Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
FEITURAS DE PROTEÇÃO NO RECÔNCAVO SETECENTISTA*
Felipe Augusto Barreto Rangel
Felipe Augusto Barreto Rangel
FEITURAS DE PROTEÇÃO NO RECÔNCAVO SETECENTISTA*
Afro-Ásia, núm. 54, 2016
Universidade Federal da Bahia
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Os estudos das práticas mágicas e da religiosidade popular têm revelado importantes parcelas das vivências modernas. O objetivo deste artigo é analisar algumas facetas dessas práticas no Recôncavo baiano, durante o século XVIII, ao centrar o olhar na conexão de casos fontes, especialmente os que fazem referência à construção de amuletos de proteção corporal — com destaque para as bolsas de mandinga —, utilizando elementos cristãos furtados das igrejas. Trata das feituras de proteção, compreendendo o processo de entendimento e elaboração de complexos mágico-religiosos, tendo as vivências de seus feitores como balizas primordiais.

Palavras-chave:InquisiçãoInquisição, Recôncavo baiano Recôncavo baiano, século XVIII século XVIII, bolsa de mandinga bolsa de mandinga, crioulização crioulização.

Abstract: portions of modern experiences. Our goal in this article is to analyse some of these practices facets, in Recôncavo baiano149, during 18th century. We’ll focus our attention on the cases of sources connection, especially those which refers to construction of body-protection amulets — like bolsa de mandinga — using Christian elements stolen from churches. We’ll discuss here about what we call feitura de proteção, comprising the process of understanding and elaboration of magic complexes, taking the experiences of their taskmasters as primary goals.

Keywords: Inquisition, Recôncavo baiano, 18th century, bolsa de mandinga, creolization.

Carátula del artículo

Artigos

FEITURAS DE PROTEÇÃO NO RECÔNCAVO SETECENTISTA*

Felipe Augusto Barreto Rangel
Universidad Estatal de Feira de Santana, Brasil
Afro-Ásia, núm. 54, 2016
Universidade Federal da Bahia

Recepção: 08 Março 2016

Aprovação: 20 Dezembro 2016

Adesvelam facetas privilegiadas da vida cotidiana de indivíduos e outras, contribuem enormemente, ao desenterrar histórias pelos escombros temporais. A conjugação de indícios em mosaicos espaciotemporais,[1] inter- “ligas”, perpassam essas perspectivas de historicizar homens no tempo. popular, Laura de Mello e Souza — com estudo pioneiro sobre a colônia portuguesa —,[2] Ronaldo Vainfas,[3] Luiz Mott[4] — com sua etnohistória ou história antropológica —, Daniela Buono Calainho[5] e Vanicléia Silva Santos[6] podem ser citados como expoentes.[7]

Nesse universo, muitos são os casos de furtos de hóstias consagradas, entre outros elementos cristãos, para a construção do que chamamos de feituras de proteção elaboração, considerando-se mentalidades e experiências forjadas em um cotidiano rico em adversidades.[8] Nosso objetivo é analisar e conectar casos referentes a furtos de objetos cristãos para a construção de amuletos, discutindo sua plasticidade, com destaque para as bolsas de mandinga. Selecionamos casos referentes ao Recôncavo da Bahia, interligando-os com outros por todo o espaço atlântico. Os sujeitos que promoviam essas feituras de proteção rivalizavam com os religiosos cristãos, por serem habilitados em manipular o universo mágico-religioso.[9]

Falar de bolsas de mandinga é evocar a intensa presença africana pelo Atlântico, apesar de reconhecermos a intensidade da interpenetração sociocultural nesse espaço.[10] Nesse sentido, nosso pano de fundo compreende os processos de crioulização no Recôncavo da Bahia, baseados nas[11] principalmente, e de Roquinaldo Ferreira — para a África atlântica.[12] Os autores, em maior ou menor medida, caracterizam esses processos considerando o movimento de crioulização como uma transformação cultural e identitária, iniciada em solo africano, fruto das dinâmicas atlânticas. Ao discutirmos a ideia de crioulização, não nos referimos apenas aos descendentes de africanos ou europeus nascidos no Novo Mundo, mas da forma como esses e outros[13]

Para o Recôncavo baiano setecentista, Luis Nicolau Parés traçou crioulização, compreendendo duas vertentes: a de uma crioulização cultural, Brasil, e a de uma , referente ao crescimento da população crioula. Segundo Parés,

A crioulização, portanto, conota a ideia de hibridização e síntese cultural, quando não de assimilação às práticas e valores dominantes já estabelecidos. Ela se expressava pela adoção de novas formas de pensar identidades coletivas mais genéricas e abrangentes. Todavia, a chegada homogeneidade étnica, das características de sua cultura e, às vezes, até processo inverso de “boçalização” ou “africanização”.[14]

O trecho acima é chave para a compreensão da dinâmica cultural tratada no presente texto. As bolsas de mandinga, fruto de uma “tensão pendular” crioula das espiritualidades africanas,[15] atravessaram Roquinaldo Ferreira,[16] os pontos que analisaremos integravam o intenso comércio atlântico, em que inúmeras práticas mágico-religiosas se interpenetravam constantemente. interpenetração mágico-religiosa. John Thornton, ao tratar do universo espiritual afro-atlântico, aponta a emergência de um novo tipo de religião que “especialmente no Novo Mundo [...] era um tipo de cristianismo que[17] Essa - mente plástico, capaz de incorporar uma grande gama de elementos — balizados pelas experiências de seus partícipes. James Sweet defendeu a existência de uma recriação de práticas africanas pelo espaço atlântico.[18] Em suas palavras,

O impacto africano na diáspora ultrapassa em muito as “sobrevivências” do mundo colonial em toda a sua plenitude cultural e social, moldando - pretativa, através da qual puderam compreender a sua condição enquanto escravos e enquanto libertos.[19]

Elegemos as Diligências sobre o caso do desacato e sacrilégio cometido na igreja paroquial de São Pedro do Monte da Moritiba, na Baía, como espinha dorsal desta investigação.[20] O caso versa sobre facetas das religiosidades de fundo africano na América portuguesa, a partir da narrativa de um furto de hóstias realizado na Igreja Matriz de São Pedro do Monte da Muritiba, termo da Freguesia e Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira.[21] Pretendemos reconstruir as possibilidades da atmosfera presentes na documentação, tratando-as como um microcosmo privilegiado, atentos para os indícios das vivências dos sujeitos envolvidos.

A trama das Diligências

Primavera, 15 de agosto de 1738. Realizava-se, no Convento dos Carmelitas Calçados,[22] a festa de Nossa Senhora do Bom Sucesso, na Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, Recôncavo da e religiosas entre os moradores locais e das paragens adjacentes, entre referentes às minudências cotidianas de seus integrantes.[23] Novenas, públicos e privados, compuseram o roteiro daquela animada e calorenta sexta-feira cachoeirana.

Cachoeira era a vila mais rica do Recôncavo,[24] e inúmeros território. Sua freguesia, de Nossa Senhora do Rosário, datada de 1688, foi desmembrada da Freguesia de Santiago do Iguape. Perdendo apenas para Salvador, o porto da Vila da Cachoeira era o mais movimentado. Segundo Bert Barickman,

Cachoeira, sede da maior vila do Recôncavo, já era um importante entreposto de comércio inter-regional em meados do século XVIII. Boiadas vindas dos atracados no rio Paraguaçu recebiam ali cargas pesadas de fumo e açúcar das freguesias rurais da vila e de algodão, couro e ouro provenientes de áreas mais remotas do interior. Descarregavam tecidos, ferramentas e outras manufaturas europeias que os comerciantes da vila, por sua vez, enviavam em lombos de mulas e cavalos para povoados de todo o interior da Bahia. Graças a este comércio rico e variado, Cachoeira cresceu e prosperou.[25]

Cachoeira foi uma das pontas de lança do povoamento do Recôncavo. Adriano Bittencourt, em pesquisa sobre a constituição e dinâmica da rede urbana no Recôncavo baiano setecentista, defendeu que, nesse[26] e uma alta na densidade dessa rede urbana, articulando as principais vilas com o restante do mundo português. Segundo o autor, os engenhos, entre outras localidades, eram nós de uma grande malha comandada pelos núcleos urbanos, interligados por caminhos e estradas, além de rotas formadas pelos rios.[27]

A economia fumageira tinha destaque nesse período e, segundo Antonil, o cultivo de “folha antes desprezada, e quase desconhecida” se iniciou aos poucos,[28] primeiro nos “campos, que chamam da Cachoeira, e de outros do sertão da Bahia”.[29] A produção de fumo teve seu ápice na primeira metade do século XVIII, cultivado comercialmente desde 1640. As cargas — rolos — de primeira e segunda classe seguiam para uma espécie de melado e ervas de cheiro —, era mandado para a África Ocidental, para ser negociado em troca de africanos escravizados.[30] Muitos africanos desembarcaram na Bahia. Uma parte aí permaneceu, outra foi distribuída por diversos pontos do Recôncavo, seguindo ainda

A vinda de africanos para a Bahia de Todos-os-Santos se iniciou após os primeiros estabelecimentos de açúcar, em meados do século XVI.[31] De acordo com as estimativas do “Trans-Atlantic Slave Trade:[32] espalharam-se pelo Atlântico cerca de 10.147.907 africanos escravizados. Na Bahia, africanos — especialmente dos portos do Golfo do Benin e da região centro-ocidental.[33]

As cidades eram espaços de disseminação de culturas, uma vez que as levas de africanos escravizados interagiam ao entrar em contato com seus habitantes — africanos ou não. Podemos tratar, assim, como uma dialética da mestiçagem afro-americana, um processo de crioulização de africanos e de africanização dos crioulos, que Parés chamou de “tensão pendular”.[34] Nesses termos, não só os africanos e seus descendentes eram sujeitos desse movimento, mas brancos e pardos também entravam nessa dinâmica, conferindo maior plasticidade ao universo mágico-religioso. com Dom Sebastião Monteiro da Vide, Arcebispo da Bahia, existiam, no início do século XVIII, 44 igrejas paroquiais em toda a capitania da Bahia, com mais de 90 mil almas. Contando “600 léguas para cima”, existiam 20 no Recôncavo, seis em Salvador, seis na parte sul e 12 ao norte — “de sorte que se as ditas freguesias se repartissem em distritos iguais teria cada uma quase 20 léguas de terreno, e com efeito, algumas há que se estendem a mais de 20 léguas, e certamente todas as de fora da cidade excedem de 2 léguas”.[35]

Apesar da atmosfera festiva e piedosa, citada nas primeiras linhas desta sessão, essa não foi uma data muito venturosa para todos os partícipes dos festejos do Bom Sucesso. Durante a folgança, um objeto mágico-religioso foi desvelado, levando o seu portador a cair nas garras - çalves Pereira foi preso, acusado da feitura de uma bolsa de mandinga, com ingredientes especiais, como uma hóstia consagrada envolta em papéis misteriosos.

As bolsas de mandinga eram um amuleto de proteção corporal de origem africana, que incorporou boa parte da plasticidade do mundo ultramarino. Em sua maioria, eram recipientes de pano ou couro, em cujo interior eram depositados elementos especiais, cristãos ou não, para promover uma blindagem contra vários perigos.

Um crioulo chamado Francisco também foi indiciado por ter furtado uma partícula consagrada, em momento anterior à citada festa da Virgem do Bom Sucesso, para ser entregue ao sapateiro Pedro Gon- çalves, feitor da bolsa de mandinga em destaque. O crioulo Francisco tirou a dita partícula do sacrário da Igreja Matriz de São Pedro do Monte da Muritiba, termo da Vila e Freguesia da Cachoeira. Consta ainda que ele era sacristão, escravo do vigário da igreja supracitada, o reverendo Manuel da Silva Teixeira, pertencente ao hábito de São Pedro dos Clérigos — religiosos seculares, responsáveis por administrar os sacramentos à população da América portuguesa.[36]

As bolsinhas de proteção foram citadas nas Diligências, primeiramente, durante a passagem do escravo de um cigano, “cujo nome ignoramos [...] e tem como alcunha o Palermo”.[37] O escravo desse cigano, chamado apenas de Pedro, o preto, passou pela porta do sapateiro Pedro Gonçalves, oferecendo-lhe uma “bolsa de mandinga”,[38] apregoando suas virtudes. Inicialmente, Pedro Gonçalves recusou a oferta, dizendo apenas que o mesmo escravo procurou-o outras vezes no mesmo intuito.

Ficamos instigados com a passagem desse escravo do cigano, que só apareceu na documentação como o revelador de uma feitura de proteção, desaparecendo posteriormente. Talvez Pedro Gonçalves estivesse indivíduos tenham sido envolvidos nessa mercancia de amuletos, já que sua diligência com Pedro Gonçalves não durou apenas um dia. Além do mais, o comércio de amuletos de proteção — como as bolsas de mandinga — eram recorrentes em todo o mundo português.[39] da existência de outras bolsas nessa mercancia, pois o escravo do cigano pode ter oferecido bolsas a outros indivíduos.

As cidades coloniais eram perigosas, em especial as que se carac- Cachoeira. O caso de Francisco Álvares de Brito é representativo desses perigos. Morador da Rua do Carvão, na Vila da Cachoeira, Francisco era chamado pelo povo da vila, por antonomásia, de “Diabo Menino”.[40]

[...] a mesa da sagrada comunhão, tira o sacramento e o guarda em uma para fora para trocar com os inocentes tabaréus a troco de frangos, gajunto com a bolsa.[41] As bolsas que circulavam com esse sujeito possuíam ingredientes-

“Diabo Menino”, acusado de envolvimento em furtos e mortes, ao ser preso, conseguia escapar da cadeia. Mesmo pesando o contexto desse indivíduo, no qual lemos a possibilidade de “cortarem sua cabeça” como possibilidades.

O fato é que uma bolsa foi citada nas Diligências, e ela foi parar outra bolsa possa ter existido, de uso próprio do nosso transeunte. Se será que também não possuía uma bolsa de mandinga pessoal? Francisco Álvares de Brito, o “Diabo Menino”, comercializava as bolsas, mas também possuía a sua guardada em uma caixa. Os caminhos coloniais eram inóspitos, e já que esses indivíduos — o cigano e seu escravo — se apresentaram em trânsito, não é demais acreditar que também utilizavam alguma feitura de proteção.

Pedro Gonçalves Pereira era sapateiro e herdou o ofício por linha paterna. Possuía dezoito para dezenove anos. Seu pai, natural dos Açores, também lhe concedeu o mesmo nome — eram homônimos. Disse que “lhe parecia que o havia sido batizado na capela do Genipapo, dez[42] e que “não tem ordem alguma, nem foi religioso, nem aprendera Latim, e se aprendera a ler e escrever com o ofício de sapateiro que exercia seu Pai”.[43] Mariana Pereira, natural da Freguesia de São Pedro do Monte da Muritiba, era a matriarca da família, e todos viviam na Vila de Muritiba, vizinha da Vila da Cachoeira.

Ainda no que concerne à genealogia, quanto aos avós, Pedro Gonçalves disse que “Não sabia como se chamavam nem de onde eram naturais, e que eram brancos e como tais sepultados”.[44] Nas Diligências, não é mencionada a sua cor, o que nos permitiu levantar alguns questiocolonial.[45] No entanto, encontramos, nos documentos seculares que atravessaram o caso, uma referência a Pedro Gonçalves Pereira como “um moço branco”.[46] A documentação inquisitorial foi omissa, e a secular o ambas as instâncias. Infelizmente, não encontramos censos referentes e qualidades dos habitantes do Recôncavo baiano, especialmente de Cachoeira. atiçar a curiosidade do sapateiro Pedro Gonçalves. Ele também estava imerso nesse mundo de deslocamentos, pois seu pai viera dos Açores, e, provavelmente, conhecia histórias das querelas das travessias, assim como transitava pela região, visto que todo o caso das Diligências foi desvelado por conta de seu deslocamento para uma festa religiosa na Vila da Cachoeira. Diante de toda essa transitoriedade, o contexto exigia algum tipo de proteção, fossem rosários, escapulários, bentinhos, relíquias, entre outros.[47]

Entre esses elementos, as hóstias consagradas possuíam predileção eram furtadas das igrejas. Joana Antônia, como exemplo, era escrava do latoeiro Antônio dos Santos Leitão e foi acusada, em 1749, de bruxaria e feitiçaria por desacatar hóstias consagradas. Possuía 16 anos quando foi autuada pelo Santo Ofício, sendo natural de Angola e moradora em Lisboa. Disse que quando tinha entre sete e oito anos, subtraiu uma quantidade de azeite de seu senhor e, temendo ser castigada, correu ao quintal para demônio para que ele a acudisse. O demônio apareceu e, entre as narrativas de acontecimentos durante seus encontros, que duraram alguns anos, ela –[48]

Utilizar uma hóstia consagrada como proteção foi indicação do capitão-mor das Entradas de Muritiba, o pardo Valentim Pereira, em conversa com Pedro Gonçalves. Segundo ele, “o mais seguro defensivo para o corpo era uma partícula consagrada e que a procurasse [...] e a trouxesse ao pescoço”.[49] Valentim falou apenas de hóstias como proteção, - tros, o mesmo prescreve que “não comprasse a dita bolsa de mandinga, mas sim solicitasse uma partícula sagrada, e que a trouxesse consigo, que este era o melhor defensivo, para que não pudesse ser ofendido dos seus inimigos, não entrasse ferro no seu corpo”.[50]

Não foi revelado o motivo pelo qual o capitão-mor aconselhou a não efetivação da compra da bolsa de mandinga, mercadejada pelas mãos do escravo Pedro. Se, até o contato com Valentim, Pedro Gonçalves ainda aventava a compra, é possível que tanto o cigano como o seu escravo ainda estivessem pelas redondezas. Pela propriedade da fala do na bolsa do escravo do cigano, podendo ser esse um motivo, já que ele protetora das bolsas — com a hóstia como núcleo — em sua blindagem contra ofensas direcionadas ao seu portador. Vale dizer ainda que, pela de que ele mesmo portasse uma bolsa de mandinga, dada a natureza das atividades que desenvolvia. Sua ocupação pode ter contribuído para esse conhecimento, a ponto de prescrevê-lo. restava a Pedro Gonçalves adquirir a hóstia consagrada. A Igreja Matriz de São Pedro do Monte da Muritiba foi o local escolhido para conseguir as hóstias. Nesse momento, entra na trama outro réu, Francisco crioulo, sacristão da referida igreja e escravo do vigário local, Manuel da Silva Teixeira. Ele tinha doze anos quando foi acusado, e o tempo de ofício já não apenas servia à dita igreja “fechando e abrindo as portas dela”.[51][52] datado de 23 de setembro de 1738, em Salvador, que era natural da mesma Freguesia

Em seus interrogatórios, o crioulo Francisco explicou como retirou a hóstia do sacrário. Sua narrativa revelou o caráter comercial da transação, ao citar a oferta de meia pataca pelo serviço.[53] O cuidado que o sacristão teve ao negociar, duvidando do pagamento, e como fez para retirar a partícula consagrada do sacrário, nos leva a crer que já tivesse induzira para o fazer”.[54]

A 10 de outubro de 1738, em consulta do Conselho Ultramarino para o rei D. João V, sobre o mesmo caso das Diligências, é mencionado além da primeira partícula, se tinham roubado mais duas de que estavam indiciados dois mulatos”.[55] Em nossa leitura, é possível que essas duas Diligências, por No entanto, na documentação inquisitorial, esses fatos não são mencionados. Não dispomos de mais detalhes na documentação secular, por ter no que concerne ao andamento desse caso. Sem mencionar, ainda, que os sujeitos envolvidos foram tratados enquanto mulatos.

Tome-se como outro exemplo o caso de José Fernandes,[56] de meados do século XVIII, um lavrador pardo, morador na Vila Real e Freguesia de Nossa Senhora da Abadia, fronteira entre os atuais Estados de Sergipe e Bahia, que foi acusado de retirar a hóstia da boca para a inicialmente, que “os padres” que lhe haviam dado as hóstias para sua do uso de hóstias em feituras de proteção, se investigou se realmente existira participação de religiosos nesse sacrilégio.

Estratégia semelhante à de Francisco Álvares de Brito, o “Diabo Menino”, e de José Fernandes, ocorreu, em 1780, na Igreja Matriz de São Felipe da Vila de Maragogipe, Recôncavo da Bahia, em que “cometeu um homem natural da mesma Vila com bárbara temeridade o sacrilégio e desacato de tirar da boca a sagrada formula, depois de a comungar,[57] O réu confessou posteriormente, de forma que a hóstia foi encontrada em sua casa “dentro em um papel indecentemente guardada [...] de onde foi conduzida pelo pároco em procissão para a freguesia daquele distrito”.[58] Esse caso teve bastante repercussão, a ponto de se fazerem necessárias[59]

O sapateiro Pedro Gonçalves preferiu subornar o sacristão da matriz local. A hóstia foi extraída do sacrário por Francisco, em um sábado do mês de agosto de 1738. Ao meio-dia, ele se deslocou para fazer os costumeiros “sinais de Ave Maria”,[60] com o dobrar dos sinos. para a sacristia. Chegando lá, se apoderou das chaves que encerravam o caixão da sacristia, no qual se guardavam os paramentos litúrgicos, entre outros ornamentos dos rituais sacros católicos — que também poderiam ser utilizados nas feituras de proteção.[61]

O sacristão Francisco crioulo, após abrir a gaveta do caixão da sacristia, se apoderou da “chave do sacrário [localizada] em uma tamde couro se foi com Ela ao sacrário e abrindo o tirara da âmbula uma partícula consagrada”.[62] seu escravo — assim como muitos outros vigários —, a ponto de lhe permitir transitar em espaços tão sagrados. Não era só à torre sineira que Francisco crioulo tinha acesso, mas a todo o resto da igreja, inclusive aos sacrários. Fato semelhante foi narrado no processo de Vicente de Morais, em que alguns sujeitos que auxiliavam os religiosos locais nas missas utilizavam essa condição para furtar hóstias e outros elementos.[63]

Após se apoderar da hóstia, o crioulo Francisco tomou os devidos cuidados para apagar todas as pistas, sem saber que elas seriam reveladas pelos seus próprios lábios. Como ainda era meio-dia, ele escondeu a partícula num sacrário velho que se localizava na sacristia e, novamente à Hora das Ave-Marias, entregou a encomenda a Pedro Gonçalves, “que estava à porta da Igreja esperando”.[64] Pedro Gonçalves, ao recebê-la, “meteu [...] a sagrada partícula em um papel que tirou da Algibeira”,[65] levando-a consigo. Já era noite. Talvez na cabeça dele soassem apenas passado”.[66]

Aqueles eram tempos de repressão religiosa. O Tribunal do Santo Ofício português havia sido criado, em 1536, pela bula Cum ad nil magis, promulgada pelo papa Paulo III. Existiram quatro tribunais: o de Lisboa (com jurisdição sobre a América portuguesa), o de Évora, o de Coimbra e o de Goa — este último o único localizado fora da região metropolitana. Embora na América lusa não existissem tribunais, foram delitos: a de 1591 a 1595, abrangendo Bahia, Pernambuco, Itamaracá e[67] e a de 1763 a 1769, no Grão-Pará. As territórios mais distantes dos tribunais. Vale citar, ainda, os agentes habilitados, que mantinham o funcionamento da engrenagem inquisitorial.[68]

Na mesma noite de agosto de 1738, a bolsa de mandinga foi confeccionada. Chegando à sua casa, Pedro Gonçalves Pereira se deslocou utilizado como materiais de sua feitura “uns pedaços de chamalotecos[69] Em outra parte da documentação, ele acrescenta que foi “fabricada por ele de chamalote cor de ouro pendente por um cordão de linhas brancas, a qual era quadrada e não muito grande”.[70] Ele utilizou os mesmos instrumentos e matéria-prima do trabalho diário para elaborar seu amuleto. No âmbito das feituras de proteção, as vivências dos indivíduos forneciam suporte para que o sobrenatural se materializasse.

Pedro Gonçalves Pereira foi cuidadoso ao acomodar a hóstia em sua bolsa. Envolveu-a em papéis, substituindo o lenço de rendas entregue pelo sacristão.[71] sempre “ao pescoço até o dia acima recontado”.[72] Apenas em alguns momentos, como durante uma dança na festa do Bom Sucesso, a retirou

Os casos de José Fernandes e de Vicente de Morais enriquecem nossa narrativa sobre as feituras de proteção. Para o primeiro, não encontramos uma descrição tão pormenorizada acerca da construção da bolsa. Sabemos apenas que, após conseguir a hóstia, “metera dentro de uma bolsa e a trouxera consigo”.[73] No caso de Vicente de Morais, a bolsa podia ser chamada de “Salamanca, a outro paulista, [ou] cabo verde”.[74] Outros elementos das bolsas são citados no processo de Vicente: uma de “xita cozida”,[75] outra “de damasco por fora e por dentro”,[76] e outra ainda “de burel por fora”.[77]

Há, ainda, a indicação da presença de papéis no interior da bolsa de Pedro Gonçalves, junto com a hóstia, mas sem nenhuma referência a símbolos escritos, que eram comuns em algumas bolsas, objetivando potencializá-las.[78] Numa sociedade com grande número de analfabetos, as palavras possuíam função mágica.[79] Na bolsa de José Fernandes, por exem-[80][81] - rimônia católica que representa o momento da Última Ceia. Segundo a tradição cristã, Jesus Cristo, antes de sua Paixão, repartiu o pão com Esta é uma das bases da instituição da Igreja Cristã, na qual Jesus Cristo “se fez pão” e deu de comer a todos os apóstolos, simbolizando, assim, uma comunhão mística na qual o corpo da Igreja deveria manter, entre si e com Ele. Desse modo, a divindade suprema do Cristianismo se fazia através da Comunhão. O pão, com o desenrolar dos tempos, foi transformado em hóstia, um pequeno biscoito de trigo, que simboliza o próprio encontramos diretrizes para os procedimentos com o Santíssimo Sacramento da Eucaristia — as hóstias consagradas no ritual da missa. Dentre estavam imersas, ao se transformarem no corpo e sangue de Jesus Cristo — a transubstanciação.[82] Depois do ritual de consagração, promovido pelo sacerdote católico, as “espécies de pão, e vinho” se transformam no corpo e sangue de Jesus Cristo, como dito. Nesse âmbito, reside a imporindevida era um crime grave, apesar de ser prática recorrente.

Todos os casos citados trazem em seu cerne o uso indevido de hóstias — chamadas também de partículas ou relíquias. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia apontam que relíquias podiam ser partes dos corpos dos santos ou mesmos objetos tocados em seus corpos.[83] Segundo Renato Cymbalista, as relíquias eram “corpos dos mártires e santos, normalmente seus ossos, mas também cabelos, unhas, sangue, lágrimas, ou os objetos por meio dos quais foram martirizados — cruzes, pregos, lanças, setas, correntes”.[84] Após o Concílio de Trento, o poder rigorosa feita pelo clero, e sua obtenção se tornou tarefa complicada. Supomos, assim, que as hóstias, também uma forma de relíquia, pudesnos mostra as hóstias como o próprio corpo de Cristo e, se as relíquias dos santos possuíam grandes poderes perante os devotos, cremos que as hóstias possam também ter cultivado uma compreensão semelhante. eram relativamente mais fáceis de ser obtidas.

O termo “relíquia”, presente em nossas fontes, faz menção, mesmo que indireta, ao culto aos fragmentos de santos e mártires, ou mesmo às próprias hóstias consagradas — o corpo simbólico de Jesus Cristo. As hóstias eram a materialização de um poder sobrenatural, a representação do corpo de uma divindade que, de acordo com as narrativas cristãs, havia hóstias nas feituras de proteção corporal.[85]

Nem todas os documentos consultados possuem o termo “bolsa evocadas, utilizando o termo “embrulho”. A nosso ver, isso abre um leque ainda maior para as práticas mágicas coloniais, visto que ampliam o raio de ação das feituras de proteção. Embrulhos eram escondidos no interior das casas, nos quartos, colocados em comidas, enterrados nas soleiras das Moniz Telles,[86] registrado na Vila da Cachoeira, em 1749, é representativo. Ele foi acusado de feitiçaria, sendo preso por um tempo na cadeia da cidade, da qual era natural e morador. Foi libertado posteriormente, em abril de 1750, por ter alcançado o perdão numa Sexta-Feira Santa. O réu havia sido solicitador da Procuradoria da Comarca, e, ao ser vasculhada sua casa pelo tesoureiro geral Faustino Dias Chaves e pelo escrivão Manuel Feliz de Mello e Albuquerque, em busca de papéis referentes à Procuradoria, foi encontrado, dentro de uma canastra, “um embrulho pequeno, com duas capas uma de pano de linho outra de Bertanha cozido a Roda”.[87] A descrição prossegue, esclarecendo que existia no interior desse embrulho outro

[...] embrulhinho de cabelos pretos que parecem de animal a todos com um cordão de linha branca meia folha de papel embrulhada escrita em quadro e dentro desta uns pós com grãos de azougue e outros Cabelos e outrossim lhe foi achado outra meia folha de papel escrita por uma banda estranhas em honra de Santos.[88]

Essa descrição foi feita pelo meirinho da Ouvidoria-Geral, Pedro de Oliveira. Durante o Auto, realizado no dia 12 de julho de 1749, Miuma canastra da Procuradoria. Ele achou o embrulho num dia em que, ao transportar para a “cidade da Bahia [...] algumas coisas como foram pratos e outras miudezas [...] para as Vilas do Sul”,[89] pertencentes a seus superiores, um preto, chamado José da Lancha, ao manusear a dita canastra, descobriu o dito embrulho. Ao ser perguntado por que não dera existia justamente o nome “Miguel”, o acusado desconversou, dizendo que “não se podia entender ser a dele respondente por haver mais pessoas do mesmo nome”.[90] Os questionamentos prosseguiram, inclusive se ele havia utilizado aquele embrulho para “algum malefício ou para alguma obra sã”,[91] ou mesmo por “ter algum pacto implícito ou explícito, com o demônio”.[92] pelo réu, pois existem inúmeras lacunas no documento.

Miguel Moniz declarou, ainda, que, em 1743, foi acusado de um eram fruto de inimizades que tinha. Segundo a documentação, ele “usava de semelhantes pactos que dos mesmos papéis usaria em qualquer parte que lhe fosse necessário”.[93] Talvez a bolsa/embrulho fosse realmente dele, apesar das negativas. De todo modo, era outra feitura de proteção circulando pelos entornos da Freguesia da Cachoeira. Miguel Moniz - cia, visto que o escrivão e o tabelião se embaraçaram nas palavras. Ele respondeu apenas que “lera da sorte que poderá por ser pessoa que sabe ler”.[94] Desconhecemos o desfecho desse caso.

Caso semelhante foi o do mestiço forro Pedro Rodrigues,[95] tido - calizamos dois conjuntos de documentos sobre este réu: um Processo,[96] datado de 1790-1792, e um Sumário,[97] datado de 1791-1792. Ele era resia pouca distância da Vila e Freguesia da Cachoeira, e sua denúncia foi apresentada perante o vigário e comissário do Santo Ofício, José Nunes Cabral. Consta que, ao ser chamado pelo lavrador de canas do Engenho dos Santos Reis, Antônio Ferreira de Essa, homem branco, casado, para curar uma escrava sua de feitiços, ofereceu outros serviços aos presentes: “fazer invulnerável a que chamam fechar corpo”.[98]

Além disso, consta que Pedro Rodrigues benzeu uma conta, a qual Jeronimo de Castro, “homem de Portugal”,[99] trazia em um de seus braços. Ao fazer determinados sinais com o braço, além de proferir algumas palavras, a dita conta tinha o poder de “conhecer quem diz mal dele”.[100] extensão ou parar, de acordo com as palavras ditas. Mas Pedro Rodrigues “travando-se uma pendência entre ele e outra pessoa, a arremandolhe [?] aos peitos uma lança com tal força que o levara a uma parede com cujo impulso esta tremera, e só não obstante a lança o não ferira”.[101] Benzedura de objetos, curandeirismo, adivinhação, blindagens corporais, eram muitas as potencialidades de Pedro Rodrigues. Não encontramos para propagandear seus préstimos, apesar de tudo aquilo já ser “público naquelas vizinhanças”.[102]

O trecho supracitado, que refere uma pendência da qual o réu saiu ileso, apesar de ser alvejado fortemente por uma lança “aos peitos”, evoca uma descrição bastante semelhante às pendências que também aparecem nas vivências do soldado angolano Vicente de Morais. Em seu caso, a bolsa de mandinga foi o centro de suas feituras, defendendo-o contra lanças e espadas de seus inimigos. No caso de Pedro Rodrigues, apenas foi mencionada a virtude de “fechar corpo”, apesar da semelhança da situação. - torno das mandingas. Na América lusa, a mesma virtude circunscreve-se ligação direta entre as práticas de ambos os lados, mas apenas apontando a existência de um lastro espiritual comum entre elas que, a partir de indícios, nos dão licença para conectar experiências de um e outro lado.

Vale dizer ainda que, nesse lastro espiritual, as feituras de proteção poderiam revelar de forma mais intensa elementos culturais indígenas, africanos ou europeus, entre outros.[103] As escolhas eram balizadas pelas necessidades do portador e, como citado por Parés, obedeciam a uma “tensão pendular”,[104] nos termos evocados sobre crioulização. Para nosso caso, Francisco Bethencourt sinaliza que “As bolsas de mandinga, semelhantes aos amuletos usados na Europa, têm uma origem africana[105] fornecidos pelos contextos escravocratas e dos estereótipos religiosos devem ser considerados, pois

Bolsas de mandinga era um termo “guarda-chuva” que agregou africanos de diversas origens, crioulos e brancos. A partir de interesses e traços culturais comuns, a população colonial aderiu ao uso de saquinhos de pano ou de couro, dentro do qual cabia tudo que uma colônia marcada pela miscigenação cultural podia comportar.[106]

Vanicléia Silva Santos mostrou como o termo “mandinga” foi associado bem mais às práticas mágicas, ao universo religioso atlânti-[107] Como dito, nem todos os mandingueiros eram negros. O etnônimo “mandinga” se refere ao Mali, no oeste africano, mas as mandingas, enquanto práticas mágicas, não necessariamente possuem essa procedência.

Pedro Gonçalves Pereira se tornou um “mandingueiro” no momento em que empreendeu a feitura de sua bolsa, apesar de a documentação não trazer o termo propriamente dito, como no caso de Vicente de Moraes, que foi chamado de “mestre mandingueiro” ou mesmo de “público mandingueiro”.[108] Feita a bolsa, e entendida parte das lógicas dessas blindagens corporais, o sapateiro Pedro Gonçalves Pereira, estava pronto para sair de casa. Ir às festas, sacras e profanas, da pujante Vila da Cachoeira. Seu corpo já estava bem guardado — “fechado” — para os diversos perigos.

A Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, do Rosário, mesmo em 1746, não era um templo grandioso, e suas obras ainda não haviam sido concluídas, segundo o requerimento do padre José da Costa Vale.[109] Segundo o próprio arcebispo Dom Sebastião Monteiro da Vide, em carta direcionada ao rei, com base em suas visitas ao arcebispado, o mesmo se encontrava em grandes necessidades, em igrejas e ministros.[110] apontou, em Recife, o “escandaloso” estado de algumas posturas tidas como cristãs em determinados lugares da América portuguesa. Nas palavras do religioso, a “Religião Cristã ainda está no berço naquele sertão”.[111] O nosso reverendo, ao apresentar ao rei, D. Pedro III, os seus “ardentes desejos a favor da Religião”,[112] se queixou especialmente da impossibilidade de aplicar castigos nos desviantes com que teve contato. número de adivinhadores de um, e outro sexo tem inundado esta terra”.[113]

Em 1774, existiam oito freguesias em Cachoeira.[114] De acordo com os levantamentos assinados pelo comissário Dâmaso José de Carvalho, em 1792, o Arcebispado da Bahia contava com 93 freguesias, 15 aldeias - nhos, três de beneditinos, três de carmelitas calçados, um de carmelitas descalços e um de agostinianos calçados) e seis hospícios pertencentes a ordens religiosas.[115] Utilizamos em grande medida esses dados mapeados ou imprecisão dos dados para o início do século, escasseando durante nossas buscas, assim como de censos que pudessem nos situar melhor

Na Freguesia da Cachoeira existia um importante centro de evangelização da região: um convento da Ordem Carmelita, palco de importantes momentos descritos nas Diligências. Sua construção data de 1688, em terrenos do capitão João Rodrigues Adorno e de sua mulher, dona Úrsula de Azevedo, doados no ano anterior à Ordem, então representada por frei Manoel da Piedade.[116] As obras se iniciaram em 14 de março do mesmo ano, pelo mencionado frei, terminando apenas em 1692.[117] do século XVII, o convento contava com seis religiosos que atuavam, na região cachoeirana na evangelização de seus fregueses, percorrendo distâncias e ministrando os sacramentos.

Dentre as atividades religiosas do Convento do Carmo, para além das festividades e solenidades características da Ordem, destacava-se a existência de irmandades, como a do Senhor dos Martírios e do Senhor da Paciência.[118] Luis Nicolau Parés esclarece que a primeira irmandade foi erigida em 1765, fundada por africanos jejes,[119] e, segundo Maria Helena Flexor, a partir dos escritos de frei Agostinho de Santa Maria, existia na igreja do convento, entre outros altares pormenorizadamente descritos, uma imagem sacra, sob invocação de Nossa Senhora da Salvação, que fora colocada ali pelos seus “devotos pretos”.[120] O convento - vento do Carmo possuía 15 frades, dois irmãos coristas e seis irmãos de quatro frades e um leigo.[121] Apesar do declínio da presença de irmãos carmelitas na região, nos últimos anos da década de 30 do século XVIII, algumas festividades mantinham seu vigor, como a de Nossa Senhora do Bom Sucesso, registrada nas acobreadas linhas das Diligências.

Recolhemos poucos detalhes sobre essa festa na documentação entre os quais foi uma dança”.[122] O dia festivo, em 15 de agosto de 1738, comemoração da festa de Nossa Senhora do Bom Sucesso, foi celebrado com toda a vivacidade que os rituais religiosos coloniais exigiam.[123] momento de ver e ser visto. Vestido novo, botas lustradas, adereços, todo o grupo social investia em seus potenciais simbólicos para transitar em

Mas a festa era preparada e começava bem antes mesmo do rito propriamente dito. O planejamento da participação, o deslocamento para o “palco” dos festejos, a arrumação de igrejas, adros, casas públicas e residências para a recepção de familiares, amigos e convidados distantes integravam as sociabilidades festivas. As casas particulares, em especial as do entorno das igrejas, possuíam a importante função de abrigar os forasteiros.

A referida festa ocorreu no dia 15 de agosto de 1738, e a hóstia foi entregue a Pedro Gonçalves numa noite de sábado do mesmo mês — ou no dia 2, ou no dia 9. De todo modo, quinze dias perfaz o espaço temporal entre a feitura de proteção e o seu uso mais explícito durante a da Cachoeira foi o momento de praticar o conhecimento veiculado nas falas e vivências do escravo do cigano Palermo, do capitão-mor das Entradas, Valentim Pereira, e também do crioulo Francisco — sujeitos mais visíveis da trama.

A travessia entre as vilas de Muritiba e Cachoeira não era muito longa, apesar dos possíveis perigos mencionados. Existiam ainda os riscos naturais, como atestou o próprio arcebispo, Dom Sebastião Monteiro da Vide, ao dizer que “o recôncavo da Bahia pela maior parte é cheio de[124] além de fortes chuvas e perigos nos rios e lamaçais, característicos da - cios sagrados ao menos em domingos e dias santos, apesar da dispersão das igrejas.[125]

Entre as narrativas da dita festa, Pedro Gonçalves disse que “se celebrou no dito dia, no convento do Carmo, a Nossa Senhora do Bom em que ele Réu entrou também com outros camaradas”.[126] Nesse ínterim, Pedro Gonçalves se despira: “precisamente havia de suar no dito folguedo”, tirando assim “do pescoço uma bolsa fabricada por ele”.[127] Sua ansiedade para participar da festança foi tão grande que, ao se despir, para uma melhor desenvoltura na dança, evitando muita transpiração, colocou seu amuleto na vestia de um de seus “camaradas” — o ourives Vitoriano dos Santos —, moço solteiro e branco, residente na Vila da Cachoeira, “na companhia de Gregorio Garcia também ourives seu Mestre”.[128]

Ambos os “camaradas”, Pedro Gonçalves Pereira e Vitoriano dos Santos, se despiram na casa de Antônio da Rocha Madureira, outro ourives, branco, morador na mesma vila. A documentação não oferece que Vitoriano dos Santos fosse conhecido de Antônio da Rocha Madureira, por compartilharem o mesmo ofício. De todo modo, os festejos tornaram a todos “camaradas”, permitindo que fossem à casa de Antônio “para se preparar, e vestir”.[129] Pedro e Vitoriano penduraram seus pertences “em um torno que tinha na dita casa”,[130] pois as residências eram pobremente mobiliadas. Amparados pelo auxílio dos moradores locais, nossos sujeitos seguiram para o local da dança, provavelmente à sombra do mesmo convento em que se desenrolou a festa religiosa.

Passadas as efervescências e performances do dito folguedo, os “camaradas” retornaram à casa de Antônio da Rocha Madureira para recolher seus pertences. Pedro Gonçalves Pereira reparou logo a falta da sua feitura de proteção e, sem hesitação, “logo entrou a diligência de a procurar, recomendando muito ao dito Antonio da Rocha senhor[131] De acordo com uma das testemunhas, ele “procurava com grande ânsia, prometendo alvissaras a quem a achasse”,[132] sendo que tinha na “dita bolsa uma coisa de muito apreço”.[133] Sem muito sucesso na busca, só cabia a Pedro Gonçalves retornar a sua casa.

Apesar do curto espaço de tempo — quinze dias — foi trabalhosa a construção de seu amuleto. A essa altura ele já compreendia sua importância para as suas vivências — deslocamentos, inimizades, perigos, entre outros. As próprias festas religiosas também eram palcos privilegiados para episódios violentos.[134] Pedro Gonçalves voltou para casa, talvez arquitetando a feitura de outra bolsa. Mal sabia ele que sua bolsa seria encontrada, e que, em outros termos, ele retornaria ao mesmo Convento do Carmo. iniciou em 10 de setembro de 1738, com o depoimento das três primeiras testemunhas do caso — Vitoriano dos Santos, frei Jerônimo de Souza e frei Francisco de Nazareth. Outro Sumário de Testemunhas foi elaborado três dias depois, somando-se às três testemunhas citadas Antônio da Rocha Madureira e Gregório Garcia. Ao todo foram cinco depoimentos, e os dados gerais sobre essas testemunhas constam na Tabela 1.

O primeiro Sumário de testemunhas foi elaborado em 10 de setembro de 1738, e o segundo, três dias depois. O primeiro a depor foi Vitoriano dos Santos. Declarou ter “vários moços” entrado na dança do Bom Sucesso, acrescentando que “no terceiro dia se fez uma comédia”.[135] A testemunha prolongou as festividades em três dias: em um extremo aconteceu a “dança”, e no outro uma “comédia”. Pelo visto, as festividaentre “comédias” e “danças”. Um documento secular que encontramos acrescenta a este rol de termos o nome “baile”.[136] Após toda essa programação, além de ter presenciado a preocupação de Pedro Gonçalves na busca de seu amuleto, Vitoriano dos Santos

Quadro 1
Relação das testemunhas das Diligências[137]

[...] meteu a mão no bolso de uma sua vestia, e achou uma bolsa, e não sabendo o que era em casa a descoseu, e achou uns papelinhos, e dentro deles uma partícula, o que tudo meteu dentro de uma sua caixa com confessor.[138]

curiosidade foi maior que os impulsos piedosos, levando-o a contar o acontecido a sua madrinha, Bernarda Marques, esposa de seu mestre, um lado, Pedro Gonçalves aprendeu o ofício de sapateiro com o pai, do outro, Vitoriano teria aprendido o ofício de ourives com o padrinho.

Bernarda Marques também não guardou segredo e contou o sucedido a Gregório Garcia, que obrigou Vitoriano dos Santos a acompanhá-lo até os religiosos do Convento do Carmo, o que aconteceu no dia seguinte, já que Bernarda contou ao marido “fora de horas”.[139] No o conteúdo da bolsa de mandinga e, “vendo a partícula a foi recolher em sacrário”.[140] os trâmites da investigação.

A testemunha seguinte, frei Jeronimo de Souza, era o superior do convento. Declarou que estava em sua cela, provavelmente cumprindo - cisco, na companhia de Vitoriano dos Santos e Gregório Garcia. Frei Jeronimo de Souza, assim como Antônio da Rocha Madureira e Gregório Garcia, apenas reproduziram em seus depoimentos parte do anteriormente aqui mencionado. A essa altura, com o abrir e fechar da bolsa, e com os esclarecimentos de quem e como abrira, registrou-se que

[...] a vista de todos abriu ele testemunha e viu a dita partícula envolta em um papel limpo e outro por fora, a qual partícula mostrava ser ali posta sendo molhada, ou com alguma humidade, por quanto se achava pegada ao papel de sorte que ao abrir o papelinho lascou uma pequena parte da forma, que estava pegada, e a mais parte rachada.[141]

Essa declaração de frei Francisco de Nazareth condensa um pouco dos depoimentos anteriores acerca do destino da bolsa depois de revelada. O fato de estar com alguma umidade levanta a hipótese de uso em outras

Após esses depoimentos, o vigário da vara da Vila da Cachoeira, o reverendo Antônio Pereira, examinou o material — a bolsa e os depoimentos —, e Pedro Gonçalves Pereira e Francisco crioulo foram presos no Convento do Carmo.

O então prior do convento, frei Jozeph Angelo Teixeira, permitiu que os réus fossem encarcerados. Pedro Gonçalves Pereira, em 12 de setembro de 1738, em “uma cela que serve de cárcere preso em um tronco[142] e Francisco crioulo, em 15 de setembro de 1738, “em uma cela separada, e distante, da em que estava o sobredito preso Pedro Gonçalves segurando-o com uma corrente”.[143] Poucos dias depois, no mesmo convento, ocorreu o último depoimento dos réus. Em suas respostas, Pedro Gonçalves se esquivou das perguntas e

[...] preguntado a ele depoente se tinha com a dita partícula executado mas antes que a trazia com tanto respeito, que indo para a dança tirou do pescoço, e a meteu na algibeira de uma vestia de outro, cuidando que era sua.[144]

Em depoimento, tomado no mesmo dia, Francisco crioulo declarou que retirou a hóstia do sacrário e a entregou a Pedro Gonçalves por relíquia”.[145] estavam cientes dos perigos nos quais estavam imersos.

Em 23 de setembro de 1738, os réus foram encaminhados para o Aljube da cidade de São Salvador da Bahia, recebidos pelo carcereiro Antônio da Costa Coelho. A partir daqui, os contornos que a narrativa documental das Diligências toma não são condizentes com nossos objetivos, já que se iniciaria uma grande luta entre os poderes inquisitoriais, eclesiásticos e seculares acerca da jurisdição dos réus.

Dois anos depois dos festejos do Bom Sucesso e da prisão dos réus no Convento do Carmo, em 18 de março de 1740, após exaustiva explaencerraram as últimas linhas das Diligências no seguinte tom: “Tudo quanto a Mesa pode dizer de Direito já tem dito no caso do sacrilégio de Monforte, que ultimamente se executou no rocis desta cidade”.[146] Com como os réus inquisitoriais da jurisdição portuguesa na América do Sul e os réus do reino — e, possivelmente, de outros lugares de além-mar — deveriam ser tratados, de acordo com o sistema regimental da instituição. Ao menos é isso que, em maior ou menor medida, o trecho sugere. Pedro Gonçalves Pereira e o crioulo Francisco já estavam sob a alçada da Inquisição portuguesa.

Para fornecer um modelo de desfecho para as Diligências, mencione-se um caso de sacrilégio ocorrido na Vila de Monforte, Bispado de Elvas, em Portugal.[147] Para o caso baiano, que não teve um desfecho muito claro, já que a documentação que temos em mãos não contém proceder da mesma forma que se fez com um caso semelhante, citando uma documentação já existente em Lisboa, datada de 1728 a 1731 —

As Diligências documentam a troca de cartas entre o promotor e procurador da Mitra do Arcebispado da Bahia com o desembargador, ouvidor-geral do crime da Relação do Estado da Bahia e o ouvidor-geral da comarca. Pedro Gonçalves Pereira e o crioulo Francisco foram embargados de seguir para Lisboa, aos cárceres inquisitoriais, pelo poder secular. Ficando temporariamente presos no Aljube de São Salvador, a justiça secular não permitiu a “devolução” à Inquisição, desenvolvendose, então, longa e burocrática troca de documentos entre as instâncias supracitadas. De acordo com o escrivão, as diligências feitas pelos religiosos da Vila da Cachoeira não foram devidamente elaboradas. Isso século XVIII, a instituição já não possuía tanto controle e poder, negociando constantemente a sua presença e atuação em diferentes espaços. Não encontramos, nas Diligências dos dois acusados. modos, não apenas entre a instituição inquisitorial e os religiosos, mas entre os próprios religiosos de uma mesma ordem e, de forma especial, exemplo, registrado pelo religioso Jerônimo Cabral de Oliveira, ao receber e enviar denúncias a Portugal de desviantes na região de Pernambuco, saber se-me-não lembrasse, que o meu regimento feito só para a Europa, não dá regras para esta América, e que as que da para Portugal senão po-[148] A América estava distante do reino para que determinadas ortodoxias fossem seguidas à risca, mas talvez o religioso tenha se esquecido de que muitas heterodoxias da colônia possuíam forte ascendência em solo luso. De todo modo, integrava as feituras de proteção, em escala atlântica. Os sujeitos e suas respectivas vivências, registradas e exploradas nesta pesquisa, nos revelaram ricas possibilidades de utilização dos acervos inquisitoriais, no sentido de resgatar minudências de outros tempos. Detalhes que, ao serem posicionados de forma metodologicamente balizada, podem ser visualizados neste texto, ou como opção de estruturação, ou beber em várias fontes.

Pensar as feituras de amuletos de proteção em suas coordenadas - ricos que interligaram as margens atlânticas em suas dinâmicas crioulas. Nessa perspectiva, exploramos uma pequena faceta do desenho religioso atlântico, no qual as agruras cotidianas possuíam peso fundamental no gerenciamento do universo mágico-religioso, envolvendo grupos sociais - empreitada atlântica. habitantes do Recôncavo baiano setecentista a fazer e portar amuletos de proteção corporal. Mais que isso, aprofundamos os sentidos dos usos mais populares. As hóstias, inseridas no interior das bolsas de mandinga, mandinga foram ainda um indicador privilegiado acerca dos processos de crioulização no Recôncavo baiano, bem como em outros quadrantes do Atlântico. Sua plasticidade, capacidade de agregação e relativa acessibilidade revelaram particularidades importantes, articulando o local e o global.

Material suplementar
Notas
Notas
[1] Carlo Ginzburg, “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, in Carlo Ginzburg, Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história (São Paulo: Companhia das Letras, 1989).
[2] Laura de Mello e Souza, O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial, São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
[3] Ronaldo Vainfas, Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil, Rio de Janeiro: Campus, 1989.
[4] Luiz Mott, “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu”, in Laura de Mello e Souza (org.), História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa (São Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil, Rio Pereira”, Tempo Brasileiro defunto: os restos mortais na feitiçaria afro-luso-brasileira”, Revista USP Luiz Mott, Escravidão, homossexualidade e demonologia, São Paulo: Ícone, 1988.
[5] Daniela Buono Calainho, Metrópole das mandingas: religiosidade negra e Inquisição portuguesa no antigo regime, Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
[6] Vanicléia Silva Santos, “As bolsas de mandinga no espaço atlântico, século XVIII” (Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 2008).
[7] Vale mencionar também José Pedro Paiva, Práticas e crenças mágicas: o medo e a necessidade dos mágicos na diocese de Coimbra (1650-1740) - court, O imaginário da magia: feiticeiros, adivinhos e curandeiros em Portugal no século XVI, São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
[8] A expressão feituras de proteção “Aos sinais das Ave Marias: furtos de hóstias, feituras de proteção e o desenho religioso da Bahia setecentista. O caso das Diligências de Muritiba” (Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Feira de Santana, 2015).
[9] entre “religião” e “magia”, optamos por utilizar o termo “mágico-religioso”, considerando a forças sobrenaturais, que assume as formas de oração, sacrifício e adoração, pode ser designada os seres adorados ou invocados religiosamente podem ser designados como deuses, em contraste com demônios, que são magicamente coagidos e encantados. Talvez não haja uma instância na qual essa diferenciação possa ser aplicada de forma absoluta, pois os cultos que acabamos de designar como “religiosos” contêm, praticamente em toda parte, numerosos elementos mágicos”. Max Weber, Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva, Brasília: Editora Religião e declínio da magia, São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
[10] Laura de Mello e Souza e Francisco Bethencourt possuem estudos notáveis sobre as interpesobrenatural. Cf. Souza, O Diabo e a Terra de Santa Cruz O imaginário da magia.
[11] Luis Nicolau Parés, “O processo de crioulização no Recôncavo baiano (1750-1800)”, Afro-Ásia, Salvador, n. 33 (2005), pp. 70-101.
[12] Atlântica”, Revista de História, v. 155 (2006), pp. 17-41.
[13] Para o século XVIII, de acordo com o dicionarista português Rafael Bluteau, o crioulo seria o “escravo que nasce em posse do senhor”, ou seja, o escravizado que não veio da África, mas física, de nascimento e posse, determina a condição do indivíduo. Em nossa análise, entendemos diferentes margens atlânticas. Cf. Rafel Bluteau, Diccionario da língua portugueza, composto pelo padre D. Rafael Bluteau,reformado, e accrescentado por António de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro, M. DCC. LXXXIX, p. 349,
[14] Parés, “O processo de crioulização”, p. 93.
[15] Parés, “O processo de crioulização”, p. 95.
[16] Ferreira, “Ilhas crioulas”.
[17] John Thornton, A África e os africanos na formação do mundo Atlântico, 1400-1800, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 312.
[18] James Sweet, Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441- 1770)
[19] Sweet, Recriar África, p. 16.
[20] Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa (doravante ANTT, IL), Diligências sobre o caso do desacato e sacrilégio cometido na igreja paroquial de São Pedro do Monte da Moritiba na Baía, 1738-1740, Proc. núm. 18003, Lisboa-Portugal,
[21] A Freguesia de São Pedro do Monte da Muritiba foi criada em 1705, por Dom Sebastião Monteiro da Vide, 5º Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil. Antes disso, estava vinculada à de religioso. As atuais cidades de Muritiba e Cachoeira se distanciam em 15 km em linha reta, 31 km de condução. O tempo estimado de condução é de 28 minutos,
[22] A Ordem do Carmo desdobra-se em dois ramos: os calçados e os descalços. Os carmelitas descalços são fruto de uma reforma no carisma da Ordem, promovido por Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz no século XVI. Eles ganharam autonomia ainda nesse período, concedida pelo Papa Clemente VIII, separando-se do ramo dos carmelitas “originais”, que se tornaram os carmelitas calçados,
[23] Mary Lucy Del Priore, Festas e utopias no Brasil colonial, São Paulo: Brasiliense, 2000.
[24] Stuart B. Schwartz, Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835), São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 82.
[25] Bert J. Barickman, Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 102.
[26] Nossa Senhora da Ajuda de Jaguaripe (1697), São Francisco da Barra de Sergipe do Conde e Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira (ambas em 1698), São Bartolomeu de Maragogipe in Futuro, Ouro Preto, 2009, p. 4.
[27] Andrade, “A espacialização da rede urbana”, p. 2.
[28] André João Antonil, Cultura e opulência do Brazil, por suas drogas e minas, com varias notie descobrir as da prata, e dos grandes emolumentos que esta conquista da America Meridional dá ao reino de Portugal, com estes, e outros generos e contratos reais, Impresso em Lisboa, na de Janeiro, 1837, p. 118.
[29] Antonil, Cultura e opulência do Brazil, p. 117. Os “campos de Cachoeira” eram, “uma área com poucas matas, que se estendia em direção ao norte e ao oeste a partir do rio Paraguaçu, atravessando a freguesia de São Gonçalo dos Campos e avançando para o interior”. Barickman, Um contraponto baiano, p. 42.
[30] Barickman, Um contraponto baiano - tico para o Brasil, cf. Manolo Florentino, Alexandre V. Ribeiro e Daniel D. da Silva. “Aspectos Afro-Ásia, n. 31 (2004), pp. 83-126.
[31] Luís Henrique Dias Tavares, História da Bahia, 2008, p. 54.
[32] “The Trans-Atlantic Slave Trade: a Database”,
[33] Rangel, “Aos sinais das Ave Marias”, pp. 45-9.
[34] Parés, “O processo de crioulização”, p. 95.
[35] Sebastião Monteiro da Vide, “Noticias do Arcebispado da Bahia para suplicar a sua Magestade em favor do culto divino e salvação das almas”, Brasileiro, acessado em 01/11/2014.
[36] Gustavo Augusto Mendonça dos Santos, “Transgressão e cotidiano: a vida dos clérigos do hábito de São Pedro nas freguesias do açúcar em Pernambuco na segunda metade do século XVIII (1750- 1800)” (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2013), p. 12.
[38] tação.
[39] Santos, “As bolsas de mandinga”, pp. 104-5.
[40] ANTT, IL, Processo de Francisco Álvares de Brito, 1792, Proc. núm. 6693, Lisboa-Portugal,
[45] no Brasil dos séculos XVIII-XIX”, Afro-Ásia, n. 32 (2005), pp. 115-37.
[46] Arquivo Público do Estado da Bahia (doravante APEB), Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V sobre o que o vice-rei do estado do Brasil da conta do desacato que se cometera na Igreja de São Pedro do lugar da Moritiba termo da Vila de Cachoeira por um moleque crioulo de nome Francisco, escravo do padre Manuel da Silva Teixeira, Bahia, 10/10/1738, Projeto Resgate, Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), Fundo: Documentos Avulsos, AHU - cx. 67,
[47] Luiz Mott, Bahia: Inquisição & sociedade, Salvador: EdUFBA, 2010, p. 103.
[53] De acordo com o dicionarista Rafael Bluteau, uma pataca era uma moeda de prata que, no Brasil, valia 220 réis. Bluteau, Diccionario da língua portugueza, p. 169.
[55] APEB, Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V sobre o que o vice-rei do estado do
[56] ANTT, IL, Processo de José Fernandes, 1760, Proc. núm. 8909, Lisboa-Portugal,
[57] APEB, Offício do Governador Marquez de Valença para Martinho de Mello e Castro, em que lhe dá parte de um sacrilégio commettido na Egreja matriz de S. Filippe da Villa de Maragogipe, e da devassa que mandou tirar sobre esse facto criminoso, cujo autor se achava preso, Bahia,
[58] APEB, Offício do Governador Marquez de Valença para Martinho de Mello e Castro, 30/06/1780,
[59] APEB, Offício do Governador Marquez de Valença para Martinho de Mello e Castro, 30/06/1780,
[61] Souza, O Diabo e a Terra de Santa Cruz, p. 285.
[67] Ana Margarida Santos Pereira, “Terceira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil. Capitanias do Sul, 1627-1628”, Politéia: História & Sociedade, v. 11, n. 1 (2011), pp. 35-60.
[68] da Inquisição portuguesa na Bahia (1692-1804)” (Tese de Doutorado, Universidade Federal da Bahia, 2009).
[78] magias setecentistas”, in Anais do X Seminário do Programa de Pós-graduação em Desenho, Cultura e Interatividade & V Colóquio Internacional sobre Desenho-UEFS, Feira de Santana, 2014.
[79] Bethencourt, O imaginário da magia, p. 92.
[81] ANTT, IL, Processo de Vicente de Morais, 1716-1717, op. cit.
[82] João Baptista Reycend, O Sacrossanto e Ecumênico Concílio de Trento. Em latim e português: dedicada e consagrada aos excelentíssimos e reverendíssimos senhores Bispos da Igreja Lusitana,
[83] Sebastião Monteiro da Vide, Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia, Brasília: Senado
[84] Renato Cymbalista, Sangue, ossos e terras: os mortos e a ocupação do território luso-brasileiro, São Paulo: Alameda, 2011, p. 118.
[85] Cf. Rangel, “Aos sinais das Ave Marias”, pp. 103-10.
[86] ANTT, IL, Sumário de Miguel Moniz, 1749-1750, Proc. núm. 6693, Lisboa-Portugal,
[95] ANTT, IL, Processo de Pedro Rodrigues, 1790-1792, Proc. núm. 6681, Lisboa-Portugal,
[96] ANTT, IL, Processo de Pedro Rodrigues, 1790-1792, op. cit.
[97] ANTT, IL, Sumário de Pedro Rodrigues, 1791-1792, op. cit.
[103] Cf. Souza, O Diabo e a Terra de Santa Cruz O imaginário da magia
[104] Parés, “O processo de crioulização”, p. 95.
[105] Bethencourt, O imaginário da magia, p. 26.
[106] Santos, “As bolsas de mandinga”, p. 233.
[107] Vanicléia Silva Santos, “Mandingueiro is not Mandinka: the Debate among Nation, Ethnicity and Others Designations Assigned to Africans in the Context of the Slave Trade”, XXXI International Congress of the Latin American Studies Association, LASA2013, Washington - DC: electronic, 2013, v. 1, pp. 1-20.
[109] APEB, Carta do provedor-mor da Fazenda Real Manuel Antônio da Cunha de Souto Maior ao rei [D. João V] dando parecer sobre o requerimento do administrador das obras da igreja matriz de Nossa Senhora do Rosário da Vila da Cachoeira padre José da Costa Vale, em que pede uma esmola para concluir as obras da referida igreja, Bahia, 10 de março de 1746, Projeto Resgate,
[110] Vide, “Noticias do Arcebispado da Bahia”, p. 338.
[111] ANTT, IL, Denúncias de Jerônimo Cabral de Oliveira contra várias pessoas, 1791, Cx. 1577, acessado em 07/05/2013.
[112] m0001.
[113] m0002.
[114] Andrade, “A espacialização da rede urbana”, p. 10.
[115] a. Elisangela Oliveira Ferreira a indicação deste documento.
[116] Maria Helena Ochi Flexor (org.), O conjunto do Carmo de Cachoeira, Brasília: IPHAN/Programa Monumenta, 2007, p. 15.
[117] Flexor, O conjunto do Carmo de Cachoeira, p. 37.
[118] Flexor, O conjunto do Carmo de Cachoeira, p. 37.
[119] Parés, “O processo de crioulização”, p. 98.
[120] Flexor, O conjunto do Carmo de Cachoeira, p. 39.
[121] Flexor, O conjunto do Carmo de Cachoeira, p. 50.
[123] Nosso parecerista sinalizou que o dia 18 de agosto, data em que se comemorou a festa de Nossa Senhora do Bom Sucesso em 1738, é também data de comemoração da festa de Nossa Senhora da Boa Morte, celebrada intensamente na cidade de Cachoeira em nossos dias. Não conseguimos encontrar
[124] Vide, “Noticias do Arcebispado da Bahia”, p. 331.
[125] Vide, “Noticias do Arcebispado da Bahia”, p. 335.
[134] Emanuel Araújo, O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial, Rio de Janeiro: José Olympio, 2008, pp. 150-1.
[136] APEB, Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V sobre o que o vice-rei do estado do
[147] ANTT, IL, Relação do que se achou acerca do sacrilégio sucedido na vila de Monforte, Bispado de Elvas, 1728-1731, Proc. núm. 16979, Lisboa-Portugal,
[148] m0002.
[149] Recôncavo Baiano: It’s an area around Baía de Todos-os-Santos, in Bahia, Brasil.
* Este texto é uma versão reduzida de dissertação de Mestrado em História defendida na Universidade
Quadro 1
Relação das testemunhas das Diligências[137]

Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc