UM ÚLTIMO TRIÂNGULO NOTÓRIO: CONTRABANDISTAS PORTUGUESES, SENHORES CUBANOS E PORTOS NORTE-AMERICANOS NA FASE FINAL DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS, 1850-1867

Leonardo Marques
Universidade Federal Fluminense, Brasil

UM ÚLTIMO TRIÂNGULO NOTÓRIO: CONTRABANDISTAS PORTUGUESES, SENHORES CUBANOS E PORTOS NORTE-AMERICANOS NA FASE FINAL DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS, 1850-1867

Afro-Ásia, núm. 53, pp. 45-83, 2016

Universidade Federal da Bahia

Recepção: 26 Janeiro 2015

Aprovação: 15 Dezembro 2015

Resumo: O presente texto analisa a transformação de portos dos Estados Unidos em centros de organização de expedições negreiras entre 1850 e 1867, parte fundamental do arranjo que permitiu o desembarque ilegal de aproximadamente 170.000 africanos escravizados em Cuba durante esse período. O artigo explora os motivos que levaram a essa transformação após a supressão do tráfico de escravos para o Brasil em princípios da década de 1850 e as principais características e estratégias da rede de contrabandistas que se estabeleceu em Nova Iorque. O estudo também explora as tensões locais, nacionais e internacionais geradas pelo estabelecimento dos traficantes nos Estados Unidos e, finalmente, o processo de desmantelamento das bases de organização do contrabando negreiro em sua fase final.

Palavras-chave: tráfico de escravos, abolicionismo , segunda escravidão.

Abstract: The present article analyzes the transformation of U.S. ports into important centers for the organization of slave voyages between 1850 and 1867, which was a fundamental part of the configuration that made possible the illegal disembarkation of approximately 170,000 enslaved Africans in Cuba during those years. The article explores the reasons that led to this transformation after the suppression of the slave trade to Brazil in the early 1850s as well as the main characteristics and strategies of the slave-trading networks established in New York. The study also explores the local, national, and international tensions generated by the establishment of slave traders in the United States and, finally, the dismantling of these slave-trading networks.

Keywords: slave trade, abolitionism , second slavery.

Após a supressão definitiva do tráfico transatlântico de escravos para o Brasil em princípios da década de 1850, o contrabando negreiro viveria uma última rodada de desembarques no hemisfério, desta vez em Cuba. Aproximadamente 167.000 africanos escravizados foram desembarcados na colônia espanhola entre 1850 e 1867. Enquanto a primeira metade do século viu uma queda geral nos preços do algodão, do café e do açúcar — o que não impediu a expansão acelerada das fronteiras escravistas nos EUA, Brasil e Cuba —, a década de 1850 foi marcada por uma nova subida nos preços dos três produtos, especialmente do açúcar. Em 1839, Cuba produziu 130.200 toneladas de açúcar, o equivalente a 15,8% de um total de 820.318 toneladas negociadas no mercado mundial. Essa porcentagem subiu para 29,7% em 1860, com a produção de 749.000 toneladas na ilha e um total global de dois milhões e meio. Em um período de rápida expansão da economia-mundo — as décadas de 1850 e 1860, como demonstra Giovanni Arrighi, foram justamente o auge da expansão material do capitalismo global no chamado “terceiro ciclo sistêmico de acumulação” —, a demanda por trabalho no setor açucareiro cubano atingiu níveis inéditos. A produção de açúcar não apenas absorveu praticamente todos os escravos desem- barcados ilegalmente em Cuba entre 1850 e 1867, mas gerou, ainda, os fluxos de milhares de trabalhadores chineses sob contrato e até mesmo o sequestro de algumas centenas de índios de Yucatán — em um esquema envolvendo traficantes cubanos e o presidente do México, Santa Anna.[1]

O principal consumidor do açúcar cubano, bem como do café brasileiro, foram os Estados Unidos, que adquiriram, aproximadamente, metade do total exportado (seguidos pela Grã-Bretanha, com 15-20%) durante aqueles anos. O país vinha se expandindo vertiginosamente desde fins do Setecentos não apenas como consumidor de produtos primários, mas também em diversos setores produtivos e comerciais, incluindo o trato negreiro. As estimativas são de que, no ano de 1807, traficantes estadunidenses foram os segundos maiores compradores de cativos na África, com a aquisição de 36.217 escravos. Naquele ano, eles ultrapassaram os britânicos, responsáveis pelo embarque de 36.127 africanos escravizados, e não ficaram muito atrás dos portugueses, com seus 40.138 escravos. A entrada agressiva dos Estados Unidos no tráfico transatlântico de escravos foi resultado da qualidade de sua indústria naval e, consequentemente, da velocidade de sua frota mercantil. A superioridade dos barcos norte-ameri- canos pode ser observada em outros setores do comércio marítimo, como no da pesca baleeira, na qual comerciantes dos Estados Unidos substituíram, progressivamente, seus concorrentes britânicos durante a primeira metade do Oitocentos. No entanto, a série de leis passadas no país com o intuito de abolir o trato negreiro, mais especificamente as de 1807 — colocadas em vigor no dia primeiro de janeiro de 1808 — e 1820, produziu uma crescente divergência entre o número de navios norte-americanos utilizados no tráfico transatlântico como um todo, que se tornaram predominantes em meados do século, e o de traficantes dos Estados Unidos, que redirecionaram suas atividades para outras áreas — incluindo o tráfico doméstico de cativos. A legislação de princípios do século havia efetivamente desmantelado a comunidade de traficantes de Rhode Island, principal responsável pelos desembarques de africanos sob a bandeira dos Estados Unidos desde a independência do país.[2]

Historiadores têm reforçado a centralidade dos Estados Unidos para a história da chamada “segunda escravidão”, i. e., a reorganização da escravidão nas Américas enquanto parte de transformações mais am- plas na economia mundial sob a égide britânica durante o século XIX. O país, que se tornaria a maior sociedade escravista do Oitocentos — com, aproximadamente, quatro milhões de cativos às vésperas da Guerra Civil, em sua maioria empregados na produção de algodão destinado aos setores industriais do Atlântico Norte —, não foi apenas o maior consumidor de mercadorias produzidas por escravos no hemisfério e principal produtor dos navios utilizados no contrabando negreiro. Ele foi, também, o gran- de defensor da escravidão — ou, nas palavras de Don Fehrenbacher, a “república escravista” — nas relações internacionais durante boa parte do século XIX. Como demonstram Rafael Marquese e Tâmis Parron, interesses escravistas no Brasil e em Cuba construíram suas políticas em sintonia não apenas uns com os outros, mas com a emergência do vizinho do norte como bastião fundamental da escravidão oitocentista nas Américas. Traficantes envolvidos no contrabando para os dois países também acompanharam tais desenvolvimentos com atenção e transformaram a bandeira dos Estados Unidos em parte cada vez mais importante de suas operações ilícitas. A estratégia foi um produto da persistente recusa de sucessivas administrações estadunidenses em estabelecer tratados antitráfico com o governo britânico que incluíssem o estabelecimento de comissões mistas, consideradas inconstitucionais por diversos setores nos EUA, e o direito mútuo de busca, que remetia às tensões que desembocaram na guerra anglo-americana de 1812. Tais recusas, por sua vez, contribuíram para fortalecer a imagem do país como uma república escravista nas relações internacionais. Conforme a Marinha britânica apertava o cerco a navios com as bandeiras da Espanha, de Portugal e do Brasil — pela adição de novas cláusulas a tratados já existentes, como a anglo-espanhola de 1835, que permitiu a apreensão de navios espanhóis equipados para o tráfico, e de novas interpretações desses mesmos tratados, como as que desencadearam um crescente número de condenações de navios suspeitos com a bandeira do Brasil nos anos 1840 —, a dos EUA se tornava a opção favorita dos contrabandistas. Assim, a contribuição dos Estados Unidos para o contrabando negreiro cresceu e, após a reconfiguração do tráfico para Cuba durante a década de 1850, atingiu níveis inéditos. Como no Brasil dos anos 1840, a fase final do tráfico para Cuba contou com a presença da bandeira, de navios, capitães e marinheiros dos Estados Unidos. Nessa fase final do tráfico, contudo, o peso dessa contribuição era muito maior.[3]

O papel central dos Estados Unidos se refletiu, também, em uma das principais inovações dessa fase final do tráfico: a transformação dos portos norte-americanos em centros fundamentais de organização do contrabando negreiro. Após o desmantelamento das redes do contrabando no Brasil, traficantes se transferiram para o país que vinha oferecendo as formas mais abertas de resistência à pressão britânica nas relações internacionais. Nova Iorque, em especial, ficaria famosa como o grande centro do contrabando negreiro na segunda metade da década de 1850. À frente dessa transformação estava uma rede de traficantes portugueses, indivíduos que, não raro, tinham participado de alguma forma do contrabando negreiro para o Brasil nos anos 1840. O objetivo do presente texto é analisar a transformação de portos estadunidenses em centros de organização de expedições negreiras, aspecto fundamental do arranjo que contribuiu para o desembarque ilegal de quase 170.000 cativos em Cuba após 1850. O artigo analisa a reorganização do contrabando após a lei de 1850 no Brasil, as principais características e estratégias das redes que transformaram Nova Iorque em capital do contrabando negreiro, as tensões locais, nacionais e internacionais geradas por tais atividades e, finalmente, o processo de desmantelamento das bases de organização do contrabando nos Estados Unidos.

A reorganização do contrabando negreiro após 1850

Os eventos que levaram à Lei Eusébio de Queirós, de 4 de setembro de 1850, assim como os debates historiográficos em torno da supressão do contrabando negreiro para o Brasil são bem conhecidos. Ao longo dos dois anos seguintes, ficava crescentemente claro que a configuração política que permitiu o desembarque ilegal de mais de 700.000 africanos escravizados nas duas décadas anteriores estava finalmente chegando ao fim. Em princípios de 1851, o ministro dos Estados Unidos no Brasil, Robert C. Schenck, acreditava que as ações da Marinha britânica e das autoridades brasileiras estavam muito próximas de suprimir o contrabando de forma definitiva. Schenck frisava, no entanto, que “passado o pânico inicial dos comerciantes de escravos, eles têm tido tempo de olhar a seu redor para observar e desenvolver meios de conduzir de forma mais segura seus antigos negócios”. Além disso, os obstáculos ao comércio negreiro haviam dobrado os preços de escravos, levando-o a concluir que “o sucesso no desembarque e venda de um único carregamento faria a fortuna do aventureiro”. Suas especulações pareceram se confirmar em abril de 1852 com o desembarque de centenas de africanos do Palmeira no Rio Grande do Sul. O plano dos traficantes, rapidamente frustrado pelas autoridades brasileiras, era transportar os cativos em pequenas embarcações para São Paulo através de Santa Catarina.[4]

O caso de maior repercussão, no entanto, veio em dezembro, quando o navio norte-americano Camargo desembarcou 500 cativos em Bracuhy, região sul do estado do Rio de Janeiro, com sua rápida distribuição pelas fazendas de café de Bananal. O governo brasileiro, pela primeira vez, ordenou buscas por africanos ilegalmente desembarcados no interior das fazendas, mas apenas 38 deles foram encontrados e resgatados. Ainda assim, o poderoso Joaquim Breves, principal figura por trás da expedição, foi legalmente processado, enquanto quatro membros da tripulação — dois norte-americanos, um espanhol e um inglês — foram presos. A investigação também resultou na prisão de uma das principais figuras que intermediava o acesso aos navios dos Estados Unidos aos traficantes no Brasil, o norte-americano George Marsden, que ficou detido durante quase toda a primeira metade de 1853.[5]

Àquela altura, a maioria dos principais traficantes portugueses que operavam no Brasil, como Manoel Pinto da Fonseca, José Bernardino de Sá e Tomas da Costa Ramos, o Maneta, já tinham sido deportados do país, não raro carregando grandes fortunas. O cônsul britânico em Lisboa acreditava que entre 300 e 400 portugueses envolvidos com o tráfico de escravos deixaram o Brasil voluntariamente entre março de 1850 e março de 1851, carregando consigo aproximadamente 400.000 libras esterlinas. Animado com o aparente sucesso das ações contra o contrabando no Brasil, o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Lord Palmerston, afirmou, na Câmara dos Comuns, que fora informado por cônsules britânicos em Lisboa e Porto que “140 comerciantes que estavam no Brasil se deslocaram para Portugal e investiram seus ganhos em terras e casas”. Outra prova do fim do tráfico para o Brasil, de acordo com ele, era que “um grande capital flutuante de 1.200.000 libras esterlinas foi recentemente retirado desses empreendimentos e investido no estabelecimento de um banco em Lisboa”. O testamento de Manoel Pinto da Fonseca demonstra, de fato, que a maior parte de sua fortuna foi investida em bancos e ações. Tomás da Costa Ramos e outros dois traficantes, por sua vez, aparentemente investi- ram parte desse capital na construção de uma estrada de ferro conectando Barreiros a Setubal e Vendas Novas, no sul de Portugal.[6]

A transição, no entanto, não foi imediata, e muitas dessas figuras redirecionaram suas atividades para o crescente contrabando de escravos para Cuba, enquanto aguardavam uma possível reabertura do tráfico para o Brasil. Espanhóis proibiram formalmente o tráfico de escravos para a ilha em 1820, como resultado de um tratado estabelecido com o governo britânico três anos antes. Em 1845, uma lei penal também foi passada para a supressão do comércio. A maioria dos capitães-generais, durante a década de 1850, no entanto, se recusavam a aplicar a lei, a ponto de prejudicar economicamente os fazendeiros cubanos. Um comissário britânico escrevia, em 1851, que o recém-nomeado capitão-general José Gutiérrez de la Concha (1850-1852) teria dito que, se ficasse convencido de que o crescimento da riqueza agrícola da ilha não dependia de novas importações de escravos, ele aplicaria a lei. Caso “não chegasse a tal conclusão, ele estaria mais ou menos disposto a fechar os olhos para novas importações de negros”. Os informantes do agente britânico acreditavam que pouquíssi- mos escravos — ou mesmo nenhum — seriam desembarcados em Cuba.[7]

O otimismo rapidamente se desfez com o aumento dos preços do açúcar no mercado internacional, o que levou ao crescimento do número de escravos desembarcados em Cuba ao longo da década de 1850. As estimativas atuais são de que o tráfico para a colônia espanhola dobrou entre os anos 1840 e 1850, com o número de escravos desembarcados passando de 68.950 para 111.661. Ainda assim, a lei de 1845 teve um impacto importante ao aumentar os preços de escravos, pois tornava necessários os subornos destinados às autoridades locais — há relatos de que o tenente-governador de Trinidad, por exemplo, recebeu a vul- tosa quantia de 51.000 dólares por permitir um único desembarque em 1860. No contexto de tensões geopolíticas envolvendo Estados Unidos, Grã-Bretanha e Espanha, autoridades cubanas precisavam encontrar um equilíbrio entre demonstrar a vontade de extinguir o tráfico ilegal — para que o apoio estratégico da Grã-Bretanha contra ameaças externas fosse mantido — e garantir a lealdade dos senhores de escravos — que ocasionalmente defendiam a anexação aos Estados Unidos como estra- tégia para proteger a escravidão em Cuba. Um número considerável de processos legais foram abertos durante a década, e até mesmo Julián Zulueta, um dos mais importantes senhores de escravos e traficantes da ilha, ficou preso por alguns meses. O governo do capitão-general Juan de la Pezuela (1853-1854) foi particularmente marcado por conflitos com fazendeiros locais, uma consequência de suas políticas mais contundentes contra o contrabando negreiro. Em seu primeiro decreto, Pezuela esta- beleceu que governadores e tenentes-governadores que colaborassem com desembarques ilegais em suas províncias seriam removidos de seus cargos, o que viria a acontecer, de fato, em Trinidad e em Santo Spiritus. Posteriormente, ele tentou modificar a lei de 1845, com a introdução de um esquema de registros para todos os escravos da colônia, de modo a tornar possível a identificação de cativos ilegalmente vendidos na ilha. O retorno de José Gutiérrez de la Concha como capitão-general em 1854 (cargo que ocuparia até 1859) levou à revogação imediata do decreto e à garantia aos senhores cubanos de que autoridades não teriam permissão para entrar nas fazendas. O objetivo de Concha era manter a estabilidade da escravidão e garantir a lealdade dos senhores cubanos, política levada adiante por seu sucessor, Francisco Serrano (1859-1862). O contexto, portanto, demandava uma condenação pública do tráfico de escravos, e tanto Concha quanto Serrano tomaram medidas de combate ao contrabando, ainda que com a cautela necessária para não extingui-lo como um todo ou estimular a insatisfação dos senhores de escravos cubanos.[8]

Nesse contexto turbulento, alguns dos traficantes deportados do Brasil tentaram transferir suas atividades para Cuba, esforço rapidamente desmantelado pelas autoridades cubanas. O traficante português Antônio Severino Avellar, de passagem por Havana em sua viagem para os Esta- dos Unidos, relatou à polícia brasileira que o capitão-general lhe dera o prazo de doze dias para que deixasse a ilha. O fracasso desses traficantes portugueses era consequência direta dos novos aspectos do tráfico que vieram a caracterizar sua fase final. Com a lei penal de 1845 e o aumento dos subornos, apenas indivíduos muito bem conectados como Julián Zulueta, Francisco Feliciano Ibañez, José Luis Baró, Mariano Borrell, Francisco Martí e Nicolás Martínez de Valdiviso, em sua maioria senhores de terras e escravos fortemente ligados às autoridades locais, possuíam os recursos necessários para organizar o desembarque de escravos em Cuba com segurança. O capitão-general Francisco Serrano, por exemplo, acusado por autoridades britânicas de facilitar desembarques ilegais, era parente do citado Mariano Borrell.[9]

O estudo das redes do contrabando negreiro para Cuba é uma tarefa particularmente complexa em consequência do grande número de nomes que aparece na documentação, produto das estratégias utilizadas pelos próprios traficantes para burlar a lei. Historiadores concordam, no entanto, que a principal figura por trás do contrabando para Cuba durante essa fase final foi Julián Zulueta. O historiador José G. Cayuela Fernández estima que Zulueta foi responsável pelo desembarque de 16.000 escravos na ilha, seguido por Feliciano Ibañez (entre 10.000 e 11.000 escravos), Francisco Martí (8.000 escravos) e o Conde de Cañongo (5.000 escravos). Em torno de 1860, Zulueta era provavelmente o maior senhor de escravos de Cuba, resultado de seus múltiplos papéis nas ope- rações do contrabando. Cultivando boas relações com capitães-generais e mantendo a reputação de respeitável comerciante, Zulueta chegou até mesmo a visitar a Espanha em 1848 para pressionar o governo por regulamentações mais frouxas em relação ao tráfico. De acordo com David Eltis, se considerarmos que muitos dos donos de expedições negreiras que aparecem na documentação o eram apenas nominalmente, é muito provável que a maioria absoluta dos desembarques de sucesso em Cuba contaram, de alguma forma, com a participação de Zulueta.[10]

Com Brasil e Cuba fechados para traficantes portugueses, a maioria dos que tencionavam continuar envolvidos no contrabando tiveram de estabelecer as bases de suas operações em Lisboa e Nova Iorque. Quando perguntado se era verdade que continuava envolvido no contrabando negreiro, o famoso traficante espanhol Francisco Rovirosa, preso e interrogado pelas autoridades brasileiras em maio de 1853, respondeu que era verdade, mas apenas para Cuba. Rovirosa ainda nomeou as outras figuras principais que continuavam envolvidas no comércio ilícito: Tomás da Costa Ramos, Coimbra e Manoel Pinto da Fonseca em Portugal e Antônio Augusto de Oliveira Botelho nos Estados Unidos. Os que estavam em Lisboa logo re- direcionaram seus investimentos para outras áreas, como estradas de ferro e bancos. Botelho e outros portugueses que migraram para os Estados Unidos, no entanto, ainda construiriam uma longa história no tráfico de escravos. Já em 1851, autoridades britânicas acusavam Botelho de ter organizado pelo menos quatro expedições negreiras para Cuba a partir dos Estados Unidos.[11]

A Companhia Portuguesa

A organização do tráfico a partir de portos norte-americanos praticamente desapareceu nas três décadas após a passagem da legislação de 1818-1820 nos Estados Unidos, que transformou a participação no trato negreiro em crime de pirataria. Na década de 1840, algumas expedições negreiras tiveram seu início nos Estados Unidos, mas foi apenas na década de 1850 que portos estadunidenses como os de Nova Orleans e Nova Iorque se tornaram centrais na organização das operações do contrabando negreiro, como mostra a Tabela 1. Os números do primeiro período (1851-1854) são um reflexo do momento de transição do contrabando negreiro para Cuba, com uma parcela significativa das viagens ainda organizadas no Brasil e na Europa. Portos brasileiros e europeus praticamente desapareceram no segundo período (1855-1858), ao passo que portos norte-americanos se tornaram quase tão importantes quanto os cubanos. As estimativas são de que pelo menos 23.619 africanos escravizados foram embarcados em expedições iniciadas em portos dos Estados Unidos, especialmente em Nova Iorque.

Tabela 1
Estimativa do número de navios e escravos neles embarcados por região de partida das Américas para a África, 1851-1858
Estimativa
do número de navios e escravos neles embarcados por região de partida das
Américas para a África, 1851-1858

Nota: Para chegar aos números apresentados nesta tabela, utilizei as estimativas do total de escravos embarcados para os dois períodos (1851-1854 e 1855-1858) na base de dados Voyages (Assessing the Slave Trade/Estimates), dividi os totais pela média de escravos embarcados por navio para cada um deles (Voyages Database/Summary statistics) e, assim, cheguei ao número total de viagens para cada período. Em um segundo momento, calculei a porcentagem de viagens para cada região de partida com base nas informações para viagens específicas Voyages (interface Voyages Database/Search the Voyages database) e distribuí a estimativa do número total de viagens e de escravos de acordo com essas porcentagens. Para o período 1851-1854, a base de dados contém a região de partida para 76 viagens (uma das quais excluí por ter se iniciado na própria África). A média de escravos embarcados por navio foi de 520. Para o período 1855-1858, a Voyages contém informação sobre região de partida para 74 viagens (uma delas partindo de Porto Rico, que incluí na categoria “Cuba”). A média de escravos embarcados por navio nesse segundo período foi de 547.

Fonte: http://www.slavevoyages.org, acessado em jan. 2015.

As principais figuras por trás dessa transformação foram traficantes portugueses, frequentemente citados na historiografia como a “Companhia Portuguesa”. Pesquisadores e mesmo alguns contemporâneos falam em um único grupo, mas a dita companhia parece ter sido composta por diversas organizações e parcerias formadas ao longo da década. Além de Antônio Augusto de Oliveira Botelho, os principais traficantes portugueses em Nova Iorque eram Manuel Fortunato de Oliveira Botelho (irmão de Antônio Augusto), Joaquim Teixeira Miranda, John Albert Machado, Gaspar José da Motta, J. Lima Vianna, os membros da Abranches, Almeida & Co, José Luccas Henriques da Costa e, talvez o mais conhecido de todos, Manoel Basílio da Cunha Reis.[12]

Enquanto traficantes portugueses no Brasil estiveram fortemente ligados à ponta africana de suas redes durante a década de 1840, os importadores cubanos da década seguinte, de modo geral, não tiveram qualquer controle sobre feitorias e fortes na África. Esse era, na verdade, um problema crônico do tráfico de escravos espanhol desde o século XVIII, quando surgiram as primeiras tentativas de criação de um tráfico predominantemente espanhol.[13] Em 1820, por exemplo, um comissário britânico em Cuba descrevia como traficantes espanhóis eram obrigados a buscar escravos em Moçambique, pois, na África Ocidental, “os portugueses não os fornecem nenhum bom negro em suas instalações”. Alguns traficantes espanhóis conseguiram penetrar no lado africano des- sas operações, mas nunca de modo comparável aos portugueses, força majoritária nas principais regiões fornecedoras de cativos. Na década de 1850, a maioria das feitorias possuía donos independentes ou os próprios traficantes portugueses de Nova Iorque, que tinham uma presença particularmente forte na África Central — principal região exportadora de escravos no período final do tráfico. Muitos atuaram nas feitorias de companhias baseadas no Brasil durante a década anterior, posteriormente se tornando eles mesmos financiadores e organizadores de suas próprias expedições negreiras. Em 1845, um dos juízes britânicos em Serra Leoa reclamava que John A. Machado, conhecido como agente de traficantes do Brasil, e que se tornaria um dos principais traficantes de Nova Iorque durante a década seguinte, continuava a “operar um comércio, em minha opinião, muito suspeito em Freetown”. José da Silva Maia Ferreira — considerado, por muitos, o pai da literatura angolana — também estava entre o grupo de migrantes que partiu da África para Nova Iorque após a supressão do tráfico de escravos para o Brasil. O período de Maia Ferreira na cidade é geralmente associado a seu trabalho para os irmãos Figanière e à sua nomeação como vice-cônsul português em Nova Iorque, em 1856. Antes disso, contudo, Maia Ferreira fora parte da rede contrabandista de portugueses residentes em Nova Iorque, procurado pelas autoridades de Benguela, em 1855, pelo seu envolvimento no tráfico de escravos. A experiência desses traficantes com o comércio africano foi fator-chave para o sucesso da reorganização do tráfico após a abolição no Brasil. Em fins da década de 1850, um comandante britânico apontava para a companhia de Manoel Basílio da Cunha Reis como “os maiores comerciantes de escravos de toda a Costa”, com feitorias em Punta Lenha, Embonma, Londono, Cabeça de Cobra, Moanda, Killongo e Ponto Negro.[14]

O interesse em navios norte-americanos foi parte fundamental da reincorporação dos portos dos Estados Unidos pelas redes do contrabando negreiro para as Américas. José da Silva Maia Ferreira, por exemplo, aler- tava em uma carta ao traficante Antônio Severino Avellar que “os navios estão em Nova Iorque muito, muito baratos”.[15] Em uma das muitas cartas encontradas a bordo do Mary E. Smith, navio norte-americano apreendido pelas autoridades brasileiras em 1856 com mais de 380 escravos a bordo, um dos donos da embarcação, Guilherme José da Silva Correa, alertava ao outro, João José Vianna, que “Baltimore é o melhor lugar para navios baratos”. Contrabandistas vinham utilizando navios construídos nos Estados Unidos praticamente desde, pelo menos, a década de 1820. Já em 1825, o famoso traficante Francisco Félix de Souza, o Chachá de Ajudá, encomendou aquele que foi possivelmente o primeiro de seus navios norte-americanos. A partir de 1835, com o acirramento da pressão britânica, os navios dos Estados Unidos se tornaram interessantes para o contrabando não apenas em função de sua qualidade e velocidade, mas também pela possibilidade de que carregassem a bandeira dos Estados Unidos. Era por isso que, em sua carta para Viana, Correa afirmava não só que embarcações baratas podiam ser compradas em Baltimore, mas que “o navio deve vir com a bandeira americana”. Era esta, afinal, que garantiria a proteção contra a Marinha britânica.

A esperança de Guilherme José da Silva Correa, João José Vianna e Manoel Basílio da Cunha Reis, o terceiro proprietário do Mary E. Smith, era que o tráfico para o Brasil fosse reaberto. “Em virtude de relatos recebidos do Rio”, Correa escreveu: “descobri que alguns negócios estão prestes a ser feitos para aquele lugar”. O traficante então instruiu Vianna a comprar um barco “para carregar 400 volumes” (isto é, escravos), com a observação adicional de que um suprimento de 45 a 50 barris de água era necessário para carregar entre 450 e 500 deles. Em outra carta, Correa recomendava que Vianna, a bordo de um navio negreiro, repassasse os ganhos dos “volumes” para Zulueta. Enquanto o tráfico para o Brasil não fosse reaberto, os grandes negreros cubanos continuariam a ter um papel fundamental no contrabando negreiro em virtude de sua centralidade nos sistemas de distribuição de cativos na ilha. A própria expectativa acerca de uma eventual reabertura do contrabando brasileiro era certamente motivada pelos custos particularmente elevados das operações negreiras em Cuba. Além disso, como demonstram David Eltis e Roquinaldo Ferreira, as negociações com senhores cubanos eram permeadas por incertezas — que não raro se configuravam em calotes —para traficantes portugueses.[16]

Se, por um lado, senhores cubanos se tornaram peças fundamentais com a reorganização do contrabando após 1850, por outro, os intermediários norte-americanos que garantiram o acesso às embarcações norte-americanas no tráfico para o Brasil se tornaram, em grande medida, irrelevantes. Muitos dos portugueses que se transferiram para os Estados Unidos durante a década de 1850 adquiriram cidadania americana e tiveram acesso direto às embarcações produzidas no país. Assim, eles passaram a desempenhar múltiplos papéis no contrabando, da organização de suas próprias viagens à atuação como agentes de traficantes espanhóis interessados na utilização da bandeira dos Estados Unidos para proteger suas atividades ilícitas. Tornavam-se, portanto, financiadores e agentes. No caso do Atlantic, por exemplo, a documentação revela Abranches no papel de intermediário para uma companhia de Havana, a Pla, Franganelle & San Miguel. A crescente irrelevância dos antigos intermediários norte-americanos para os traficantes portugueses fica clara na trajetória de George Marsden, agente que tivera papel fundamental no acesso às embarcações dos Estados Unidos para traficantes no Brasil. Após ficar preso no Brasil durante os primeiros meses de 1853 em consequência de seu envolvimento no caso do Bracuhí, Marsden foi deportado para Nova Iorque, onde tentou organizar novas expedições negreiras. Com a apreensão do Grey Eagle, navio norte-americano que desembarcou 584 escravos em Cuba, em 1854, um número de prisões foi efetuado, incluindo a do português John A. Machado, que confirmou que havia adiantado dinheiro para Marsden, o qual operava como intermediário do espanhol Don Leoncio Riveiro. Marsden escapou para o Canadá e, posteriormente, para Lisboa. A correspondência entre traficantes nesse período é pontuada por referências a Marsden — e seus frequentes pedidos de empréstimos — como um problema.[17]

Traficantes cubanos tinham formas alternativas de acesso aos navios e à bandeira dos Estados Unidos por conta de suas próprias conexões com companhias espanholas estabelecidas em Nova Iorque e Nova Orleans. Um desses intermediários era a casa de Golden, Shaw & Lespanna, que, de acordo com um oficial da Marinha britânica, recebia “os principais acionistas, ou um agente confiável com os devidos fundos” de Havana, toda vez que expedições negreiras eram organizadas na ilha. O cônsul britânico em Nova Orleans respondeu à denúncia alegando que a companhia em questão trabalhava como corretora e agente de embarcações envolvidas no comércio entre Nova Orleans, Havana e Vera Cruz. “É possível que eles tenham sido empregados por grupos na compra de embarcações, que são posteriormente destinadas ao tráfico de escravos”, o cônsul prosseguiu, “mas duvido muito da afirmação de que eles possuem fundos ou qualquer parte no empreendimento”. Era, muito provavelmente, o mesmo tipo de serviço que outras companhias espanholas nos Estados Unidos, como Prats, Pujol & Co, Jiménez, Martínes & Lafitte, Gregorio Tejedor & Cia e Justo Mazorra & Co forneciam para traficantes cubanos — e que empresas norte-americanas como Maxwell, Wright & Co e James Birckhead & Co providenciaram durante a primeira metade dos anos 1840 no Brasil. Tais companhias, no entanto, não estavam conectadas às pontas africanas das operações do contrabando como os portugueses de Nova Iorque, o que explica sua forte presença no tráfico ao longo da década de 1850.[18]

Além do acesso direto a recursos como navios e à proteção fornecida pela bandeira dos Estados Unidos, ao estabelecer a base do contrabando negreiro para Cuba em Nova Iorque, os contrabandistas portugueses pude- ram explorar as brechas abertas pela existência de um comércio legítimo entre os Estados Unidos e a África, especialmente em óleo de palma. John Albert Machado, por exemplo, utilizou amplamente o comércio legítimo como disfarce para suas operações ilegais. De acordo com um artigo da década de 1860, quando a real dimensão de suas atividades ilegais veio à tona, “diz-se que ele participa há uns quinze anos do comércio legítimo e ilegítimo com a Costa, organizando seus empreendimentos em óleo de palma, marfim e negros com zelo imparcial e lucros variados”.[19] De acordo com autoridades norte-americanas, “as operações [de Machado] no negócio de comércio de escravos eram conduzidas com uma astúcia e sigilo que seus compatriotas e colegas J. Lima Viana, Botelho, Abranches Almeida & Co, Figanière & Co não achavam que valia a pena recorrer”. Machado utilizava portos distintos e o nome de sua própria esposa para acobertar suas atividades. “Com o suborno deliberado durante um período em que o tráfico de escravos ainda não tinha se tornado impopular em Nova Iorque”, o relatório prosseguia, “ele conseguiu passar despercebido e evitar sua detenção por um longo período”. Tais cuidados foram, certa- mente, resultado de sua prisão no já citado caso do Grey Eagle de 1854. Apenas em 1860, o nome de Machado reapareceria nos muitos casos do contrabando denunciados nos jornais dos Estados Unidos.[20]

É possível que outros traficantes portugueses de Nova Iorque não tomassem os mesmos cuidados que Machado em função da proteção às suas atividades oferecidas pelo consulado português na cidade. Representantes diplomáticos portugueses nos Estados Unidos raramente mencionavam conflitos envolvendo traficantes em seus despachos da primeira metade da década de 1850. Os principais traficantes de Nova Iorque, na verdade, eram considerados respeitáveis comerciantes portugueses pela diplomacia portuguesa nos Estados Unidos. Em uma reunião da comunidade portuguesa da cidade, organizada em 1856 para levantar fundos em auxílio à população de Cabo Verde, que passava por uma crise de abastecimento de alimentos, o comitê nomeado para tal fim tinha entre seus cinco membros o mesmo Manoel Basílio da Cunha Reis. Ao lado de Antônio Augusto de Oliveira Botelho e do poeta José da Silva Maia Ferreira, Cunha Reis também figurava na lista de contribuintes que levantaram a soma de 2.000 dólares. A boa reputação dos principais traficantes portugueses, portanto, tornou as relações com os consulados portugueses no país mais estreitas durante boa parte dos anos 1850.[21]

Os principais diplomatas portugueses nos Estados Unidos durante a década foram Joaquim César de la Figanière e Mourão e seu filho, César Henrique Stuart de la Figanière. Joaquim de la Figanière foi membro de uma Comissão Mista em Serra Leoa, em 1820, e ocupou outras posições no governo português durante as décadas seguintes, incluindo a de representante diplomático no Brasil, em fins da década de 1830, quando protestou com frequência contra as capturas irregulares de embarcações portuguesas pela Marinha britânica. Durante a maior parte dos anos 1850, ele trabalhou em Washington D. C. como ministro português nos Estados Unidos, e seu filho foi nomeado cônsul-geral português em Nova Iorque. Seu outro filho, Guilherme de la Figanière, naturalizado americano — e que ocasionalmente aparece na documentação como William —, tra- balhou com seu irmão como comerciante em uma companhia dedicada principalmente à importação de vinhos, ao menos à primeira vista. Um terceiro sócio da companhia era Manuel Basílio da Cunha Reis.[22]

Uma das funções de César de la Figanière, enquanto cônsul-geral de Nova Iorque, era defender os interesses de comerciantes portugue- ses. Quando a Marinha do Haiti, portanto, capturou o navio português Ceres por suspeita de envolvimento no tráfico, César de la Figanière imediatamente escreveu para o cônsul francês na ilha pedindo para ele “proteger a propriedade e aqueles que se diz serem portugueses, no caso das autoridades haitianas haverem procedido sem causa fundada e arbitrariamente contra eles”. Afirmava, ainda, que, se confirmassem o envolvimento do navio no tráfico de escravos, ele imediatamente deixaria de auxiliar os portugueses em questão. César de la Figanière, no entanto, forneceu passaportes e documentos para conhecidos traficantes que compravam navios nos Estados Unidos, como Manoel Antônio Teixeira Barboza de Benguela — que tinha John Albert Machado como seu financiador — e Antônio Augusto de Oliveira Botelho. Suspeitas de que César de la Figanière tinha relações comprometedoras com os con- trabandistas atingiram, no entanto, um novo patamar após a apreensão do Mary E. Smith e das correspondências dos traficantes encontradas a bordo. Cunha Reis, terceiro sócio de uma das companhias dos irmãos Figanière, aparecia na documentação, como vimos, como um dos três principais organizadores da expedição. As cartas davam indicações de que Cunha Reis vinha utilizando a reputação de seus parceiros para conduzir suas operações negreiras. Quando uma companhia do Rio de Janeiro afirmou que não negociaria com traficantes, por exemplo, ele assegurou que seus parceiros estavam envolvidos exclusivamente com “comércio legítimo”.[23]

As tensões com autoridades locais dos Estados Unidos

O arranjo estabelecido pela reorganização do contrabando a partir dos Estados Unidos — envolvendo portos, navios, bandeira e o comércio legítimo com a África, além das relações com representantes diplomáticos — possibilitou o desembarque de milhares de africanos escravizados em Cuba, mas logo chamou a atenção de autoridades locais. Conforme emergiam evidências do contrabando organizado a partir de portos norte-americanos, promotores, delegados e a polícia dos Estados Unidos apertavam o cerco. José da Silva Maia Ferreira alertava outro traficante sobre o aumento desses problemas — além de demonstrar seu apreço por Shakespeare —, escrevendo que Cunha Reis “melhor poderá informá-lo, sobretudo dos prejuízos que as autoridades daqui, especialmente daAlfândega, estão fazendo todas as vezes que qualquer despacha navios para a pátria de Othelo.”[24]

Não foram poucos os esforços dos promotores distritais de Boston e Nova Iorque, respectivamente B. F. Hallett e John McKeon, para condenar traficantes e impedir a partida de navios negreiros de seus estados. Em junho de 1856, o Departamento de Estado dos EUA infor- mou a McKeon, a partir de denúncias enviadas da África, que o tráfico de escravos continuava sendo organizado a partir de Nova Iorque. A esperança era de que a combinação dessas informações com o material coletado pelo próprio McKeon seria suficiente para processar os contrabandistas que se estabeleceram na cidade. O promotor nova-iorquino vinha tentando desmantelar as redes do contrabando negreiro desde, pelo menos, 1854, quando o Julia Molton, navio negreiro que partiu de Nova Iorque, carregou 660 africanos escravizados do sul do Rio Congo para Cuba. Em setembro de 1854, McKeon — que havia permanecido “ativamente empenhado, nas últimas semanas, em desmascarar cer- tos grupos acusados de equipar embarcações em Nova Iorque com o propósito de traficar escravos” — ordenou a prisão do capitão do Julia Molton, que foi condenado, então, a dois anos de prisão e uma multa de 1.000 dólares. Os argumentos na fase final do julgamento giraram em torno da cidadania do capitão, cuja verdadeira nacionalidade, de acordo com seu advogado, era alemã, e seu nome, na verdade, Schmidt e não Smith. Em um segundo momento, o debate centrou-se na propriedade da embarcação, com uma discussão do júri acerca de evidências que provassem que seu dono era cidadão estadunidense. O advogado de Smith sugeriu que o verdadeiro dono da embarcação era um português chamado Lemos — possivelmente o mesmo português que autoridades britânicas apontavam como responsável pelas últimas expedições ne- greiras para Cuba em 1867. Diversos portugueses residentes em Nova Iorque foram chamados para depor, incluindo o cônsul César Henrique de la Figanière. Em seu testemunho, o cônsul disse ter tido algumas transações com Lemos, mas se recusou a dizer sua natureza — um de seus secretários supostamente não apenas acompanhou o capitão Smith para Boston, mas também pagou pela embarcação em questão. McKeon fez outras perguntas a respeito das relações de César com Don Salvador de Castro, importante traficante cubano, e do fato de que ele havia enviado dois barris de rum e dois de vinho a bordo do Julia Molton, perguntas que o cônsul se recusou a responder. O caso foi imediatamente divulgado na imprensa local, com um dos jornais descrevendo o silêncio do cônsul português como indício “de que há traficantes de escravos entre nós, ostentando os carimbos de um poder estrangeiro”.[25]

O caso passou a envolver outras autoridades nos Estados Unidos e em Portugal, e logo o ministro português nos EUA, Joaquim de la Figanière, se viu pressionado a responder às acusações contra seu filho. Joaquim de la Figanière deu as devidas explicações e pediu a seu filho que não recebesse ou fizesse favores especiais enquanto ocupasse o posto de cônsul; suas atividades consulares deveriam se restringir às descritas nas instruções oficiais.[26] Mas os nomes dos irmãos Figanière continuavam a aparecer em casos relacionados com o contrabando negreiro, com o promotor McKeon requisitando depoimentos de César de la Figanière em diversas ocasiões ao longo de 1855 e 1856. Em um de seus testemunhos, o cônsul português admitiu que sua companhia comprava embarcações para “pessoas de passagem”, incluindo Don Salvador de Castro, que costumava visitar sua loja. Deixava claro, no entanto, que “não tive nada direta ou indiretamente a ver com o negócio de escravos, nem tive qualquer conversa com esses grupos em relação ao tráfico de escravos”.[27]

Conforme a apreensão de navios negreiros demonstrava a extensão do envolvimento de Manoel Basílio da Cunha Reis no tráfico, a pressão sobre o cônsul português de Nova Iorque aumentava. No caso do Altiva, navio de posse de Cunha Reis suspeito de ser empregado no contrabando negreiro, César teve de prestar novo depoimento. Alegou surpresa ao saber que o Altiva e outras embarcações que haviam partido de Nova Iorque estavam envolvidas no comércio negreiro, e negou qualquer participação no mesmo, pois, de acordo com ele, suas instruções consulares o obrigava a impedir a emissão de documentos que permitissem a partida de navios preparados para o tráfico. Disse, ainda, que Cunha Reis vivera a maior parte dos últimos quinze anos na Costa da África, e que “era hábito de oficiais do consulado receber dinheiro em depósito, &c., para diversos grupos sem inquirir”. As já citadas cartas encontradas a bordo do Mary E. Smith por autoridades brasileiras em 1856, no entanto, continham instruções de Cunha Reis à casa de Carvalho e Rocha, do Rio de Janeiro, para, caso a viagem fosse completada com sucesso, a companhia “enviar couro e café a bordo de qualquer navio consignado aos Srs. Irmãos Figanière desta cidade [Nova Iorque]”. Muitas dessas cartas foram não só publicadas nos Parliamentary Papers britânicos de 1857, mas também usadas pelo promotor distrital de Massachusetts para abrir um processo contra Cunha Reis. Que existiam laços entre Cunha Reis e os irmãos Figanière estava cada vez mais claro, o que permanecia nebuloso era o teor de tais relações. As suspeitas sobre os representantes diplomáticos portugueses nos Estados Unidos, entretanto, aumentaram ainda mais após o aparecimento de evidências que implicavam o vice-cônsul português de Baltimore na organização da viagem do C. F. A. Cole, embarcação norte-americana que desembarcou 300 escravos em Cuba naquele mesmo ano.[28]

Tais tensões inevitavelmente levaram o governo dos Estados Uni- dos a pedir explicações do governo português, o que, por sua vez, levava ao aumento da pressão sobre o ministro português em Washington. Ele chegou a se encontrar com o Secretário de Estado dos Estados Unidos, William L. Marcy, para defender seus filhos contra o que considerava uma perseguição de cunho político por parte do promotor distrital de Nova Iorque, John McKeon. César de la Figanière foi afastado de seu cargo como cônsul português em Nova Iorque, mas, acompanhado de seu irmão, continuou envolvido em transações suspeitas. Quando o promotor distrital ordenou a captura do W.G. Lewis, por suspeitas de que estava equipado para o tráfico, o jornal New York Tribune imediatamente publicou uma nota denunciando que o navio era de propriedade, ao menos em parte, “do mesmo Sr. Figaniere que foi há não muito tem- po excluído de sua posição como cônsul para Portugal nesse porto”. A notícia mencionava ainda a participação de Lima Vianna na viagem e os esforços do promotor distrital de Nova Iorque no combate ao contra- bando. César esclareceu ao jornal que não tinha qualquer participação na expedição e pediu uma correção. O jornal se retratou em relação ao ex-cônsul português, mas adicionou que o verdadeiro dono havia sido seu irmão — ainda que tivesse vendido o navio em princípios de 1857. A publicação apontava ainda para as relações estreitas entre os irmãos Figanière e Cunha Reis, àquela altura um reconhecido traficante de es- cravos, como fartamente demonstrado nos documentos publicados pelo Congresso dos EUA durante os dois anos anteriores. “Se um parceiro vende o navio para um homem suspeito de estar envolvido no tráfico, e o navio é pouco depois apreendido como um negreiro, se outro parceiro está, ele próprio, envolvido nisso”, o jornal concluía, “deve-se supor que o terceiro parceiro é totalmente ignorante e isento?”.[29]

A questão era muito próxima da que havia marcado as controvérsias em torno de navios norte-americanos vendidos em Cuba e no Brasil nas décadas anteriores: como provar a intenção do vendedor? No caso do W. G. Lewis, o promotor distrital tinha não apenas que provar que o navio fora intencionalmente vendido para ser usado no tráfico de escravos, mas, também, que a própria embarcação fora equipada para o contrabando, no que fracassou. Joaquim de la Figanière e Mourão aproveitou a oportunidade para acusar McKeon de perseguir seus filhos, que, a despeito das contínuas acusações, nunca tiveram a participação no contrabando negreiro com- provada. O ministro português reclamou, ainda, de outro artigo publicado no New York Tribune — de acordo com ele, sob a orientação de McKeon — com a acusação de que um navio enviado com suprimentos para Cabo Verde havia sido redirecionado para o tráfico de escravos posteriormente. Entretanto, as informações sobre o navio, o North Hand, vieram das denúncias de oficiais britânicos, posteriormente publicadas nos Parliamentary Papers, de que a embarcação havia carregado escravos para Cuba após deixar Cabo Verde. “Nosso amigo suspenso do Consulado Português não é tão imaculado quanto quer nos fazer acreditar”, dizia a nota.

A ideia de desenvolver a dupla função do ‘N. Hand’ e encher os cofres dos Srs. Figaniere, Reis & Co ao mesmo tempo em que aliviava a fome da qual o povo de Cabo Verde estava sofrendo, é certamente inovadora, e dá grande crédito a seu criador.[30]

Guilherme de la Figanière, por sua vez, decidiu responder diretamente ao ministro britânico nos Estados Unidos, Lord Napier, cujas acusações haviam sido publicadas nos documentos do Congresso dos EUA. De acordo com ele, nenhuma evidência que incriminasse suas embarcações foi encontrada e, no caso do North Hand, sua companhia não tinha qualquer relação com o navio após a conclusão da viagem para Cabo Verde. “Se ele, após entregar sua carga, foi para a Costa atrás de negros”, continuou, “a firma seria tão responsável por um tal ato ilegal quanto no caso da comissão de um assassinato em um escritório que ela ocupou no passado e do qual se mudou antes que o crime fosse cometido”.[31]

Apesar das diversas acusações contra os Figanière, a única evidência mais direta, como frisava Joaquim de la Figanière e Mourão, era a participação de Cunha Reis na companhia dos irmãos. Em sua discussão sobre a reorganização do contrabando negreiro após 1850, Roquinaldo Ferreira trata os irmãos Figanière como traficantes associados a Cunha Reis. Comentando a já citada carta deste para a companhia do Rio de Janeiro, Carvalho & Rocha, Ferreira argumenta que era “certo que o traficante mentiu ao dizer que Figanière & Irmãos, os donos da Ilha de Cuba, só negociavam no comércio lícito”. O nome dos Figanière aparece, de fato, como financiadores de duas viagens na base de dados Voyages: a do já citado Mary E. Smith de 1856 e do Charlotte de 1858. No entanto, no primeiro caso, como discutido anteriormente, a documentação demonstra que os donos da empreitada eram Manoel Basílio da Cunha Reis, João José Vianna e Guilherme José da Silva Corrêa. O caso do Charlotte, por sua vez, mostra que, apesar das relações estreitas entre Cunha Reis e os irmãos Figanière, a declaração daquele de que estes estavam envolvidos exclusivamente com o comércio legítimo não era exatamente uma mentira. De acordo com um comandante britânico, o Charlotte havia chegado ao Congo em abril de 1858, quando foi abordado para verificações. A do- cumentação do navio, escreveu o comandante, estava totalmente correta e tinha como seu dono G. J. de la Figanière de Nova Iorque. Em fins de julho, a embarcação foi vendida para Cunha Reis, “o maior negociante de escravos da costa”, e só então recebeu um carregamento de 500 escravos na Praia dos Pescadores, em Moanda. O Isla de Cuba parece ter passado por processo semelhante. Em 1856, quando ainda era propriedade dos irmãos Figanière, Cunha Reis poderia alegar que o navio era empregado exclusivamente no comércio lícito. Dois anos depois, no entanto, quando foi capturado por conta dos equipamentos para o trato negreiro encontrados a bordo, ele já era de propriedade do próprio Cunha Reis. Os irmãos Figanière operavam nos espaços abertos pela simbiose entre o comércio legítimo e o tráfico de escravos, mas sempre no limite da legalidade, como fizeram diversas outras casas comerciais que lucraram indiretamente com o contrabando negreiro para Cuba e Brasil nas décadas anteriores. Após passar um período como representante diplomático britânico em Cuba, em fins da década de 1830, o abolicionista britânico David Turnbull resumiu bem a questão ao afirmar que acreditava ser “perfeitamente entendido que todo comerciante estrangeiro em Havana, e em outros portos da ilha, tem um interesse mais ou menos direto na manutenção do tráfico de escravos, como se lutando para provar quão perto do limite da lei eles poderiam chegar sem efetivamente a infringir: Quam prope ad crimen sine crimine”.[32]

O substituto de César de la Figanière como cônsul-geral em Nova Iorque, Thomas Ribeiro dos Santos, rapidamente demarcou suas diferenças em relação a seus antecessores. Em uma de suas primeiras mensagens ao governo português, denunciou que “os Portugueses aqui residentes são os que se entregam mais neste ilícito comércio”. Santos descreveu diversos casos de navios dos Estados Unidos levados à África por esses portugueses, sem passar pelos procedimentos necessários em seu consulado. O cônsul prosseguiu em suas denúncias na correspondência que se seguiu, descrevendo Antônio Augusto de Oliveira Botelho como um traficante “atrevido” que havia desembarcado aproximadamente 900 africanos em Cuba em 1858. Em uma conversa com o capitão de um navio português e um comerciante francês, o cônsul aparentemente se referiu a todos os portugueses de Nova Iorque como traficantes. Des- creveu, então, seus esforços para extirpar o contrabando e observou que

[...] se tivéssemos um Ministro de outra qualidade do que temos, então poderia eu fazer ainda mais do que tenho feito. Como não estou sustentado pelo Ministro, o seu Figanière, tenho sido obrigado a recorrer a Lord Napier, por via do meu interno amigo o Cônsul de sua Majestade Britânica. Nada m’escapa; logo que recebo informação de preparar-se alguma expedição, a comunico imediatamente ao Ministro Inglês.

Thomas Ribeiro dos Santos forneceu, de fato, informações a res- peito do Panchita, do Ellen e do Isla de Cuba. Os atos do cônsul foram descritos pelo próprio ministro Joaquim de la Figanière e Mourão, que, revoltado, comunicou ao governo português os atos desrespeitosos do funcionário.[33]

Reconfigurações

O aumento da pressão sobre a rede de contrabandistas de Nova Iorque levou à sua reconfiguração em fins da década. O cônsul-geral em Nova Iorque e o vice-cônsul em Baltimore, como vimos, foram afastados de seus cargos pelo governo português. O traficante Manoel Basílio da Cunha Reis, finalmente preso em 1858, se retirou para Cuba ao fim da- quele mesmo ano. De acordo com um contemporâneo, o contrabando se concentrou em torno de duas figuras principais após sua reformulação: Albert Horn e John Albert Machado. “Por um tempo houve uma grande junta ou monopólio em cujas mãos o negócio estava concentrado”, dizia seu relatório, “mas com novas cisões, a Companhia Traficante de Escravos se dividiu, com uma facção vindo a ser liderada por Albert Horn e a outra por Machado e sua esposa, Mary J. Watson”. Machado continuou a atuar como intermediário para traficantes cubanos, além de organizar algumas viagens por conta própria. Albert Horn possivelmente fornecia o mesmo tipo de serviço para traficantes estrangeiros na maior parte do tempo, mas há pelo menos um caso, o do City of Norfolk, em que não há evidência que o conecte a um financiador principal. É possível que Horn, assim como Machado, tenha sido capaz de adquirir suas próprias embarcações. Os dois se tornariam famosos como os principais traficantes de Nova Iorque em torno de 1860.[34]

A reorganização do contrabando levou ao aperfeiçoamento das estratégias utilizadas. Traficantes observavam, estimulavam e tiravam vantagem das tensões geopolíticas que continuavam a proteger o contrabando negreiro para Cuba, tensões que se mostraram ainda mais exacerbadas em fins da década de 1850. Conforme se tornavam claros os obstáculos à supressão do tráfico, inerentes ao sistema interestatal estabelecido com o fim das Guerras Napoleônicas, os próprios britânicos — que lideraram e coordenaram o estabelecimento dessa nova ordem mundial —, ocasionalmente, decidiram violar os limites desse mesmo sistema. Um desses momentos ocorreu com os ataques britânicos em águas brasileiras a partir de 1848, ações que deram início à sucessão de eventos que eventualmente desembocariam na supressão do contrabando negreiro. Dez anos depois, em 1858, o império britânico empreendeu ataques semelhantes com o intuito de extinguir o contrabando para Cuba. Após a ascensão de Palmerston à posição de primeiro ministro britânico pela segunda vez, em 1855, e o fim da Guerra da Criméia no ano seguinte, a Marinha britânica retomou suas ações mais agressivas contra o tráfico transatlântico de escravos. Com a bandeira dos EUA acobertando a maior parte dos navios negreiros destinados a Cuba, as ações britânicas inevitavelmente levariam à fiscalização e apreensão de navios norte-americanos. Uma nova rodada de tensões se mostrava inevitável.[35]

Os atritos geopolíticos gerados por esse contexto foram explorados e potencializados pelos próprios traficantes e seus associados, que pres- sionavam os dois governos com reclamações por perdas no que alegavam ser o comércio legítimo com a África. Guilherme de la Figanière, que já havia reclamado com o ministro britânico nos EUA por conta de suas acusações acerca do North Hand, escreveu, em 1858, ao secretário de Estado dos EUA, Lewis Cass, para dizer que “enquanto as interferências diretas e impróprias dos britânicos com nossos navios continuar, e uma suspeita sem motivos for criada contra eles, nosso comércio legítimo com a África não será apenas prejudicado — como sei às minhas custas— mas destruído”. Considerando a ausência de evidências de que os Figanière efetivamente organizaram expedições negreiras, a queixa de Guilherme provavelmente não era uma simples mentira. Ainda assim, se levarmos em conta as relações muito próximas dele e de seu irmão com a comunidade de traficantes portugueses, é muito provável que tivesse consciência de como tais reclamações a respeito do comércio lícito favoreciam a própria continuidade do contrabando negreiro. John Albert Machado, cujas operações negreiras eram, como vimos, meticulosamente atreladas ao comércio legítimo, expandia seus negócios justamente nos espaços abertos por essas tensões. Quando seu navio Thomas Watson foi capturado e levado para Serra Leoa pela Marinha britânica, também em 1858, ele igualmente contatou o secretário de Estado dos EUA para reclamar da destruição de seu comércio legal. Fez, ainda, um pedido de restituição de outra embarcação, apreendida quatro anos antes, o Mary Varney. Os dois navios foram devolvidos, mas Machado demandava uma compensação de 80.000 dólares pela interferência na viagem do Thomas Watson e 50.000 pelo caso do Mary Varney. Os valores foram considera- dos altos demais pelo governo britânico, especialmente porque Machado não forneceu a documentação necessária para comprovar suas perdas (e esperou quatro anos até fazer o pedido no caso do Mary Varney).[36]

As estratégias desenvolvidas por contrabandistas nos interstícios de tensões internacionais não passaram despercebidas pelas autoridades dos dois governos. A apreensão do Lydia Gibbs pela Marinha britânica, por exemplo, gerou as habituais reclamações do governo dos EUA. De acordo com o ministro norte-americano na Grã-Bretanha, em primeiro lugar, não existia evidência de que o navio havia sido empregado em uma viagem ilegal e, em segundo, e mais importante, os britânicos não tinham o direito de fiscalizar ou apreender embarcações com a bandeira dos Estados Unidos. No entanto, o secretário britânico de assuntos es- trangeiros, Earl of Malmesbury, defendia que o navio fora vendido em Havana por seu capitão, que recebeu 6.000 dólares para levá-lo até a África. Além disso, Malmesbury frisou, parte das evidências presentes nas reclamações do governo dos EUA vinha de uma denúncia anônima. A denúncia chegou a ser publicada, com algumas alterações, no Charleston Mercury, um dos principais veículos das ideias pró-tráfico de sulistas dos EUA, e reproduzido em jornais do Norte como o New York Times e o New York Herald. O texto se concentrava na questão do direito de busca — assunto delicadíssimo nos Estados Unidos desde a Guerra de 1812 — e basicamente associava as ações do comandante da Marinha britânica aos atos de pirataria. Malmesbury repudiou as acusações e concluiu sua carta com a observação de que grupos ligados ao tráfico de escravos “ousam usar um governo estrangeiro para impedir a interferência dos navios britânicos no tráfico de escravos”. De fato, em uma reclama- ção posterior — sobre rumores de que oficiais britânicos pressionavam capitães de navios norte-americanos a destruírem seus documentos, para que eles pudessem ser levados pela Marinha britânica em vez de lidar com processos criminais nas cortes dos Estados Unidos —, o ministro dos EUA se baseou no relatório de um marinheiro que, como viria a ser provado posteriormente, estava envolvido no tráfico de escravos.[37]

As constantes reclamações do governo dos Estados Unidos levaram a uma diminuição dos ataques britânicos após 1858, como pretendiam os traficantes. Tensões internas, no entanto, aumentavam. O recém-fundado Partido Republicano apontava, com frequência, para a persistência da organização do contrabando negreiro em portos norte-americanos como indício da cumplicidade dos diversos governos democratas com o tráfico, acusações que adquiriram importância ainda maior após a expansão do movimento sulista de revogação das leis contra o tráfico, que, por sua vez, se refletiu na organização de algumas poucas viagens para a África a partir do Sul. A administração Buchanan se viu, assim, obrigada a investir recursos consideráveis naquilo que se configurou como o maior esforço contra o tráfico empreendido no país desde a independência. Mais navios foram incorporados às frotas da Marinha americana na África e nos próprios Estados Unidos, e o número de apreensões aumentou significativamente. Vinte navios negreiros foram apreendidos pela Marinha britânica durante 1859 e 1860, mais do que o dobro do total de embarcações capturadas nos oito anos anteriores.[38]

Tais esforços ainda assim se mostraram insuficientes para desman- telar o contrabando. O número de escravos desembarcados em Cuba sob a bandeira dos Estados Unidos entre 1858 e 1861 atingiram níveis inéditos. Theodore Sedgwick, substituto de John McKeon como promotor distrital de Nova Iorque, narrou as dificuldades existentes na implementação da legislação antitráfico. As circunstâncias descritas pelo promotor — em grande medida baseadas no caso do Haidee, expedição organizada por Antonio Augusto de Oliveira Botelho que levou 903 escravos para Cárdenas — demonstravam em detalhes as estratégias dos traficantes. Os problemas começavam com o fato de que embarcações empregadas no comércio legítimo de óleo de palma entre a África e os Estados Unidos iam para muitos dos mesmos lugares em que navios negreiros buscavam cativos, o que tornava os esforços das autoridades norte-americanas extremamente delicados. Os riscos de prejudicar o comércio legítimo com suas ações não eram poucos, e oficiais dos EUA temiam os custos que acompanhariam capturas equivocadas. Em segundo lugar, os arti- gos utilizados pelos traficantes eram cada vez menos peculiares, o que tornava a captura baseada nos equipamentos encontrados a bordo muito mais difícil. De acordo com Sedgwick, algemas não eram mais utilizadas, e o convés era cada vez mais preparado durante a própria viagem. Confirmar a ilegalidade da viagem com base nos mantimentos e barris de água encontrados a bordo se mostrava extremamente difícil. Além disso, algumas expedições negreiras, como a do Haidee, paravam em outros portos antes de ir para a África. Tripulações geralmente desconheciam o itinerário da viagem, permanecendo, portanto, incapazes de fornecer evidências para a condenação do navio suspeito. Para complicar ainda mais as coisas, muitos navios pegavam os barris de água e até mesmo suas tripulações somente após deixarem seus portos originais.[39]

Comandantes da Marinha dos EUA reclamavam de dificuldades semelhantes, como mostra a carta do secretário da Marinha para os principais comandantes do Africa Squadron:

Não se deve esperar que os navios destinados ao tráfico de escravos exibirão qualquer dos arranjos costumeiros para aquele tráfico. Eles tomam cuidados especiais para manter a aparência de comerciantes honestos, e estão sempre preparados para parecer que estão conduzindo comércio legal.

A consequência era que navios negreiros não carregavam o tipo de prova positiva de seu envolvimento no tráfico de escravos, exceto após o embarque dos africanos escravizados. Ainda assim, frisava o secretário, alguns sinais deveriam deixar os comandantes desconfiados, como a existência de conjuntos duplos de documentos e diários de bordo, um número exagerado de barris de água e mantimentos, listas de tripulantes com salários mais altos que o de costume e certificados consulares forjados. O máximo cuidado deveria ser tomado para não prejudicar o comércio legal conduzido por cidadãos dos EUA e estrangeiros. Mesmo que um navio negreiro fosse identificado, provar sua nacionalidade ainda era um desafio. A quarta e quinta seções do ato contra o tráfico de 1820 tornava a condenação de estrangeiros envolvidos no contrabando dependente da propriedade estadunidense da embarcação. Esse era exatamente o pro- blema do Haidee, pois todos os tripulantes acusados eram estrangeiros, e a propriedade estadunidense do navio não podia ser comprovada.[40]

Tabela 2
Estimativa do número de navios e escravos neles embarcados por região de partida das Américas para a África, 1859-1866
Estimativa do número de navios e escravos neles
embarcados por região de partida das Américas para a África, 1859-1866

Nota: Há dados para região de partida de 109 viagens para o período 1859-1862 e 15 para 1863-1866. As médias de escravos embarcados por navio para os dois períodos foram, respectivamente, de 698.5 e 667.2. Cf. metodologia na nota da Tabela 1.

Fonte: http://www.slavevoyages.org, acessado em jan. 2015.

As ações das autoridades norte-americanas tiveram impacto limitado sobre o contrabando negreiro conduzido a partir de seus portos, como demonstra a Tabela 2. Quando comparamos as Tabelas 1 e 2, percebemos que o ataque contra o tráfico empreendido pela administração Buchanan não conseguiu evitar o crescimento de viagens a partir de portos norte-americanos, ainda que esse crescimento tenha sido limitado quando comparamos com os números do tráfico como um todo. Enquanto 43 expedições negreiras se iniciaram em portos dos EUA entre 1855 e 1858, os quatro anos seguintes foram marcados por um pequeno aumento desse número para 49. O tráfico como um todo, no entanto, cresceu de forma mais intensa do primeiro para o segundo período, com o número de viagens indo de 91 para 143. Da perspectiva específica dos traficantes portugueses de Nova Iorque, suas redes e estratégias foram reconfiguradas com sucesso, a despeito das mudanças que levaram Manoel Basílio da Cunha Reis a se transferir para Cuba e ao afastamento de seus aliados nos consulados portugueses de Nova Iorque e Baltimore. Em termos dos números de expedições negreiras, a Tabela 2 sugere que os Estados Unidos permaneceram atrás apenas de Cuba.

A supressão do contrabando negreiro nos Estados Unidos

Uma comparação entre as Tabelas 1 e 2 também demonstra o reapareci- mento da Europa como região de organização do contrabando negreiro em seu período final. A mudança foi produto direto das ações empreendidas pelo Partido Republicano, eleito em fins de 1860 com uma plataforma que prometia pressionar o Congresso “a tomar medidas imediatas e eficientes para a supressão total e final daquele tráfico execrável”. Não por acaso, foi durante o governo de Lincoln que Nathaniel Gordon, capitão de um navio capturado pela Marinha norte-americana com 897 escravos a bordo, se tornou o primeiro e único traficante na história a ser enforcado por sua participação no comércio ilícito de escravos, como prescrevia a legislação passada em 1820 nos Estados Unidos. Antes mesmo do enforcamento de Gordon ser levado a cabo, o caso, que era parte de um ataque mais amplo do governo republicano sobre o tráfico, com um número considerável de apreensões e prisões, teve um forte impacto na comunidade de traficantes de Nova Iorque. De acordo com um dos informantes do cônsul britânico em Nova Iorque,

[...] os traficantes de escravos estão tão alarmados, que se supõe que aqueles que estão afiançados irão preferir perder o dinheiro da fiança do que passar por seus julgamentos. Os seguintes traficantes de escravos foram avisados de que estão sob processo e fugiram para portos estran- geiros antes que as ordens de suas prisões fossem emitidas: Abranches; Almeida; Rosl; J. Lima Viana; & Mrs Watson.[41]

Os resultados dessas ações aparecem também na queda dramá- tica do número de viagens organizadas nos EUA, que passaram de 49, nos anos 1859-1862, para duas, no período 1863-1866. Após 1861, na verdade, há evidências de apenas três expedições negreiras iniciadas em portos norte-americanos. A Marinha britânica, que contava com a permissão para realizar buscas em navios suspeitos com a bandeira dos Estados Unidos, conforme estabelecido no tratado Lyons-Seward de 1862, capturou as três embarcações.[42] Tanto Albert Horn quanto John Albert Machado — os principais traficantes da cidade, como vimos, na virada para a década de 1860 — foram processados por seu envolvimento no tráfico negreiro. Horn foi acusado de ter preparado a viagem do City of Norfolk, um navio a vapor que embarcou 987 escravos em Ajudá e vendeu os 562 sobreviventes em Cárdenas. Horn recebeu a sentença de cinco anos de detenção em outubro de 1862. John A. Machado, por sua vez, foi preso em 1861 e, novamente, em 1862. Por ocasião de sua pri- meira prisão, o New York Times o descreveu como “o rei dos traficantes de escravos desta Cidade”, com a informação de que ele teria organizado mais da metade de todas as expedições negreiras que partiram de Nova Iorque durante os cinco anos anteriores. Quando de sua segunda prisão em 1862, o mesmo jornal noticiou que ele “pode ser considerado o ‘último dos moicanos’, e com [sua prisão], o ninho de traficantes dessa cidade está completamente desmantelado, e o comércio recebeu um golpe final do qual não irá se recuperar no presente”.[43]

A maioria dos traficantes de Nova Iorque transferiu suas ope- rações para a Europa, em especial para a Espanha e a França. Apesar de satisfeito com o empenho das autoridades norte-americanas no des- mantelamento do contrabando organizado em Nova Iorque, o cônsul britânico na cidade alertava que o perigo de que as redes do comércio ilícito fossem transferidas para outros portos, inclusive britânicos, era enorme. De acordo com seu informante secreto, a despeito de toda a celebração na imprensa em torno da condenação do capitão Gordon, traficantes já preparavam novas estratégias para dar continuidade ao comércio de almas. “Seus navios serão comprados aqui”, denunciava o informante, “e as expedições serão organizadas em Liverpool, Londres, Antuérpia, Cádiz, Lisboa, Gibraltar, Barcelona & Marselha”. E era jus- tamente para tais portos, de acordo com o informante, que um número de navios negreiros havia partido de Nova Iorque.[44]

John A. Machado, de acordo com os relatos, despachou oito navios com carregamentos legais para diversos portos na Espanha e em Portugal entre a sua primeira e segunda prisões nos anos de 1861 e 1862. As embarcações deveriam ser alteradas para seu uso no tráfico após chegarem na Eu- ropa, mas cônsules estadunidenses, tanto na Espanha, quanto em Portugal, apreenderam sete deles. A principal responsável pelos preparativos após a chegada dos navios na Europa seria Mary J. Watson, esposa de Machado, que havia fugido de Nova Iorque para Cádiz. O ministro dos EUA em Madri, no entanto, cancelou seu passaporte e a forçou a ficar permanen- temente na Espanha. “Após a detenção dos navios por nossos cônsules”, um relatório enviado para o consulado britânico informava, “diz-se que ela começou a beber muito, e posteriormente morreu de Delirium Tremens”. Ainda assim, outras viagens foram preparadas em portos europeus, como mostra a Tabela 2. O informante dos britânicos em Nova Iorque continuou a ser pago pois “o sistema recentemente inaugurado pelos comerciantes de escravos de comprar navios nos EUA e enviá-los para a Europa para serem equipados será muito provavelmente levado adiante”.[45] Um relatório de 1863 afirmava que “o tráfico de escravos é agora conduzido por espanhóis, sob a bandeira francesa, com a evasão sendo comparativamente fácil por conta da ausência do Esquadrão Francês, que está envolvido em outras tarefas”. O tráfico ainda teria uma existência residual até 1867, mas um dos principais sustentáculos do contrabando negreiro em sua fase final — os portos dos Estados Unidos — havia se tornado inacessível.[46]

Conclusão

Após se transferir para Cuba em 1858, Cunha Reis, acompanhado de um fazendeiro cubano chamado Luciano Fernandez Perdones, submeteu ao capitão-general uma proposta para a introdução de trabalhadores por contrato na ilha. A proposta começava com uma descrição de como a produção de açúcar e café na colônia permitiu sua entrada na era de progresso material típica do Oitocentos. O primeiro entrave a essa participação nas riquezas do mundo, no entanto, veio com o tratado anglo--espanhol de 1817, que estabeleceu o prazo de validade para o tráfico espanhol em 1820, e a epidemia de cólera de 1833. A grande questão passou a ser, de acordo com os autores, o repovoamento do campo, base de toda a riqueza produzida em Cuba. Imigrantes espanhóis brancos eram uma opção interessante tanto para Cuba quanto para a Espanha, mas as dificuldades para colocar tal projeto em prática eram enormes, a começar por seus custos elevados. A imigração asiática, prosseguia a proposta, foi tentada sem sucesso, pois os indivíduos levados para a ilha eram “perversos, eminentemente criminais e acostumados ao roubo e ao assassinato”. Índios, por sua vez, eram fracos e indolentes. A solução para a questão do trabalho em Cuba seria encontrada — como foi o caso ao longo de todo o Oitocentos — na África, fonte de trabalhadores capazes de aguentar o rigor do campo durante todas as estações do ano. A proposta pedia a autorização para introduzir 60.000 trabalhadores por contrato da África durante os dez anos seguintes.[47]

O contrato apresentado pela companhia de Cunha Reis pode ser lido como um esforço para estabelecer, em Cuba, uma versão renovada dos serviços oferecidos pelas redes de contrabandistas portugueses com sede em Nova Iorque. O quarto artigo da proposta frisava que, se as colônias espanholas na África não conseguissem fornecer um número suficiente de trabalhadores por contrato, eles deveriam ser buscados em domínios portugueses como Cabo Verde, Beaso, Cachio, Luanda, Ben- guela, Ambriz e outros. O artigo seguinte, por sua vez, adicionava que, caso também não fosse possível encontrar ali trabalhadores suficientes, a companhia teria permissão para comprar africanos escravizados naqueles mesmos lugares — precisamente aqueles nos quais Cunha Reis e outros traficantes portugueses possuíam feitorias e outras conexões. Os africanos chegariam com “plena liberdade” e entrariam em um contrato de trabalho de dez anos. Após seu fim, poderiam renová-lo ou voltar para a África. Outros artigos estabeleciam que os trabalhadores receberiam quatro pe- sos por mês, dos quais dois deveriam ser descontados para pagar pelas roupas, sapatos e um sombreiro. Os dois pesos restantes, por sua vez, também deveriam ser coletados pela Companhia para poder financiar a viagem de volta à África para aqueles que decidissem voltar.[48]

O capitão-general não aceitou a proposta, e não está claro se Cunha Reis permaneceu envolvido no contrabando negreiro após sua transferência para Cuba em 1858. Um projeto desse teor certamente interferiria no equilíbrio, entre os desejos dos senhores de escravos cubanos e a pressão britânica, que capitães-generais se viam obrigados a garantir na colônia espanhola. Daí a importância dos portos norte-a- mericanos na fase final do contrabando negreiro. Em Nova Iorque, os portugueses remanescentes desenvolveram novas estratégias e continua- ram a organizar expedições negreiras com destino a Cuba até o início da Guerra Civil em 1861. Ao transformarem esses portos em centros do contrabando, traficantes tiveram acesso direto aos navios mais baratos produzidos no país, camuflaram o tráfico de escravos a partir de suas associações com o comércio legítimo entre África e Estados Unidos e, finalmente, utilizaram a bandeira da república escravista para proteger suas embarcações da Marinha britânica. A utilização dos portos — bem como da bandeira, capitães, tripulações e navios — dos Estados Unidos pelas redes do contrabando gerou um grande número de tensões políticas no interior da república escravista e em suas relações internacionais, mas foi justamente nos espaços abertos por essas fricções que o contrabando pôde florescer em sua fase final. Foi apenas com o começo da guerra civil nos Estados Unidos que a configuração geopolítica que mantinha tais tensões vivas foi alterada.

As ações iniciadas em 1861 pela administração republicana, como vimos, tiveram efeito quase imediato nas redes do contrabando organizadas a partir de Nova Iorque. Alguns traficantes tentaram seguir o mesmo caminho de Cunha Reis e se deslocaram para Cuba. O problema era que a guerra civil norte-americana, ao alterar as estruturas geopolíticas que permitiram o florescimento do contrabando, também colocou a colônia espanhola no caminho da supressão do tráfico. Durante 1863, o capitão- geral de Cuba, Domingo Dulce y Garay, entrou em conflito e expulsou da ilha alguns dos principais espanhóis envolvidos no contrabando. Naquele mesmo ano, o consulado português em Cuba recebeu um número de portugueses que estavam prestes a ter o mesmo destino. Um deles havia sido membro da Abranches Almeida & Co de Nova Iorque e se mudou para a colônia espanhola após o fim da companhia. Ao menos oito traficantes portugueses seriam deportados de Cuba naquele ano. Em face de tais mudanças, Cunha Reis também partiu. Em 1865, ele vivia no México, onde ainda tentava colocar em prática seus esquemas de colonização. A guerra civil havia iniciado o processo de desestruturação da escravidão oitocentista — a “segunda escravidão” — e do contrabando negreiro altamente internacionalizado que sustentava a instituição em Cuba.[49]

Agradecimentos

Agradeço a Gisele Batista Candido e ao parecerista anônimo de Afro-Ásia pela leitura do texto e por suas sugestões, a David Eltis e aos pesquisadores associados ao LabMundi (USP) pela discussão de algumas das ideias aqui desenvolvidas, e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Notas

[1] Para uma discussão sobre a expansão da plantation escravista nos Estados Unidos, Brasil e Cuba durante a primeira metade do século XIX, ver David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade to the Americas, New York & Oxford: Oxford University Press, 1987, p. 187; Rafael de Bivar Marquese e Dale Tomich, “O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX”, in Keila Grinberg e Ricardo Salles (orgs.), O Brasil Império (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009), v. 2, pp. 339-83; Dale T. Graden, Disease, Resistance, and Lies: The Demise of the Transatlantic Slave Trade to Brazil and Cuba, Baton Rouge: Louisiana State University Press, 2014, pp. 1-2. O conceito de “ciclo sistêmico de acumulação” foi desenvolvido por Giovanni Arrighi para escapar de alguns problemas presentes nos modelos frequentemente empregados em análises da história do capi- talismo, como os “ciclos seculares” e os “ciclos de Kondratieff”. De acordo com o autor, um dos padrões recorrentes do capitalismo histórico enquanto sistema mundial tem sido a sucessão de fases de expansão material (i.e., períodos em que o capital coloca em movimento, por meio da produção e do comércio, uma quantidade crescente de mercadorias) e expansão financeira (i.e., períodos em que os circuitos tradicionais de produção e comércio não conseguem absorver o capital acumulado, o que leva a abandonar sua forma mercadoria e se concentrar em negociações exclusivamente financeiras). O ciclo sistêmico de acumulação é o período total que abarca as duas fases: expansão do comércio e da produção seguida da retirada do capital para circuitos puramente financeiros. De acordo com Arrighi, o capitalismo histórico passou, até o momento em que escrevia seu livro em 1994, por quatro ciclo sistêmicos de acumulação: o genovês, no longo século XVI; o holandês, no longo século XVII; o britânico, no longo século XIX; e o americano, no longo século XX. Giovanni Arrighi, O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo, Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, pp. 6-8. Dados sobre a exportação de açúcar de Cuba podem ser encontrados nos anexos de Manuel Moreno Fraginals, O engenho: complexo sócio-econômico açucareiro cubano, São Paulo: Hucitec, Unesp, 1988, 2 v. Sobre o sequestro de indígenas de Yucatán, cf. David Murray, Odious Commerce: Britain, Spain and the Abolition of the Cuban Slave Trade, Cambridge: Cambridge University Press, 1980, p. 246.
[2] Estimativas sobre a participação dos Estados Unidos no tráfico transatlântico de escravos podem ser consultadas na base de dados Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database, disponível on-line em (daqui em diante citada como TSTD2). Como resul- tado de minha pesquisa individual, adicionei viagens que não se encontravam na base de dados e informações sobre rotas, proprietários, número de escravos, local de construção dos navios, dentre outros detalhes, para mais de 400 viagens já existentes. Sobre a comunidade de traficantes de Rhode Island, ver Jay Coughtry, The Notorious Triangle: Rhode Island and the African Slave Trade, 1700-1807, Philadelphia: Temple University Press, 1981, trabalho clássico que inspirou o título do presente artigo; Leonardo Marques, “Slave Trading in a New World: The Strategies of North American Slave Traders in the Age of Abolition”, Journal of the Early Republic, v. 32, n. 2 (2012), pp. 233-60. Sobre a legislação contra o tráfico, cf. Paul Finkelman, “Regulating the African Slave Trade”, Civil War History, v. 54, n. 4 (2008), pp. 379-405. Sobre o predomínio da frota norte-americana na pesca baleeira, cf. Lance E. Davis, Robert E. Gallman, e Karin Gleiter, In Pursuit of Leviathan: Technology, Institutions, Productivity, and Profits in American Whaling, 1816-1906, Chicago: University of Chicago Press, 1997.
[3] Dale W. Tomich, Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial, São Paulo: Edusp, 2011; Don Edward Fehrenbacher, The Slaveholding Republic: an Account of the United States Government’s Relations to Slavery, Oxford: Oxford University Press, 2001; Rafael B. Marquese e Tâmis P. Parron, “Internacional escravista: a política da Segunda Escravidão”, Topoi. Revista de História, v. 12, n. 23 (2011), pp. 97-117. Sobre o contrabando negreiro para o Brasil e sua reorganização após 1850, cf. Eltis, Economic Growth, pp. 145-64; Luís Henrique Dias Tavares, Comércio proibido de escravos, São Paulo: Ática, 1988; Roquinaldo Amaral Ferreira, “Dos sertões ao Atlântico: tráfico ilegal de escravos e comércio lícito em Angola, 1830-1860” (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996); Beatriz Gallotti Mamigonian, “To be Liberated African in Brazil: Labour and Citizenship in the Nineteenth Century” (Tese de Doutorado, University of Waterloo, 2002); Jaime Rodrigues, De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro, 1780-1860, São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Para sínteses da participação dos Estados Unidos no tráfico transatlântico de escravos entre a independência e a Guerra Civil, cf. W. E. B. DuBois, The Suppression of the African Slave Trade, New York: Library of America, 1987; Eric Anderson, “Yankee Blackbirds: Northern Entrepreneurs and the Illegal International Slave Trade, 1815-1865” (Dissertação de Mestrado, Universidade de Idaho, 1999); Leonardo Marques, “A participação norte-americana no tráfico transatlântico de escravos para os Estados Unidos, Cuba e Brasil”, História: Questões & Debates, v. 52, n. 1 (2010), pp. 91-117. Para uma discussão mais específica acerca da presença de navios construídos nos Estados Unidos no contrabando negreiro, cf. Graden, Disease, capítulo 1; Leonardo Marques, “United States Shipbuilding, Atlantic Markets, and the Structures of the Contraband Slave Trade” in Kristin Mann e Philip Misevich (orgs.), The Rise and Demise of Slavery and the Slave Trade in the Atlantic World (New York: University of Rochester Press, 2016).
[4] Webster to Schenck, May 8, 1851, Senate Documents (daqui em diante citado como SD), 33 Cong., 1st sess., n. 47, 2. Leslie Bethell, The Abolition of the Brazilian Slave Trade; Britain, Brazil and the Slave Trade Question, 1807-1869, Cambridge: Cambridge University Press, 1970, pp. 367-8. Sínteses recentes dos debates sobre a abolição do tráfico podem ser encontradas em Jeffrey D. Needell, “The Abolition of the Brazilian Slave Trade in 1850: Historiography, Slave Agency and Statesmanship”, Journal of Latin American Studies, v. 33, n. 4 (2001), pp. 681- 711; Márcia Regina Berbel, Rafael de Bivar Marquese e Tâmis Parron, Escravidão e política: Brasil e Cuba, c. 1790-1850, São Paulo: Hucitec, FAPESP, 2010, pp. 322-45; Dale T. Graden, “A resistência escrava e a abolição do tráfico transatlântico de escravos para o Brasil em 1850”, Africana Studia, n. 15 (2010), pp. 151-68.
[5] Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, pp. 137-47; Martha Abreu, “O Caso Bracuhy”, in Hebe Maria Mattos de Castro e Eduardo Schnoor (orgs.), Resgate: uma janela para o Oitocentos (Rio de Janeiro: Topbooks, 1995); Thiago Campos Pessoa Lourenço, “O Império dos Souza Breves nos Oitocentos: política e escravidão nas trajetórias dos comendadores José e Joaquim de Souza Breves” (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2010).
[6] Hansard, Series 3, v. 118, p. 686; Testamento de Manuel Pinto da Fonseca, 22 de Maio de 1854, Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Testamentos, Livro 20, Tabelião, António Simão de Miranda; João Pedro Marques, The Sounds of Silence: Nineteenth-Century Portugal and the Abolition of the Slave Trade, New York: Berghahn Books, 2006, p. 217; Bethell, The Abolition of the Brazilian Slave Trade, p. 353; Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, p. 154, nota 229.
[7] Pulwer To Palmerston, March 10, 1851, British National Arquives (daqui em diante citado como BNA), FO 84/856.
[8] Arthur F. Corwin, Spain and the Abolition of Slavery in Cuba, 1817-1886, Austin: University of Texas Press, 1967, pp. 118-9; Eltis, Economic Growth, pp. 202-3; sobre os lucros do capitão-general Concha durante 1851-1852, cf. José Gregorio Cayuela Fernández, “Los Capitanes Generales ante la cuestión de la abolición (1854-1862)”, in Francisco de Solano e Agustín Guimerá Ravina (orgs.), Esclavitud y derechos humanos: la lucha por la libertad del negro en el siglo XIX (Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1990), pp. 415-53.
[9] Interrogatório feito ao indiciado em crime Antonio Severino de Avellar, IJ6, pasta 480, Série Justiça, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (daqui em diante citado como ANRJ); E. M. Ar- chibald to Foreign Office, December 12, 1859, BNA, FO 84/1086; Eltis, Economic Growth, pp. 149-50; Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, capítulo 6; Alfonso W. Quiroz, “Implicit Costs of Empire: Bureaucratic Corruption in Nineteenth-Century Cuba”, Journal of Latin American Studies, v. 35, n. 3 (2003), pp. 489-90.
[10] J. G. Cayuela Fernández, Bahía de Ultramar. España y Cuba en el siglo XIX. El control de las relaciones coloniales, Madrid: Siglo XXI, 1993; Eltis, Economic Growth, pp. 140-50.
[11] Auto de Perguntas e Interrogatório feito a Francisco Riverosa y Urgelles, May 11, 1853, IJ6, pasta 468, Série Justiça, ANRJ; Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, pp. 141-3. A documentação do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro foi amplamente explorada por Ferreira, cuja dissertação de mestrado oferece um panorama detalhado da reorganização do contrabando em princípios dos anos 1850. Ver, especialmente, os capítulos V e VI.
[12] Referências à Companhia Portuguesa podem ser encontradas em Warren S. Howard, American Slavers and the Federal Law, 1837-1862. Berkeley: University of California Press, 1963; Eltis, Economic Growth, pp. 157-8; Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, capítulo V.
[13] Sobre os esforços para a criação de um tráfico espanhol, cf. José Guadalupe Ortega, “Cuban Merchants, Slave Trade Knowledge, and the Atlantic World, 1790s-1820s”, CLAHR: Colonial Latin American Historical Review, v. 15, n. 3 (2006), pp. 225-51.
[14] Kilbee to Hamilton, February 8, 1820, BNA, FO 84/6; Extract given by Her Majesty’s Com- missary Judge, transmitted to Earl of Aberdeen on December 15th, 1845, British Parliamentary Papers, Slave Trade (daqui em diante citado como BPP, Slave Trade), 1847-48 (975), v. LXIV, Class A, p. 7; Pike to Wise, August 16, 1858 (Inclosure in No. 141), BPP, Slave Trade, 1859 (2569), Class A, p. 194. Ferreira foi o autor do primeiro livro de poesia publicado na África portuguesa, Espontaneidades da minha alma, de 1849. Cf. José da Silva Maia Ferreira, Es- pontaneidades da minha alma, Loanda: Imprensa do Governo, 1849. Para uma curta biografia de Ferreira, cf. William P. Rougle, “José da Silva Maia Ferreira: poeta angolano, correspondente brasileiro, homem de negócios americano”, Revista Colóquio/Letras, Notas e Comentários, n. 120 (1991), pp. 184-8.
[15] José S. Maia Ferreira a Avelar, February 8, 1855, Extrato das cartas apprehendidas a Antonio Severino de Avellar, IJ6, pasta 468, Série Justiça, ANRJ.
[16] Correa to Vianna, April 21, 1855 e Correa to Vianna, April 23, 1855, cartas interceptadas, anexadas a Jerningham to Clarendon, June 13, 1856, BPP, Slave Trade, 1857 (2282), v. LXIV, Class B, p. 131; Eltis, Economic Growth, pp. 157-8; Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, p. 110.
[17] E.M. Archibald to Russell, February 5, 1861, BNA, FO 84/1138; Van Dyke to Guthrie (Inclu- sure 3 in n. 25), BPP, Slave Trade, 1856 (0.1), v. LXII, Class A, p. 56; Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, p. 138; Grey Eagle (TSTD2, voyageid 4190).
[18] Na descrição do oficial britânico, eles aparecem como Messrs. Goldenbon and Sesparre, 75 Camp Street, New Orleans. Memorandum of Information relative to Slavers (Inclosure 1 in No. 156) in Grey to Secretary of admiralty, August 14, 1857, BPP, Slave Trade, 1857-58 (2443), v. LXI, Class A, p. 122; Mure to Clarendon, December 18, 1857, BPP, Slave Trade, 1857-58 (2443-I), v. LXI, Class A, p. 463; Moreno Fraginals, O engenho, p. 370.
[19] E.M. Archibald to Russell, September 17, 1861, BNA, FO 84/1138.
[20] E.M. Archibald to Russell, May 14, 1866, BNA, FO 84/1261.
[21] New York Herald, 07/05/1856. Em Portugal, como demonstra João Pedro Marques, a despeito da abolição do tráfico de escravos e das denúncias frequentes pelas autoridades e nos jornais, traficantes específicos raramente eram alvo de críticas diretas. A maioria dos traficantes que retornaram para Lisboa após a supressão do contrabando no Brasil foram plenamente integrados à sociedade portuguesa. José Bernardino de Sá recebeu o título de Barão de Vila Nova do Minho, e Manoel Pinto da Fonseca foi lembrado, após a sua morte, como um grande homem que havia aplicado seu capital em obras importantes para Portugal. Marques, The Sounds of Silence, p. 179. O testamento de Fonseca contém inúmeras doações para igrejas e diversas outras instituições, tanto no Brasil quanto em Portugal. Cf. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Testamentos, Livro 20, Tabelião, António Simão de Miran- da, Testamento de Manuel Pinto da Fonseca, 22 de Maio de 1854. Para a lista de contribuintes, cf. Relação especial dos Portugueses que contribuíram a favor dos destituídos habitantes de Cabo Verde. Documentos do Consulado Português em Nova Iorque, Arquivo Histórico-Diplomático de Lisboa (daqui em diante citado como AHDL).
[22] Na década de 1840, Palmerston acreditava que Joaquim de la Figanière demonstrava uma disposição mais clara de combater o tráfico de escravos, o que o levou a considerar de modo mais sério seus protestos contra a apreensão de navios portugueses. Cf. Palmerston to Ouseley, February 29, 1840, BPP, Slave Trade, 1840 (271), v. XLVII, Class B, p. 96.
[23] C. Figaniere para Visconde de Atouguia, 20 de abril de 1853, Legação de Portugal em Washington, n. 4, 1851-1861, AHDL; C. Figaniere para Visconde de Atouguia, March 29, 1853, Legação de Portugal em Washington, 1851-1861, AHDL; Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, pp. 144-5. Barboza esteve envolvido no tráfico de escravos a partir de Benguela desde fins da década de 1830. Ver, por exemplo, as diversas expedições por ele organizadas presentes na TSTD2 (realizar busca por “vessel owner”).
[24] José S. Maia Ferreira a Avelar, 8 de Fevereiro de 1855, Extrato das cartas apprehendidas a Antonio Severino de Avelar, IJ6, pasta 468, Série Justiça, ANRJ.
[25] Thomas to McKeon, June 20, 1856, House Documents (daqui em diante citado como HD), 36 Cong., 2nd sess., No. 7, p. 40; Crampton to Clarendon, September 25, 1854 (Inclosure in No. 618), BPP, Slave Trade, 1854-55 (0.4), Class B, p. 0676. A nota, originalmente publicada no Democrat de Rochester, foi republicada no jornal de Frederick Douglas, dentre outros periódicos. Frederick Douglass’ Paper, December 01, 1854.
[26] Visconde d’Atouguia a Joaquim Cesar de Figaniere e Morão, Novembro 17, 1854, e Joaquim de la Figaniere e Morão a C. H. S. de la Figaniere, 13 de Novembro de 1854, Legação de Portugal em Washington, n. 4, 1851-1861, AHDL.
[27] Ver os excertos recortados de jornais em anexo em Figaniere e Morão a Visconde de Atouguia, February 27, 1855, Legação de Portugal em Washington, 1851-1861, AHDL.
[28] New York Herald-Tribune, 24/09/1856; Jerningham to Clarendon, June 13, 1856 (cartas em anexo), BPP, Slave Trade, 1857(2282), v. LXIV, Class B, p. 132; Hallett to Marcy, January 5, 1857, HD, 36 Cong., 2 sess., n. 7, p. 48; Crawford to Clarendon, March 25, 1857, BPP, Slave Trade, 1857-58 (2443-I), v. LXI, Class B, p. 315.
[29] New York Herald-Tribune, 14/07/1857; New York Herald-Tribune, 16/07/185; sobre o W.G. Lewis, cf. TSTD2, voyageid 4910.
[30] New York Herald-Tribune, 07/08/1857; Figaniere e Morão para Marquez de Loulé, 22 de agosto de 1857. Legação de Portugal em Washington, 1851-1861, AHDL
[31] G. J. de la Figanière a Lord Napier, May 25, 1858, Legação de Portugal em Washington, 1851- 1861, AHDL.
[32] Ferreira, Dos sertões ao Atlântico, p. 146; Commodore Wise to Commander Brent (Inclosure 1 in No. 139), August 23, 1858, BPP, Slave Trade, 1859 (2569), Class A, pp. 190-1; David Turnbull, Travels in the West: with Notices of Porto Rico, and the Slave Trade, London: Printed for Longman, Orne, Brown, Green, and Longmans, 1840, pp. 139-40.
[33] Cf. as seguintes cartas: Dos Santos ao Duque da Terceira, 25 de abril de 1859, Dos Santos ao Duque da Terceira, 6 de agosto de 1859, e Figaniere e Morão ao Duque da Terceira, 23 de maio de 1859, Legação de Portugal em Washington, 1851-1861, AHDL.
[34] New York Tribune, 31/10/1862.
[35] Fehrenbacher, The Slaveholding Republic, pp. 183-5.
[36] G. J. de la Figanière a Lewis Cass, New York, 27 de maio de 1858, Legação Portuguesa nos Estados Unidos, AHDL. Quando Machado ressuscitou esses casos na década de 1860, o cônsul britânico em Nova Iorque, munido de informações passadas pelo procurador geral dos EUA, argumentou que, considerando seu vasto envolvimento no tráfico de escravos, “a consciência de seu pedido para nosso governo forneceu um motivo adicional para que parecesse virtuoso”. Cf. E. M. Archbald to Clarendon, May 12, 1866 (Inclosure n. 1), BNA, FO 84/1261.
[37] Lydia Gibbs (TSTD2, voyageid 4264); Malmesbury to Dallas, April 30, 1859, HD, 36 cong., 2 sess., N. 7, 335-6; The Charleston Mercury, 29/10/1858; New York Herald, 02/11/1858; New York Times, 04/11/1858..
[38] David F. Ericson, Slavery in the American Republic: Developing the Federal Government, 1791-1861. Lawrence: University Press of Kansas, 2011, capítulo 2.
[39] Ver o artigo “The Slave Trade: Its Prevention, Detection and Punishment by the late Theodore Sedgwick” anexado a E. M. Archbald to Malmesbury, June 26, 1860, BNA, FO 84/1111. O Haidee (TSTD2, voyageid 4285) partiu de Nova Iorque com o próprio Antônio Augusto de Oliveira Botelho a bordo. Após o desembarque dos escravos, parte da tripulação foi presa. Sedgwick teve papel central no caso.
[40] HD, 36 Cong., 2 sess., n. 7, pp. 577-8; Boston Daily Advertiser, 26/07/1860. Ver outros recortes de jornais anexados a E. M. Archbald to Malmesbury, June 26, 1860, BNA, FO 84/1111.
[41] Republican Party Platforms: “Republican Party Platform of 1860”, May 17, 1860. Available online at Gerhard Peters and John T. Woolley, The American Presidency Project, < http://www. presidency.ucsb.edu/ws/?pid=29620>; E. M. Archbald to Russell, November 11, 1861, carta do informante anexada a E. M. Archbald to Russell, November 12, 1861 e carta do informante anexada a Archbald to Russell, December 3, 1861, BNA, FO 84/1138.
[42] Para viagens que partiram dos EUA após 1861, cf. TSTD2, voyageids 4884, 4820, e 4829. Sobre o tratado de 1862 entre Estados Unidos e Inglaterra (Lyons-Seward), que finalmente permitiu o estabelecimento de comissões mistas e o direito mútuo de busca entre os dois países, ver James A. Rowley, “Captain Nathaniel Gordon, the Only American Executed for Violating the Slave Trade Laws”, Civil War History, v. 39, n. 3 (1993), pp. 223-4.
[43] The New York Times, 28/08/1861; The New York Times, 17/11/1862.
[44] E. M Archbald to Russell, November 17, 1862, BNA, FO 85/1172; E. M. Archbald to Russell, November 11, 1861, carta do informante anexada a E. M. Archbald to Russell, November 11, 1861, BNA, FO 84/1138.
[45] Memorando anexado a E. M. Archbald to Russell, May 12, 1866, BNA, FO 84/1261; carta anexada a E. M. Archbald, February 1, 1862, BNA, FO 84/1172.
[46] Dyer and Hubbar to Seward, February 21, 1864, BNA, FO 84/1222.
[47] Suárez Argudín, Cunha Reis y Perdones, Proyecto de inmigración africana presentado al superior gobierno de esta isla, Havana: Imprenta de la Habanera, 1860, p. 11.
[48] Ibid., p. 19.
[49] Fernando de Caver para Ministro de Estado e Negócios Estrangeiros, 20 de fevereiro de 1863 e 2 de maio de 1863, Consulado Português em Havana, AHDL; Murray, Odious Commerce, p. 312. Em 8 de dezembro de 1865, Cunha Reis assinou um contrato para a formação da Companhia Asiática de Colonização, que teria o direito exclusivo de introduzir imigrantes asiáticos no México pelos dez anos seguintes. Aparentemente, nenhum imigrante entrou no país por meio desse contrato. Cf. Clinton Harvey Gardiner, “Early Diplomatic Relations Between Mexico and the Far East”, The Americas, v. 6, n. 4 (1950), pp. 401-14. Dois anos mais tarde, ele conseguiu uma autorização do governo mexicano para a construção de uma estrada de ferro que ligasse a Cidade do México ao rio Tuxpan, na província de Veracruz. Cf. Report of the Secretary of Finance of the United States of Mexico (January 15, 1879), p. 56.
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