal, já bastante limitado, vinha sendo diretamente impactado pela suspensão das atividades presenciais, como os trabalhadores informais (Brasil, 2020). O dilema construído pelo ex-mandatário omitia, no entanto, a possibilidade de implementação de políticas sociais robustas capazes de viabilizar a adoção do distanciamento físico pelos segmentos empobrecidos, dispensando-os, ao menos temporariamente, da necessidade de terem de se confrontar, sozinhos, com as leis do mercado. Essa alternativa, que demandaria uma reconfiguração das formas de solidariedade, colocava-se, contudo, como antípoda do social vislumbrado pelo bolsonarismo.

Nesse caso, devemos considerar como o poder de agência do Sars-CoV-2 se tornou um desafio aos pressupostos ultraliberais do “superministro” da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes. À medida que enunciados epidemiológicos sobre as medidas necessárias à contenção do vírus se encadeavam com maior ou menor rigidez às afirmações iniciais a respeito da doença, fragilizavam-se as ideias relativas a um mercado que, entregue às suas próprias forças, seria capaz de encaminhar a contento os problemas da sociedade.

Não apenas ideias motrizes importantes para a composição do governo Bolsonaro pareciam sair combalidas da luta contra o vírus, mas também o próprio bolsonarismo enquanto experimento político e antropológico. A pandemia caminhava na contramão da tendência das novas direitas no Brasil a promoverem, como observa Lessa (2020, p. 57), a “desvinculação normativa entre Estado e sociedade”, fragilizando os mecanismos de solidariedade consagrados pelo pacto político de 1988 e abrindo o caminho para a manifestação de “momentos arcaicos da sociabilidade brasileira” (Lessa, 2020, p. 57). Isto é, as demandas sanitárias suscitadas pelo vírus se tornavam fonte de desestabilização da perspectiva bolsonarista de desestatização da sociedade brasileira no sentido de sua devolução a uma ordem “pré-política” constituída pelo livre, porém desigual jogo de forças que tem caracterizado sua história (Lessa, 2020, p. 57).

O horizonte político do bolsonarismo – que, na prática, produziu, entre outros efeitos, o avanço do garimpo em terras indígenas, a ampliação do acesso a armas por particulares, a flexibilização das leis ambientais e de proteção ao trabalho – ajuda-nos a compreender por que questões como o distanciamento físico, o uso de máscaras e a vacinação foram sistematicamente apresentadas pelo governo na chave da liberdade individual, como problemas a serem equacionados privadamente. Com efeito, os enunciados que buscavam torná-las medidas compulsórias, socialmente vinculativas, concebendo-as como estratégias coletivas no âmbito de normas públicas, foram sistematicamente atacados na medida que contrariavam frontalmente o empenho do bolsonarismo, característico das novas direitas extremistas, em desacreditar a possibilidade de imaginários coletivos sobre a vida social, entronizando, em seu lugar, o privatismo, a desregulamentação e a defesa da liberdade individual pensada a partir da lógica do mercado. Tal ímpeto se coaduna, como indicamos anteriormente, com a desconfiança sistemática desses grupos – que serve de base à sua construção como sujeito político – em relação à ordem político-institucional estabelecida e à perspectiva de instauração de acordos coletivos mínimos destinados ao regramento das relações sociais.

Alerta Vermelho: a Diplomacia Brasileira contra o Globalismo

As implicações – em se tratando das configurações a serem assumidas pelo social – daquilo que seria uma resposta propriamente científica à pandemia de Covid-19 nos permitem melhor qualificar o negacionismo do governo Bolsonaro, assim como os ataques por ele desferidos ao multilateralismo no cenário internacional. Tal postura se alimenta de um contexto nacional e global em que a confiança nos cientistas e nos especialistas tem sofrido abalos. Contudo, no lugar de se voltar contra a ciência como um todo, a recusa desses atores aos fatos científicos incidiu sobre os elos que ligavam os enunciados mais elementares a respeito da doença e do vírus a asserções, necessariamente mais frágeis, envolvendo a ação prática e as decisões políticas a serem tomadas para sua contenção.

As orientações sanitárias da OMS, implicando um fortalecimento inaudito dos liames sociais, chocavam-se com os esforços desagregadores das novas direitas extremistas. Por sua vez, a China, em seu sucesso relativo em controlar internamente a disseminação da doença em curto intervalo de tempo, corporificava, justamente por isso, antigos temores quanto à extensão do poder do Estado sobre as populações. O civismo do país asiático, revelando a capacidade dos indivíduos agirem de modo concertado, como um só corpo, teria sido, na leitura de diferentes analistas, decisivo para o enfrentamento da emergência sanitária (Byung-Chul, 2020). Para as novas direitas, a pandemia teria confirmado a vocação da China para um tipo de organização social a ser a todo custo evitado: disposição à coordenação e à cooperação entre os diferentes segmentos da sociedade a partir da ação centralizadora do Estado somada a uma cultura coletivista vista como cerceadora da liberdade. No contexto da pandemia, a disciplina chinesa e o apelo à solidariedade internacional por parte da OMS logo foram compreendidas como forças convergentes, atuando em prol do denominado globalismo. No governo Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo vocalizou essas apreensões, que conformam o imaginário das novas direitas, ao afirmar que a pandemia abria caminho para o “comunavírus”.

A trajetória de Araújo ilumina aspectos do problema que nos interessa analisar. Até então um funcionário do terceiro escalão do Itamaraty, sua nomeação, por Bolsonaro, para o cargo de chanceler contrariou as expectativas dos diplomatas brasileiros. Embora possuísse quase 30 anos de carreira, sua posição de chefe do Departamento de Estados Unidos e Canadá não seria suficiente para lhe garantir legitimidade à frente da pasta, representando uma ruptura com as hierarquias estabelecidas (Paranguassu, 2018). Ainda assim, tratava-se de um quadro com as conexões certas na hora certa. Por intermédio de Filipe Martins, assessor da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Araújo havia se aproximado em 2018 de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, e de Olavo de Carvalho, o guru das novas direitas extremistas no Brasil11.

O artigo “Trump e o Ocidente”, publicado por Araújo em 2017, no periódico Cadernos de Política Exterior, do Itamaraty, teria sido decisivo para seu ingresso naqueles círculos políticos. Nele, o diplomata esboça uma interpretação metafísica da ascensão das novas direitas ao poder em diferentes partes do mundo. Segundo afirma, estaria em curso um grande esforço, materializado na figura política de Donald Trump, à época recém-eleito presidente dos EUA, de questionamento e contenção do “liberalismo tecnocrático” e do “politicamente correto” que seriam hegemônicos no panorama cultural e ideológico do presente (Araújo, 2017, p. 331). Desprezado pela “elite hiperintelectualizada e cosmopolita”, imbuída de uma cultura pós-moderna relativista, Trump representaria, todavia, o empenho pela retomada das tradições e experiências históricas fundacionais das nações ocidentais, centradas na reverência simultânea à liberdade individual, à família e ao deus cristão (Araújo, 2017, p. 326).

A conjuntura internacional é lida por Araújo como um embate entre forças morais, ao modo da gramática utilizada nas guerras culturais das novas direitas: de um lado, a tentativa multiculturalista de negação da identidade nacional em nome de uma falsa cultura da tolerância, dissolvente das características distintivas de cada povo; do outro, o empenho das nações em retomar suas origens e passado simbólico. O nacionalismo de Trump não representaria, para Araújo, o elogio ao insulamento, mas uma disposição à concertação internacional com base no reconhecimento da identidade de cada país. Desse modo, ele constituiria, de acordo com o ex-chanceler, uma reação salutar ao risco de diluição das nações em “uma pasta global sem forma” (Araújo, 2017, p. 332).

A gestão de Araújo logo se tornou alvo da crítica dos especialistas e da imprensa. Operando uma ruptura com as tradições de pragmatismo e multilateralismo da diplomacia brasileira, o ministro teria implementado uma política externa “ideológica” e subserviente em seu alinhamento automático aos EUA12. Já no seu discurso de posse, em 2019, Araújo, além de uma oração à Virgem Maria em tupi, havia exortado os diplomatas a se preocuparem menos com a leitura da Foreign Affairs – conhecida revista especializada do mundo diplomático – e mais em reatar os laços com o “povo” brasileiro (Araújo, 2019). Ainda que tenha parecido anedótica para comentaristas do período, trata-se, afinal, de uma performance insurgente que convém a um representante diplomático das novas direitas extremistas.

A crítica não percebeu que o ex-chanceler buscava ser consequente com a postura desses grupos políticos ao insistir sobre a discussão dos valores em um mundo de decisões políticas geralmente apresentadas como exclusivamente técnicas ou guiadas por princípios pragmáticos. Seguindo este modus operandi, Araújo se mostrou pronto, desde o início, a afirmar abertamente um conjunto específico de doutrinas, buscando dar expressão àqueles que seriam os sentimentos genuínos de insatisfação do “povo” – na acepção particular que, como vimos, as novas direitas extremistas emprestam ao termo – com as rotinas burocratizadas da diplomacia e o insulamento das elites políticas tradicionais em relação aos valores da “nacionalidade”.

A postura intransigente de Araújo em relação ao mundo dos valores despertou comentários irônicos de políticos experimentados, como Aloysio Nunes Ferreira, ex-senador e chanceler brasileiro durante a presidência de Michel Temer. Inspirando-se em Maquiavel, Nunes Ferreira observava que, cedo ou tarde, a “verdade efetiva das coisas” acabaria impondo ao então ministro das Relações Exteriores atitudes de compromisso e concessão. Não há dúvida de que o comentário de Aloysio Nunes constitui uma máxima de sabedoria política capaz de guiar nossa compreensão sobre os choques acomodatícios sofridos pelas forças que compunham o governo Bolsonaro na arena diplomática, especialmente em suas tensas relações com a China, ator central para o comércio e as exportações do agronegócio brasileiro (Dieguez, 2019). Escapa a tal realismo, no entanto, o fato de que é justamente contra leituras cínicas e desencantadas da realidade social e histórica que se insurgem os representantes intelectuais das novas direitas extremistas, que apelam para metanarrativas na tentativa de dotar a história de um sentido e uma finalidade transcendentes. Elas buscam se insurgir, afinal, contra o desencantamento das crenças e práticas institucionalizadas13.

A recusa de Araújo em se dobrar aos imperativos práticos da conjuntura internacional em nome da alardeada defesa da soberania dos valores do “povo brasileiro” atingiu o paroxismo com a pandemia de Covid-19. Conforme a visão que se consolidou no debate público, sua gestão, especialmente alinhada aos EUA de Trump nas manifestações de hostilidade à China e à OMS, comprometeu uma série de canais para a negociação internacional de recursos estratégicos ao enfrentamento da doença. Em março de 2020, Araújo, por meio de nota oficial do Itamaraty, censurou o embaixador chinês no Brasil por compartilhar críticas à família Bolsonaro no Twitter depois que esse reagiu energicamente às tentativas de Eduardo Bolsonaro de responsabilizar o país asiático pelo vulto tomado pela crise sanitária. Por orientação do chanceler, o Brasil apoiou a proposta dos EUA visando suprimir qualquer menção ao papel decisivo da OMS no combate ao Sars-CoV-2 em documento das Nações Unidas. Araújo também reverberou as críticas à gestão da crise pela agência multilateral, mostrando-se resistente à participação do Brasil na Covax Facility, aliança global liderada pela OMS para o desenvolvimento, produção e distribuição de vacinas entre países pobres14.

Por outro lado, o ministro das Relações Exteriores se engajou em negociações com o governo indiano para a liberação de insumos destinados à produção de cloroquina no Brasil. Em dezembro de 2020, reverberando o desdém de Bolsonaro pela gravidade da crise sanitária, Araújo qualificou grande parte da reação à doença como “histeria biopolítica” que vinha sendo utilizada “como mecanismo de controle” (Araújo, 2020b). Em março de 2021, em meio a pressões do Legislativo e a suspeitas veiculadas pela imprensa de que a hostilidade da diplomacia brasileira em relação à China teria retardado a entrega de insumos daquele país para a produção de vacinas no Brasil, Araújo renunciou ao comando do Itamaraty.

A aderência de Araújo a “fatos alternativos” a respeito da pandemia de Covid-19 nos indica como as posições das direitas extremistas se viram ameaçadas diante da realidade mesma do vírus, agente indiferente às fronteiras políticas que punha em evidência a precariedade das ações isoladas dos países em um mundo globalizado e hiperconectado. Na medida em que a interdependência das nações, no cenário mundial, e dos indivíduos e dos grupos, no interior das sociedades nacionais, ganhava relevo com a crise, os enunciados em torno da pandemia passavam a ser desacreditados por Araújo, que vocalizou, em especial, a apreensão das novas direitas com o possível fortalecimento do denominado globalismo.

O “globalismo” contra o qual esses grupos afirmam lutar têm deixado muitos analistas perplexos (Gragnani, 2019; Marchao 2019). Em sua imprecisão conceitual e em sua falta de referenciais empíricos claros, a expressão parece servir muitas vezes como significante vazio (Laclau, 2013) capaz de canalizar, na era das redes, sensações difusas de desconforto com os efeitos da globalização, articulando-as em favor de uma identidade política. Não se trata de uma crítica à globalização econômica – que implicaria uma revisão das teses do livre mercado, das quais os intelectuais das novas direitas se dizem defensores (Chaloub; Perlatto, 2015; Silva, 2021) –, mas do medo da captura do processo de integração dos mercados por agentes internacionais interessados na instituição de um governo e de uma cultura supranacionais. Os ares conspiracionistas que o discurso antiglobalista por vezes assume, fazendo supor que haja uma orquestração secreta de atores na arena internacional, estão sintonizados, não obstante, com a desconfiança em relação às instituições e às classes dirigentes – sentimento do qual as direitas extremistas se alimentam ao mesmo tempo que nutrem.

Em textos que articulam a ideia de “globalismo”, como os de Carvalho (2009) e Martins (2021), entrevê-se a angústia ante uma distopia tecnocrática, uma administração do globo exercida por burocratas anônimos, distante do alcance das pessoas comuns, refratária a seu poder decisório e, ao mesmo tempo, com capacidade técnica e científica para controlar hábitos e comportamentos, influindo sobre a sociedade e a cultura. Nesse sentido, a centralização político-administrativa em escala planetária caminharia de mãos dadas com um tipo de homogeneização cultural orientada por objetivos inconfessáveis, visando à erosão dos valores “genuínos” das nações ocidentais. Para as direitas extremistas brasileiras, trata-se do “marxismo cultural”, categoria que carece igualmente de precisão, mas que empresta um mesmo sentido a um conjunto diverso de pautas associadas aos setores politicamente progressistas (igualdade de gênero, direitos da população LGBTQIAPN+, combate ao aquecimento global antropogênico): tentativa de agir no terreno da cultura e das instituições como forma de abrir caminho à eventual tomada do poder político em escala global.

A despeito das imprecisões conceituais apontadas pelos analistas, a ideia de “antiglobalismo” se conecta à crise da representação política especialmente na medida em que sintetiza o medo difuso de um poder global transnacional sem face – “exercício totalitário sem um ente totalizante”, nas palavras de Araújo (2020a) – contra o qual seria preciso lutar em nome da capacidade de as nações moldarem seu próprio destino, exercendo por si mesmas o poder, conforme suas “tradições”.

Esse parece ter sido o sentido do alerta do ex-chanceler contra os riscos de um “comunavírus”, isto é, contra a possibilidade de que a conjuntura pandêmica abrisse caminho ao “vírus do comunismo” ao alimentar uma espécie de solidariedade internacional compulsória, avessa às liberdades individuais e à soberania das nações, tendente, nas palavras de Araújo, a transformar o ser humano “em um autômato desprovido de dimensão espiritual, facilmente controlável” (Araújo, 2020a). A tese – apresentada, como convém a um representante da direita “antissistema”, no blog pessoal do ministro de Bolsonaro, Metapolítica 17 – Contra o Globalismo – repercutiu na imprensa, sendo recebida com consternação e, ao mesmo tempo, escárnio, e lida como mais um ataque à China e à OMS15.

Araújo não atribui, contudo, a nenhum desses agentes em particular a captura da resposta à Covid-19 pelo globalismo, embora sinalize “o valor que tem a OMS neste momento para a causa da desnacionalização” (Araújo, 2020a). O protagonismo da agência multilateral lhe parece acenar com o risco de transferência gradativa dos poderes nacionais a um órgão global sob o pretexto de que respostas centralizadas seriam mais eficazes do que a ação individual dos países. Ainda assim, em seu texto, a OMS aparece mais como um ente a ser instrumentalizado do que agente impulsionador do globalismo (Araújo, 2020a).

Em realidade, à falta de evidências robustas para a tese de que a emergência sanitária vinha preparando o terreno para a implantação de um governo global, “sem rosto nem bandeira” (Araújo, 2020a), contrário às liberdades individuais, Araújo acabou escolhendo a dedo, e de modo bastante conveniente, o seu interlocutor, o autor cuja obra provaria, em definitivo, a articulação das forças globalistas em prol da cooperação internacional. Trata-se de Slavoj Zizek, filósofo esloveno que se tornou conhecido no mundo digital depois que passou a ensaiar diagnósticos sobre os males da sociedade contemporânea a partir de análises da cultura pop fundadas em um mescla de teoria marxista e psicanálise. Em seu livro, publicado no Brasil pela Editora Boitempo com o título de “Covid-19 e a reinvenção do comunismo”, Zizek procura extrair lições políticas e existenciais da pandemia, um exercício que foi bastante comum entre intelectuais e pensadores de diferentes colorações ideológicas ao redor do globo nos primeiros meses da crise sanitária – quando se instaurou a aguda percepção de que o mundo tal como o conhecíamos estava em suspenso.

O argumento de que novos laços de cooperação acabariam por emergir da resposta à emergência, presente no texto do filósofo, parece ter fornecido provas suficientes a Araújo de que os enunciados sobre o vírus vinham sendo capturados pelo “projeto globalista”, bastando para isso notar a influência do escritor esloveno sobre “faculdades e círculos intelectuais ‘progressistas’ ao redor do mundo” (Araújo, 2020a). A escolha de um interlocutor politicamente radical fornecia ao diplomata os elementos ideais para fundamentar a tese das novas direitas extremistas sobre a captura dos enunciados sobre a pandemia pelos interesses da política. Para o ex-chanceler, a força do argumento de Zizek residia em seu apelo ao “pragmatismo”, uma vez que a cooperação internacional – ensaio para a implantação de um governo global – vinha sendo apresentada como a única alternativa viável para o controle da doença (Araújo, 2020a). Muito mais perigoso do que o Sars-CoV-2, o vírus do comunismo ameaçava, deste modo, difundir-se com força redobrada pelo mundo.

Embora alvo de ridicularização, a produção textual de Ernesto Araújo, bem como a de outros representantes intelectuais das direitas “antissistema”, fornecem chaves importantes para a compreensão de como esses atores, ao articularem discursos sobre ciência, saúde e sociedade no mundo contemporâneo, vêm construindo a si próprios como sujeito político relevante no presente. Nesse sentido, suas ideias merecem ser examinadas e compreendidas.

Considerações Finais

Não é mera coincidência que a chamada era da “pós-verdade” tenha emergido de modo concomitante à ascensão das novas direitas extremistas ao poder político em diferentes partes do mundo. Bebendo nas águas da insatisfação popular com as elites técnicas, científicas e políticas em um momento em que a globalização neoliberal, agravando as desigualdades, dá sinais de esgotamento, as direitas extremistas buscam promover não apenas um novo regime político, mas também uma nova ordem comunicacional e epistêmica, de modo a serem capazes tanto de conectar mais organicamente o poder com as demandas daquilo que entendem como o “povo” quanto de acomodar, no rol de conhecimentos legitimamente aceitos, as verdades do seu “senso comum”, vistas como há muito silenciadas no debate público. Tal dimensão cognitiva é central para a compreensão da conformação desse novo ator político.

A pandemia de Covid-19 irrompeu nessa delicada conjuntura política e cognitiva, de questionamento das autoridades (técnicas e políticas) responsáveis por operar o pacto político das democracias liberais e de multiplicação de meios comunicacionais diretos e interativos, para além das mídias tradicionais, tidos pelas novas direitas extremistas como os canais por excelência de expressão das opiniões e anseios populares reprimidos. Pela instabilidade que gerou nos arranjos sociotécnicos do presente, não causa surpresa que a realidade mesma da Covid-19 tenha sido objeto de disputas acirradas. Ao realçar o espaço global comum em que vivem os povos, ela ameaçou levar de roldão os apelos “antiglobalistas” desses grupos. Conforme argumentamos, a resistência de quadros do governo Bolsonaro, como o ex-chanceler Ernesto Araújo, aos enunciados científicos sobre a doença deve ser compreendida à luz dessas disputas, que giraram em torno da forma de ordenamento do social.

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Notes

2 A expressão “fatos alternativos” se popularizou depois que Kellyanne Conway, então conselheira do presidente Donald Trump, empregou o termo para se referir eufemisticamente às alegações falsas do porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, sobre o número de pessoas que haviam comparecido à posse do presidente no início de 2017.
3 Este artigo é resultado das investigações que o autor vem realizando como pesquisador em estágio pós-doutoral no Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz (Bolsa ADC-1A do CNPq) e como integrante do Projeto de Pesquisa “O tempo presente na Fiocruz: ciência e saúde no enfrentamento da pandemia de Covid-19”, coordenado por Simone P. Kropf e conduzido no âmbito do Programa de Excelência em Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz (Proep-COC-CNPq, 2021). Agradecemos aos pareceristas anônimos as sugestões fornecidas para o aprimoramento do texto.
4 Estudo clássico explorando os processos concomitantes de construção da ordem social e de estabilização de enunciados científicos em fatos foi desenvolvido por Latour (1993). Para uma discussão sobre as doenças e as epidemias como objeto de investigação na História e nas Ciências Sociais, ver Silveira e Nascimento (2018). Conhecida análise sobre os imbricamentos entre doenças transmissíveis, respostas coletivas no âmbito da saúde pública e reorganização do poder político no Brasil encontra-se em Hochman (2012).
5 Não à toa, em 2016, o dicionário Oxford elegeu a expressão “pós-verdade” como palavra do ano. De acordo com a sua já célebre, e problemática, definição, o termo indicaria “circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes do que crenças pessoais e opiniões na formação da opinião pública” (Post-Truth, 2016).
6 Sobre os usos (e abusos) do conceito de populismo, ver Rosanvallon (2021). Analisando o caso brasileiro, Lynch e Cassimiro (2022) propõem uma distinção entre “populismo de esquerda” e “populismo de direita”, identificando o bolsonarismo a esse último.
7 Nos EUA e na Europa, a questão dos imigrantes assume um papel importante na construção das “ameaças” que atuam no reforço da identidade desses grupos políticos, ao passo que, no Brasil, os “inimigos” evocados são geralmente internos: as esquerdas culturais e políticas, o feminismo, a militância negra e o ativismo LGBTQIAPN+. Ver, a esse respeito, Gallego (2018).
8 A literatura ainda carece de análises sistemáticas não apenas sobre as afinidades, mas também sobre as colaborações que efetivamente se estabeleceram entre lideranças da extrema-direita no Brasil e nos EUA, que acabaram reforçando a dimensão transnacional da movimentação política desses grupos.
9 Para uma análise de como as novas direitas extremistas se consolidaram no Brasil, ver Rocha (2019). Sobre os variados perfis sociais e expectativas que elas mobilizaram em seu esforço de ascensão política, ver Kalil (2018).
10 Não nos parece fortuito que questões cognitivas, relativas à veiculação da verdade no espaço público – verdade esta que teria sido sequestrada, distorcida, ou mesmo “sufocada” pelas elites –, forneçam o mote para lemas e para títulos de livros celebrados pelas novas direitas extremistas, a exemplo de “O imbecil coletivo” (1996) e “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota” (2013), de Olavo de Carvalho, e de “A verdade sufocada” (2006), de Carlos Brilhante Ustra.
11 Seus serviços em Washington entre 2010 e 2014, quando estreitou relações com Nestor Forster, ministro-conselheiro da Embaixada brasileira considerado pelos pares como um católico de perfil ultraconservador, teria contribuído para aproximar Araújo desses grupos extremistas (Dal Piva; Evelin, 2019).
12 Para uma análise da ruptura em política externa proposta pelo bolsonarismo, ver Spektor (2019).
13 Em sua fala inicial à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instituída em abril de 2021 para apurar a conduta do governo federal em relação à pandemia de Covid-19, Ernesto Araújo procurou precisamente atacar as dicotomias “valor-interesse” e “ideologia-pragmatismo” nas leituras mais tradicionais sobre a condução da política externa (CPI [...], 2021).
14 Sobre a gestão de Araújo à frente da pandemia, CPI [...] (2021).
15 “Metapolítica” é o termo que sintetiza as estratégias das novas direitas extremistas de atuação por meio da cultura, da educação e das mídias, compreensão paradoxalmente gramsciana da prática política (Teitelbaum, 2019).
Avaliador 1: Miguel Said Vieira, https://orcid.org/0000-0002-4339-7429;

Avaliador 2: Fábio Zuker, https://orcid.org/0000-0001-9092-1943;

Author notes

Editore/as de Seção: Henrique Zoqui Martins Parra, https://orcid.org/0000-0001-8545-1975; Alana Moraes de Souza, https://orcid.org/0000-0003-4072-0320.
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