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POLÍTICAS DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA GUINÉ-BISSAU: OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS PARA ENTENDER OS DESAFIOS SOCIAIS CUMULATIVOS

Boaventura Rodrigues Vaz Horta Santy
Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio
Universidade Federal de São Carlos, Brasil

POLÍTICAS DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA GUINÉ-BISSAU: OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS PARA ENTENDER OS DESAFIOS SOCIAIS CUMULATIVOS

Afro-Ásia, núm. 55, pp. 35-69, 2017

Universidade Federal da Bahia

Recepção: 01 Dezembro 2015

Aprovação: 03 Fevereiro 2017

Resumo: O presente artigo teve como objetivo analisar a dimensão sociopolítica da construção do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima (PANA), procurando-se focalizar aspectos relevantes da caracterização dos povos ora enfeixados na Guiné-Bissau e nas tensões implicadas, assim como em fragilidades governativas persistentes do Estado nacional. Isso permite indicar os desafios sociopolíticos crônicos para o cumprimento de demandas multilaterais voltadas para a elaboração e execução do PANA. Os resultados e a discussão, integrados, se voltam para duas faces do problema. A primeira, baseada no panorama ambiental e social mais amplo da produção histórica do espaço da Guiné-Bissau, evidencia a pouca sintonia da estrutura e da dinâmica do Estado nacional com as formas multifacetadas da vida social cotidiana de seus povos. A segunda face se volta para os desafios na relação sociopolítica do Estado guineense com os povos locais no que concerne à necessidade de construção de uma política com visões e ações convergentes em torno de medidas adaptativas às mudanças climáticas. Conclui-se refletindo acerca dos mais recentes obstáculos e tensões sociopolíticos que se sobrepõem, na Guiné-Bissau, ao tema das mudanças climáticas.

Palavras chave: políticas de adaptação, mudanças climáticas, conflitos sociais, Guiné-Bissau, Plano de Adaptação, PANA.

Abstract: The objective of this article is to analyse the socio-political dimension of the construction of Guinea Bissau’s National Adaptation Plan (NAP) for Climate Change. Focus is given on the relevant aspects of the characterization of the peoples present in this territory and the so related disputes, as well as the governance weaknesses, which persist in this national State. The analysis made allows the identification of chronical socio-political issues that have to be dealt with for the accomplishment of multilateral demands involved in the elaboration and execution of the NAP. The results and discussion reveal the two aspects of the problem. The first, based in the broader environmental and social perspective of the historical production of the space in Guinea Bissau, makes evident how small is the link between the structure and dynamics of the national State with the diversity of forms of the daily social life of the peoples there living. The second aspect is about the challenges in the construction of a policy with converging views and actions about adaptation actions towards climate change. The conclusions present a reflection on the most recent obstacles and socio-political conflicts overlying the theme of climate change in Guinea Bissau.

Keywords: adaptation policies, climate change, social conflicts, Guinea Bissau, National Adaptation Plan, NAPA.

A conjuntura política, econômica e científica internacional permitiu que houvesse uma crescente legitimação do tema das mudanças climáticas. Com altos e baixos, a cada ano, nas últimas duas décadas, as Conferências das Partes (COPs) ganharam destaque na agenda dos chefes de Estado. Esse fórum se tornou palco global de apresentação tanto de avanços concretos obtidos, pelos países participantes, em suas políticas domésticas de redução dos gases de efeito estufa (GEEs) quanto do exercício de pressões contundentes — de um conjunto de autoridades sobre outras, de celebridades e manifestantes sobre autoridades — para incrementar a adesão a compromissos ambientalmente mais amigáveis em sua relação com o clima.

Uma demonstração visível de compromisso, interno e externo, de um Estado nacional em torno de tais discussões é institucionalizar o tema, incorporando-o em suas prioridades de políticas ambientais. Por seu turno, os atores multilaterais recomendam — e, por vezes, prestam apoio técnico e financeiro — o processo de produção de cenários nacionais, planejamento e adoção de medidas adaptativas aos eventos severos e extremos do clima. Entre as medidas, consta a construção de planos nacionais de adaptação às mudanças do clima (PANA ou NAPA, em sua sigla em inglês) cujo cumprimento de suas finalidades exige a intervenção estatal nos lugares, nos processos de territorialização comunitários e nas atividades produtivas considerados não adequados ou incapazes de fazer face às ameaças indicadas pelos estudos de especialistas. É dizer que, entre outros aspectos, o PANA ou NAPA expõe os modos de vida interpretados como vulneráveis às condições ambientais em mutação e, então, nocivos ao meio ambiente; consequentemente, ambos expressariam um atraso em relação a um ideal de desenvolvimento sustentável das nações.

Um dos principais focos do apoio das agências multilaterais à formulação e implementação de tais medidas tem sido o de nações consideradas, em termos socioambientais, as mais susceptíveis aos eventos severos/extremos relacionados com as mudanças do clima e menos capazes de lidar, por conta própria, com as adversidades que porventura possam ocorrer. Afigura-se, em tal quesito, um número significativo de nações africanas que, em sua abrangência espacial plena — ou parcial, isto é, algumas das comunidades que a integram, caracterizadas por sua particular fragilidade de ocupação e de reprodução social —, apresenta riscos socioambientais acentuados que ganham perspectiva de concretizarem-se em desastres acima da capacidade nacional de suportá-los; isto é, sem ter como mitigar os danos e prover meios para os processos recuperativos dos grupos sociais afetados.

Por um lado, em tais países, sobretudo na África Subsaariana, há comunidades rurais baseadas num modo de vida tradicional que, embora preservem e atualizem suas práticas ancestrais, têm sido alvo de uma avaliação negativa por parte de especialistas que atuam na construção de diagnósticos de vulnerabilidade diante do contexto de mudanças climáticas. Por exemplo, o NAPA de São Tomé e Príncipe condena o modo de produção de pirogas por comunidades pesqueiras, porque baseado num manejo florestal considerado ambientalmente inadequado.1 Por outro, a busca por novas oportunidades de trabalho e pelas comodidades de um modo de vida urbano tem induzido o crescimento populacional de cidades da África Subsaariana num processo célere de migrações, o qual impõe outros tantos desafios de políticas públicas. Ao lado de limitadas soluções de emprego e renda, de habitação, de saneamento, de educação e de saúde, ampliam-se os riscos relacionados com a construção alternativa de moradias subnormais; com o agravamento de inundações; com o aumento dos episódios de desabastecimento hídrico para usos essenciais; com as epidemias, entre outros. Esses são igualmente de difícil equacionamento em vista de restrições orçamentárias para a adoção de políticas públicas preventivas e outras prioridades no uso dos escassos recursos públicos. Quanto a tal problema, Nunes e colaboradores2 advertem que o continente africano congrega muitas das nações que figuram entre as mais vulneráveis às mudanças e variabilidades do clima, embora seja a região que apresente a menor taxa per capita de emissão de gases de efeito estufa, o que coloca mais essa questão ética na discussão de prioridades nos fóruns globais de discussão desse problema socioambiental.

Assim, não obstante o aparente bom desígnio que orienta a construção de um PANA e de políticas similares de redução da vulnerabilidade social, induzidas por agências multilaterais, há de se ter em conta que a iniciativa de sua formulação, o tom de seu conteúdo e as recomendações alocativas para a destinação dos recursos não se dão ao largo de relações de poder, mas as refletem. Ao longo dos últimos anos, a construção e implementação do PANA constituiu uma espécie de imposição da Organização das Nações Unidas (ONU) aos chamados Países Menos Avançados (PMAs); isto é, trata-se de um requerimento para que a participação destes últimos seja considerada como efetiva no concerto de nações em busca de solução para os problemas das mudanças do clima em nível global. Embora as recomendações da ONU sejam as de que a construção do PANA seja socialmente participativa, com intervenção de diferentes atores locais na elaboração do referido documento, ocorre que a condução prática desse processo, em cada uma das nações que o deflagram, está sujeita ao contexto sociopolítico que lhes é particular. No mesmo, influem tanto as tensões históricas entre as diferentes partes constituintes da sociedade quanto a solidez da legitimidade institucional do Estado nacional perante essas partes em conflito. Ao fim e ao cabo, as forças multilaterais que agem no sentido de favorecer a concretização de políticas que atenuem a vulnerabilidade socioambiental em PMAs, diante de um problema de caráter global, têm uma tendência tecnicista e impositiva que dificulta circunscrever o problema no âmbito de processos históricos regionais, nacionais e locais de desigualdades, violências e injustiças sociais persistentes.

Objetivando clarificar a problemática supramencionada, traremos o caso concreto da Guiné-Bissau. Focalizaremos, de início, alguns dos aspectos culturais subjacentes à formação colonial e nacional, os quais revelam profundas tensões entre os povos enfeixados. Em seguida, apontaremos como essa dinâmica atua para fragilizar persistentemente as condições governamentais do Estado nacional instaurado após a colonização portuguesa. Isso permitirá retomar o tema da feitura e da execução do NAPA nesse país africano, indicando os desafios sociopolíticos crônicos que acabam incidindo na sua incapacidade de cumprimento de demandas multilaterais.

Esse objetivo é perseguido por meio de uma síntese interpretativa de principais obras da literatura das ciências sociais sobre a produção social do espaço guineense e, ainda, pela descrição e análise de alguns, os elementos diagnósticos e prescritivos contidos nos principais documentos multilaterais e nacionais guineenses sobre o tema das mudanças climáticas. Nesse último aspecto, privilegiaram-se os documentos mais recentes referentes ao PANA da Guiné-Bissau, tais como as sucessivas edições da Comunicação Nacional Inicial sobre Mudanças Climáticas (CNIMC) e o Documento da Estratégia Nacional de Redução da Pobreza (DENARP), entre outros. Identifica-se, por um lado, os aspectos mais marcantes do discurso estatal sobre a base de relações sociais em que as políticas estão sendo construídas nesse tema socioambiental. De outra parte, analisam-se particularidades da relação que os técnicos mantêm com os diferentes atores que são objeto de tais políticas.

Os resultados e a discussão subjacente são apresentados em dois itens. O primeiro trata da produção social do espaço da Guiné-Bissau na sua diversidade socioambiental e na fragilidade sociopolítica de parte de seus grupos sociais formadores, o que sintetiza a história da construção social multifacetada do espaço guineense e a suscetibilidade institucional do Estado nacional. O segundo item é voltado para uma breve discussão sobre importantes desafios e limites na relação sociopolítica do Estado guineense com os povos locais no que concerne à construção de uma visão e ação convergentes em torno das mudanças climáticas e identificam-se alguns dos principais obstáculos e tensões nas relações sociais sobre as quais as políticas sobre o tema estão sendo construídas.

Contextualização historiográfica e produção social do espaço na Guiné-Bissau: diversidade socioambiental e conflitos sociopolíticos

A Guiné-Bissau encontra-se localizada na região ocidental do continente africano, entre a República do Senegal e a República da Guiné-Conacri. Faz fronteira, com este último, ao sul e ao leste e, com o primeiro, ao norte.3 O país é banhado pelo Oceano Atlântico na sua porção oeste e conta com uma superfície de 36.125 km2, dos quais apenas 27.700 km2 constituem a superfície emersa acima do nível médio das águas do mar. As marés penetram no interior até cerca de 150 km, fazendo com que parte significativa do território do país fique totalmente submersa e inacessível durante parte do ano.4 O ponto mais alto encontra-se aproximadamente a trezentos metros, no interior do país, na província Leste.5

A Guiné-Bissau encontra-se dividida em três províncias, a saber, a do Norte, a do Sul e a do Leste. Possui oito regiões administrativas, quais sejam: Biombo, Cacheu, Oio, Bafatá, Gabu, Quinara, Tombali e Bolama Bijagós. Esta última é um arquipélago com oitenta e oito ilhas e ilhéus. A capital do país, a cidade de Bissau, fica na província Norte, região de Biombo, e constitui um setor autônomo. Em geral, todas as regiões possuem climas semelhantes, o tropical úmido, com duas estações do ano: a estação da chuva — de maio a outubro — e a seca — de novembro a abril. Suas diferenças residem no volume de precipitação, que varia conforme a região. A província Sul, a que registra maior precipitação, de acordo com os dados oficiais,6 é caracterizada por uma média anual superior a 2.000 milímetros de chuva; a província Norte tem registrado uma variação anual média de 1.400 a 1.800 milímetros. A província Leste é a que registra menor precipitação pluviométrica, estimada numa média anual inferior a 1.400 milímetros.7

Entretanto, de acordo com os dados atuais das autoridades nacionais,8 está ocorrendo um processo de grande variabilidade climática, que implica a desregulamentação do padrão conhecido do clima, podendo ocorrer precipitação acima da média ou longos períodos sem a precipitação pluviométrica esperada numa determinada região. No caso da Guiné-Bissau, a estação seca tem se prolongado, e a precipitação tem se iniciado nos meados de junho a julho, não mais no mês de maio, como costumava ocorrer. O volume de precipitação pluviométrica tem diminuído significativamente em algumas regiões, mas, em outras, tem aumentado.9

De acordo com o governo guineense,10 a variabilidade climática representa um problema sério para os setores da atividade produtiva que são diretamente dependentes dos fatores climáticos no país, como é o caso do setor agrícola. De acordo com as análises técnicas, os agricultores guineenses estariam experimentando, atualmente, uma situação de grande incerteza em sua vida econômica em decorrência disso.

As três províncias do país possuem importantes maciços florestais e rica diversidade faunística, tanto terrestre como marítima. Além de grande parte dessas áreas constituírem Áreas Protegidas (APs), e por isso, serem objeto constante de intervenção e gestão por diferentes técnicos ambientais (governamentais e de ONGs), tais áreas são também locais, produzidos e dinamizados por comunidades tradicionais, que sofrem disputas territoriais com outros grupos. Para entendê-las, há de se recorrer aos primórdios de formação do tchon,11 do qual falaremos mais adiante.

Existem, pelo menos, duas teses que concorrem para explicar a formação territorial da atual Guiné-Bissau e a configuração social que ali foi desenvolvida: a que focaliza a variável exógena e a que focaliza a endógena.12 A tese que privilegia a variável exógena é fundamentada na presença portuguesa nas costas da Guiné a partir do século XV, tida como o evento sociopolítico mais importante, senão determinante, para a configuração socioespacial do território que se conhece, atualmente, como Guiné-Bissau. Por seu turno, a tese centrada em processos endógenos, a mais recente, que começou a ser consolidada a partir da década de 1970, se baseia na historiografia interna à África, reduzindo o peso externo para explicar como esse espaço se formou. Esta última recorre às configurações sociopolíticas anteriores à presença portuguesa e com a qual os portugueses, em certa medida, tiveram de conviver e negociar até o século XIX, sem que se possa determinar, totalmente, o conjunto das relações estabelecidas, como advoga a tese que focaliza o peso do fator exógeno na construção guineense.

Filiamo-nos à tese balizada pelos processos endógenos, na medida em que essa é a que, a nosso ver, tem maior consistência para prover elementos analíticos sobre a dinâmica social, desde aquela precedente à colonização europeia até a que se impõe nos dias atuais, influenciando alguns dos problemas com os quais o Estado-nação vai se deparar.13 O debate sobre a natureza das instituições sociais africanas pré-colonização europeia e, por conseguinte, sobre a questão da identidade e da dinâmica de produção do espaço, tem obtido importância crescente nos estudos etno-históricos africanos,14 sobretudo a partir da década de 1970, com a publicação dos sete volumes da História Geral de África, financiada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e coordenada, na sua grande maioria, por cientistas e intelectuais africanos. Em livro editado por Jean-Loup Amselle e Elikia M’Bokolo, intitulado Au couer de l’etnia. Etnia, tribalisme e État en Afrique, os dois autores efetuaram uma reconstrução minuciosa do que seria a moderna etnicidade no continente africano.

Amselle15 propõe uma análise cuidadosa das diferentes concepções de etnia para, assim, poder confrontá-las. Na produção de uma síntese das ideias dos diferentes autores nesse tema, identifica similaridades, tais como: etnia vista como “uma língua comum”, “um espaço”, “os mesmos costumes”, “os mesmos valores”, “uma mesma descendência”, entre outros. Entretanto, essas similaridades cristalizariam interpretações sobre um caráter fragmentário das sociedades africanas, como se cada uma fosse fechada em si mesma, suprimindo a sua humanidade comum. O autor demonstra que a construção social e simbólica da etnicidade é, em grande medida, obra do colonialismo, que impedia ver a África pré-colonial como um conjunto relevante de espaços de sociabilidade passíveis de serem denominados como “espaço internacional” ou “cadeias de sociedades”. Esses espaços, por sua vez, seriam caracterizados por relações “intersocietais”; ou seja, essas cadeias “longe de serem mônadas, dobradas sobre si mesmas, estariam integradas em formas gerais englobantes que as determinavam e lhes davam um conteúdo específico”,16 qual seja: como espaços de trocas; espaços estatais, políticos e de guerra; espaços linguísticos; e, por fim, espaços culturais e religiosos. Para fins do tema central deste estudo, convém determo-nos nos espaços estatais, políticos e de guerra.

De modo geral, tais espaços seriam caracterizados por duas formas complementares e, ao mesmo tempo, conflitantes de sociedades: as “sociedades englobantes” e as “sociedades englobadas”. A primeira seria composta por Estados, impérios, reinos, chefarias e afins, detentora do poder simbólico e material, do “direito” de gerenciar os espaços e, principalmente, no exercício de pressão sobre as “sociedades englobadas”, representadas pelas pequenas unidades sociais de subsistência. Sob o domínio da colonização portuguesa/europeia, esses grupos locais passariam a ser classificados como falsos arcaísmos “(talensis/mamprusis, sombas/baribás, dogons/mossis, tucolores; kirdis/fulas)”.17

O Reino de Kaabu ou Gabu foi uma importante entidade política do passado pré-colonial africano. O seu surgimento data do século XIII, resultado do processo de expansão do Império do Mali liderado pelos mandingas,18 povo oriundo do Alto do Níger.19 O Império do Mali foi um dos maiores do continente africano durante a sua vigência, que durou por volta de três séculos. Ocupava uma extensa área, abarcando quase a totalidade do território da África Ocidental. Além do poder central, com sede em Niani, ao sul da atual Guiné-Bissau, havia vários pequenos reinos ou províncias subservientes ao império, sendo o Reino de Kaabu um deles.20

Com a decadência do Império do Mali, no século XVI, fragmentando a relação entre os reinos e as províncias a ele subservientes, Kaabu foi o que conseguiu se valer melhor do capital sociopolítico e militar da antiga potência: “Na realidade o Kaabu foi um Estado unificador das várias etnias da região e os seus diferentes espaços de influência abrangeram a cultura de toda esta vasta planície do Sudão Ocidental”.21 O modelo político-administrativo do Império do Mali, o mansaya,22 largamente reproduzido em Kaabu, era baseado na descentralização das tarefas administrativas entre províncias em diferentes níveis,23 sendo que muitos povos foram submetidos a tal relação de poder por “consentimento”. A relação entre Kaabu e os povos que não se submeteram ao seu poder tornou-se bastante agressiva com a chegada dos portugueses, a partir do século XV. Isso se deve, em grande parte, à relação comercial que os europeus estabeleceram com os comerciantes africanos na região da África Ocidental, parte significativa deles mandatários dos chefes mandingas. Diante das perseguições a que foram submetidos pelos guerreiros mandingas, os grupos mais fragilizados foram obrigados a buscar regiões cada vez mais distantes e de difícil acesso para a sua territorialização. Isso explicaria a significativa concentração dos povos não mande na ocupação da região litoral da atual Guiné-Bissau.24 Enquanto isso, os mandingas e, posteriormente, os fulas25 se territorializaram, majoritariamente, nas regiões do interior.

A chegada dos europeus à costa oeste africana e o estabelecimento do tráfico de escravizados contribuíram, em grande medida, para o recrudescimento da relação já tensa e conflituosa entre “sociedades englobantes”, nas quais se afigura o Reino de Kaabu, e as “sociedades englobadas”, entre outras, os balantas,26 os bijagós.27 Com o tráfico de escravizados se tornando a principal atividade comercial entre europeus e africanos, foram beneficiados os grupos sociais que se organizavam em forma de Estado e que possuíam um exército consolidado e experiente, em detrimento dos grupos de sobrevivência cuja tradição era menos belicosa; de acordo com Lopes,28 o fortalecimento do Reino de Kaabu deveu-se, em grande medida, ao comércio escravista.

As mudanças conjunturais nacionais, sub-regionais e internacionais ocorridas a partir do século XIX, afetaram, de forma negativa e profunda, o Reino de Kaabu. As lutas intestinas pela sucessão ao trono, a perda de credibilidade dos poderes constituídos, assim como a independência de povos antes dominados, contribuíram para enfraquecer o reino mandinga.29 Em nível internacional, a proibição do tráfico de escravizados e a mudança de interesse dos europeus em relação ao continente africano, cujo objetivo passou a ser o de ocupação e exploração territorial, fez com que os mandingas perdessem seus maiores aliados e fornecedores de materiais bélicos, tão importantes para a manutenção do seu poder. O golpe fatal adveio da sub-região, com o surgimento de um Estado rival poderoso, o dos fulas, e suas sucessivas investidas bélicas contra os territórios mandingas, o que contribuiu para o seu enfraquecimento e, posteriormente, o seu declínio, pois,

Paralelamente a hegemonia do Kaabu, afirmava-se, na segunda metade do século XVIII, a da confederação islamo-fulbe do Futa Djalon. Oriunda da revolução muçulmana que agitou o maciço guineo-sudanês por volta de 1725-1730, progressivamente, tal confederação tornou-se o centro das relações entre a Costa dos Rios e o interior. Situado na confluência dos rios do alto Níger que seguem em direção ao mar, o Futa Djalon travaria uma séria concorrência com os mande do Kaabu, combatidos por ele até a sua derrocada, no século XIX. Porém, antes de tal data, uma divisão das influências foi delineada lentamente entre estas duas hegemonias, no conjunto dos países costeiros e interiores, compreendidos entre a Gâmbia e Serra Leoa.30

Ambos seguidores do islamismo, os fulas utilizaram-se de acusações, como a de desvio moral, para justificar a “Guerra Santa” declarada aos mandingas, que foram obrigados a abandonar o território ou se submeter ao novo poder. Os fulas, assim como os mandingas, podem ser considerados “sociedades englobantes”. Entretanto, ao contrário dos mandingas, os quais mantinham respeito à organização sociopolítica e às práticas espirituais e religiosas dos demais grupos, os fulas lançaram campanha de dominação cujo objetivo era a islamização de tais grupos.31 Contudo, não obtiveram o sucesso esperado, por conta da grande resistência enfrentada.

Já o processo de territorialização do litoral teve a sua própria especificidade sociocultural e outras relações com o poder kabuunke. As sociedades que ocuparam o litoral, de acordo com Campos,32 tiveram uma origem comum.

Estão todos organizados em classes de idade e praticam cultos animistas. Respeitam o princípio das organizações totêmicas em relação à filiação e ao casamento: o indivíduo pertence à geração (clã) da mãe e o casamento é exogâmico, isto é, só pode ser realizado entre indivíduos de gerações diferentes. [...] A importância do fanado33 como rito de iniciação e as particularidades das cerimônias do choro também são idênticos em todos os grupos do litoral. [...] As suas línguas também revelam raízes comuns, designadamente na sua estrutura vocabular. [...] Todas estas semelhanças indiciam uma origem comum.

Tal fato reforça a tese de Amselle34 de que muitas coletividades sociais constituem, em grande medida, ou dissidências ou resultados da descentralização do poder por parte de “sociedades englobantes”. Vários núcleos novos vão surgindo e, no mais das vezes, adquirindo características particulares que, mais tarde, servem como elemento de diferenciação identitária/étnica. Outro aspecto comum e de capital importância para esses grupos é a relação que mantêm com o lugar em que vivem. Ao pensar a noção de lugar, Carlos afirma que este

[...] é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante - identidade - lugar. [...] As relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condições mais banais, no secundário, no acidental. É o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido através do corpo.35

A definição da autora nos auxilia na compreensão da representação que grupos étnicos do litoral possuem em relação ao lugar. Para melhor precisar tal representação, valeria acrescentar a essa definição a dimensão espiritual e religiosa, na medida em que a história do processo de territorialização de todos os lugares começa, no mais das vezes, com os ancestrais interpretados, geralmente, como espíritos poderosos que representam o princípio de tudo e com poderes de escolher ou criar os espaços, estabelecer as regras do uso e fiscalizar sua implementação. As gerações que descendem diretamente desses ancestrais são herdeiras simbólicas da terra, sendo responsáveis por zelar pelo cumprimento das regras dentro das comunidades. O termo nativo tchon capta muito bem a essência da relação supracitada. Por conta disso, passaremos a utilizá-lo ao longo deste estudo, em vez, do termo “lugar”. O tchon, por ser um lugar do vivido, da realização da reprodução produtiva da vida social e, ainda mais importante, no qual é apropriável realizar os ritos e as cerimônias que propiciam a renovação da relação do grupo com os seus ancestrais, proporcionado à coesão social no seio do mesmo, constitui um espaço sagrado e fundamental para os seus habitantes. No tchon, o espaço dedicado à habitação é a tabanka;36 e cada uma alberga várias moransas.37 Ao falar sobre as moransas na Guiné-Bissau, Bicari38 identifica como seus aspectos específicos:

[...] a reciprocidade, o intercâmbio, entre ajuda, o dom, a “propriedade” e usufruto comunitário da terra (chão), o controle comunitário dos excedentes da produção individual, etc. Estes aspectos específicos podem garantir a estabilidade social e um mínimo de segurança econômica quer aos membros mais fracos como crianças, velhos, viúvas e deficientes, quer a todos os outros nos tempos de emergência por causa de guerra, secas, inundações, migrações, etc.39

A nosso ver, no âmbito desses grupos, a pertença ao tchon e a relação produtiva que ali é mantida constitui a principal variável para compreender a identidade coletiva. Esta pode ser anterior ao pertencimento étnico, na medida em que as variações dentro dos grupos étnicos dependem, entre outros, do tchon de que os indivíduos procedem. Por exemplo, o outro da relação pode ser um indivíduo da mesma etnia pertencente a um tchon diferente. As regras do tchon são tão importantes que a convivência no mesmo espaço com indivíduos de outras comunidades étnicas é condicionada ao respeito e ao cumprimento das mesmas. Por outro lado, o tchon constitui o elo com outros grupos. Por exemplo: de acordo com a tradição pepel,40 os mesmos descendem dos beafadas41 por serem os ancestrais criadores do seu tchon oriundos do tchon dos beafadas.42 Exemplos desse tipo são comuns na Guiné-Bissau. Vários grupos étnicos evocam sua origem comum ou laços de parentesco com outros grupos por conta da relação entre os seus ancestrais as quais, no mais das vezes, se confundem com o próprio tchon. Ou seja, é a existência dos ancestrais que confere sentido a um determinado tchon. O tchon é da comunidade como um todo e não só dos descendentes diretos dos ancestrais, e a terra é de uso coletivo, que, embora possa ser pensada como que abrindo espaço para o uso mesmo aos que vêm de fora, significa, primordialmente, uma relação simbólica com os ancestrais, além de espaço que medeia a pertença dos indivíduos a uma determinada coletividade.

Enquanto os mandingas e os fulas possuíam uma estratificação social mais complexa e se organizavam em forma de Estado,43 os demais grupos que se encontravam territorializados no litoral viviam em ambiente comunitário independente, sem classe dominante e tendo como principal atividade produtiva a agricultura, complementada com a caça, a pesca e a extração de produtos florestais, entre outras. O que resulta da agricultura é considerado sagrado, por dar-se, no tchon, um elemento sagrado na relação que toda a comunidade mantém com os seus ancestrais. Isto é, não obstante o esforço físico no processo produtivo, caso a comunidade não estivesse em plena harmonia com os ancestrais, pela realização de ritos propiciatórios,44 do cuidado com o tchon e da harmonia na tabanka, os resultados não seriam considerados bons, porque os ancestrais dominam a natureza e determinam o ciclo das coisas; o mesmo critério se aplica às bebidas.45 Tal representação da esfera econômica da vida coletiva se manteve viva até os dias atuais. Na sua relação com os mandingas e em vista do seu modelo administrativo descentralizado, os grupos do litoral conseguiram, em grande medida, manter a sua autonomia territorial. A relação dos balantas com o processo produtivo de arroz é também significativo, em termos identitários, para o grupo, organizando e estruturando as relações dentro do mesmo,46 assim como entre os joolas47 da região norte da Guiné-Bissau.48 De acordo com o “trabalho duro” constitui uma das características centrais dos joolas no sentido de buscar superar sempre o seu desempenho produtivo e afirmar a sua capacidade de autossustento, zelando por sua existência enquanto coletividade.

Não obstante a conquista do centro do poder kabuunke, a cidade de Kansala, os fulas nem de longe conseguiram controlar a totalidade do território antes sob o domínio do Reino de Kaabu, sobretudo quando as potências europeias entraram de forma decisiva na disputa pelo território africano, do que resultou a formação da Guiné-Bissau, de Gâmbia e de Casamance.49

A presença portuguesa no atual território da Guiné-Bissau data do século XV. De acordo com Campos,50 Álvaro Fernandes teria sido o primeiro português a chegar às terras guineenses a partir de Varela, litoral norte do país, no ano de 1446, num contexto em que havia um domínio quase absoluto dos chefes africanos. Não somente o domínio dos malinke, por meio do reino de Kaabu, mas também dos diferentes grupos territorializados no litoral, sendo estes últimos muito resistentes a essa nova dominação.51 Da parte africana, os malinkes foram os principais parceiros comerciais dos portugueses.52 A partir do século XVII, os portugueses passaram a estabelecer residência nas regiões costeiras, comercializaram armas de fogo, entre outras mercadorias, incitando rivalidades e conflitos interétnicos e intensificando o tráfico de escravizados. Nesse sentido, as “sociedades englobantes”, pela sua estrutura estatal, seu poderio militar e sua política expansionista se beneficiaram mais do comércio dos escravizados. Com as armas adquiridas, consolidaram seu poder político e militar na região. Em geral, com o tráfico de escravizados, com prisioneiros de guerra e cativos, aumentavam sua riqueza. De acordo com Campos,53 no caso da região de Bissau, atual capital da Guiné-Bissau, todas as construções feitas pelos portugueses nessa época tiveram a autorização das autoridades dos pepel. No século XVIII, aumentou a disputa entre os países europeus pelo controle do comércio de escravizados no continente africano, e os portugueses intensificaram o controle territorial e o comércio de escravizados no território da Guiné-Bissau. Mas, a partir do século XIX, precipitou-se o fim do tráfico de escravizados. O século XX marca a presença portuguesa nos territórios do litoral da Guiné-Bissau, em particular em Bissau, em uma relação intercalada de paz e de grandes enfrentamentos bélicos entre os portugueses e os autóctones, os pepéis.54 Houve sucessão de derrotas e vitórias das duas partes.

O domínio territorial português gerou uma reconformação dos espaços basilares das organizações sociais autóctones, com a implementação, pelos portugueses, de uma economia baseada na exportação de produtos agrícolas obtidos a baixíssimos custos.55 Disso decorreu que o tchon passasse por um processo de ressignificação simbólica com a sua disponibilização para atividades extracomunitárias e econômicas de mercado, com tendência à individualização das práticas produtivas que, anteriormente, eram realizadas comunitariamente. Todavia, ao longo de sua presença na Guiné-Bissau, Portugal enfrentou resistências e ataques, como o ataque de Bolor,56 em 1878, mas também participou do nascimento de uma sociedade mestiça, africana e europeia, a qual, de acordo com Cardoso,57 se organizava em uma clivagem em que se “destacavam os mulatos (descendentes de um europeu e de uma africana) e os mestiços (de mãe guineense e de pai cabo-verdiano). Muitos oriundos de Cabo Verde ocupavam o topo da pirâmide e formavam o núcleo dos que foram designados por crioulos. A seguir, vinham os africanos cristãos ou grumetes.58

Embora fossem partidários da presença colonial na Guiné-Bissau, os mestiços, que constituíam uma elite intermediária afro-portuguesa, vislumbravam a consolidação da Guiné, então, Portuguesa, como um Estado-nação.59 É dentro desse grupo que, de acordo com Lopes,60 vai nascer o protonacionalismo guineense que, mais tarde, iria influenciar os nacionalistas que conduziriam a luta armada contra a colonização portuguesa. Amilcar Cabral, por exemplo, que, mais tarde, viria a liderar a luta contra a colonização, descende desse grupo. Seu pai, Juvenal Cabral, era um membro ativo dessa elite intermediaria.61

A partir da década de 1950, alguns movimentos de libertação nacional começaram a surgir no cenário guineense. Dentre eles, aquele que mais se destacou foi o Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) criado por membros da elite intermediária constituída por alguns guineenses e outros cabo-verdianos. Com isso, a resistência à colonização passou por uma fase mais bem estruturada e consistente.62 Após várias tentativas de aceder a independência por vias de diálogo, em 1963, o PAIGC iniciou sua luta pela libertação da Guiné-Bissau. Essa luta viria a terminar somente onze anos depois, em 1974, com o reconhecimento formal da independência por parte de Portugal, ou seja, um ano depois de o PAIGC ter declarado, unilateralmente, a independência da Guiné-Bissau em 24 de setembro de 1973.

Cabral era um grande conhecedor da conjuntura nacional e internacional da época. Como funcionário da administração colonial e, posteriormente, como líder do movimento de libertação, conhecia as contradições socioculturais, políticas e econômicas inerentes ao país, bem como os desafios na construção de uma identidade que servisse de guarda-chuva para todas aquelas existentes no território da Guiné-Bissau. A construção da nação guineense constituía um grande paradoxo, porque implicava, em grande medida, a superação/negação da solidariedade étnica. O símbolo máximo da nação em germinação seria o “novo homem”,63 ocidentalizado por meio do processo de assimilação. A elite crioula que liderou o movimento pela libertação era composta, na sua maioria, por assimilados; portanto, a sua ideia de nação e de desenvolvimento era amalgamada por concepções europeias. A superação daquilo que entendia como atraso implicava, em grande medida, um esforço de desqualificação do conjunto de práticas socioculturais e tradicionais africanas. Ambiguamente, a constituição das instituições públicas no contexto pós-colonial exigia uma “reafricanização do Estado”,64 isto é, um “processo importante através do qual o legado político — as ideias, práticas e instituições — do governo colonial e da colonização foram assimilados, transformados e reapropriados por África”. Isso implicou uma tentativa de as elites mestiças reduzirem a importância do legado cultural colonial, segundo Chabal,65 recuperando um passado mais remoto “de acordo com continuidades que as ligam às suas raízes do período pré-colonial”.

Assim, na formação do Estado nacional guineense, houve essa ambiguidade na relação dessas elites locais com a sociedade civil local, ora unificando seus projetos e demandas em torno de redes clientelistas, patrimoniais e de prebendas,66 ora procurando negar esses desvios, pela busca de uma autoimagem mais proba, que facilitasse lograr o apoio internacional para a captação financeira para projetos de desenvolvimento e afins, dos quais, então, o cotidiano de governo do país se tornou dependente.67 A burocratização do aparelho estatal não tinha como fim último estabelecer e solidificar o princípio do Estado moderno, da impessoalidade; nem mesmo orientar-se para imprimir uma maior qualidade nos serviços prestados aos cidadãos. Essas imagens são produzidas apenas para satisfazer exigências de potenciais credores externos, isto é, utilizadas como instrumento da sociabilidade dos governantes junto aos atores multilaterais. Nesse sentido, de acordo com Forrest,68 o Estado guineense não conseguiu fugir da característica de “Estado suave”, ou seja,

[...] instituições que são fundamentalmente incapazes de traduzir objetivos políticos em ações políticas; um Estado incapaz de consolidar um sistema político-administrativo nacionalmente eficaz [...] existindo poucos ou nenhuns conjuntos formais de ligações entre o Estado e a sociedade.

As dificuldades do Estado guineense em lidar com essa ambiguidade o torna politicamente sujeito àquilo que Vigh69 define como uma “estável instabilidade”, isto é, uma instituição movida por relações baseadas em patrimonialismo, nas quais prevalecem redes de caráter supraestatais e alianças que estão além das disputas meramente ideológicas, e cujo efeito é deixar o restante da sociedade alienada ao que se passa. Implica dizer que, mesmo em situações mais extremas — como é o caso de conflito armado, golpes de Estado e outras formas de violências político-militar —, ocorre, dentro dessas redes, práticas de remanejamento e de concessões interpessoais que, não sendo eliminadas, apenas reajustam a situação de certos sujeitos para conceder-lhes maior ou menor visibilidade na cena política. No entanto, houve um entendimento coletivo, da sociedade guineense, de que o pós-conflito de 1998 inaugurou um período de disputa de vários grupos pelo controle do Estado, resultando em desorganização burocrática daquilo que existia, vácuos de autoridade e turbulências sociopolíticas reiteradas, propiciando um ambiente difuso de insegurança e medo.70 Trajano Filho é quem melhor alude a essa dimensão de deterioração da vida sociopolítica, visível, sobretudo na capital do país, ao referir que

[...] a guerra de Bissau foi percebida pelos habitantes da cidade como um marcador temporal com consequências radicais para os contornos da vida social que a ela se seguiu: um momento em que as coisas ficam fora de controle e as pessoas não são mais capazes de imaginar e conjeturar as suas ações e as dos outros.71

Os tempos que se seguiram ao período pós-conflito, de acordo com o autor, foram igualmente desafiadores, com ausência de regras claras, tanto para pautar as condutas individuais no interior da máquina pública, quanto para garantir-lhe consistência, em termos institucionais, pois

[...] caracterizado por entranhados conflitos entre atores políticos mesquinhos que desesperadamente disputam um pequeno naco de influência e poder político. Nessas circunstâncias, a maquinaria do Estado literalmente para de trabalhar: as cadeias e tomadas de decisão são quebradas na medida em que as disputas entre os altos funcionários se difundem para os baixos escalões da burocracia e a rotina administrativa se evapora em meio a infindáveis querelas sobre o acesso a prestígio, influência e recursos. O sentido de tudo isso é o colapso das instituições do Estado e do sistema político, que são incapazes de inculcar valores em seus membros, e a ausência de regras gerais que orienta a conduta das pessoas.72

Um novo aspecto da vida social seria o dubria.73 “[...] Tomada de empréstimo do francês débrouiller, a palavra tornou-se um valor, retratando tanto um modo de viver, quanto um modo de ser nos quais a improvisação substitui as regras”.74 Ainda de acordo com Trajano Filho, o patrimonialismo emergente na Guiné-Bissau assumiu uma particularidade, qual seja,

[...] entre as redes fluidas e instáveis formadas pela improvisação e competição entre os atores sociais. Eis o dilema guineense: desapareceram os grupos corporados e os valores associados a eles, mas manteve-se a distribuição patrimonial feita na base da improvisação, da sagacidade e da esperteza.75

Enquanto tais disputas são travadas no interior de um Estado esfacelado, o modo de viver no improviso passou a caracterizar o cotidiano do povo guineense pós-1998, sobretudo o da parcela crioula da cidade de Bissau.76 No olhar de Bordonaro,77 não se tratou necessariamente de crise ou colapso do Estado, que tenha, então, desestabilizado a sociedade nacional, mas, sim, da confirmação da “irrelevância do Estado na Guiné-Bissau” para a vida cotidiana do país. O autor chega a tal conclusão a partir de sua análise de mais um momento de violência no contexto institucional estatal na Guiné-Bissau: quando, em 2009, o presidente da República em exercício, Nino Vieira, e o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, Tagme Na Way, foram assassinados em um intervalo de menos de cinco horas, sem que, no entanto, à primeira vista, aquilo afetasse a ordem das coisas no país. Isto é, não ocasionou crises maiores nas rotinas de vida da coletividade, além de que essas duas figuras importantes foram prontamente substituídas por outras que as redes incrustradas na máquina estatal viabilizaram. Tal acontecimento reiterou a ideia de fácil descarte das altas figuras do país, inclusive, a figura do presidente da República. Enquanto a esfera política de ação do Estado se torna visivelmente débil, corrupta e prescindível, a sociedade local, frágil e atomizada, cai em outros jugos, como o das ONGs nacionais e internacionais, o das agências multilaterais, o do tráfico de drogas.78

O complexo desafio das políticas públicas socioambientais na Guiné-Bissau

Perpassando as raízes e o panorama político desafiador supramencionado, surgem novas questões sociais graves, como as que remetem ao tema ambiental, em torno do qual se acomoda a relação entre o Estado, as ONGs nacionais e internacionais e as populações locais.

Analisando esse tema no setor de Cubucaré, situado na região Sul da Guiné-Bissau, Temudo79 menciona que, a despeito da diversidade étnica observada, as ONGs lançam mão de um discurso pasteurizado sobre a degradação ambiental, a fim de alterar a dinâmica de controle dos recursos a seu favor, escorando-se nos argumentos em torno de “salvaguardar os recursos naturais e a biodiversidade” e de reorientar o “mau uso” por parte das populações locais. De acordo com o autor, tais ONGs utilizam a legitimidade conferida pelo Estado para estabelecer uma relação, no mais das vezes, autoritária com as populações locais. No geral, partem de considerações ecológicas que identificam ameaças múltiplas ao ecossistema. Por exemplo, sinalizam a existência de um rápido processo de savanização de terras antes cobertas por grandes florestas subúmidas, além da redução das áreas de manguezal, de palmeiras e de floresta seca, visto como consequência de um rápido crescimento populacional e dos equívocos inerentes às práticas tradicionais de uso e manipulação da terra.80 A questão de fundo que aqui se coloca é que, ao serem difundidas, essas concepções não apenas visam a dar bases argumentativas para uma nova política estatal de reconfiguração territorial, como também para alterar as regras de acesso e de uso dos recursos naturais, deslegitimando e marginalizando os donos do tchon e o processo decisório tradicional. Os projetos ditos de “desenvolvimento sustentável” orientam-se mais a difundir informação ecológica para a população urbana, salientando o seu embasamento científico, do que em apreender o valor intrínseco das interações socioambientais ali ou no tchon. Essa aliança ostensiva das ONGs ambientalistas com o Estado, que viabiliza os projetos de “conscientização ambiental”, resulta, ainda, na promoção da imagem das mesmas junto aos financiadores internacionais.81 A construção discursiva voltada para “salvar os africanos”, provendo suporte e reorientação estratégica diante de uma visível incapacidade local de autogoverno, enseja novas formas de dominação sociopolítica em torno da questão ambiental.

Ao lado dessa abordagem biocêntrica dominante, surgem ONGs que se movem pelo princípio do “desenvolvimento comunitário”, que engendra uma nova ideia de comunidade, nem por isso menos problemática:

Ao deslocar o centro de poder da instituição tradicional gerontocrática e monoétnica dos “donos do chão” para as organizações, criadas exogenamente “de cima para baixo”, dos “guardas de matos” e “comitês de gestão” interétnicos e constituídos majoritariamente por jovens, a intervenção externa não conduz a uma melhor e mais democrática gestão dos recursos naturais, mas à transformação de um sistema equitativo de acesso aos recursos e de gestão sustentável num sistema que vai abrir as portas à “pilhagem” dos recursos.82

A institucionalização do tema das mudanças climáticas na Guiné-Bissau não se dissocia do contexto de ação desses novos atores e, ao contrário, aprofunda-se um tipo de relação do Estado com ONGs que aliena as lideranças comunitárias e tradicionais na interpretação do problema e de soluções, o que transparece nos documentos oficiais.

Dimensões institucionais das políticas socioambientais

O Plano de Ação Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PANA) da Guiné-Bissau foi elaborado como uma política socioambiental formulada num conjunto de projeções de riscos relacionados com eventos severos/extremos do clima no território guineense. Ao elencar a espacialidade dos distintos riscos, o documento estrutura um desenho antecipatório de desastres que seriam passíveis de ser evitados; isto é, sendo previsíveis, poderiam ser contidos por meio de medidas contundentes as quais, então, teriam respaldo pelo documento público, embasado em análise técnica. Como salientou Dombrowsky,83 aqueles que definem o desastre dizem o que eles pretendem fazer com o processo social chamado desastre; ou seja, não desejam que se ponha em dúvida sua capacidade operativa para lidar com a situação.

Assim como se deu no caso da construção da política ambiental guineense, no seu caráter mais amplo, a construção do PANA permitiu que as autoridades governamentais tivessem mais justificativas para reforçar um modus operandi de distanciamento social. Por um lado, o tema permitiu revitalizar a dinâmica interna de autopreservação das alianças entre as elites locais que se apropriaram da instituição do Estado — por exemplo, mediante um redesenho na estrutura administrativa e decisório, incorporando o tema ambiental —, bem como sobrevalorizar as redes que formavam e consolidavam com as ONGs. Por outro, tais redes forneceram meios argumentativos para acionar novas demandas junto a atores internacionais.

A década de 1980 constitui um marco importante na propagação da preocupação com o meio ambiente e sua preservação em nível mundial e, no caso da Guiné-Bissau, esse tema adentrou o país em meio a um contexto sociopolítico e econômico caracterizado por várias reformas que possibilitaram a naturalização da presença e da atuação de ONGs. Entre elas, a do processo de abertura política, a qual pôs fim ao monopartidarismo e comprometeu-se com a ampliação do espaço político para uma maior atuação da sociedade civil. Dentre as medidas adotadas, houve a implementação do Programa de Ajustamento Estrutural (PAE), financiado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BIRD), o qual, em termos gerais, proporcionou uma transição de economia planejada para uma economia de mercado e significou a diminuição da presença do Estado no controle da economia, inclusive, no fornecimento de serviços básicos e mínimos vitais para os grupos sociais mais empobrecidos do país. Tais medidas proporcionaram a entrada das ONGs como parceiros do governo na consecução de políticas públicas. Uma ilustração disso foi que, em 1988, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) se estabeleceu no país.84 De acordo com os documentos do governo guineense, a UICN desempenha a função de atuar “[...] como facilitador de diferentes atividades no domínio do ambiente, apoiando na assistência técnica, na circulação de informação, procura de financiamento e na formação”.85

No mesmo ano de 1988, a UICN incentivou e apoiou a criação daquele que é tido como o primeiro órgão estatal direcionado estritamente ao planejamento de políticas socioambientais, o gabinete de planificação costeira, que tinha como um dos objetivos o de conservar as amostras representativas do patrimônio natural da zona costeira do país mediante a criação de áreas protegidas específicas.86 A presença da representação da UICN na Guiné-Bissau não apenas possibilitou a criação de instituições estatais de planejamento socioambiental, como também favoreceu, em grande medida, a criação de várias outras ONGs que tiveram por objetivo a proteção do meio ambiente e atividades afins. Para isso, utilizou a sua experiência para formação de recursos humanos e auxílio técnico às demais organizações na captação de recursos financeiros internacionais.

Em 1992, em meio à preparação do país para participar da Cúpula da Terra, na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, onde foi assinada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CQNUMC), criou-se, na Guiné-Bissau, o Conselho Nacional do Ambiente (CNA) com o propósito de formular, seguir e coordenar a política ambiental no país, estrutura que esteve ligada diretamente à Presidência da República. Desde então, houve várias reformas institucionais em torno do tema ambiental, tais como as que aconteceram: no ano de 1996, quando ocorreu a extinção do CNA, instituindo-se, em seu lugar, a Direção Geral do Ambiente; no ano de 1997, quando assistiu-se à criação do Ministério do Desenvolvimento Rural, dos Recursos Naturais e do Ambiente, surgido da integração entre a Secretaria de Estado dos Recursos Naturais e a do Ambiente; no ano de 2009, quando se criou a Secretaria de Estado do Ambiente e do Desenvolvimento Durável (SEADD), com o objetivo de integrar os temas do ambiente e do desenvolvimento em termos de definição dos problemas, execução e coordenação das políticas afeita a ambos.87

Se, de um lado, a instabilidade das autoridades máximas do país — que não conseguem cumprir os seus mandatos desde meados da década de 1990 — suscita inseguranças dos indivíduos nos cargos públicos secundários que ocupam, no caso das instituições públicas ambientais essas descontinuidades são menos sentidas. Em grande medida, a estabilização de grupos técnicos no poder deve-se ao domínio que os mesmos têm dos meios de obtenção de financiamento internacional na área de que suas pastas são objeto. Boa parte dos projetos desenvolvidos decorre de acordos ou convenções internacionais das quais o país é signatário, mas são poucos os indivíduos capazes de formulá-los a contento e que, assim, constroem um capital pessoal intransferível, baseado no seu entendimento acerca do histórico de negociações, dos acordos tácitos em torno dos procedimentos de tramitação dos projetos, do jargão apreciável aos avaliadores, dos requisitos das parcerias, além das relações de confiança pessoalizadas entre as partes. As agências internacionais e fundos internacionais que financiam o país entendem que a cooperação do Estado com as ONGs que atuam nas temáticas ambientais terá solidez em razão da aliança mantida com os funcionários e técnicos que permanecem na instituição pública, num escalão decisório, por vezes, modesto, mas que procura permanecer útil em meio às instabilidades governamentais. A formação desses quadros humanos em áreas das engenharias e no exterior ajuda a demarcar a sua presença no aparato estatal como sendo a de um grupo em prontidão para atuar em afinidade com as expectativas internacionais, para valorizar e assimilar a tecnologia que lhe for transferida, para acompanhar a execução de obras voltadas para o “progresso” do país e para intervir com ações no território sob o comando de qualquer que seja a autoridade política. Mantendo-se afinados com os discursos das instituições que financiam as políticas ambientais nacionais, além de possuírem uma experiência crescentemente significativa em captação de fundos internacionais, por meio de projetos, isso auxilia tais quadros a sentirem relativa autonomia e segurança em meio às constantes turbulências institucionais no país e independentemente da coloração partidária, ideológica ou interesses em jogo, o que não implica que tais turbulências não os preocupem.

Ao controlar documentos e dominar a compreensão do conteúdo de diagnósticos e dossiês e dos mecanismos exitosos de interação social, dos quais depende a continuidade dos projetos e protocolos assinados com instituições internacionais, esse quadro vai se perpetuando no Estado e direcionando com constância as políticas do setor. Mas isso não é tudo o que garante a sua estabilidade numa dinâmica institucional conturbada. De um lado, os cenários muito sombrios para a África Subsaariana, elaborados pelo meio científico e endossado por documentos multilaterais no tema das mudanças climáticas globais, justificam que essas redes e alianças não se desmantelem. De outro, é na garantia, explícita ou velada dos governantes, de que esses técnicos se manterão à frente das rotinas burocráticas atinentes a tais projetos, que os recursos externos muito preciosos, frente ao fraco dinamismo econômico interno, continuam a adentrar o país.

A síntese das análises dos últimos relatórios do IPCC88 indicou possível aumento na regularidade, na intensidade e na ocorrência dos eventos extremos relacionados com as mudanças do clima89 no continente africano. Menciona-se que diversas regiões da África Subsaariana poderão sofrer efeitos adversos como a perda de terras aráveis, devido à subida do nível do mar; à salinização e acidificação do solo em decorrência da diminuição/concentração das chuvas; à falta de pastos e pontos de água para os animais; às mudanças nas rotas dos cardumes dos peixes, entre outros. Segundo Viola,90 o terceiro relatório diminuiu significativamente a incerteza científica sobre as mudanças do clima, demonstrando provas de sua ocorrência, projetando ocorrências futuras de alterações climáticas bem como o alerta para a sua irreversibilidade. Foi também a partir do terceiro relatório que o conceito de vulnerabilidade se destacou, assim como o debate sobre a adaptação91 às mudanças do clima. Sobretudo em contextos de países economicamente mais suscetíveis, esse argumento ganhou um peso considerável nas conferências das partes. De acordo com o quinto relatório do IPCC (2014), o continente africano como um todo e, em particular, a África Subsaariana possuem menos dados sobre o clima. Contudo, nesse estudo, mencionam-se evidências em torno de um aumento de 0,5°C na temperatura global nos últimos ١٠٠ anos e constatou-se uma diminuição do volume de precipitação pluviométrica, além de um aumento significativo de eventos extremos, que têm causado significativos constrangimentos à produção de subsistência dos grupos mais vulnerabilizados.

Frente aos cenários ambientais adversos que são apontados por inumeráveis estudos científicos, os quais, por seu turno, têm sido sintetizados pelos relatórios do IPCC, a construção dos PANAs pelos PMAs tornou-se relevante para Programas da ONU, como o Programa das Nações Unidas parra o Meio Ambiente (PNUMA) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O primeiro documento síntese do PANA da Guiné-Bissau foi concluído no final do ano de 2006, elaborado por técnicos de diferentes instituições do Estado guineense sob a coordenação, na época, do Ministério de Recursos Naturais e Ambiente. Deteve-se, principalmente, no espaço geográfico compreendido pelas zonas rurais e por povos tradicionais, cujo conjunto de relações socioeconômicas e produtivas — na agricultura, na pesca e na pecuária — eram vistas como passíveis de sofrer sérias restrições decorrentes de mudanças do clima. Disso derivou a conclusão de que profundas modificações na relação das comunidades com o seu território deveriam ocorrer para evitarem-se, em termos preventivos, os desastres. Para ilustrar o escopo da análise técnica, mencionamos o caso da ocupação litorânea. O documento se refere, dentre outros, à necessidade de reassentamentos das comunidades litorâneas, mencionando-a como algo justificável em vista dos riscos de sucessivas quebras de safras. Os prognósticos seriam o de salinização de arrozais causado por mudanças do regime de chuva. Mediante tais prognósticos, o conjunto de soluções gerais previstas no PANA92 inclui: apoio à diversificação da produção e da dieta alimentar; reforço da capacidade de prevenção e de proteção dos bolanhas93 de mangrove contra a invasão das águas-vivas; educação e comunicação ambiental na zona costeira, entre outros. Como se verifica, esse repertório de soluções desconsidera as dinâmicas socioculturais relacionadas com o tchon e com os processos produtivos e simbólicos ao mesmo associado e, ademais, supõem que as comunidades locais não sejam detentoras de um saber ambientalmente válido, devendo assimilar os conhecimentos exógenos que lhes serão oferecidos mediante um processo educativo. A visão tecnicista coloca muito peso na dinâmica dos processos físicos relacionados com o tempo e o clima e desconsidera como essa dinâmica é tratada simbolicamente pelo conhecimento tradicional. Uma ilustração de como a compreensão comunitária tradicional pode ser díspar em relação ao primeiro é trazida por Santy,94 ao analisar a interpretação do povo bijagó sobre a relação entre as chuvas e as colheitas de arroz. Em compreensão, o volume e a distribuição temporal da precipitação, assim como o resultado da produção depende, em grande medida, da relação que a comunidade mantém com os seus ancestrais. Significa dizer que se o resultado da colheita for bom, a comunidade cumpriu o seu dever para com os seus ancestrais. E quando ocorre o contrário, significa que alguma coisa está errada, sendo necessário que a comunidade faça algo para apaziguar a relação.

Ainda que, no documento final do PANA, a ausculta dos grupos sociais tenha sido apontada como um dos principais procedimentos metodológicos na construção do mesmo, é o olhar essencialmente técnico que prevalece no documento. Nos documentos mais atualizados decorrentes do PANA,95 a perspectiva analítica continua sendo a mesma. No documento do PANA da Guiné-Bissau, as mudanças climáticas globais são interpretadas de modo a que seus potenciais efeitos no território nacional sejam representados como “catástrofes naturais” — seca, inundação, ameaça de desertificação, entre outros. As “catástrofes naturais”, de acordo com o PANA,96 é que obrigariam muitos dos povos locais a abandonar os seus lugares de vivência em busca de outros territórios para tentar viabilizar a sua reprodução social. A menção técnica a tais deslocamentos inevitáveis não trata de potenciais tensões étnicas, religiosas e afins decorrentes da possibilidade dessa migração. A principal medida prevista para a “prevenção de catástrofes naturais” não é a proteção do espaço suscetível, que simboliza o tchon de uma dada comunidade exposta a perigos; mas o reforço da própria produção de conhecimento técnico, como pelo incremento de equipamentos e do fortalecimento institucional dos serviços públicos de meteorologia, justificado pela necessidade de se ter condições de fornecer informações mais precisas — e de emitir alertas — sobre o estado do tempo e o clima. Tudo se passa como se, por meio da comunicação dos perigos, as comunidades expostas tivessem tido acesso aos meios materiais adequados para deflagrar, expeditamente, estratégias de preparação e de autoproteção pertinentes ou, alternativamente, tivessem chance de lograr êxito em seu deslocamento territorial. Isto é, a produção interpretativa oficial sobre os desafios e soluções em torno das mudanças climáticas, elaborada e implementada com o suporte de ONGs, resiste em tecer uma nova conjunção entre saberes e direitos tradicionais e saberes e deveres técnicos passíveis de orientar uma discussão simétrica para a adoção de respostas tecnológicas que possam vir a serviço da proteção de valores e práticas tradicionais.

Em termos políticos institucionais, há um conjunto de atores que dão suporte, de construção e realização, ao PANA por meio de um Comitê Nacional (CN-PANA) e de um Comitê Regional (CR-PANA). O CR-PANA possui um representante em cada uma das regiões do país, e o CN-PANA é constituído por quinze instituições, sendo nove do setor público e seis da sociedade civil organizada, onde predominam as ONGs.97 O CN-PANA constitui a principal instituição de decisão e de coordenação do PANA em nível técnico, ao qual cabe a função de realizar o mapeamento das vulnerabilidades, a definição de opções, estratégias e prioridades de adaptação, bem como a comunicação das mesmas.98 Contudo, até o presente momento, os mapeamentos realizados têm privilegiado mais os aspectos físicos em detrimento dos aspectos socioeconômicos e socioculturais. Ou seja, em vez da interpretação da vulnerabilidade propriamente dita, tem se privilegiado a descrição e a análise da susceptibilidade territorial do espaço. A prevalência do olhar sobre o aspecto da geografia física, sem conjugá-lo com o seu componente social — em suas dimensões organizativa, reprodutiva e simbólica historicamente produzidas — tem resultado em grande limitação da discussão e das providências correspondentes. A adoção dessa abordagem tem, ainda, contribuído para o aumento de tensões e conflitos entre as partes. De um lado, entrechocam-se autoridades e técnicos participantes do processo e, de outro, ONGs e a comunidade local que sofrem o seu assédio. Neste último caso, o pressuposto, de ONGs, de que o modo característico de vida das comunidades tradicionais abordadas seja parte do problema da deterioração ambiental e que o descarte de práticas culturais ancestrais é necessário para lhes dar um horizonte de sobrevivência, as obriga a enquadrarem-se num esquema de subsunção crescentemente inaceitável. O tempo dirá quantas novas cisões e conflitos serão provocados por essa forma estatal de tratar a questão.

À guisa de conclusão

A revisão ora realizada sugere que qualquer avanço, em termos de construção e realização de políticas públicas socioambientais precisa, necessariamente, passar pelo entendimento da dimensão histórica da construção social do lugar. Na Guiné-Bissau, isso assume um caráter bastante peculiar dada a tessitura complexa de diferentes povos que se articularam, por via do confronto ou de negociação, ao longo de séculos, para viabilizar os seus respectivos tchon e modos de vida. Assim, as instabilidades e reveses na construção sociopolítica do Estado na Guiné-Bissau e na interlocução deste com seus povos constituintes não são recentes e tampouco tenderão a amainar num futuro próximo. Contudo, é de considerar-se que aparecem novos temas e novos jogadores e alianças nessa nova economia instável do poder.99

No tema ambiental, a construção social e a execução do PANA na Guiné-Bissau têm sido um processo sujeito a interpretações diversas e controvérsias.

De um lado, pode indicar a emergência de uma nova forma de violência sociopolítica, na qual a pressão externa (multilateral) sobre o Estado nacional, e a aliança deste com ONGs ambientalistas suscitam a legitimação de uma perspectiva autoritária para reacomodar os povos no território, podendo incidir em deslocamentos coletivos espaciais traumáticos, dissociando o povo de seu tchon e de demais referências sociais em torno das quais os mesmos constroem a sua vida cotidiana. Na busca de resolução preventiva para riscos de desastres relacionados com as mudanças climáticas, o Estado pode assumir compromissos na escala global, os quais não se coadunam com o leque de identidades coletivas, visões e práticas territoriais locais, o que pode vir a ensejar novas justificativas para tensões políticas. Ademais, embora o PANA se apresente como uma construção baseada na interlocução com os atores comunitários, considerados válidos,100 o exercício de polifonia política ora mediado por ONGs, nacionais e estrangeiras, tende a ser cosmético e passa por uma filtragem cultural que aceita, preferencialmente, as vozes coadunadas com a perspectiva modernizante. Por suprirem as deficiências do Estado na consecução de um número significativo de políticas públicas,101 acabam por se sentir legitimadas na adoção de lógicas próprias que apontam para a naturalização de uma relação assimétrica com as comunidades atendidas, cuja vocalização não adquire status de verdade na construção de soluções aos seus próprios problemas. Isto é, aquilo que é dito oficialmente sobre a construção do PANA e de documentos complementares não pode ser confundido com o teor do que emana diretamente das comunidades auscultadas.

De outro lado, a construção social e a atualização do PANA podem ser um argumento político que permite essa nação multiétnica reinventar o seu Estado perante o mundo, isto é, produzir um documento que potencialmente instrumentaliza uma maior visibilidade global da Guiné-Bissau diante de um problema, o das mudanças climáticas globais, que está na ordem do dia do debate multilateral. No limite, o PANA e documentos similares podem ser uma forma de chamar a atenção de atores internacionais para a Guiné-Bissau e ampliar o aporte financeiro ao país.

Em meio a isso, a Guiné-Bissau segue instável diante das ambiguidades de anunciar uma participação social mais efetiva e tender a formas de governar mais autoritárias e distanciadas de seus povos. Para compreender como, a cada momento, a dinâmica da sociedade guineense a empurra para um desses polos, há que se considerar aspectos estruturais e conjunturais dos balanços de poder e relações de confiança entre três diferentes forças, a saber: as forças multilaterais de desenvolvimento e do ambiente, o Estado Nacional com as ONGs e demais parceiros civis, e os lugares. As duas primeiras forças ensejam, numa ação conjunta, penetrar nos lugares e transformá-los, quer dizer, instituir neles uma nova relação de autoridade, promover ali uma transformação cultural profunda, o que significa impor uma nova forma de olhar e interagir com o ecossistema, adotando novas relações com o território, novas relação de trabalho, novas formas de produção; assim, a concepção de desenvolvimento sustentável, que fundamenta esse novo discurso público, é incompatível com as estruturas profundas da sociedade guineense.

Ou seja, quando o tema ambiental entra na agenda pública — alcançando maior prioridade e destaque no subtema das mudanças climáticas, o qual se articula a uma agenda global de grande visibilidade política e midiática —, isso colabora para a busca estatal de uma coesão forçada, entre diferentes atores, em torno de alterações produtivas e espaciais. Isso, no curto e médio prazo, pode estar provocando um incremento do processo de esgarçamento das relações do Estado nacional com os povos formadores da Guiné-Bissau, ensejando dois caminhos que, lamentavelmente, são passíveis de se entremear. O primeiro caminho, conforme dissemos acima, é o do aumento da violência do Estado na relação com as comunidades socialmente mais fragilizadas, o que se daria pela promoção estatal de reespacialidades compulsórias e/ou de alterações produtivas forçadas que atendam ao cumprimento de metas compromissadas junto aos organismos multilaterais. O segundo, mediante um exponencial alheamento das comunidades em relação ao Estado, resistindo contra as providências públicas que se queiram tomar no lugar e sendo demasiado refratárias a uma aproximação com atores que exponham uma visão alternativa sobre perigos iminentes, o que impediria ter essas informações em conta no bojo dos processos decisórios endógenos acerca de como proceder para a garantia de rotinas da vida cotidiana eventualmente ameaçada por eventos severos e extremos. A mescla de uma tendência autoritária, ainda que mascarada por processos pseudoparticipativos, com possibilidades de repúdio sistemático ao Estado e a seus parceiros pode constituir elemento para a deflagração de um novo período turbulento no país. Mas essa turbulência é o que revelaria a atualização das sempre difíceis encruzilhadas políticas com as quais se deparam os guineenses ao longo de sua história.

Enfim, o Estado e as ONGs ambientalistas agem como se a vulnerabilidade socioambiental, que suas perspectivas analíticas apreendem, somente pudesse ser superada pelos povos locais à custa da aceitação de um arcabouço cultural que os desqualifica, como se o lugar precisasse ser negado como tal para que se viabilizasse sua proteção com o apoio de recursos multilaterais. Contudo, num quase mercado contemporâneo de vulnerabilidades — movido pelo cálculo racional cientificista e éticas individualistas que perpassam um Estado fragilizado —, a longa trajetória histórica dos povos da Guiné, permeada por reveses políticos de grande monta, constitui um repertório coletivo denso e intrincado, que poderá surpreender em termos de suas respostas aos enfrentamentos ambientais que farão nesse século. Valerá a pena mantermos a atenção para esse caso.

Notas

1 Ilunilson dos Santos Paquete Fernandes, “Vulnerabilidade das comunidades pesqueira de São Tomé e Príncipe face às mudanças climáticas” (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, 2012), p.155.
2 Luci Hidalgo Nunes, Norma Valencio e Claudia Silvana da Costa, “Impactos das mudanças climáticas em países africanos e repercussões nos fluxos populacionais”, in Ricardo Ojima e Eduardo José Marandola Jr. (Org.), Mudanças Climáticas e as Cidades (São Paulo: Blucher, 2013), p. 1-272.
3 República da Guiné-Bissau e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Documento do Projeto Governo/PNUD, “Reforço da Resiliência e da Capacidade de Adaptação dos Sectores Agrário e Hídrico às Mudanças Climáticas na Guiné-Bissau”, 2011.
4 RGB e PNUD, “Reforço da Resiliência”.
5 RGB e PNUD, “Reforço da Resiliência”.
6 RGB e PNUD, “Reforço da Resiliência”.
7 RGB e PNUD, “Reforço da Resiliência”.
8 RGB e PNUD, “Reforço da Resiliência”.
9 RGB e PNUD, “Reforço da Resiliência”.
10 RGB e PNUD, “Reforço da Resiliência”.
11 Um termo nativo em crioulo da Guiné-Bissau, que significa “território”, utilizado para se referir ao território étnico, ou seja, expressa a relação simbólica e sagrada entre os grupos étnicos e o seu território de residência, sobretudo.
12 Carlos Lopes, “Os limites históricos de uma fronteira territorial: Guiné ‘Portuguesa’ ou Guiné-Bissau”, in Géopolitique des mondes lusophones (Paris: L’Harmattan, 1994), p.135-41.
13 Lopes, “Os limítes históricos”.
14 Yarisse Zoctizoum, “O Estado e a reproduçao étnica na África”, Soronda: Revista de Estudos Guineenses, n. 6 (1988), p. 7-20.
15 Jean-Loup Amselle, “Etnias e espaços: por uma antropologia topológica”, in Jean-Loup Amselle e Elikia M’Bokolo, Au couer de l’ethnie. Ethnie, tribalisme et Etat en Afrique (Paris: La Découverte Poche, 2008).
16 Amselle, “Etnias e espaço”, p. 23.
17 Amselle, “Etnias e espaço”, p. 28.
18 Os mandingas constituem um dos grupos étnicos majoritários da Guiné-Bissau. Atualmente, residem, na sua grande maioria, nas regiões norte e leste do país. Encontram-se igualmente presentes em quase toda a África Ocidental.
19 Carlos Lopes, “O Kaabu e os seus vizinhos: uma leitura espacial e histórica explicativa de conflitos”, Afro-Ásia, n. 32 (2005), pp. 9-28.
20 Lopes, “O Kaabu”.
21 Carlos Lopes, “Construção de identidades nos rios de Guiné do Cabo Verde”, in: Africana Studia, n. 6, (2003),
22 Em relação ao modelo político administrativo, de acordo com Lopes, Construção de identidades, p. 45), “Kaabu realizou várias inovações, nas quais se destacam as seguintes: a) Sucessão por via matrilinear, que acabou por se manifestar também na presença de patrónimos de origem local, distinta dos de origem mande. b) Estabelecimento de uma classe nobre específica de acesso matrilinear baseada nos clãs Mane e Sane, os Nyantio. c) Forte presença de influência animista, muito embora junto dos Nyantio se observasse uma importante aliança com mercadores Dyula e clérigos muçulmanos, utilizados como conselheiros do Mansaya”
23 Para uma leitura mais aprofundada sobre a organização sociopolítica e administrativa kabuunke, cf. Lopes “Construção de identidades”.
24 História Geral da África, v. 5: África do século XVI ao XVIII, Bethwell Allan Ogot (ed.), Brasília: UNESCO, 2010.
25 Os fulas constituem o segundo maior grupo étnico da Guiné-Bissau. Residem, na sua grande maioria, nas regiões de Bafata e Gabu, leste da Guiné-Bissau. Assim como os mandingas, encontram-se territorializados em toda a África Ocidental, constituindo maioria em alguns desses países.
26 Os balantas constituem o maior grupo étnico da Guiné-Bissau. Residem, majoritariamente, nas regiões norte e sul do país.
27 Os bijagós constituem um dos grupos étnicos da Guiné-Bissau. Residem num conjunto de ilhas que leva o nome da própria etnia: Arquipélago dos Bijagós.
28 Lopes, “Construção de identidades”.
29 Lopes, “Construção de identidades”.
30 História Geral da África, v. 5, p. 467.
31 Américo Campos, História da Cidade de Bissau, Rebordosa, 2013.
32 Campos, História, p. 6.
33 Uma das principais e mais sagradas cerimônias de iniciação. Constitui a fase mais importante do processo de sociabilização do indivíduo, tanto para meninos, quanto para meninas. Está presente de diferentes maneiras em quase todos os grupos étnicos da Guiné-Bissau.
34 Amselle, “Etnias e espaço”.
35 Ana Fani Alessandri Carlos, “Definir o lugar?”, O lugar no/do mundo, São Paulo: FFLCH, 2007, p. 17.
36 O termo designa aldeia no crioulo da Guiné-Bissau.
37 Núcleo habitacional de famílias numerosas que residem em uma determinada aldeia.
38 Lino Bicari, “Reorganização das comunidades rurais - base e ponto de partida para o desenvolvimento moderno da Guiné-Bissau”, Soronda: Revista de Estudos Guineenses, n. 8 (2004), pp. 135-53.
39 Bicari, “Reorganização”, p. 137.
40 Um dos grupos étnicos da Guiné-Bissau.
41 Um dos grupos étnicos da Guiné-Bissau.
42 Campos, História.
43 Lopes, “O Kaabu”.
44 Ritos propiciatórios são cerimônias realizadas pela comunidade para solicitar permissão dos ancestrais para realização de uma determinada atividade, tanto coletiva como individual.
45 Boaventura Santy, “As representações sociais das mudanças do clima e suas implicações no processo de territorialização: os bijagós da ilha de Formosa, Guiné-Bissau” (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, 2012).
46 Diana Handem, “O arroz ou a identidade dos balanta brassa”, Soronda: Revista de Estudos Guineenses, n.1 (1986), pp. 55-67.
47 Os joolas constituem um dos grupos étnicos da Guiné-Bissau. Residem na região fronteiriça entre a Guiné-Bissau, o Senegal e Gâmbia denominada Casamance.
48 Joanna Davidson, “‘We Work Hard’: Customary Imperatives of the Diola Work Regime in the Context of Environmental and Economic Change”, African Studies Review, v. 52, n. 2 (2009), pp. 119-41.
49 Casamance é uma importante região da República do Senegal, situada entre a Guiné-Bissau e Gâmbia, habitada majoritariamente por joolas territorializados nos três países, os quais lutam, desde a década de 1980, pela sua autonomia.
50 Campos, História.
51 Lopes, “O Kaabu”.
52 Lopes, “O Kaabu”.
53 Campos, História.
54 Campos, História.
55 Júlio dÁvila, Planeamento urbanístico e territorial na Guiné-Bissau, Soronda: Revista de Estudos Guineenses, n.12(1991), pp. 91-120.
56 Em 30 de dezembro de 1878, os felupes de Bolor massacraram os ocupantes de um barco português que ali se tinha deslocado com o objetivo de castigar os habitantes de Jufunco. Da força de 55 homens, foram mortos 51, incluindo 2 oficiais (Campos, 2013, p. 57).
57 Carlos Cardoso, “Formação e recomposição da elite política moderna na Guiné-Bissau: continuidades e rupturas (1910-1999)”, trabalho apresentado ao VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Coimbra. 2004, p. 3.
58 Grumetes: primeiramente, eram designados assim os empregados e escravizados que prestavam serviços aos portugueses no porto de Bissau e nos navios. Esta designação passou, mais tarde, a ser extensiva a todos os guineenses que, convertidos ao cristianismo, adotaram nomes e apelidos [sobrenomes] portugueses (Campos, História, p.15).
59 Cardoso, “Formação”.
60 Lopes, “Construção”.
61 Cardoso, “Formação”.
62 Rui Jorge Semedo, “PAIGC: a face do monopartidarismo na Guiné-Bissau (1974 a 1990)” (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, 2009), p.115 .
63 “Novos homens” seriam, na verdade, indivíduos que, por meio da educação formal, se “desprendem” dos valores que os tornavam reféns de sua etnia e solidariedade étnica e poderiam, a partir disso, forjar uma consciência nacional. Com isso, acreditava-se que o país, no período pós-independência, estaria livre de conflitos internos de caráter étnico-social”. Santy, “As representações”, p. 66).
64 Patrick Chabal, “O Estado pós-colonial na África de expressão portuguesa”, Soronda: Revista de Estudos Guineenses, n. 15 (1993), p. 47.
65 Chabal, “O Estado”, p. 48.
66 Chabal, “O Estado”.
67 Joshua B. Forrest, “Autonomia burocrática, política económica e política num Estado ‘suave’: o caso da Guiné-Bissau pós-colonial”, Soronda: Revista de Estudos Guineenses, n. 15 (1993), pp. 57-96.
68 Forrest, “Autonomia”, p. 58.
69 Henrik Vigh, “Conflictual Motion and Political Inertia: On Rebellions and Revolutions in Bissau and Beyond”, African Studies Review, v. 52, n.2 (2009), pp 143-64
70 Wilson Trajano Filho, “O precário equilíbrio entre improvisação e regras: reflexões sobre a cultura política da Guiné-Bissau”, Revista de Antropologia, v. 51, n.1 (2008), pp. 233-66.
71 Trajano Filho, “O precário equilíbrio” p. 239.
72 Trajano Filho, “O precário equilíbrio”, pp. 239-40.
73 Vigh apud Trajano Filho.
74 Trajano Filho, “O precário equilíbrio”, p. 250.
75 Trajano Filho, “O precário equilíbrio”, p. 254-5.
76 Trajano Filho, “O precário equilíbrio”.
77 Lorenzo Bordonaro, “Introduction: Guinea-Bissau Today — The Irrelevance of the State and the Permanence of Change”, African Studies Review, v. 52, n. 2 (2009), p.36.
78 Bordonaro, “Introduction”, p. 37.
79 Marina Temudo, “A narrativa da degradação ambiental no sul da Guiné-Bissau: uma desconstrução etnográfica”, Etnográfica, v. 13, n.2 (2009). pp. 237-64.
80 Temudo, “A narrativa”.
81 Temudo, “A narrativa”.
82 Temudo, “A narrativa”, pp. 260-1.
83 Wolf Dombrowsky, “Again and Again: Is a Disaster What We Call a Disaster?”, in E. L. Quarantelli (ed.), What is a Disaster? Perspectives on the Question (London: Routledge, 1998), pp. 19-30.
84 República da Guiné-Bissau, Ministério de Desenvolvimento Rural e Agricultura, Recursos Naturais e Ambiente, Programa de Nações Unidas para Desenvolvimento. Projecto GBS/97/G31/1G/9 - “Estratégia e Plano de Acção Nacional para a Biodiversidade”, 1997.
85 República da Guiné-Bissau, “Estratégia”, p. 45.
86 República da Guiné-Bissau, “Estratégia.
87 Itel Abissa Rosa Fernandes Biai, “Efeitos das alterações climáticas na Zona Costeira Noroeste da Guiné-Bissau” (Dissertaçao de Mestrado, Universidade Técnica de Lisboa), 2009.
88 Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas, 2014.
89 Mudança do clima, como termo usado pelo IPCC, refere-se a qualquer mudança do clima que ocorra ao longo do tempo em decorrência da variabilidade natural ou da atividade humana. Esse uso difere do da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em que mudança do clima se refere a uma mudança do clima que possa ser atribuída direta ou indiretamente à atividade humana e que altere a composição da atmosfera global, sendo adicional à variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis de tempo.
90 Eduardo Viola, “O regime internacional de mudança climática”, RBCS, v. 17, n. 50 (2002).
91 Adaptação, de acordo com o IPCC significa a combinação de práticas, processo e sistema a fim de minimizar os efeitos negativos e aproveitar as oportunidades que as mudanças climáticas porventura possam oferecer.
92 República da Guiné-Bissau. Ministério dos Recursos Naturais e Ambiente, Plano de Ação Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas na Guiné-Bissau (PANA), Bissau: PNUD, 2006.
93 Arrozais.
94 Santy, “As representações”, 2012.
95 Referimo-nos ao seguinte documento: “Reforço da Resiliência”.
96 República da Guiné-Bissau, PANA.
97 República da Guiné-Bissau, PANA.
98 República da Guiné-Bissau, PANA.
99 Bordonaro, “Introduction”.
100 República da Guiné-Bissau, PANA.
101 Temudo, “A narrativa”.
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