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Recepción: 30 Julio 2017
Aprobación: 11 Diciembre 2017
Resumo: Este artigo reconstrói a trajetória de vida do comerciante ijebu Osifekunde, com base nos documentos encontrados nos arquivos brasileiros e franceses, utilizando a metodologia da micro-história, com ênfase na redução de escala, que possibilitou relacionar diversos registros a partir de nomes. O texto está dividido em três momentos: uma parte dedicada ao contexto africano, relacionando-o com a história do tráfico de escravos, principalmente entre os anos 1820 e 1830, pano de fundo que possibilita entender as circunstâncias de sua captura; uma segunda, que se concentra na trajetória pessoal de seu segundo proprietário; e uma última parte, subdivida em duas, em que se demonstra como Osifekunde se tornou um homem livre na França e de que maneira o seu retorno ao Brasil fazia parte de sua estratégia de negociação para garantir a liberdade e obter melhores condições de trabalho.
Abstract: This article reconstructs the life trajectory of the Ijebu man named Osifekunde, based on documents found in Brazilian and French archives, using micro-history methodology, with an enphasis on scale reduction, which made it possible to link personal names in several different records. The article is divided in three parts: one dedicated to the African context, relating it to the history of the slave trade, mainly between 1820 and 1830, making it possible to understand the circumstances of his capture; a second part concentrates in the life trajextory of his first owner; and a last part, divided in two, in which it is shown how Osifekunte became a free man in France and how his return to Brazil was part and parcel of a negotiation strategy to garantee his freedom and obtain better work conditions.
Keywords: Biography, Africa, freedom, 19th-Century Pernambuco.
Palavras chave: Biografia, África, escravidão, liberdade, Pernambuco oitocentista
Em 1820, o comerciante ijebu Osifekunde foi capturado numa emboscada e levado para Warri, próximo ao Delta do Níger. Após quatro dias, foi vendido a um traficante de escravos brasileiro que o embarcou num navio negreiro rumo ao Rio de Janeiro. No Brasil, ele viveu 17 anos e foi escravo doméstico de um negociante francês chamado Navarre que o levou a Paris em 1837, onde ele se tornou um homem livre. Quando viveu na França, Osifekunde foi questionado sobre os ijebus e sobre as regiões vizinhas à sua terra natal. Ele deu informações precisas sobre sua história pessoal, assim como sobre o contexto no qual ele acabou se tornando mais um entre os milhões de escravizados do infame comércio de seres humanos.
De acordo com a base de dados Slave Trade Database,1 o Brasil foi a nação que mais recebeu africanos deportados como escravos durante os três séculos em que durou o tráfico negreiro. Paradoxalmente, além da autobiografia de Mahommah Gardo Baquaqua,2 são quase inexistentes os relatos em primeira pessoa de escravizados que viveram no Brasil. Nos Estados Unidos, as narrativas de ex-escravos e libertos, como as de Frederick Douglass e Solomon Northup, serviram como um importante instrumento no combate à escravidão e constituem um gênero literário solidamente estabelecido. No Brasil, nos últimos anos, alguns trabalhos, em especial os do historiador João José Reis, se destacam pela pesquisa e reconstrução de biografias de escravos e libertos.3 O relato que nos deixou Osifekunde, assim como o de Baquaqua, são documentos valiosos para o estudo do tráfico transatlântico de escravos e para a história da escravidão no Brasil, na primeira metade do século XIX. O presente artigo reconstitui parte de sua biografia, com base nos documentos encontrados durante nossa pesquisa nos arquivos brasileiros e franceses. Para tal, dividimos o texto em três momentos. Uma parte dedicada ao contexto africano, relacionando-o com a história do tráfico de escravos, principalmente entre os anos 1820 e 1830, pano de fundo que possibilita entender as circunstâncias de sua captura. Uma segunda na qual nos concentramos na trajetória pessoal de seu segundo proprietário. E uma última parte, por sua vez subdividida em duas, em que buscamos demonstrar como Osifekunde se tornou um homem livre na França e de que maneira o seu retorno ao Brasil fazia parte de sua estratégia de negociação para garantir a liberdade e obter melhores condições de trabalho.4
De mercador a mercadoria – o reverso da moeda escravista
Osifekunde5 nasceu em 1793 na cidade de Makum,6 nas dependências de Epe, em território ijebu, um subgrupo dos iorubás, do Sudoeste da atual Nigéria. Membro de uma família numerosa e aristocrática, era neto de Ochi-Wo, um ladeke, — título local equivalente a um ministro de finanças, tido como “a primeira pessoa do Estado”, “pagador de todas as despesas e recompensas, de acordo com as ordens do soberano”. Entre as quinze esposas de Ochi-Wo estava Ogoua-Ada, uma das irmãs do rei ijebu Ochi Gade. Da união entre Ochi-Wo e Ogoua-Ada nasceu Adde Sounlou, que ficou conhecido por sua bravura e coragem traduzidas pelos atributos que completavam seu nome “okara, agouagoua omale okbo tagoua tagoua, odi olorogou modi,” o que, de acordo com d’Avezac, significa “cão de guarda fiel, que encurralou o chefe inimigo contra a parede”.7 Sounlou, por sua vez, tinha sete esposas, dentre elas Egghi Ade, uma aparentada do rei. Egghi Ade deu à luz Osifekunde, que era, dessa forma, um membro da família real por parte de seus pais. Com respeito ao número de esposas de seu avô e de seu pai, a poligamia era representativa do poder político e econômico. Em geral, somente os abastados podiam contrair mais de um matrimônio, o que não deveria impedir que muitos praticassem a poligamia de maneira oficiosa. Osifekunde era o segundo filho homem dos nove filhos de Adde Sounlou. Como seu pai, dedicou-se ao oficio de comerciante. A árvore genealógica da família de Adde Sounlou está resumida na Figura 1.
Em vista da proximidade de sua região, os ijebus eram um dos principais comerciantes em Lagos, onde vendiam escravos, panos da costa, pimenta-de-rabo (alligator pepper), vinho de palma, noz-de-cola, além de revenderem os produtos manufaturados que compravam dos europeus nos diferentes mercados no interior do território iorubá.8 Entre as mercadorias trazidas pelos europeus, as mais comercializadas eram: tabaco, cachaça (tafia), fuzis, pólvora, assim como tecidos: “peça de indianas inglesas”.9 Não sabemos ao certo se eram essas as mercadorias adquiridas por Osifekunde. Também não devemos excluir a hipótese de que ele fizesse parte do comércio negreiro, fornecendo sal, pequenos animais e vegetais, azeite de dendê e panos da costa.
Além desses produtos, é possível que Osifekunde tenha vendido/trocado escravos pelos produtos manufaturados europeus que pretendia vender em Mahin. De acordo com o que ele relatou, o ano de sua captura corresponde ao início de um dos conflitos que desestruturou importantes cidades-estados iorubás — a guerra de Owu —, envolvendo oyós, ifés, egbas, owus e ijebus, que conquistaram o monopólio da venda de escravos provenientes das disputas no interior da Iorubalândia.10
Muitos dos prisioneiros dessas guerras foram vendidos como escravos para o Brasil, entre eles os africanos José “jabu”, a negra “Edum” de origem “Nagô-Ba”, assim como o escravo Valentim e um outro José, que disse ser de “Nação Nagou-Eba” quando foram interrogados pela polícia em 1835, no episódio da Revolta dos Malês na Bahia, estudado por João José Reis. Além desses africanos, podemos ainda citar os primos Shetelu e Ajatu, que foram prisioneiros durante a guerra de Owu e, em seguida, vendidos como escravos para a Bahia, onde ele passou a se chamar Francisco, e ela, Luisa. Kristin Mann analisou a trajetória de Shetelu que, uma vez alforriado, passou a adotar o nome de Francisco Gomes e voltou a Lagos em 1844. Lisa Earl Castillo também pesquisou a trajetória de alguns africanos que se tornaram vítimas do tráfico transatlântico em decorrência da guerra de Owu, entre eles, os egbas Eduardo Americo de Souza, pai de Felisberto Sowzer, e Eliseu Bonfim, pai de Martiniano do Bonfim, Maria Julia da Conceição, fundadora do terreiro do Gantois, e a liberta Ignez Joaquina da Costa — Tia Inês (Ifá Tinuke) —, fundadora do Sítio de Pai Adão no Recife.11
De acordo com David Eltis, mais de 114.200 africanos, a maioria deles prisioneiros das guerras entre os iorubás, foram vendidos como escravos em Lagos, o que representa 48,26% do total de 236.600 africanos deportados do Golfo do Benim em direção ao “Novo Mundo”12 — principalmente para o Brasil e para Cuba — entre 1801 e 1825. Osifekunde teria, possivelmente, comercializado escravos e, por ironia do destino, se tornado um dos muitos africanos vendidos na mesma condição para o Brasil.
O reino ijebu nos tempos de Osifekunde
O contexto histórico que serviu como pano de fundo para a captura de Osifekunde corresponde às guerras que se espalharam em diversos reinos iorubás depois da dissolução do Império de Oyó. Esse episódio da história africana foi amplamente abordado, e um simples resumo será suficiente para contextualizar esse período. De acordo com Samuel Johnson e Robin Law, Oyó despontou como Império por volta dos séculos VII e IX, quando dominou o norte da Iorubalândia, e chegou ao seu apogeu na segunda metade do XVIII, estabelecendo laços de vassalagem com a maioria dos estados vizinhos e até mesmo com reinos mais afastados, como foi o caso do Daomé.13 No final do século XVIII, uma dissidência interna opôs o Império contra a cidade de Ilorin governada por Afonjá, que, auxiliado por um importante líder religioso, Usman Dan Fodio, comandante dos fulanis, pretendia confrontar os oyós. Porém, traído pelos fulanis, Afonjá foi assassinado, e a população de sua cidade foi obrigada a se refugiar nas florestas mais ao sul, onde não podiam ser atacados pela cavalaria dos fulanis. Uma vez estabelecido em Ilorin, Usman Dan Fodio, auxiliado por muçulmanos hauçás, iorubás e pelos camponeses fulas, fizeram uma Jihad contra outros iorubás, tidos como pagãos, e bloquearam as rotas do tráfico escravo ao norte, forçando as cidades costeiras a buscar cativos em suas cidades vizinhas. Foi assim que disputas entre ifés e owus e desses contra os ijebus deram origem a um dos mais importantes conflitos na história dos iorubás no século XIX.
Embora não existam dúvidas sobre quais eram os grupos que estavam envolvidos nesse conflito, existem diferentes versões das causas que o provocaram.
No primeiro caso, no que diz respeito à disputa entre ifés e owus, historiadores afirmam que ordens expressas de Oyó foram enviadas aos reis de Ifé e de Owu para que nenhum cidadão de Oyó fosse capturado e vendido no mercado de Apomu. Executando as ordens recebidas, o Olowu (Obá de Owu) castigou várias cidades implicadas no rapto e venda de escravos, situadas, em sua maioria, no território dos ifés, que, irritados, enviaram um exército para combater os owus, mas foram derrotados.14 Alguns historiadores afirmam, porém, que a guerra entre os ifés e os owus originou-se do fato de Abiodun, antigo rei de Oyó, ter feito do comércio de escravos a base de sua economia. Porém, como seu sucessor Awole não conseguiu obter mais cativos por conta do bloqueio dos fulanis, ele tentou capturar os ifés e, para tal, buscou controlar Apomu que era, na época, domínio dos ifés. Ainda de acordo com essa versão, os owus tomaram o controle de Apomu para impedir a venda de oyós como cativos.15
No segundo caso, com respeito à contenda entre owus e ijebus, também existem controvérsias. Alguns afirmam que comerciantes owus e ijebus se envolveram numa briga no mercado Apomu por conta da venda de pimenta-de-rabo, “alligator pepper” (Afromomum malagueta),16 que resultou na destruição da cidade, e alguns comerciantes ijebus perderam tudo o que tinham. Outra versão afirma que o interesse no monopólio da venda de pimenta não passou de um pretexto para que os ijebus declarassem a guerra tendo como aliados os ifés,17 e que os ijebus almejavam conseguir mais cativos para atender às demandas do tráfico transatlântico.18
Osifekunde não mencionou as guerras dos ijebus contra seus vizinhos owus, talvez porque ele não tenha sido interrogado propriamente sobre esse tema. É provável, entretanto, que esse conflito estivesse relacionado diretamente com sua captura, porque ele afirmou que os owus estiveram em guerra durante seis anos e que, embora ele não tenha participado nesse conflito, disse ter visto quando o Olowu foi levado como prisioneiro à capital Ijebu-Odé.19 Declarou, ainda, que, nessa época, o território Owu era um distrito ijebu, afirmações que podem estar relacionadas diretamente com o fim dos conflitos em 1820. É provável, porém, que a captura do rei de Owu não implicasse necessariamente o fim dos combates que, segundo alguns historiadores, duraram até 1825.20
Certamente, o contexto das guerras internas no território iorubá desestruturou as relações político-econômicas que possibilitaram a captura de alguém tão importante quanto Osifekunde, membro direto da nobreza ijebu. De acordo com Lisa Earl Castillo, a escravização de “membros da realeza ou nobreza” não era atípica, tendo em vista o tamanho relativamente pequeno de alguns reinos (Estados) e o número cada vez maior de familiares descendentes de uma mesma linhagem.21 Osifekunde foi sequestrado pelos ijós em Mahin, cidade fronteiriça entre o território ijebu e a terra de seus raptores. Os sequestros em território inimigo eram tidos como legítimos em tempos de guerra e incentivados como caça patriótica.22 Mas essa não era a única maneira de se conseguir cativos. Era nas razias, motivadas por desejo de expansão territorial, que se capturava o maior número de indivíduos. A maioria dos ataques ocorria de madrugada, como relatou Isaac Parker, um marinheiro inglês que viveu cinco anos entre os efik, do velho Calabar, no Delta do Níger, e viu um vilarejo ser atacado. Segundo ele, “os canoeiros se camuflavam atrás dos arbustos até a calada da noite” e esperavam o momento propício para invadir o vilarejo, capturar toda a população e saquear o que fosse possível. Os cativos eram transportados em enormes pirogas, num total de 45, entre homens, mulheres e crianças que seriam, em alguns casos separados, e posteriormente vendidos em New Town, na região do Novo Calabar.23 Há que se cogitar que talvez a captura de Osifekunde tenha ocorrido no momento em que os ijós iriam atacar Mahin. Embora nenhum relato mencione tal investida, essa hipótese não deve ser descartada. Porém, outras motivações poderiam estar por trás da emboscada dos ijós. Tentaremos analisar uma delas com base nas informações que Osifekunde forneceu ao geógrafo francês.
Quando listou os atributos de seu progenitor, Osifekunde destacou sua bravura e sangue frio, lembrou de duas ocasiões em que o pai teve de deixar Makun porque havia matado indivíduos que o afrontaram. A primeira delas aconteceu na cidade de Epe, quando Adde-Sounlou entrou em contenda e matou o guerreiro Otou-Noyo, irmão de um igualmente importante comerciante local, Olou-Yanjou, que, para se vingar, ordenou a perseguição do assassino. Adde-Sounlou se refugiou durante quatro anos no território dos idokos, até que seu pai, Ochi-Wo, pagou à família de Otou-Noyo a soma de 200 oké, ou seja 4.000.000 de cauris (búzios), o equivalente a 40.000 francos em 1840. Foi durante o exílio de Adde-Sounlou que sua esposa Egghi-Ade deu à luz Osifekunde.24 Seis a oito anos depois desse primeiro incidente, Adde-Sounlou assassinou um indivíduo denominado Ourekou e, novamente, foi obrigado a fugir, dessa vez para Edo, capital do Benim, onde esperou até a situação se acalmar e que seu pai interviesse, mais uma vez, pagando pelo seu crime.25
D’Avezac concluiu que, entre os ijebus, as punições decorrentes de crimes poderiam ser negociadas, mas, em geral, elas custavam caro, e o criminoso deveria buscar refúgio até que a negociação fosse concluída. Essa prática foi destacada também pelo traficante de escravos francês Louis Jacolliot, que, no século XIX, percorreu o território ijebu numa expedição de venda de armas. Jacolliot teve como guia Obi-Tchadé, que lhe contou sua história pessoal, na qual ele tinha assassinado um oficial do exército ijebu, fora julgado culpado e sofrera os efeitos da lei de talião. Perseguido pela família da vítima, foi obrigado a se refugiar no Benim, onde as leis ijebu não se aplicavam. Depois de dois anos, esperou até que sua família pagasse 3.000.000 de búzios, e ele pôde retornar à sua cidade natal, de onde foi aconselhado a não sair, pois poderia sofrer represálias.26 Ainda que custassem caro, fica evidente nos casos supramencionados que os preços podiam variar de acordo com a posição social dos implicados. Por outro lado, a possibilidade de negociar monetariamente crimes deu origem a cidades que eram tidas como refúgios para fugitivos da Justiça. Osifekunde não menciona riscos de represália e de interdições de rotas comerciais que poderiam ser consequência dos conflitos de Adde-Sounlou, no entanto, não podemos descartar a possibilidade de ele ter sido vítima da imensurável reputação de seu pai e do desejo de vingança de seus inimigos. Se, de fato, a morte tinha seu preço, há de se supor que a vida também era comercializada. Isso quer dizer que as guerras deixavam um grande número de cativos que eram ou podiam ser resgatados por suas famílias antes de serem vendidos como escravos. Nesse sentido, podemos afirmar que, tendo em vista a posição social de Osifekunde, sua família não teria dificuldade em resgatá-lo. Se essa possibilidade existiu, o que teria impedido tal negociação?
De acordo com o historiador Olatunji Ojo, entre os iorubás, os cativos podiam se resgatados mediante o pagamento da soma exigida, preço que podia variar de acordo com etnia, posição estamental, idade, sexo, condição física e habilidades profissionais. Um dos exemplos destacados pelo historiador foi o caso de uma família egba que pagou 40.000 búzios às autoridades daomeanas pelo resgate de um parente em abril de 1851.27 Essa soma corresponde a 1% do valor pago pelo avô de Osifekunde quando indenizou uma das famílias pelo assassinato cometido por Adde-Sounlou; a proporção deveria estar diretamente ligada à força de trabalho que pode gerar um ser vivente, sendo a perda dessa força de trabalho compensada por uma maior indenização. Tendo em vista o poder econômico que possuía a família de Osifekunde, não há dúvidas de que eles poderiam pagar pelo seu resgate e impedir sua escravização.
Olatunji remarca ainda que, o resgate era uma prática institucional criada no contexto social específico, entre sociedades que compartilhavam valores, práticas culturais e que possuíam uma estrutura social comum, como entre Egba, Ijebu, Owu e Oyó, no século XIX,28 o que se aplicaria ao caso de Osifekunde. O acordo de resgate elevava o cativo a um estágio intermediário, porque, enquanto esperava a negociação, ele não era considerado como escravo. Tudo dependia da decisão do capturador, de quem dependia, também, o bom andamento do acordo. O fato de pertencer a uma comunidade específica poderia beneficiar o cativo no momento da negociação, assim como sua posição social era levada em conta no momento de estipular valores para o resgate. De acordo com o historiador, os chefes inimigos, representantes da elite iorubá, capturados pelos ijebus “não foram vendidos,” permaneciam cativos até que o seu preço fosse negociado.29 Em todos os casos, era importante para toda negociação um contato entre o captor e o cativo e entre o cativo e seus familiares, a fim de que se pudesse chegar a um acordo. Uma pessoa sequestrada de sua família tinha poucas chances de negociação e corria o risco de ser escravizada como ocorreu com Oludah Equiano, Seïd Enkess e tantos outros que foram raptados ainda crianças e levados a quilômetros de distância do lugar em que foram capturados.30 Nesse sentido, o tempo de negociação também é importante, posto que, quanto mais tempo passa entre a captura e o momento da negociação, maior é o risco de que o cativo seja vendido como escravo.31 O certo é que havia sempre um interesse por parte dos captores de negociar o resgate, porque, em geral, os lucros eram mais rentáveis do que a simples venda a um negreiro que costumava ditar o preço em função da quantidade de mercadorias que lhe haviam trazido. De todo modo, tudo leva a crer que os captores de Osifekunde não pretendiam negociar sua liberdade, o levaram para bem longe, amordaçado, matando-o socialmente.32 Devemos ter em conta que o contexto da época de sua captura, marcado pelas guerras internas que destruíram diversos reinos, provocou, também, a instabilidade política e o abandono das tradições, o que poderia explicar o porquê de os ijós não terem negociado o seu resgate.
Ijós: “corsários de Usa”
Com relação aos “corsários ijós”, durante uma expedição realizada em 1786, Palisot de Bauvois afirma que eles eram um grupo de “bandidos” que viviam no interior da Guiné e que se atocaiavam nos bosques e beiras de rios.33 Esperavam pacientemente suas presas e, durante a noite, atacavam aldeias, sequestrando seus habitantes que eram conduzidos a um depósito geral, de onde eram transportados a entrepostos longínquos para serem vendidos como estrangeiros. Palisot afirma, também, que os ijós conheciam todo o sistema de correspondência fluvial, o que lhes permitia escapar de qualquer tipo de tentativa de perseguição.34 De acordo com o historiador Robert Smith, o nome ijó designa um grupo de canoeiros, dentre os quais estão os arogbos, “canoas da floresta”, que dominavam a navegação no Delta do Níger. Suas canoas provinham de uma cidade chamada Abo. As embarcações de pequeno porte eram construídas na costa, e as de maior tamanho, no interior das florestas. Smith ressalta a importância dessas canoas para os Estados costeiros, assim como o cavalo tinha sua importância nas regiões de savana.35 John Adams viu essas grandes canoas que eram conduzidas por até 120 pessoas, que subiam o rio Níger e, no retorno, traziam de 1.500 a 2.000 cativos.36 Não temos nenhuma informação sobre o preço de venda de Osifekunde, e, a julgar por sua posição social de filho de um conhecido guerreiro, comerciante e aparentado por laços de matrimônio à família real ijebu, os ijós devem ter conseguido um preço adequado à sua pessoa.
Antes de ser capturado, Osifekunde parecia navegar em cabotagem de Onim (como também era conhecida a cidade de Lagos) em direção ao sudeste. Ele seguia a costa, e adentrava o rio Efra, uma das ramificações do rio Benim (conhecido pelos portugueses como Formoso), rio que liga o oceano ao interior do continente. Fazendo cabotagem, ele podia vender ou trocar as mercadorias europeias com os habitantes de Mahin, cidade que fazia fronteira com o território dos ijós caçadores de escravos, que atuavam na embocadura do rio Benim, pelo qual eles levaram Osifekunde até Warri. De acordo com uma correspondência de David Nyendall, enviada à Guillaume Bosma em setembro de 1705, um dos braços do rio Benim se estendia até a cidade de Awerri (Warri), onde os portugueses possuíam um entreposto. Nyendall afirma, também, que os ijós atuavam na região e que muitos comerciantes vindos de Ardra e de Clabary (talvez Calabar) eram capturados quando desciam uma das ramificações desse rio.37 Os ijós eram pobres e viviam do que capturavam, que, posteriormente, trocavam por alimentos. Duarte Pacheco Pereira escreveu que os jos (ijós) patrulhavam a região entre Lagos e o Benim, sobretudo próximo ao rio Formoso, onde praticavam o comércio de escravos e marfim e possuíam grandes pirogas capazes de transportar até 80 pessoas.38 Ainda sobre os ijós, o capitão Landolphe, durante uma expedição realizada na costa do Benim no início dos anos 1820, contou ter cruzado com um grupo de ijós. Eram dez homens em pirogas, armados de espadas, vestindo um colete feito de pele de tigre e calças azuis. Eles lhe ofereceram “uma dúzia de carneiros e cabritos vivos, assim como três porcos cortados em pedaços” em troca de pólvora e fuzis.39
Estando, literalmente, nas mãos dos ijós, Osifekunde foi levado para longe de seu país de origem, primeiro para Warri, no território do povo itsekiri. Como um estrangeiro, foi conduzido até a cidade de Jakpa, onde esperou durante quatro dias, tempo necessário até que se efetuasse sua venda. É provável que ele tenha sido conduzido a um entreposto que servia também de posto de reabastecimento e permitia aos negreiros fazer uma triagem entre os que estavam doentes e os que tinham condições de ser vendidos após um longo período de caminhada.40 Richard Lander descreveu, em seu diário de viagem, a chegada de cativos num dos cinco entrepostos que continham mais de mil indivíduos em Badagry, onde eram separados os idosos, os cansados e os doentes.41 No dia seguinte, os traficantes matavam os doentes que, ainda amarrados, eram afogados nos rios, provavelmente para evitar o risco de contaminação nos entrepostos. No caso de Osifekunde, após os quatro dias de espera e negociação de sua venda, ele foi levado até Bobi (Boobie/Oubobi), onde foi entregue a seu comprador, que o embarcou no porão de um navio negreiro rumo ao Rio de Janeiro.42 Estrangeiro, longe de sua família e de seu povo, ele não esqueceria jamais os nomes desses lugares por onde o conduziram.
De acordo com Serge Daget, havia três maneiras de se negociar com os traficantes de escravos africanos: dentro dos veleiros, nas enseadas ou em terra firme. Nos veleiros, quando as condições naturais impediam que os barcos se aproximassem da costa. Nessa modalidade, os europeus convidavam os chefes locais para negociar a bordo dos navios, apresentavam as mercadorias e estabeleciam as condições de troca e venda.43 Alguns traficantes brasileiros, sobretudo no período legal do tráfico transatlântico, realizavam o comércio negreiro nos veleiros, em cabotagem, indo de um porto a outro, para conseguir completar a carga dos navios e escapar mais facilmente dos cruzadores ingleses.44 Cabe lembrar que não havia diferença no tráfico realizado nas encostas ou em terra, porque a negociação era praticada da mesma maneira, com os europeus levando as mercadorias até a praia. Os traficantes calculavam o preço dos cativos em função do valor das provisões que eles traziam. Os preços eram diversificados de acordo com as épocas e, principalmente, de acordo com os portos negreiros. No Senegal, em 1724, por exemplo, um escravo custava 45 libras, o equivalente a 23 libras de pólvora de canhão e menos que um fuzil. Em 1773, em Uidá (Ouidah), um dos principais portos negreiros na Costa dos Escravos, o valor de um cativo do sexo masculino era estimado em 11 onças, de acordo com o negociante. Em Lagos, em 1820, de acordo com Osifekunde, o preço de um escravo era de “2 oké, ou 40.000 cauris (búzios)”, aproximadamente 200 francos.45
O preço médio dos escravos despencou nos anos correspondentes às guerras internas no território iorubá, aumentando, consideravelmente, o comércio brasileiro de escravos, sobretudo quando se acercava o fim do tráfico para o Brasil, proposto no tratado firmado com a Inglaterra em 1826. Porém, mesmo após a assinatura, em 7 de novembro 1831, da primeira lei de abolição do tráfico para o Brasil, o volume do comércio negreiro apenas oscilou, como que testando se haveria repressão de fato, e tornou a crescer numa proporção equivalente aos números anteriores à sua interdição.46 O preço dos escravos só encareceu depois do Bill Aberdeen e com a proximidade da abolição definitiva do tráfico em 1850. Em 1846, o cônsul francês na Bahia, Pierre Victor Mauboussin, que interceptou o “manifesto de carga de mercadorias” do navio negreiro Três Amigos, afirmou que o preço de um escravo em Uidá era de 240 francos.47 Não foi possível saber quanto os ijós cobraram pela venda de um membro da aristocracia ijebu.
Osifekunde disse que foi vendido em Bobi, uma cidade situada às margens do rio Benim, logo após passar as cidades dos Peixes e do Sal. As poucas descrições de Bobi (Boobie/Bowbee) datam dos anos 1820, como, por exemplo, a que fez William Fitz-William Owen, comandante do Leven, navio da Marinha inglesa, que pretendia explorar toda a costa oriental e ocidental da África. Chegando a Bobi, ele foi levado à corte do rei Maccaw, segundo ele um “déspota” com modos “civilizados”, que lhe propôs “escravos a custo muito baixo”. Por exemplo, em Bobi, um jovem escravo custava apenas “uma jaqueta e um par de tesouras”.48 O preço baixo deveria atrair muitos traficantes de escravos brasileiros. A maioria dos navios negreiros que chegavam aos portos do Império, depois de 1815, com passaportes de Cabinda ou Molembo vinham, na verdade, do Golfo do Benim. Mas um dos poucos registros que temos sobre o porto de Bobi se deve a uma correspondência do Foreign Office de 1837, no caso da captura do navio Camões, analisado por Reis, Carvalho e Gomes no livro O alufá Rufino. Os autores identificaram uma sociedade composta por traficantes de escravos africanos e brasileiros estabelecidos dos dois lados do Atlântico, cuja sede brasileira se encontrava na província pernambucana. Depois da descoberta dessa sociedade brasileira do tráfico em Bobi, cogitamos sobre a possibilidade de Osifekunde ter sido vendido para Pernambuco.
De acordo com d’Avezac, seu destino foi o porto do Rio de Janeiro, onde veio a ser propriedade do negociante francês chamado Navarre. Foi também nessa cidade que, ainda segundo d’Avezac, ele teria deixado um filho.49 Em nenhum momento o geógrafo menciona Pernambuco, nem mesmo o porto do Recife de onde Osifekunde embarcou como doméstico acompanhando seus senhores em 1837. Porém, todos os documentos que encontramos sobre o negociante francês demonstram que, apesar de ter contatos no Rio de Janeiro, ele se estabeleceu na província pernambucana e foi para essa província que Osifekunde retornou em 1841. Assim sendo, não seria exagero supor que Osifekunde tenha sido vendido para o porto do Recife e não para o Rio de Janeiro como escreveu d’Avezac, mas essa é uma hipótese que não pode ser validada, pois sua narrativa não menciona em que navio ele chegou ao Brasil, nem o nome do traficante que o comprou em Bobi, muito menos para quem ele foi vendido no Rio de Janeiro, o que limita nossa pesquisa a esse respeito. Por isso, deixemos de lado nossa hipótese para nos atermos à informação de d’Avezac.
Em 1808, com a chegada da família real e sua Corte, o Rio de Janeiro se tornou sede do governo português. A partir daí, cresceu a demanda por mão de obra e serviços, aumentando o número de importação de escravos. Isso fez com que a cidade se tornasse a mais africana da América Portuguesa.50 Osifekunde, batizado com o nome de Joaquim, seria um nagô, como eram identificados os africanos que falavam iorubá, um nagô entre angolas, cabindas, congos, cassanges, songos e moçambiques. Não era o único de sua nação que transitava pela Corte naqueles tempos. O jovem Guilherme, “nagô” em vista do nome de sua cidade, Jabú, havia fugido e estava sendo procurado pelos capitães de campo em junho de 1824.51 Os nagôs eram reagrupados com os negros de nação mina: cabo-verde, gabão, calabar, hauçá, jeje.52 Eles não eram maioria, mas estavam concentrados nos serviços de ganho, principalmente nas ruas. Assim sendo, no Rio de Janeiro, Osifekunde poderia estar entre os seus, compatriotas ou vizinhos, relacionando-se, quem sabe, com antigos inimigos, pois aprenderam a conviver juntos, porque todos eram, então, “estrangeiros”.53 Entre mina-nagôs, é provável que não tenha demorado a encontrar uma companheira, com quem teve o filho que disse ter deixado no Brasil.
Sobre o negociante francês Navarre na Corte, sabemos apenas que, em 1831, tinha uma residência — talvez somente um escritório — no número 122 da Rua do Ouvidor, onde recebia seus clientes das 7h às 10h e, na parte da tarde, das 15h às 17h.54 Quais eram seus negócios?
Jean-Baptiste Navarre – ascensão de um ambicioso comerciante
Utilizando a micro-história como metodologia,55 conseguimos cruzar os nomes Joaquim e Navarre nos diversos arquivos pernambucanos até que encontramos ambos, Osifekunde e seu segundo proprietário, do qual trataremos a seguir.
Jean-Baptiste Navarre nasceu em 1797, na cidade francesa de Pau, na região dos Pirineus Atlânticos, e chegou ao Brasil com 19 anos de idade em 1816.56 De acordo com a polícia do Rio de Janeiro, que registrou sua passagem em 1832, ele era um indivíduo de “altura mediana, rosto largo, uma barba abundante, olhos grandes” que vivia de “comércio”.57 Assim como muitos franceses que imigraram para o Brasil depois do Congresso de Viena (1815), ele conseguiu se estabelecer e enriqueceu na província pernambucana. A maioria dos seus compatriotas queria residir no Rio de Janeiro, onde havia crescido a demanda por serviços depois da transferência da Corte portuguesa em 1808.58 Não sabemos ao certo se Navarre desembarcou primeiro no Rio de Janeiro, se viveu no Maranhão — como afirmava uma de suas inimizades no Recife —, ou se chegou diretamente à província de Pernambuco.
Em vista de sua importância na economia agroindustrial, nas produções de algodão e açúcar, Recife foi o terceiro maior porto de desembarque de escravos, depois do Rio de Janeiro e de Salvador da Bahia. Como no Rio de Janeiro, a maioria dos escravizados provinha da região Congo-Angola, seguidos dos provenientes da costa ocidental africana.59 Não conseguimos identificar se Osifekunde passou a ser escravo doméstico de Navarre antes ou depois da chegada do negociante francês ao Recife. De fato, sabemos que, nos anos 1830, ele era reconhecido como negociante e publicava anúncios de venda de bijuteria: “broches, anéis em ouro com brilhantes” de “boa qualidade”, além de botões para camisas, igualmente em “ouro e de pérolas,” tudo por preço bem “cômodo”. As vendas eram realizadas na sua própria residência, no bairro da Boa Vista.60
À época, a cidade do Recife era divida em três bairros principais: Recife, Santo Antônio e Boa Vista. O bairro que dava nome à cidade era um dos mais importantes, situado próximo ao porto, repleto de lojas e depósitos, com casas de dois andares, os sobrados. Nas ruas estreitas, circulavam escravos de ganho, que se misturavam com os escravos recém-chegados ao porto durante o período em que o tráfico ainda não tinha sido proibido, além de passageiros vindos dos quatro cantos do mundo.61 O bairro onde vivia Navarre não era menos importante, e a maioria dos comerciantes que lá residiam construíam suas suntuosas casas, localizando-se a do comerciante francês defronte da Igreja da Matriz. Além da venda de bijuteria, Navarre também aparece nos anúncios como agente testamenteiro, como no caso em que representou a viúva de Joaquim José da Costa, comerciante estabelecido no Recife. E, provavelmente, foi ganhando a vida como agente testamenteiro que ele se tornou proprietário de Osifekunde, como demonstraremos a seguir.
No dia 5 de novembro de 1831, Jean-Baptiste Navarre publicou um anúncio no Diário de Pernambuco informando que, com o consentimento dos credores de Joaquim José da Costa, venderia em praça pública a sumaca Santo Antonio do Triunfo, com todo o seu equipamento, como constava do inventário do falecido. Os interessados deveriam procurá-lo em sua casa, onde, certamente, funcionava também seu escritório. A venda se daria de preferência em “dinheiro” ou a crédito com apresentação de “um ou mais fiadores”. A sumaca seria vendida com os “4 escravos marinheiros” pelo preço de um conto de réis.62 Desconhecemos a causa da morte de Joaquim José da Costa, mas sabemos que, sob o comando do mestre José Ignácio Carneiro, seu barco transportava regularmente madeira, “açúcar, fazendas, molhados” e passageiros entre o porto do Recife e os portos das cidades de Assu (Açú) e Una, situadas mais ao sul da província pernambucana. Sabemos, também, que ele era membro de uma importante família local, sobrinho do coronel Bento José da Costa, um dos maiores traficantes de escravos de Pernambuco. Logo após a morte do sobrinho, o coronel publicou, no dia 27 de setembro, um anúncio dirigindo-se aos devedores de seu falecido parente, avisando que eles deveriam esperar o anúncio oficial da nomeação do agente testamenteiro,63 posto que a viúva Maria da Penha Torres abrira mão da herança que receberia de seu esposo. Tudo parecia estar em ordem, até que outro anúncio, publicado no dia 11 de novembro, embargava a venda da sumaca por constar que seu proprietário devia 721$750 réis de “massames” (conjunto de cabos/cordas que se usavam no aparelhamento de um navio).64 Isso explica, em parte, por que a viúva não fez questão da herança. O empasse da venda do Santo Antonio Triunfo durou mais de um ano e, no final de 1832, Navarre publicou um novo anúncio indicando que a dita sumaca iria ser arrematada em praça pública para quitar a dívida que Joaquim José da Costa tinha com os senhores Maia & Azevedo. Nenhuma informação a respeito dos escravos marinheiros foi incluída nesse anúncio.65
Uma de nossas hipóteses é a de que Osifekunde fosse um dos “4 escravos marinheiros” do Santo Antonio do Triunfo e que teria sido oferecido como pagamento a Jean-Baptiste Navarre pelos serviços prestados como agente testamenteiro. Isso poderia explicar a nuança semântica inserida propositalmente por d’Avezac quando mencionou que Osifekunde — cujo nome no Brasil era Joaquim, como já referido — tornou-se propriedade de um francês,66 dando a entender que Navarre não o tivesse intencionalmente comprado, e que o acaso fosse responsável pelo fato de eles estarem relacionados como senhor e escravo. O que nos permitiu insistir nessa hipótese foi o fato de que, uma vez livre e trabalhando como doméstico na França, Osifekunde ficasse conhecido como Joseph (José) e que, de retorno ao Brasil, ele tenha adotado o nome Joaquim da Costa, o que nos faz pensar que, durante o tempo em que viveu em liberdade, ele usou sempre o nome de família do seu primeiro proprietário.67 Era costume os escravos, uma vez libertos, adotarem o nome de família de seus antigos senhores, e com Osifekunde não teria sido diferente. Assim sendo, é provável que o dono do Santo Antonio Triunfo tenha sido proprietário de Osifekunde, e que ele tivesse sido um dos quatro escravos marinheiros postos à venda com a embarcação. A sumaca continuou navegando do Recife a Una, transportando açúcar e, de vez em quando, também fazia a rota em direção ao porto de Assu, no atual Rio Grande do Norte.68 Navarre, por sua vez, aparece em outros negócios que lhe renderam dinheiro e também tem seu nome mencionado numa invasão que a polícia do bairro de Boa Vista fez na sua residência.
No final do ano 1835, o cônsul francês no Recife, A. Auboin, escreveu ao presidente da província reclamando de uma intervenção realizada pela polícia em sua residência e na do comerciante Jean-Baptiste Navarre.69 Ao que tudo indicava, a polícia estava à procura de um tal Deshayes, “responsável pelos negócios de Navarre”, que tinha deixado de cumprir um acordo com Francisco Antonio de Oliveira e se escondera na casa do comerciante, passando primeiro por detrás da casa do cônsul. Auboin, que se responsabilizou por seu concidadão, afirmou que a perseguição policial desrespeitava o tratado comercial assinado entre Brasil e França em janeiro de 1826, que proibia invasões em casas de cidadãos franceses sem a presença do responsável legal — no caso o cônsul — da França.70 Ele também insistia para que a polícia esclarecesse os fatos o mais rápido possível, se responsabilizando em pagar a dívida junto ao senhor Oliveira, caso fosse necessário.71
Gabriel Napoléon Bez Deshayes, casado com Marie Desahyes, era dono de uma livraria no Recife. O credor que mandou a polícia atrás do livreiro era um rico dono de terras e importante homem de negócios na província. Não estamos convencidos se Deshayes devia a Antonio de Oliveira, como informou o cônsul, ou se era Navarre o devedor e, em sua ausência, respondia por ele seu agente comercial. No entanto, sabemos que Francisco Antonio de Oliveira e Deshayes gravitavam em torno do comércio de escravos na província de Pernambuco. Um como um dos principais traficantes do Recife, o outro em contrabando de livros e de escravos, que eram vendidos no tráfico interno, na primeira metade do século XIX. De acordo com Amanda Barlavento Gomes, Francisco Antonio de Oliveira armou, entre 1822 e 1831, nada menos que 25 viagens negreiras, foi proprietário de oito navios e desembarcou mais de 9.000 escravos no porto do Recife, o que correspondeu a 19,11% do total de 47.082 escravos deportados para a província pernambucana no mesmo período.72
O livreiro francês chegou ao Brasil nos anos 1830, começou a traficar livros, que ele mandava vir desencadernados da Europa. Os exemplares eram despachados nos portos de Salvador e Recife, evitando-se, dessa forma, o pagamento dos impostos correspondentes a seus volumes. Uma vez desembarcados, a totalidade dos volumes era enviada à loja de livros em Pernambuco, onde eram encadernados.73 Com relação ao contrabando ilegal de escravos, Deshayes realizou algumas viagens entre Recife e Luanda de 1842 a 1847, onde estabeleceu negócios com traficantes de escravos locais. Em novembro de 1847, ele foi apontado “publicamente” como proprietário do navio negreiro União,74 que chegou ao Recife com 356 escravos. Nos anos seguintes, foi responsável pelo envio de mais de 191 escravos do Recife para o porto do Rio de Janeiro, onde abastecia o tráfico interno.75 Ainda não conseguimos confirmar se a invasão da polícia nas casas do cônsul e de Navarre, buscando Deshayes a mando de Antonio Oliveira, estava relacionada diretamente com o tráfico de escravos e se Navarre estava implicado no suposto “descumprimento de acordo” entre esses negociantes. Mas não podemos descartar essa possibilidade. Por outro lado, fica evidente o poder político que tinha Oliveira que, sem passar pelos trâmites legais, mandou agentes policiais prender seu devedor.
Dois anos depois dessa invasão, encontramos o primeiro documento que valida as entrevistas que Osifekunde deu para d’Avezac em Paris. Um registro de passaporte do dia 15 de abril de 1837, no qual o então presidente da província, Vicente Tomas Pires de Figueiredo de Camargo, declara que da cidade do Recife viajaria para o Havre o cidadão francês, Jean-Baptista Navarre, de 40 anos de idade, acompanhado de sua mulher Maria de Macedo e de um “pardo” denominado Joaquim, que estava “desembaraçado da policia”,76 o que significava que Osifekunde não estava impedido de viajar acompanhando seu proprietário. O registro de passaporte era um procedimento obrigatório para todos os que pretendiam sair da província. O que chama atenção, no entanto, é o fato de Osifekunde não ter sido definido como escravo, nem como doméstico, como constara do registro do barco, mas sim como “pardo”, o que soava estranho sendo ele um africano da chamada Costa da Mina, conhecido, no Brasil, como mina-nagô. O fato é que, esse primeiro documento nos levou ao navio Camélia, no qual viajara a família Navarre. A saída foi anunciada durante todo o mês de abril,77 mas a carga (algodão) só foi completada no mês seguinte, e o Camélia zarpou no dia 4 de maio. O barco de 356 toneladas, construído em 1834, era um dos quatro barcos da frota dos irmãos Quesnel & Cia, armadores estabelecidos no Havre e na cidade de Rouen (ambas na região da Normandia).78 O capitão Jean-Baptiste Gilbert comandava uma equipe de 13 marinheiros. Os passageiros eram, em sua maioria, comerciantes estabelecidos em Pernambuco, e apenas dois viajavam com seus domésticos: Navarre e o comerciante português Caetano Pereira Gonçalves, de 42 anos. A viagem do Camélia durou 49 dias, e eles desembarcaram no porto do Havre no dia 21 de junho de 1837.79
Navarre e sua esposa retornaram do Havre para o Recife, mas, infelizmente, não conseguimos encontrar o documento correspondente a esse retorno. Entretanto, sabemos que, em março de 1839, eles chegaram ao porto pernambucano vindos de Lisboa, a bordo do navio suíço Astrea, comandado por J. M. Ichmaren, acompanhados de dois domésticos (um homem e uma mulher). O registro do porto não deu maiores informações sobre os domésticos, e ficamos sem saber se eram ou não escravos.80 Osifekunde havia permanecido na França, como veremos mais adiante. Nada foi divulgado, na imprensa pernambucana, sobre o retorno do comerciante francês nem sobre seus negócios, mas, de acordo com o Almanaque Bottin do mesmo ano, ele estava, nessa época, associado com um tal Viegas, talvez Joaquim Viegas, que tinha uma loja na Rua do Crespo no bairro da Boa Vista, o mesmo bairro onde vivia o comerciante francês, que havia deixado de trabalhar como agente testamenteiro e passara a representar os Quesnel no Recife.
De acordo com o diário íntimo de Louis-Léger Vauthier, engenheiro francês contratado pelo presidente Francisco do Rego Barros para a direção dos trabalhos públicos, Navarre trabalhava para os Irmãos Quesnel — proprietários do Camélia — e recepcionou o engenheiro logo de sua chegada ao porto, no dia 8 de setembro de 1840.81 Quando veio para ao Brasil, Vauthier era um jovem de 25 anos, recém-diplomado engenheiro pela Escola Nacional de Pontes e Estradas de Paris. Ele tinha por missão modernizar a cidade do Recife, utilizando técnicas europeias, mas, para Navarre, Vauthier representava também a possibilidade de pôr em prática seu mais novo investimento industrial. Um mês após a chegada do engenheiro, em um jantar dominical, Navarre insistiu para que Vauthier fosse ver sua usina de cana-de-açúcar em Apipucos, a oeste da cidade do Recife.82
No dia 28 de outubro, o engenheiro avaliou as instalações da usina, onde “tudo” estava preparado, só faltava “começar” a funcionar, porém, sem organização, pois o que “reinava” em todo o estabelecimento era “a maior desordem”. Isso porque Navarre estava sendo iludido por um “maroto” que lhe ocultava tudo sobre o negócio. Ele já havia investido 47 contos de réis e pretendia “refinar açúcar, fabricar aguardente e outros licores espirituosos, fazer cerveja, vinho de champanhe, águas gasosas, etc.”. Os primeiros conselhos foram destinados à instalação de caçambas que deveriam elevar a 8,50m os líquidos que seriam destilados, à criação de um desembarcadouro com trilhos, guindastes e vagonetes, além de à reforma dos telhados que cediam de todas as partes.83 Vauthier prometeu fazer estudos sobre a instalação das caçambas e outras melhorias.84 No dia 4 de dezembro, ele deu algumas “providencias, com relação a certas maquinas” que deveriam funcionar. Enviou diversas vezes seu assistente Boulitreau a Apipucos para “dar alguns conselhos” na instalação dos “dispositivos para conduzir agua” (provavelmente ligados às ditas caçambas).85 Três meses depois da primeira visita do engenheiro e de seu assistente, a usina entrou de fato em funcionamento, o que pode ser constatado pelos diversos anúncios publicados no Diário de Pernambuco, como o do dia 27 de janeiro de 1841, no qual se informava que Navarre vendia, em seu depósito no Porto das Canoas: “cerveja de qualidade superior a preço cômodo”. Nos demais anúncios consta também a venda de genebra, água de colônia e cachaça.
Nos anos seguintes, a produção cresceu, levando junto uma boa reputação de seus produtos. Em 1843, Jean-Baptista Navarre & Cia vendiam em um depósito “ao pé do arco de Santo Antonio, de frente a ponte do cais do passeio do colégio”, açúcar refinado em pães inteiros, em pedaços, em pó, atacado e “a retalho (a varejo)” de uma libra. Esse açúcar tinha três qualidades e eram vendidos a 160, 140 e 80 réis por libra.86 Também vendia, a 80 réis a garrafa, mel de qualidade “superior a dos engenhos”, por ser fabricado utilizando o açúcar refinado, extraindo a potassa e o cal que continham os açúcares produzidos nos engenhos.87 Além desses produtos, o anúncio indicava a venda de genebra de “qualidade de Hamburgo” a 240 réis a “botija”, pipas de aguardente de 22°. Em apenas três anos, o comerciante francês e seus sócios haviam se estabelecido em um dos bairros mais importantes da cidade, onde funcionava quase todo o comércio. Quem eram seus sócios? Certamente Viegas ou um denominado Cunha, com quem Navarre teria se associado para comprar uma loja, pertencente a Antonio José Nunes Guimarães, que a vendeu no mesmo ano por 300 mil réis.88 Essa loja seria mais uma utilizada para vender os produtos de sua usina e também para vender o vinho de caju, fabricado em sociedade com um outro francês, Champés, produtor de vinho originário de Bordeaux.
Não sabemos se Navarre exportava seu açúcar para fora da província, uma vez que fica evidente, nos diversos anúncios publicados nos jornais, a venda dos produtos que acabamos de mencionar tanto em Pernambuco, quanto na Corte. Além deles, o mel “de qualidade superior” fabricado na sua usina de Apipucos era comprado — em sua quase totalidade — por Angelo Francisco Carneiro, que pagava 3.200 réis por cada barril de 30,8 litros, que equivaliam a “22 canadas”, ou seja, pagava-se 145,46 réis por cada 1,4 litros.89 Carneiro era um negreiro e importante homem de negócios na província. Sua família estava, como ele, envolvida no contrabando de escravos em sociedade com negreiros da África Centro-Oriental, sobretudo de Angola. A safra do mel que ele comprava era, sem dúvida, utilizada no tráfico de escravos. Como a maioria dos homens de negócios em Pernambuco, Angelo Francisco Carneiro também trabalhava no serviço administrativo, como fiscal dos trabalhos de água/esgoto e, por isso, também tinha contato com Vauthier, com quem esteve em um jantar de Natal, em 1840, em casa de Navarre,90 que, uma vez estabelecido como importante “industrial”, pôde propor melhores condições de tratamento a seu ex-escravo, agora habituado a servir como doméstico em casa de outro importante comerciante em Paris.
“Il ne peut y avoir d’esclaves en la terre des Francs”91
Quando e como Osifekunde se tornou um homem livre? Teria ele conseguido fugir do seu proprietário em Paris? Ele não seria o primeiro escravo de Navarre a fazê-lo. Em 1826, o escravo João, de “estatura ordinária,” “bem feito de corpo e meio boçal”, fugiu da casa do comerciante no aterro da Boa Vista. Ele tinha, como a maioria dos que fugiam, marcas dos maus-tratos sofridos: “uma cicatriz no canto do beiço”, uma outra “marca de fenda na coxa da perna.” Era reincidente, pois, de acordo com seu senhor, “costuma” mudar de nome, facilitando, assim, encontrar trabalho nos engenhos.92 Essa hipótese é reforçada, tendo em vista que, uma vez na França, Osifekunde também mudou de nome e passou a se chamar Joseph, tradução francesa do nome José, evitando, assim, não ser encontrado, caso Navarre buscasse por um escravo chamado Joaquim. Outra hipótese é a de que Navarre o tenha alforriado, levando-o para a Europa como liberto e não como escravo doméstico, por isso fez questão de inscrevê-lo com seu nome — Joaquim — nos registros de passaporte e no do barco Camélia. Ainda que essa hipótese não possa ser confirmada, sabemos que Osifekunde aproveitou da máxima antiga que dizia “Il ne peut y avoir d’esclaves en la terre des Francs”93 e conseguiu viver em Paris como homem livre.
Essa máxima se refere a uma ordenança assinada pelo rei Louis X — Le Hutin — em 1315, concedendo liberdade a todos os indivíduos do seu reino. Em 1607, Antoine Loysel publicou uma coletânea de direito costumeiro da França, na qual consta que a liberdade do solo fazia parte das três máximas que regiam o direito. De acordo com Loysel, todo indivíduo era livre e, assim que um escravo tocava os “degraus” do reino francês, ele era, por direito, alforriado após seu batizado. Porém, como afirmam Pierre H. Boulle e Sue Peabody, a ordenança de Louis X só foi aplicada mais tarde, no século XVIII, instaurando o direito à liberdade do solo, direito exercido na metrópole de acordo com a vontade do rei.94 Cabe ainda salientar que, durante os séculos precedentes e, sobretudo, depois do desenvolvimento do racismo científico, na segunda metade do século XIX, a regularização legal dos escravos na metrópole, em particular a dos domésticos, foi ameaçada pela condição ambígua de sua liberdade — muitos tinham o direito à liberdade, mas viviam em condição de escravidão imposta por seus senhores.95
Osifekunde teria usufruído dessa máxima que concedia liberdade ao pisar na metrópole francesa, embora desconheçamos como ele conseguiu ter conhecimento desse direito. O que sabemos, no entanto, é que Jean-Baptista Navarre, ao indicar o nome de seu doméstico no registro de passaporte e do barco Camélia, preenchia, também, as formalidades necessárias para viajar com escravos domésticos, conforme indicado na ordenança da Marinha de 1681 que permitia que senhores de escravos mantivessem seus subalternos na metrópole mediante registro de seus nomes. Essa ordenança impunha simplesmente que senhores e capitães de navios vindos das colônias francesas trazendo escravos, os declarassem diante do almirantado francês. O não cumprimento dessa legislação em até oito dias após o desembarque dava alforria automática a todos os escravos presentes no navio. O que talvez Navarre não soubesse é que o rei Luís-Felipe havia assinado, em 19 de abril de 1836, uma ordenança, retificada pela Câmara dos Deputados no dia 14 de maio do mesmo ano, que exigia que todo escravo levado para a metrópole fosse “emancipado antes de sua chegada” ou seria posto em liberdade “no momento de seu desembarque na metrópole”, aplicando-se o direito à liberdade do solo, visando, dessa forma, a combater as irregularidades presentes em ordenanças como a de 1681,96 por exemplo. Osifekunde não foi o único escravo que viveu no Brasil e se tornou um homem livre após tocar o solo francês.
A partir de nossa própria base de dados, com os nomes de passageiros e de seus acompanhantes que viajaram do Recife para o Havre e vice-versa entre 1831 e 1841, encontramos um certo Auguste (Augusto) Fontain que desembarcou no porto do Recife em novembro de 1835, acompanhando seu proprietário. Ele tinha 14 anos e era o “cabelereiro” (possivelmente escravo doméstico) do negociante brasileiro José Luis Correia. Três anos depois, Fontain embarcou como “negro liberto” a bordo do barco Casimir de Lavigne, comandado por Jean Lasserre, que saiu do Havre no dia 9 de julho de 1839 rumo ao Recife.97 Ainda não temos ideia de quantos escravos saídos do Brasil conseguiram conquistar a liberdade na França. Esse número não deve ter sido insignificante, uma vez que o tema da extradição de escravos sempre dificultou a negociação entre os dois países. Joaquim Nabuco lembra que esse foi um impasse para a assinatura de um acordo de extradição de criminosos que deveria ter sido assinado em 1857, porque a França “exigia que se lhe garantisse que os escravos, cuja extradição fosse pedida”, tivessem tratamento igual ao de qualquer outro cidadão brasileiro.98
Em Paris, Osifekunde, que no Brasil era chamado de Joaquim, se tornou Joseph (José) e exerceu a mesma atividade de quando era escravo. Trabalhou em diversas casas particulares e em um hotel “garni” (sinônimo de hotel popular), de baixo custo.99 De acordo com d’Avezac, Osifekunde esteve nesse hotel anteriormente com seu proprietário, o que demonstra que havia estabelecido contato suficiente para receber ajuda e conseguir trabalho, uma vez se tornasse liberto.100 Quem sabe, foi durante essa estadia em companhia da família Navarre, que ele ficou sabendo que poderia se tornar um homem livre na França. O fato é que, embora livre e trabalhando em Paris, seu espírito estava corroído pela imensa saudade que sentia do Brasil, e seu desejo maior era regressar. E foi com esse intuito que, no dia 21 março de 1839, Osifekunde foi apresentado a Marie-Armand d’Avezac, geógrafo e arquivista do Ministério da Marinha, vice-presidente da Sociedade de Etnologia de Paris, membro correspondente da Sociedade pela Extinção do Tráfico de Escravos e pela Civilização da África (de Londres) e de muitas outras sociedades científicas que existiam na Europa, com a esperança de que o cientista, por sua posição privilegiada, com contatos no Ministério da Marinha, pudesse ajudá-lo a retornar ao Brasil. Porém, d’Avezac temia que, uma vez que pisasse no Império brasileiro, ele fosse reescravizado, e conseguiu convencê-lo a esperar uma oportunidade de regresso à sua terra natal.
Durante o período em que tentou encontrar uma forma de repatriá-lo, d’Avezac aproveitou esse encontro inusitado com um africano ijebu como possibilidade de aprofundar mais seus conhecimentos sobre o que ele considerava como região “desconhecida” do interior do continente africano. Para facilitar sua pesquisa, propôs a Osifekunde um trabalho na casa de um senhor chamado Vendryès pai, que seria um homem “amável e atencioso”.101 Jean-Pierre Firmin Barthélemy Vendryès era um comerciante que vivia em Sablonville (Neuilly-Sur-Seine), na região parisiense, longe o suficiente da capital, onde seria pouco provável que ele encontrasse africanos livres ou escravos domésticos. Originário da cidade de Bordeaux, Vendryès havia trabalhado para a administração colonial na Ilha de Guadalupe, colônia francesa, e tinha uma larga experiência comercial. De acordo com as listagens eleitorais de Sablonville, ele residia no número 32 da Avenida da República, tinha 65 anos quando Osifekunde foi levado por d’Avezac para servir como doméstico em sua casa e era casado com Adélaide Victoire Holtz, filha do sub-prefeito do Império na cidade de Délémont e cunhada do barão Fauchet (Jean Antoine Joseph Fauchet).102 Foi graças à influência da família de sua esposa que conseguiu o trabalho como administrador de direito público em Guadalupe, época em que estabeleceu relações comercias na Colômbia, no México e na Jamaica. Tentou fundar uma sociedade comercial no Brasil, mas acabou falindo em 1829, sem que seu objetivo fosse concluído.
Quando, em 1839, d’Avezac propôs abrigar Osifekunde na casa de Vendryès um senhor “amável e atencioso”, ele o fez, certamente, pensando em ajudar o antigo comerciante, que, apesar de falido, vivia sozinho depois da separação de Adélaide Holtz. É provável que o doméstico africano tivesse uma carga excessiva de trabalho103 e, ainda assim, no seu tempo livre, tivesse de se encontrar com o etnólogo francês para fornecer informações sobre seu povo e seu país de origem.
O retorno
Em setembro de 1839, uma ocasião de repatriamento foi oferecida a Osifekunde, porém, de acordo com d’Avezac, por estar “feliz” com sua nova vida de doméstico em Sablonville ele a recusou. Mesmo que estivesse contente de estar servindo em casa dos Vendryès, é provável que o contexto das guerras em território africano tenha influenciado na decisão de Osifekunde. No ano em que ele foi levado para a França, os ijebus estavam em guerra contra os egbas de Abeokuta — a guerra de Iperu. Qualquer retorno durante esse período, marcado por instabilidade política, representava a possibilidade de cair nas malhas do tráfico e reviver o drama do cativeiro.104
Depois de dizer não a uma primeira oferta de retorno à África, os encontros entre Osifekunde e o geógrafo continuaram até dezembro do mesmo ano, quando, tomado por uma saudade aguda, ele solicitou auxílio para deixar a França. Nessa época, d’Avezac ficou sabendo que uma expedição inglesa se preparava para subir o rio Níger e passaria pelo território do Reino do Benim (na atual Nigéria), mas, infelizmente, o responsável por essa expedição não pode levar Osifekunde como “língua”,105 como eram chamados os intérpretes africanos. Foi nesse momento que o capitão da Marinha inglesa, John Washington, que também era um membro correspondente da Sociedade de Geografia de Paris e amigo de d’Avezac, propôs a possibilidade de levá-lo — em um dos navios que iriam ao Níger — até Serra Leoa, provavelmente para Freetown, onde ele não seria reescravizado.
A expedição foi organizada e financiada pela Sociedade pela Extinção do Tráfico de Escravos e pela Civilização da África, sociedade filantrópica que tinha por objetivo “destruir o tráfico negreiro”, buscando destituir do poder os “pequenos déspotas africanos” que vendiam seus “concidadãos”.106 Para pôr fim ao infame comércio no interior do continente africano e financiar a missão, eles contavam com um capital de 65.000 libras esterlinas. Três navios faziam parte da frota que subiria o rio Níger: o Albert, o Wilberforce — cujo nome homenageava o abolicionista William Wilbeforce — e o Sudão, comandados, respectivamente, pelos capitães: Trotter, além dos irmãos Bird e William Allen (que também era membro da Sociedade de Geografia de Paris). A tripulação também contava com Théodore Vogel (botânico alemão) e seu assistente Antell, que tinham por instrução coletar o maior número de grãos possíveis. Também viajava com eles o reverendo James Frederick Schön, responsável por estabelecer um diálogo com as populações autóctones. Schön falava igbo, conhecia outros idiomas falados na África Ocidental, e se serviria deles para propor acordos que possibilitassem instituir um comércio lícito com os dignitários tribais. A missão contava com o apoio de mais de 100 africanos libertos que foram recrutados pelo reverendo Schön em Serra Leoa para servir de intérpretes; e, entre os missionários, estava o africano Samuel Alayi Crowther, que fazia parte da Church Missionary Society, que também pretendia se estabelecer no interior do continente africano. Crowther nasceu em 1809, em Osogun (no Sudeste da atual Nigéria) e foi vítima, assim como Osifekunde, das guerras internas na Iorubalândia que fizeram dele um cativo aos 11 anos de idade, vendido como escravo em 1821 a bordo de um navio negreiro português que foi interceptado pelos ingleses. Crowther não viveu o cativeiro, foi posto em liberdade pelos marinheiros do esquadrão britânico e conseguiu retornar à sua terra natal 20 anos depois de sua captura.107
Osifekunde não teve o mesmo destino porque escolheu “de vontade própria” não ir para Serra Leoa e preferiu voltar para o Brasil, “cedendo a promessas de melhores tratamentos”, e “devido sua afeição para com seu antigo senhor,”108 mas, sobretudo, “com saudades do clima brasileiro e do filho que ele tinha deixado no Brasil.” Embarcou em um navio no porto do Havre rumo ao porto do Recife para, de acordo com seu interlocutor francês, retomar “suas correntes”,109 ou seja, voltar a viver como escravo. As expressões utilizadas por d’Avezac demostram que ele subestimava, no mínimo, a estratégia escolhida por Osifekunde, estratégia de resistência diante de um horizonte de incertezas. Veremos como ocorreu seu regresso ao Brasil.
Mais de uma vez, d’Avezac diz que o frio inverno francês teve papel decisivo na tomada de posição de nosso personagem. Nostálgico do clima brasileiro, ele suportava muito mal essa época do ano. E não era para menos; em 1837, ano em que Osifekunde chegou à França, o inverno foi moderado até o começo de janeiro de 1838, e as temperaturas esfriaram até -19°C em Paris, o que não se comparava com o inverno de 1840, que, desde o dia 15 de dezembro, já marcava uma temperatura de -14°C, e a faixa do rio Sena que vai de Paris até a cidade de Rouen ficou completamente congelada.110 Esse inverno foi também marcado por dois períodos de fortes geleiras que começaram a cair no mês de dezembro até a metade do mês de janeiro e do dia 1º de fevereiro ao dia 15 do mesmo mês. Assim, foi também para escapar do frio que ele decidiu voltar para o Brasil, cujo clima se assemelhava ao africano.
No Havre, o navio em que embarcou com o nome de Joaquim Joseph, foi o Le Renard, um brigue “reforçado em cobre” que faria viagem comercial para o porto do Recife. Comandado pelo capitão Halewick e sua equipagem de 13 marinheiros, o navio levava apenas quatro passageiros: Joaquim Joseph, “de 48 anos, originário da África, habitante de Neuilly, tendo como profissão: doméstico,” a modista Angéline Millochan de 30 anos, que viajava acompanhada de uma ajudante denominada Collot, de 27 anos; o último nome da lista era o de Joseph Burlé, francês de 40 anos, padeiro de profissão, com estabelecimento na Rua do Azeite de Peixe, no bairro do Recife. O Renard deixou o porto no dia 22 de janeiro, mas nunca chegou ao seu destino. Três dias depois, uma notícia chegada da Inglaterra e publicada no jornal do Havre dava conta de que, em consequência de um forte nevoeiro, o navio havia sido empurrado para a costa, no oeste de Saint-Albans, às 9 horas da noite do dia 26.111 Os acidentes causados por nevoeiros próximos à Ilha de Wight (no sul da Inglaterra) eram constantes. O jornal informou sobre o estado crítico do navio e o regaste do seu carregamento, mas nada registrou sobre seus tripulantes que foram “salvos”. Do porto de Poole o navio foi rebocado e chegou ao Havre no dia 19 do mês seguinte, onde foi entregue a seus armadores Ferrere & Morlot. Obstinado e sem perder tempo, assim que desembarcou Osifekunde foi buscar uma vaga em um dos navios dos irmãos Quesnel, armadores conhecidos de seu ex-proprietário. Conseguiu a bordo do Camélia,112 que, por uma ironia do destino, tinha sido o mesmo barco no qual ele tinha chegado ao Havre, e que ainda era comandado pelo mesmo capitão Gilbert. O Camélia zarpou no dia 5 de março de 1841 rumo ao porto do Recife levando Osifekunde e outro náufrago do Le Renard, Joseph Burlé. Eles eram os dois únicos passageiros, e não se tratava de simples coincidência o fato de viajarem juntos desde o início do seu retorno.
De acordo com o genealogista Silvio Paes Barreto, Burlé era casado com Joaquina Peres Campelo, irmã de Maria de Macedo, esposa de Jean-Baptiste Navarre.113 Sua viagem à França tinha razões familiares, mas também servia para auxiliar os amigos Vauthier e Navarre. Para o primeiro, traria equipamentos “um grande pacote”114 e, para o segundo, Burle teria de convencer e trazer Osifekunde consigo, explicando que Navarre tinha prosperado, que tinha se tornado um rico empresário no ramo da agroindústria. Isso também explica o fato de d’Avezac ter conhecimento do compromisso passado entre o africano e o comerciante francês. Burlé seria uma espécie de “padrinho” que evitaria que Osifekunde fosse reescravizado após seu retorno e, ao mesmo tempo, uma testemunha do acordo passado entre ele e seu ex-senhor.
Esse retorno ao Brasil mostra, por um lado, uma relação particular de confiança, talvez, entre eles; por outro lado, foi uma atitude de um futuro incerto. Com 48 anos de idade, ele havia abandonado o desejo de regressar à sua terra natal, onde, dependendo do contexto político, correria também o risco de escravização. Caso isso não acontecesse, viveria a experiência de se sentir estrangeiro no seu próprio país.115 Além disso, permanecer na França já não representava conforto e segurança, como da primeira vez em que d’Avezac encontrou uma possibilidade de repatriamento, isso porque, no início dos anos 1840, Vendryès estava financeiramente arruinado e enfermo.116 Regressar ao Brasil significava reencontrar compatriotas ou malungos, amigos que compartilhavam a experiência comum da escravidão, num território já não tão desconhecido. As experiências de trabalho no hotel e na casa de Vendryès mostram que ele não teria problema em se organizar, construir redes e impor a liberdade conquistada na França.
Osifekunde e Joseph Burlé chegaram ao porto do Recife no dia 23 de abril de 1841. O africano se instalou na casa do seu proprietário em Apipucos. E o mais provável é que tenha passado a trabalhar na casa de Navarre, em um de seus depósitos na cidade ou na usina que funcionava em plena atividade.117 O certo é que, de retorno à província, pouco importava a benevolência de seu ex-senhor, mas a certeza de estar entre amigos, talvez iorubás como ele, que compartilhavam a mesma língua e os mesmos costumes. Não sabemos se encontrou seu filho, cujo nome não foi revelado, o que dificultou a busca por documentos que pudessem esclarecer algo sobre o seu paradeiro. Entretanto, sabemos que Osifekunde passou a se chamar Joaquim da Costa, deixando para trás o nome Joseph (José) com que ficou conhecido na França, adotando o “da Costa” que tanto poderia ser herança do seu primeiro proprietário,118 como referido anteriormente, quanto poderia designar sua “origem” ou lugar de procedência, a Costa da África. Pierre Verger, destacou que a maioria dos escravos uma vez libertos tendiam a imitar o modo de vida de seus antigos proprietários, que Verger definiu como uma tendência a se “abrasileirar”,119 mas que, no caso de Osifekunde, foi duramente reprimida. Embora liberto, o fato de viver com Jean-Baptiste Navarre ainda fazia dele, aos olhos dos demais e, quem sabe, do seu antigo senhor, um escravo. Um ano e três meses após regressar ao Brasil, ele foi vítima de uma derradeira emboscada, quando voltava para o sítio dos Navarre no dia 24 de julho de 1842. Alguns indivíduos o levaram para uma casa, rasparam sua cabeça — como faziam com escravos fugidos — e o surraram até a morte.120 A forma como foi brutalmente espancado chamou atenção da opinião pública, que classificou o crime como um dos mais “escandalosos pela insolência dos assassinos” e pelo “requinte de crueldade” que apartava ainda mais o Brasil das “nações civilizadas”.
Esse linchamento que, segundo a opinião pública, teve a participação de gente importante, ligada ao governo de Pernambuco, serviu para mostrar que a liberdade do solo, conquistada na França, não tinha força nem validade legal para contrapor a ordem privada escravista, na qual o homem branco era dono do escravo e autoridade máxima. Nesse sentido, a barbárie com que ele foi assassinado servia de mensagem direta ao negociante francês, que deveria entender que a liberdade dependia, tão somente, da vontade de senhores que faziam valer seu direito de propriedade. A brutalidade do assassinato de Osifekunde, assim como de outros indivíduos, até mesmo cidadãos respeitados na sociedade pernambucana, denunciava, também, o abuso de poder e a impunidade dos criminosos, ligados às poucas famílias que dominavam a província. Senhores de engenho, proprietários de escravos faziam a lei à base de chicote e tiro de espingarda, impunham o medo e a violência que prevaleceu sobre o direito de justiça. Dois anos após a morte do liberto ijebu, ainda se exigiam respostas ao “corpo de delito” remetido ao subdelegado do bairro do Poço da Panela.
Considerações finais
No final do século XVIII e início do XIX, um número considerável de guerras eclodiram em quase todo o território iorubá e foram responsáveis pela destruição de dois dos seus principais estados: Oyó e Owu. Esses conflitos produziram um êxodo populacional em direção ao sul e a quebra nos padrões pré-existentes de organização socioeconômica e politica, característicos da chamada Iorubalândia,121 opondo cidades que, por séculos, mantinham relações amistosas, ligadas por tradições que remontam a suas origens, como o caso dos owu, ijebu, egba e oyó. A disputa pelo controle do grande mercado da cidade de Apomu e pelas rotas comerciais que ligavam as principais cidades do interior à costa atlântica, assim como a necessidade dos ijebus de produzir mais cativos para o tráfico foram as principais motivações que nutriram a guerra de Owu. Mas, sem dúvida, a queda de Oyó, em fins de 1830, teve um impacto enorme e institui um período de insegurança até então desconhecido.
Um dos interesses deste artigo é estabelecer uma relação entre a captura de Osifekunde e os acontecimentos que ocorreram em quase todo o território iorubá no final do século XVIII e primeira metade do século XIX. Os recorrentes episódios de conflitos deram origem a novos centros políticos, que se constituíram como potentes comerciantes de escravos. Nesse sentido, a mobilidade, quer fosse individual, quer coletiva, era exercida em conformidade com os controles de fronteiras e relações comerciais recíprocas que podiam ser alteradas num piscar de olhos. Diante desse contexto, como bem salientou Camille Lefebvre, o próprio movimento de ir e vir era determinado pela posição social de cada individuo.122 Teria Osifekunde negligenciado tal realidade? Por que os ijós não negociaram seu resgate, como era de costume, e o levaram amordaçado, impedido de comunicar-se, de dizer quem era, de contar de quem era filho e, sobretudo, neto? Questões que ficaram sem resposta e que representam aspectos determinantes para melhor conhecer sua trajetória de vida.
A biografia de Osifekunde é, em parte, comum à dos mais de 12 milhões de africanos que foram deportados como escravos de diversos portos da África para o Novo Mundo. Dos que sobreviveram à travessia do Atlântico, dos que resistiram e chegaram com vida, dos que não deixaram de resistir e lutaram, de diversas maneiras, até conseguir a liberdade. Porém, em sua maioria, morriam escravos e, nesse sentido, a biografia de Osifekunde passou a ser excepcional. Ela revela aspecto importante da história do tráfico de escravo no interior do continente africano e nos permite entrever a história social da sociedade pernambucana. Escravizado durante 17 anos, talvez ele tenha sido diretamente posto para trabalhar como doméstico, escravo de ganho ou, talvez, marinheiro, em razão de sua experiência pessoal. Teve dois proprietários e viveu a incerteza que representava ter de ser vendido ou dado a outro, embora não se saiba exatamente como conquistou a liberdade e sobreviveu por seus próprios meios em Paris. O mais provável é que tenha recebido auxílio, talvez da mesma pessoa que o apresentou ao geógrafo d’Avezac em 1839. Como ficou demonstrado, ele não seria o único a fugir do negociante francês, Jean-Baptiste Navarre, pois, antes dele o mesmo haviam feito: João, que ainda era procurado quase dez anos depois;123 um segundo João, negro de Angola, ladino, que tinha entre 20 e 22 anos, e poderia ter sido levado para fora da província em 1842; e Domingas, também de Angola, de apenas 14 anos, que se evadiu para o sertão em 1843.124 Entretanto, diferentemente desses três, Osifekunde foi o único a ter sido “entrevistado” na França, pôde contar de onde vinha, quem eram seus pais e seu povo, como foi capturado e vendido como escravo, enfim, sua história. Tornou-se objeto de estudo, e o fruto dessas entrevistas ainda é referência para os estudos do povo e da língua iorubá. Ele também foi o único dentre os escravos de Jean-Baptiste Navarre que, vivendo livre na Europa, teve a possibilidade de voltar para a África, mas negociou seu retorno ao Brasil.
Diferentemente dos demais escravos de Navarre, ele se tornou um africano cosmopolita, aprendeu o português e a língua francesa, o suficiente para trabalhar como doméstico num hotel e em algumas residências de ilustres franceses como Vendryès. Convencido de que teria melhores condições de trabalho, mas, sobretudo, para estar perto do filho, negociou e aceitou retornar ao Brasil, sobreviveu a um naufrágio no início de 1841, chegou ao Recife em abril do mesmo ano, mas o gozo da liberdade na terra a que tanto almejava retornar durou pouco. Sua liberdade certamente afrontava a ordem politico-jurídica estabelecida, uma ordem que aceitava o descumprimento da lei de 1831, mas que não tolerava a liberdade que poderia pôr em perigo o direito de propriedade.
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