Resenhas
REBELIÃO ESCRAVA EM CUBA: LA ESCALERA REVISITADA FINCH, Rethinking Slave Rebellion in Cuba: La Escalera and the Insurgencies of 1841-1844. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2015. 298p.
REBELIÃO ESCRAVA EM CUBA: LA ESCALERA REVISITADA FINCH, Rethinking Slave Rebellion in Cuba: La Escalera and the Insurgencies of 1841-1844. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2015. 298p.
Afro-Ásia, núm. 54, 2016
Universidade Federal da Bahia
O a estrutura interpretativa para entender a insurreição escrava em Cuba. Focando especificamente as rebeliras de açúcar no oeste da ilha no auge do domínio colonial espanhol, Finch abordagem para examinar a conspiração de 1844, conhecida como La Escalera: entender o movimento e sua composição e ao mesmo tempo questionar (“repensar”) as premissas epistemológicas com que os estudiosos até agora interpretaram a rebelião escrava em Cuba.
Desde o início do livro Finch rompe com a narrativa tradicional da Conspiração de La Escalera, assim chamada em alusão aos métodos de tortura usados pelas autoridades coloniais durante a repressão que se seguiu, que implicavam em amarrar suas vítimas a uma escada (escalera em espanhol) e espancá-las até a confissão e/ou a morte. Em lugar de examinar a conspiração como um acontecimento que começou e terminou no momento em que uma mulher escravizada de nome Polónia, moradora no engenho Santíssima Trinidad no oeste de Cuba, foi a seu senhor dar notícias da planejada revolta, Aisha Finch começa por localizar a rebeldia escrava oitocentista no ambiente político e nas geografias negras que emergiram ao lado dos espaços urbanos, coloniais e criollos (no caso, brancos nativos da ilha). Na sua interpretação de como o movimento de 1844 emergiu, Finch estende os limites temporais da conspiração anteriores, Bemba e Triunvirato, na mesma região ocidental cubana. Ao fazê-lo, a autora traça a genealogia e a composição de um movimento até agora não contempladas pelos historiadores, que localizaram seu “começo” numa história de traição. Essa atitude dos pesquisadores, Finch argumenta, não apenas impôs um limite às possibilidades políticas do movimento (já que a rebelião nunca teria acontecido), mas faz deles cúmplices em reinscrever nos corpos escravizados a violência dos arquivos. Muito da historiografia sobre La Escalera se debate em tor repressão. Ela enfatiza o Estado colonial e obscurece o protagonismo escravo — especialmente o protagonismo do escravo rural —, em parte porque isso é o que os indícios documentais revelam. O que Finch fez foi expandir nosso olhar da Escalera para incluir Bemba e Triunvirato, e assim exergar para além da repressão deslanchada pelos senhores de engenho, fazendeiros e autoridades coloniais brancos para poder melhor observar a gênese de um movimento.
É fácil imaginar por que pesquisadores anteriores se concentraram na violência repressiva — é que o movimento de 1844 nunca aconteceu, mas apesar disso foi um dos mais brutais episódios de violência contra escravos e pessoas de cor, violência que se estendeu a proeminentes membros da elite branca crioula da ilha. A habilidade de Finch em reimaginar o movimento e acentuar a participação rural e escrava, efetivamente perturba narrativas nacionalistas de La Escalera, cujo foco na violência colonial e no terror estatal — perspectiva que vilifica os espanhóis mas faz pouco para explicar a violência antinegra que se segue, do período colonial até o republicano — de fato obscurece a participação negra e, além disso, impede que atores negros assumam o centro do palco nas análises do evento.
Essa intervenção investigativa é talvez a mais forte façanha do livro aqui resenhado. Em vez de nos dar uma história da brutalidade colonial, a autora oferece uma análise cujo principal argumento — a “emergência de uma consciência política negra na Cuba rural” (p. 8) — ilustra as possibilidades de autonomia negra que emergiram na sociedade escravista cubana dos engenhos e fazendas. Ela também insiste em inserir a população escravizada na narrativa cubana da luta anticolonial.
Considerando a explosiva produ- ção açucareira em Cuba que se seguiu à revolução de 1791 em Saint-Domingue (futuro Haiti), sopesando os desejos criollos de independência da ilha, a apontando a frustração britânica com o tráfico escravo crescente e ilegal para Cuba, e avaliando o crescor livres e escravizadas, Finch documenta o surgimento de geografias negras rurais que são essenciais ao argumento central do livro.
Entre 1801 e 1850, um número cada vez maior de africanos escravizados foram trazidos para Cuba, alcançando 547.000 na metade do século (pp. 22-3). Em torno de 1841, a população de cor já superava a dos brancos em Cuba. Em algumas áreas da região de Matanzas pesadamente envolvidas na produção de açúcar, até 75% da população podia ser escravizada. Esses números assombrosos, contudo, não esgotavam as possibilidades criadas pelo influxo constante de africanos destinados à agricultura comercial. Pelo contrário, conforme demonstra a historiadora, a mobilidade — escrava ou não — permaneceu no núcleo do complexo agrícola. Os escravos criaram redes humanas que se estendiam às áreas urbanas, usando os cenários por eles criados para objetivos radicalmente antagônicos aos projetos senhoriais. Os capítulos que retratam essas redes e as “geografias insurgentes” nas quais elas operavam expressam com força o repertório metodológico da autora. A análise feita por Finch dos linderos — áreas não cultivadas de floresta que também serviam como espaços de liminaridade (p. 62) —, assim como sua análise do uso dos objetos sagrados no movimento (p. 208), tornam legível um corpo de saber que reside fora do arquivo tradicional. Tal perspectiva evidencia as geografias negras e permite aos leitores enxergar — embora apenas momentaneamente — os indivíduos escravizados para além do alcance senhorial, mesmo se habitam os cenários físicos do colonialismo e da escravização.
A visada metodológica de Finch descentraliza uma leitura do movimento antes localizada nos homens. Em lugar de destacar a liderança central da conspiração, ou a parte “atiprivilegia os homens e simplesmente não retrata o oeste de Cuba —, Finch demonstra que La Escalera, como os movimentos de Bemba e Triunvirato, especificamente, não girou em torno de qualquer personagem central. Ao contrário, redes sociais rurais já existentes e a geografia da região permitiram que mulheres escravizadas emergissem como atores chaves nos movimentos insurgentes. A mobilidade delas pode ter sido limitada durante o dia, quando trabalhavam sob supervisão estrita de feitores ou senhores, mas elas eram menos monitoradas durante a noite. Resulta num quadro claramente diferente do movimento a atenção dada por Finch às campo (através de filhos, maridos ou amigos escravizados), e à habilidade delas de circularem entre a geografia rural e a urbana para divulgar a rebelião.
O argumento de que as insurreireexaminadas de modo a tornar visíveis as mulheres e homens da Cuba rural (até agora obscurecidos pela ênfase no enfoque colonial e urbano), se faz possível somente porque Finch amplia a história de 1844 para incluir que emerge como resultado de sua narrativa é um cenário anticolonial negro composto por uma resistência escrava organizada — e descentralizada —, na qual geografia, mobilidade e atos e rituais sagrados foram decisivos. Finch pergunta:
o que poderia ser revelado se assegurarmos um compromisso organizado com a soberania e a sobrevivência negras ao lado [...] de um impulso organizado e apoiado pelo Estado para submeter e conter esses mesmos desejos? (p. 11).
A resposta repousa num novo exame da insurgência escrava no oeste de Cuba.