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Recepção: 8 Abril 2016
Aprovação: 22 Agosto 2017
Resumo: As militâncias brasileiras organizadas no período final da ditadura civil militar apontam líderes estadunidenses como referências e, erroneamente, essa influência foi compreendida, por alguns, como mera cópia do modelo. O presente artigo busca situar as bases históricas em que se formou a militância estadunidense, tomando como exemplo dois ícones desse movimento, Martin Luther King Jr. e Malcolm X, as possibilidades de diálogo entre eles, assim como as trajetórias e as ações de ativistas brasileiros que estiveram envolvidos na atuação do Movimento Negro Unificado. O corpo documental, constituído por entrevistas, biografias, discursos e obras bibliográficas, foi utilizado como meio de acessar as visões de mundo desses indivíduos e os discursos por eles fabricados ou repelidos. Em síntese, amparados no passado histórico e na luta contra o racismo, brasileiros e estadunidenses denunciavam o preterimento social e econômico, ao passo que apontavam os caminhos de reversão dessa realidade. As direções, contudo, eram diversas.
Palavras chave: militantes negros, racismo, transnacional, autoidentificação positiva.
Abstract: The Afro-Brazilian militancy organized in the final period of the Civil-Military Dictatorship, pointed to African American leaders as references, and that influence was wrongly understood by some as a mere copy of their model.. This article seeks to identify in which historical bases was the African-American militancy formed, taking the example of two icons of this movement (King Jr. and Malcolm X), and the possibilities of dialogue between them and Afro-Brazilians activists, who were engaged with the Unified Black Movement. The documental series is understood as a way of accessing the worldviews of these individuals and the discourses they fabricated or rejected; composed of interviews, biographies, speeches and bibliographical works. In sumy, supported in the historical past and the fight against racism, Brazilian and U.S. activists denounced social and economic postponement as they also pointed to the paths of reversing this reality; the directions, however, were multiple.
Keywords: afro militants, racism, transnational, positive identification.
No carnaval baiano de 1975, o então recém-criado Ilê Aiyê inaugurava sua aparição nas ladeiras da Bahia com a canção “Que bloco é esse”, composição de Paulinho Camafeu. A música entoada pelo bloco colocava o folião diante de uma novidade: a discussão racial de forma explícita, na festividade do Carnaval, e uma visão positiva do ser negro, como demonstram os trechos:
Que bloco é esse? / Eu quero saber. / É o mundo negro / que viemos mostrar pra você. // [...] Branco, se você soubesse / o valor que o preto tem, / tu tomava banho de piche / e ficava preto também.1
A aparição do Ilê Aiyê ganhou atenção da mídia, como mostram as críticas do jornal A Tarde em 12 fevereiro de 1975:
Apelidado de “Bloco do Racismo”, proporcionou um feio espetáculo esse carnaval. Além da imprópria exploração do tema e da imitação norte-americana, revelando enorme falta de imaginação, uma vez que em nosso país existe uma infinidade de motivos a serem explorados [...] Não temos felizmente problema racial. Essa é uma das grandes felicidades do povo brasileiro. 2
Da situação exposta neste artigo, o que interessa sobremaneira é a vinculação direta da discussão racial como algo fora da realidade brasileira, associando o “espetáculo” a uma imitação do contexto dos Estados Unidos. O fenômeno não está isolado à leitura feita sobre a atuação do Ilê Aiyê. Embora não seja possível estender a discussão neste breve texto, vale apontar que a recusa a acreditar que o Brasil possa presentificar uma realidade segregacionista está intimamente ligada ao mito da democracia racial.3 Erigido cientificamente mas amparado no imaginário social do brasileiro, o mito em questão dificulta uma discussão dos danos do racismo na sociedade, uma vez que afirma o caráter paternalista das relações brasileiras desde o período escravista.
A leitura de biografias, autobiografias e entrevistas de militantes contemporâneos4 permite, em contrapartida, apreender que as militâncias dos Estados Unidos, bem como dos que atuaram nas independências dos países africanos e contra o apartheid na África do Sul, formam referências para suas demandas e ações no Brasil. Nesse sentido, o livro de Verena Alberti e Amílcar Pereira5 apresenta entrevistas de 38 militantes negros, dos quais 13 narram influências externas em suas visões, 11 deles tendo afirmado, explicitamente, a influência da luta dos negros estadunidenses, com destaque para Martin Luther King Jr., muitas vezes com menção ao Civil Rights Movement, Malcolm X e indivíduos pertencentes aos Panteras Negras, sobretudo Eldrige Cleaver e Angela Davis.
Carlos Alberto Medeiros, por exemplo, narra sua experiência indicando suas influências e a possibilidade delas:
Então, tínhamos muita inspiração tanto na luta na África, quanto na luta nos Estados Unidos. Como é que a gente traduzia aquilo, como é que a gente pegaria as informações interessantes daquilo? Em nenhum momento se imaginou que fosse possível copiar as formas de luta dos Estados Unidos, muito menos da África — particularmente na África do Sul, que é mais semelhante com a questão daqui, do que a questão da luta anticolonial. Mas eram referências. Por exemplo: a valorização da história africana, que era uma coisa que valia lá na África e nos Estados Unidos e também era válida aqui.6
O contato ou diálogo entre militantes negros brasileiros e estadunidenses não é um fenômeno pós 1970. José Correia Leite (1900-1989), expoente da militância, graças ao seu envolvimento com diversas entidades e periódicos da causa negra, por exemplo, afirma que o contato com militantes baianos possibilitou, também, o acesso aos jornais do movimento de Marcus Garvey. Crendo na correlação do que acontecia lá e aqui, Leite publicava notícias do jornal estadunidense na coluna “O mundo negro”.7
O historiador estadunidense George Reid Andrews também apresenta informações relevantes nesse aspecto e busca informações e representações sobre o Brasil em jornais destinados à comunidade afro-americana — entre eles, os mais longevos são Pittsburgh Courier, Chicago Defender, Baltimore Afro-American. Andrews indica que, se, a princípio, entre 1900 e 1950, o Brasil era visto como paraíso racial, progressivamente, com o contato maior de afro-americanos com a realidade brasileira e a denúncia de brasileiros — destaque para Abdias do Nascimento —, essa visão passou a ser questionada.8 Amílcar Pereira,9 em livro em que se dedica a compreender os diálogos entre ativistas e pesquisadores brasileiros e estadunidenses, afirma que em tempo de black is beautiful e black power, já em fins dos anos 1960, o Brasil se tornou menos atraente.
Diante do exposto, o presente artigo busca explorar em que bases históricas se deu a atuação de líderes negros estadunidenses na década de 1950 e 1960, indicando, ao mesmo tempo, a proximidade e/ou distanciamento dessa atuação nas demandas e ações de militantes brasileiros no final dos anos 1970 e na década de 1980. Deve-se atentar para o fato de essas militâncias atuarem em contextos históricos distintos e em décadas diferentes. Ainda assim, esses elementos não inviabilizam o objetivo do texto, uma vez que a atenção aqui se volta para a apreensão das possíveis aproximações e/ou distanciamentos de trajetórias e de ações de militantes brasileiros, com relação às referências indicadas por eles próprios como “influenciadoras”.
Ainda que pareça ter sido superado o discurso simplista que toma processos históricos de países economicamente periféricos como mera cópia de um modelo imperialista — debate reavivado por Pierre Boudieu e Loïc Wacquant10 —, é válido mencionar que compreendem-se aqui as ações dos militantes brasileiros, a partir da década de 1970, por intermédio do caráter transnacional da luta contra o racismo. Nesse sentido, para a pesquisadora Tianna Paschel,11 o ativismo estaria para além das fronteiras do estado-nação, incluindo aqui a circulação de discursos e de formas de organização cuja criação, difusão e organização transnacional foram auxiliadas por organismos internacionais. Sobre os anos 1980, afirma:
[...] os discursos que permearam este campo não eram apenas histórias e narrativas locais sobre raça e nação, mas também discursos globais que conectam cada vez mais democracia com antirracismo e multiculturalismo.12
Ao tecer comentários sobre essa visão transnacional da luta negra, Amilcar Pereira13 destaca que é possível enxergar, nas entrevistas — por ele realizadas com a pesquisadora Verena Alberti e que aqui serão utilizadas como meio de acessar as visões de mundo dos militantes brasileiros —, que as lutas envolvendo as populações negras nos Estados Unidos e no continente africano constituiriam uma espécie de “memória coletiva” no século XX. Essas memórias são importantes para a constituição das identidades desses entrevistados, nas palavras do autor.
Por fim, dada a complexidade desses movimentos negros no Brasil e nos Estados Unidos, elegeram-se para análise as biografias, documentos e discursos produzidos por militantes envolvidos com o Movimento Negro Unificado (MNU), por Martin Luther King Jr. e por Malcolm X. A escolha dos estadunidenses se deu pela publicidade que alcançaram em diferentes partes do globo e pela centralidade que ocuparam no debate estadunidense sobre as questões raciais. Por sua vez, a escolha de indivíduos que atuaram no MNU foi norteada pela visibilidade que essa entidade conquistou no cenário nacional e internacional, bem como pela disponibilidade das fontes.
Ao menos para a realidade brasileira, uma série de elementos dificulta o acesso à informação de grupos não hegemônicos, como os dos militantes negros. Em um país em que o índice de analfabetismo é significativo, o consumo de livros é pequeno e a identificação com as causas raciais está gradualmente sendo construída, a manutenção de acervos ou a publicação de livros voltados para os ativistas, as entidades ou as questões raciais são historicamente desprivilegiadas. Alex Ratts e Flávia Rios, biógrafos da militante Lélia Gonzalez, reforçam essa questão:
Há dificuldades específicas de levantar a trajetória de pessoas públicas que não pertencem a circuitos hegemônicos de poder. Em geral, seu espólio se perde ou fica disperso com amigos e/ou parentes, sendo de difícil acesso para pesquisadores. É o que costuma acontecer com intelectuais negros brasileiros. E foi o que aconteceu com Lélia Gonzalez no que diz respeito a documentos pessoais, originais de suas publicações, fotografias etc.14
Assim, ao eleger o Movimento Negro Unificado como um dos objetos de análise, o texto conta com entrevistas de ativistas que atuaram na entidade e com documentos produzidos por eles como grupo organizado que estão disponíveis em textos de militantes.
Para compreender o contexto dos Estados Unidos
Em 1863, o Ato de Emancipação, assinado pelo presidente Abraham Lincoln, garantiu aos escravizados a liberdade. Tratava-se de uma maneira de enfraquecer o Sul escravagista no período da Guerra Civil. A ilegalidade da escravidão e dos trabalhos forçados (salvo punição por crime) seria reafirmada na então XIII Emenda Constitucional em 1865, pelo ainda presidente Abraham Lincoln. A XIV Emenda Constitucional, de 1868, época em que o país era presidido por Andrew Johnson, do Partido Democrata, determinava que todos os nascidos ou naturalizados nos EUA eram cidadãos e que os Estados não poderiam executar a lei restringindo privilégios ou imunidades aos cidadãos, tendo todos igual direito de proteção pelas leis. A XV Emenda Constitucional, de 1870, por sua vez, determinava que o direito ao voto nos EUA não poderia ser negado ou cerceado por motivos de raça, cor, ou de prévio estado de servidão, no momento em que o presidente era Ulysses Grant, do Partido Republicano.15
A perspectiva parece ser positiva, mas apenas na esfera da Constituição. No ano de 1865, por exemplo, foram aprovados os Black Codes, um conjunto de regulamentações criadas/aprovadas pelo ex-proprietário de escravos, e então presidente, Andrew Johnson. De acordo com o historiador estadunidense e especialista na historiografia afro-americana, John Hope Franklin, essas regulamentações criavam, na prática, uma série de empecilhos para o pleno desenvolvimento da cidadania dos recém-libertos. Dentre as determinações previam-se: a formulação de contratos para os homens livres mas em benefício dos empregadores; não ter um trabalho ou não dispor de um contrato de trabalho era considerado crime de vadiagem para homens, mulheres e até crianças negras; era permitido, em alguns Estados, o uso da mão de obra infantil, mesmo sem a permissão dos pais, com o suposto objetivo de aprendizagem para o trabalho; pessoas negras não podiam ser testemunhas em tribunais, exceto se envolvesse outro indivíduo da mesma raça; os locais de moradia eram delimitados de forma segregacionista.16 Mesmo com a criação do Feedmend’s Bureau, em 1865, o poder de defesa contra essas práticas se mostrou infrutífero.17
Ademais, o período pós-abolição e pós-Guerra Civil, também conhecido como Reconstrução (1865-1877), deve ser compreendido dentro do processo de criação da unidade nacional. Nessa perspectiva, quando Angela Davis aborda a disputa pela conquista do voto feminino para brancos e do masculino para negros, cujo ensejo gera uma discussão sobre quem deveria primeiro ter seu direito garantido, a filósofa analisa, também, o papel do Partido Republicano, que, em suas palavras, era “representante dos interesses capitalistas [do Norte]”.18 Para Davis, o período representou, a princípio, uma era de progresso para ex-escravos e para a população branca pobre, amparados no voto; contudo, os republicanos eram contrários às demandas revolucionárias da população negra, e,
Assim que os capitalistas do Norte estabeleceram sua hegemonia no Sul, o Partido Republicano — que representava os interesses capitalistas — colaborou na sistemática destruição do direito ao voto da população negra sulista.19
Sobre o mesmo período, W. E. B. DuBois insere questões que podem servir de amparo. O intelectual e ativista das causas negras afirma que
Deve ser lembrado e nunca esquecido que a Guerra Civil no Sul, que perdurou sob a Reconstrução, foi um esforço determinante para reduzir o trabalho negro próximo da condição ilimitada de exploração e construir uma nova classe de capitalistas.20
Para o Sul, o fim da Guerra Civil significou, porém, além da presença militar do Norte em seu território, o empobrecimento da população e a concorrência da mão de obra — agora negra e branca; por conseguinte, o imaginário sulista transferiu o papel de inimigo comum:
Muitos testemunham que a população do Sul parecia ter transferido sua ira contra o Governo Federal para a população de cor. A desordem e completa falta de controle foi generalizada. O Governador Sharkey do Mississipi21 considerou sem precedente a quantidade de ilegalidades em 1866.22
A literatura indica que, com a conivência do Norte, preocupado com a manutenção da unidade nacional, a realidade no Sul do país era de extrema violência:
No Alabama, Mississipi e Louisiana, foi dito em 1866 “A vida de um negro não vale muito aqui. Eu vi um que foi alvejado na perna enquanto montava uma mula, porque o malfeitor pensou que daria mais trabalho pedir que ele descesse da mula do que atirar nele”.23
Para DuBois, a violência foi transmutada em pressão econômica, uma forma de obrigar negros e população pobre branca às condições de trabalho não aceitas sem determinada pressão.24
Nesse mesmo contexto, dentro da Suprema Corte, os “privilégios” oferecidos pela XIV Emenda a todos os cidadãos, por exemplo, também passam a ser questionados. De acordo com Leslie Tischauser,
A Décima Quarta Emenda forneceu aos cidadãos dos Estados Unidos privilégios e imunidades que não poderiam ser resumidos ou negados. Uma vez que não forneceu uma lista de privilégios e imunidades específicas, o Supremo Tribunal Federal em 1883 construiu sua própria estreita lista. Futuros tribunais nunca completaram essa lista também.25
No entanto, a Era Jim Crow, na qual se conferiu legalidade à segregação racial, é identificada cronologicamente com a decisão da Suprema Corte, em 1896, no caso Plessy vs Ferguson. A história é narrada por Tischauser:
Então, em junho de 1892, Homer Adolph Plessy, um sapateiro afro-americano de Nova Orleans e um membro do Comitê de Cidadãos para Testar a Constitucionalidade da Lei Separação nos transportes, comprou um ingresso e entrou no carro “apenas para brancos”. Ele se aproximou do condutor e disse: “Eu tenho que lhe dizer que, de acordo com a lei da Louisiana, eu sou um homem de cor”. Sua raça pode não ter sido óbvia para os outros, pois ele era de pele muito clara porque era sete oitavos branco, mas sob o código de Estado isso o tornava “de cor”. Quando ele recusou a exigência do condutor para se mudar para o “carro das pessoas de cor”, ele foi preso. [...] Estes eventos seguiram um plano. O Comitê de Cidadãos mandou Plessy comprar um bilhete, sentar-se no carro dos brancos e ser preso para que um tribunal pudesse pronunciar-se sobre a constitucionalidade da lei de separação nos transportes de 1890. A lei, um exemplo precoce de uma lei Jim Crow, ordenou que os trens proporcionassem acomodações “iguais, mas separadas” para passageiros brancos e negros. [...] O juiz Brown concluiu que lei da Louisiana não violava a Constituição dos EUA. A discriminação era “na natureza das coisas”, disse ele, e a maioria do tribunal concordou. A lei não “marcava” qualquer raça ou indivíduo “com um emblema de inferioridade”, como afirmam os advogados de Plessy. Se as pessoas se sentiam “inferiores” porque uma lei as separava de outras pessoas devido à cor da pele, a lei não poderia ser responsabilizada. Qualquer sensação de inferioridade surgiu apenas “porque os da raça de cor escolhem colocar essa construção sobre ela”.26
Para C. Vann Woodward, porém, a origem do termo Jim Crow não pode ser aferida ao certo. Em nota de rodapé, explica:
A origem do termo “Jim Crow” aplicada aos negros está perdida na escuridão. Thomas D. Rice escreveu uma música chamada “Jim Crow” em 1832, e o termo começou a se tornar adjetivo em 1838. O primeiro exemplo de “Lei Jim Crow” mencionada pelo Dicionário de Inglês data de 1904. Mas a expressão era usada por escritores nos anos 1890.27
Ademais, o historiador nos fornece uma informação central na compreensão das relações raciais no país:
As práticas [de segregação] com frequência anteciparam e em alguns momentos excederam as leis […] existe mais Jim Crowismo praticado no Sul do que existe Jim Crow nos livros legais.28
O fenômeno é confirmado nas atitudes comuns também no Norte do país, cuja semelhança com o cotidiano brasileiro é notável. De acordo com Robert Bleiweiss, lê-se, na biografia de Martin Luther King:
No Norte não houve leis que forçassem a segregação. Mas existiam pequenas mentiras que tinham o mesmo efeito. Desculpe mas você precisa de reservas. Você precisa ser um membro para nadar aqui. Fechado. Não há vagas. Restrito.29
O processo de declínio das leis Jim Crow teria início com a decisão judicial da Suprema Corte em 1954, a Brown vs Board of Education of Topeka, que foi acompanhada de outras decisões legais somadas às ações dos diferentes movimentos negros, em especial o Civil Rights Movement na figura de Martin Luther King Jr. Apenas para ampliar o que se sabe dessa decisão tão importante:
O caso que deu seu nome à famosa decisão de 1954 declarando inconstitucionais as escolas públicas de Jim Crow foi apresentado no verão de 1950. O caso começou quando 13 pais afro-americanos, todos membros do NAACP local em Topeka, Kansas, levaram seus filhos para as escolas públicas em seus bairros integrados e tentaram inscrevê-los. As autoridades escolares se recusaram a admitir os estudantes negros e disseram a seus pais que os levassem para uma das quatro escolas da cidade destinadas aos negros. Os pais apresentaram uma ação de discriminação no tribunal estadual contra o conselho de educação da cidade em nome de seus filhos. Oliver Brown, ministro, foi o primeiro pai listado no processo, e o caso tornou-se Brown v. Board of Education of Topeka, Kansas.30
No Brasil, leis que impedissem a entrada de negros em determinados espaços ou serviços não existiram no universo da legislatura, mas isso não significa que as práticas cotidianas não tenham reforçado o “lugar do negro” dentro da sociedade, assim como ocorria no cotidiano dos negros estadunidenses. A bailarina e coreógrafa Katherine Dunham, em viagem ao Brasil, foi impedida de se hospedar no Hotel Esplanada, em São Paulo, pois o estabelecimento não aceitava negros (1950);31 a filha do governador do Espírito Santo, Ana Flávia Peçanha de Azevedo, sofreu violência física e injúrias raciais em um condomínio de elite, no qual foi “confundida” como empregada (1993).32 Ambas ganharam destaque na mídia, visto que uma era estrangeira e a outra pertencente à elite econômica e política do país. Todavia, atos semelhantes repetiam-se — e repetem-se — todos os dias sem que alcançassem os holofotes.
Dentro dessa estrutura legalizada de separação racial e de práticas cotidianas que reforçavam essa estrutura e a ampliavam para além do que era legal, se encontravam os protagonistas negros que busquei compreender. Assim, mais do que a estrutura legal, o cotidiano também criou relações de preterimento racial, e com essas os afro-brasileiros também acabaram por comungar.
Líderes, entidades e suas visões de mundo
Martin Luther King Jr. e Malcolm X são, indiscutivelmente, referências para a compreensão de como se desenvolveu a luta dos afro-americanos contra a segregação nos Estados Unidos. É interessante que ambos efetivaram suas trajetórias no mesmo período,33 o que propiciou um “diálogo” entre eles e permite observar qual era a forma de luta mais palatável aos estadunidenses, em especial os não negros e os agentes do governo. Prova disso é a popularidade de King34 no período em que militava e a resistência à figura de Malcolm X, ressiginificado após sua morte, em especial pela militância jovem,35 também perseguida.
Nascido em 1929, King era o filho do meio de uma família de três crianças, cujo pai era Reverendo da Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta. Ele também era responsável pela seção da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP)36 local. Assim como o pai, sua atuação começa pela influência da mesma entidade. Ao assumir o ministério em Atlanta, Dr. King Jr. é convidado pelos líderes locais para a posição de presidente da seção local da NAACP, convite do qual ele declina diante de suas responsabilidades pastorais.37 Contudo, poucos meses depois, após o episódio que resultou na prisão da Sra. Rosa Parks,38 a liderança da NAACP refaz o convite, argumentando que seria importante o líder do “boicote aos transportes públicos” de Montgomery ser alguém que, ainda, não tivesse acumulado inimigos locais. Do boicote surge a primeira experiência como líder pela luta dos direitos civis de Martin Luther King, propagador do método pacífico da desobediência civil.
Malcolm X era um dos oito filhos do segundo casamento de seu pai, Earl Little, e enfrentou, logo cedo, graves problemas domésticos. Seu pai, declarado defensor do movimento de Marcus Garvey39 e ministro da Igreja Batista, sofreu perseguições até ser assassinado, quando Malcolm tinha apenas seis anos, deixando a mãe, Louise Little, responsável pela criação dos filhos. Em sua autobiografia, Malcolm X40 narra o envolvimento na vida adulta com drogas, apostas, prostituição e roubos. Foi dentro da prisão, por influência especialmente dos irmãos recém-convertidos ao islamismo e seguidores da Nation of Islam (NOI), que a vida de Malcolm X trilharia um caminho completamente diferente. Ao ouvir os ensinamentos de Elijah Muhammad,41 por intermédio de outros adeptos da NOI e das trocas de correspondências com o próprio Elijah Muhammad, Malcolm começou a ressignificar sua experiência e a enxergar suas debilidades como fruto da exploração dos brancos.
O Movimento Negro Unificado,42 por sua vez, torna-se público durante um ato ocorrido nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em 7 de julho de 1978. Militantes que já vinham atuando em suas comunidades uniram-se em torno do MNU como forma de denunciar o mito da democracia racial, o extermínio da população negra e a necessária reparação das condições de preterimento econômico e social em que viviam os negros no Brasil. Indícios dessas demandas são observados na carta lida por Milton Barbosa no Ato Contra o Racismo:
Contra o Racismo. Hoje estamos na rua numa campanha de denúncia! Campanha contra a discriminação racial, contra opressão policial, contra o desemprego, o subemprego e a marginalização. Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições de vida da Comunidade Negra [...] Estamos saindo das salas de reuniões, das salas de conferências e estamos indo para as ruas. Um novo passo foi dado na luta contra o racismo. [...]43
A leitura das biografias e entrevistas dos principais envolvidos com a formação do MNU permite afirmar que se tratava de uma pequena elite intelectual negra que percebeu que, mesmo destacando-se socialmente e/ou economicamente, as discriminações não cessaram, desmistificando que, no Brasil, o preconceito seria de classe e não de raça.44
O mesmo corpo documental permite observar uma diferença importante entre os militantes brasileiros e os estadunidenses: os brasileiros eram, em sua maioria, os primeiros dentro do seio familiar a compreender a luta contra a discriminação como algo a ser combatido no âmbito público e político. As narrativas sobre discussões familiares a respeito da discriminação ilustram o argumento. Amauri Mendes Pereira, por exemplo, afirma:
Quem tinha preocupação com o problema racial era minha avó materna, Maria Trindade. Ela foi escrava. [...] Ela tinha uma consciência racial aguda. Sempre falava: “Meu filho, mesmo você sendo mais clarinho, um dia você vai saber o que é isso”. E aí aconteceu [...] fui para o morro e falei para minha avô. Ela me botou no colo e começou a falar: “Meu filho, não tem jeito não, é assim mesmo”.45
Pedro Cavalcante, por sua vez, ao narrar o preterimento do pai pelo avô (não negro), afirma, “meu pai tinha consciência da negritude, mas ficava quieto, na dele, não chiava”.46 A tônica mostra que, por vezes, um ou outro familiar sabia das dificuldades advindas do racismo e alertavam seus entes, contudo, não conseguiam desenvolver uma forma de atuação que não fosse a de resignação ou de combate imediato e, portanto, pouco elaboravam como formas de articulação para reversão desse cenário.
Provavelmente, decorre desse fenômeno o fato de muitos militantes terem se apercebido da existência do racismo por intermédio do contato com outros militantes. Ainda que ela não seja uma militante do MNU, a descrição de Jurema Batista sobre a influência de Carlos Medeiros e Lélia Gonzalez — esses, sim, militantes da entidade — mostra a importância do contato com as discussões elaboradas e disseminadas por ativistas:
Virei presidente da Associação de Moradores do Morro do Andaraí em 1980. Nesse mesmo ano, eu estava na Faculdade Santa Úrsula, e a questão racial ainda não estava na minha cabeça. Nós tínhamos o Centro Acadêmico de História [...] Um dia ia ter um debate e me convidaram: “É para discutir sobre esse negócio negro”. Eu falei: “Eu? Não quero saber disso. Está ficando maluco?”. Disseram: “Porque tem racismo no Brasil”. Eu falei: “Que racismo? Onde é que vocês inventaram esse negócio? Era só o que faltava. Vocês estão trazendo coisas dos Estados Unidos para cá. Não tem esse negócio aqui não, só na África do Sul”. [...] Cheguei lá e quem estava na mesa? Carlos Alberto Medeiros, Lélia Gonzalez e esse rapaz que foi me chamar na sala, que depois veio a ser meu assessor no primeiro mandato de vereadora e foi até assassinado, o Hemógenes. [...] Foi muita resistência, mas, ao mesmo tempo, alguma coisa ela falou que me tocou profundamente. [...] Aí eu entendi tudo. Foi exatamente nesse momento que eu tomei consciência da questão racial. E fiquei muito brava. [...] Porque fui enganada. A vida inteira eu bebi na tal história de que no Brasil não há racismo.47
A citação é ilustrativa para demonstrar que, muitas vezes, o preterimento racial no Brasil passa despercebido pelas famílias brasileiras, dificultando o próprio reconhecimento de sua existência e dos problemas advindos do racismo. No caso de Jurema Batista, ter ouvido, ainda que resistente, acadêmicos e militantes, a fez repensar o processo de formação que vivenciou até ali. Da mesma forma, a própria Lélia Gonzalez, uma das ativistas negras mais referenciadas por sua atuação nacional e internacional, é, também, um exemplo de como a noção de pertencimento só foi percebida no contato com outrem, no caso, seu primeiro marido:
Mas quando chegou a hora de casar, eu fui me casar com um cara branco. Pronto, daí aquilo que estava reprimido, todo um processo de internalização de um discurso da “democracia racial” veio à tona, e foi contato direto com uma realidade muito dura. A família do meu marido achava que o nosso regime matrimonial era, como eu chamo, de “concubinagem”, porque mulher negra não se casa legalmente com homem branco; é uma mistura de concubinato com sacanagem, em última instância. Quando eles descobriram que estávamos legalmente casados, aí veio o pau violento em cima de mim; claro que eu me transformei numa “prostituta”, numa “negra suja” e coisas desse nível...48
Nesse caso, a educação é apontada como elemento silenciador do pertencimento racial, segundo Lélia Gonzalez:
Fiz escola primária e passei por aquele processo que eu chamo de lavagem cerebral dado o discurso pedagógico brasileiro, porque, na medida em que eu aprofundava meus conhecimentos, eu rejeitava cada vez mais minha condição de negra.49
Outro elemento importante dentre os ativistas contemporâneos é que mais do que apreender o racismo apenas no âmbito das relações pessoais, compreendiam, também, a institucionalização dessas relações na sociedade como construídas historicamente. Nesse contexto, também o Estado, por intermédio de suas ações e instituições, era visto como produtor e reprodutor do racismo. Esse dado fica mais visível nos textos redigidos por militantes e apresentados como documento do MNU:
Todos nós sabemos o prejuízo social que causa o racismo. Quando uma pessoa não gosta de um negro é lamentável, mas quando toda uma sociedade assume atitudes racistas frente a um povo inteiro, ou se nega a enfrentar, aí então o resultado é trágico para nós negros: pais desempregados, filhos desamparados, sem assistência médica, sem condições de proteção familiar, sem escolas e sem futuro. E é este racismo coletivo, este racismo institucionalizado que dá origem a todo tipo de violência contra um povo inteiro. É este racismo institucionalizado que dá segurança à prática de atos racistas.50
Ou, como determina, em seu trecho inicial, a Carta de Princípios, cujas discussões para elaboração ocorreram no âmbito do I Congresso do MNUCDR, reunido de 14 a 16 de dezembro de 1981, no Rio de Janeiro:
NÓS, membros da população negra brasileira — entendendo como negro todo aquele que possui na cor da pele, no rosto ou nos cabelos, sinais característicos dessa raça —, reunidos em Assembleia Nacional, CONVENCIDOS da existência de:
- discriminação racial
- marginalização racial, política, econômica, social e cultural do povo negro
- péssimas condições de vida
- desemprego
- subemprego
- discriminação na admissão de empregos e perseguição racial no trabalho
- condições sub-humanas de vida dos presidiários
- permanente repressão, perseguição e violência policial
- exploração sexual, econômica e social da mulher negra
- abandono e mal tratamento dos menores, negros em sua maioria
- colonização, descaracterização, esmagamento e comercialização de nossa cultura
- mito da democracia racial [...]51
O documento é taxativo em atribuir ao Estado o caráter histórico de produtor e reprodutor do racismo. Portanto, produz e produziu racismo na manutenção da escravidão, ao não prover a reparação aos alforriados e seus descendentes; mas ainda hoje, ao estimular uma leitura de Brasil não discriminatório, ao mesmo tempo em que não prima pela proteção do segmento negro da sociedade — em situação de fragilidade dada sua história — e, portanto, reforçando o acesso limitado do grupo ao trabalho, à saúde, à habitação, à educação (etc.) de qualidade.
Em comparação com Malcolm X e King Jr., apenas para ficar nos indivíduos eleitos para análise, fica claro que esses já tinham a experiência de seus pais como ativistas e líderes religiosos de comunidades negras, contando, assim, com o apoio de entidades estruturadas, inclusive com amparo jurídico e financeiro, fossem elas ligadas à religiosidade ou não. No Brasil, essa primeira geração de militantes entendia ser necessário criar essas instituições de apoio, por eles chamadas “Centros de Lutas”:52
É necessário buscar formas de organização. É preciso garantir que este movimento seja forte instrumento de luta permanente da comunidade, onde todos participem de verdade, definindo os caminhos do movimento. Por isso chamamos todos a engrossarem o MOVIMENTO UNIFICADO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Portanto, propomos a criação de CENTROS DE LUTA DO MOVIMENTO UNIFICADO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, nos bairros, nas vilas, nas prisões, nos terreiros de candomblé, nos terreiros de umbanda, nos locais de trabalho, nas escolas de samba, nas igrejas, em todo lugar onde o negro vive; CENTROS DE LUTA que promovam o debate, a informação, a conscientização e organização da comunidade negra, tornando-nos um movimento forte, ativo e combatente, levando o negro a participar em todos os setores da sociedade brasileira.53
Outro elemento da estrutura jurídica brasileira que a distingue da experiência vivenciada por ativistas estadunidenses deve ser observado. Mesmo que o Ato Público de 7 de julho de 1978 e a organização das entidades negras, na mesma década, estivessem já no contexto de abertura política “lenta, gradual e segura” do governo Geisel (1974-1979), eles ocorreram ainda sob a chancela da Lei de Segurança nº 898, de 29 de setembro de 1969, que determinava como crime:
Art.14. Formar, filiar-se ou manter associação de qualquer título, comitê, entidade de classe ou agrupamento que, sob orientação ou com auxílio de governo estrangeiro ou organização internacional, exerça atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional [...]
Art.39. Incitar:
VI - Ao ódio ou à discriminação racial.54
A pesquisa de Raquel Barreto55 aponta a existência do registro de Lélia Gonzalez no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Sua primeira aparição nesses registros data de 1972, por desconfiança de que a professora estivesse recrutando adeptos à doutrina marxista, uma vez que reuniões de professores e graduandos de Filosofia se davam em sua residência. O segundo registro de Lélia Gonzalez é de 1978, relacionado com a sua participação no MNU. Dentre os documentos constam palestras transcritas, atividades a serem desenvolvidas pelo Comitê Executivo do movimento, informes das reuniões e cópias do estatuto do MNU. Mesmo militantes que atuavam longe do eixo Rio-São Paulo eram “acompanhados” pela polícia política. Mundinha Araújo, nascida e atuante no Maranhão, também afirma ter ficha no DOPS.56
Os relatórios feitos pelos agentes repressores continham informações sobre os participantes, palestrantes, debatedores, horário de início e término de atividades, número de participantes. Os agentes não tinham acesso a todas as reuniões, pois algumas eram fechadas a lideranças do movimento. O que percebemos também é que, em alguns momentos, os responsáveis por executar as averiguações sobre o movimento não tinham clareza do que se tratava — em alguns relatórios afirmavam não ter aquele movimento “nenhum caráter subversivo”.57
Excetuando-se a conclusão esporádica de, no caso brasileiro, não haver no movimento “nenhum caráter subversivo”, nos Estados Unidos, reuniões, discursos, encontros religiosos, telefonemas — ou seja, os passos dos líderes negros — eram acompanhados de perto pela inteligência do Estado e tomados como perigosos aos interesses nacionais, em especial os de Malcolm X. As fichas referentes às “observações” sobre Malcolm X e King Jr., por exemplo, estão hoje disponíveis on-line no site do Federal Bureau Investigation.58
De acordo com o historiador George Andrews,59 a vigilância e o caráter subversivo das atividades eram um denominador comum no Brasil, entretanto, não possuía a tradição de igrejas ou faculdades independentes como ocorreu nos Estados Unidos — identificadas por ele como facilitadoras da formação da base ideológica e institucional da liderança negra. O Brasil, ainda segundo o historiador estadunidense, ressente-se da ausência de um limite definido entre o que é ser “branco” ou “negro”, tornando possível a cooptação dos considerados “menos negros” para a classificação “branco”, quando conveniente. Nos Estados Unidos, mais do que as características fenotípicas, a herança sanguínea define o grupo racial.
A meu ver, é exatamente na ausência dessa autoidentificação que se encontra uma das principais bandeiras dos ativistas brasileiros, argumento que a experiência estadunidense mostrava ser necessário à construção da identificação do preterimento racial e do sentimento de valorização desse pertencimento por parte da sociedade. Um dos militantes participantes da formação do MNU e um dos fundadores da Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (Sinba) e do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), e ainda chefe de gabinete e assessor de Abdias do Nascimento (1997-1999), militante e senador na época, Carlos Alberto Medeiros, ratifica essa linha de argumentação:
Embora eu visse com muita identificação o que acontecia nos Estados Unidos, via como algo de fora, algo que os negros brasileiros resistiriam muito a fazer. Não haveria aqui o mesmo grau de solidariedade, talvez por não haver segregação oficial — embora a gente já visse que a segregação existia em algumas situações práticas.60
E, para além disso, sem inserir a maior parte da população nas suas discussões, o MNU sofria o risco de se ver sem legitimidade. Dessa forma, a denúncia do mito da democracia racial e a exigência de inserção da História da África e dos afro-brasileiros nos currículos escolares se tornaram recorrentes e já constavam da pauta de reivindicações, desde a formação do MNU, como atestam documentos produzidos por eles, tal como a Carta de Princípios de 1982:
RESOLVEMOS juntar nossas forças e lutar por: [...] reavaliação do papel do negro na História do Brasil; valorização da cultura negra e combate sistemático à sua comercialização, folclorização e distorção; [...] liberdade de organização e de expressão do povo negro.61
A defesa de uma educação comprometida com uma história africana e afro-brasileira é destaque, também, entre militantes que estiveram presentes na Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, responsável, no processo da Constituinte de 1987-1988, por propor diretrizes para a elaboração da Carta Magna:
[...] a televisão forma muito mais do que a escola. Mas, dentro da escola, nós temos que lutar, e já foi colocada, que é uma das nossas grandes reivindicações, lançada, inclusive, pelo MNU, nesses anos todos de luta, a instauração da história da África, num currículo em todos os níveis e graus do ensino público e gratuito no Brasil, não é verdade? [...] porque um povo que desconhece a sua própria história, a sua própria formação, é incapaz de construir o futuro para si mesmo.62
Não se mudam os hábitos de um povo só pela Constituição. Por isso essa dimensão de luta nossa, por isso que nós temos que lutar por uma mudança de educação na escola, uma mudança na família, na comunidade, porque ninguém vai deixar de ser racista por causa de uma lei que diz que ele vai ser preso se ele for racista.63
Esta ideia de uma reforma curricular nos três níveis, que contemple o papel desempenhado por negros e índios na história e cultura brasileira, é uma reivindicação universal do movimento [sic] negro. Dentre as poucas reivindicações unânimes, em todo o movimento negro brasileiro, de Norte a Sul, sempre apareceu esta. E por quê? É fácil de compreender. Se o reconhecimento do papel do negro e do índio na formação brasileira é uma questão de identidade, é óbvio que o canal eficaz para enfrentar a questão é o canal do ensino, é o canal pedagógico. [...] É o problema da identidade, da auto-identidade [sic] e da identidade do outro que está em questão neste momento. Portanto, parece-me que esse preceito de estudo e ensino da cultura e história do negro seja uma sugestão essencial, no sentido de enfrentar o que convencionei chamar de crise brasileira.64
Os trechos acima representam apenas três dos momentos em que o tema educação foi enfatizado por militantes brasileiros no âmbito das discussões ocorridas naquela Subcomissão, a educação compreendida como essencial numa política pública de construção de identidades positivas na população negra brasileira e, então, como forma de estimular pertencimento. Portanto, a solidariedade, mencionada como forte entre os estadunidenses, só ocorreria no Brasil com o alargamento da identificação do segmento negro da sociedade, cuja educação era tida como via privilegiada.
A atuação e a ênfase de militantes brasileiros na questão de identidade e de origens raciais e étnicas, notadamente marcadas pelo viés educacional discriminado acima, foram vistas, pelo brasilianista Michael Hanchard,65 como culturalistas, por desconsiderar questões de ascensão social e de poder. A pesquisa que analisa as ações do movimento negro, de 1945 a 1988, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, indica que, na época, a base da militância era cultural (cabelo, postura, busca da origem africana) e, às vezes, geradora de uma “fetichização cultural”.66 A respeito da participação de militantes nos Conselhos Municipais de Negros, ocorrida nos anos 1980 e iniciada no governo Franco Montoro (SP), Michael Hanchard visualiza a atuação como de natureza efêmera, atribuindo maior valor político à atuação dos então deputados, Benedita da Silva e Carlos Alberto Caó, na elaboração da Constituinte e na luta por tornar crime o racismo, que, no seu entender, são ações que saem do campo do efêmero, tornando-se de abrangência nacional. Ao cunhar de culturalista o movimento brasileiro, diversas críticas emergiram às considerações do pesquisador, bem como forte resistência das militâncias ao trabalho do brasilianista.
Parte da discussão acadêmica gerada pela obra Orfeu e o poder pode ser acessada nos textos de Luiza Bairros,67 socióloga, militante do MNU e, posteriormente, Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (2011-2014), e nos textos do próprio Hanchard68 em resposta. Para Bairros, a análise seria melhor empreendida se evitasse assumir que as militâncias afro-brasileiras tivessem tomado a África e os Estados Unidos como parâmetros absolutos, buscando, então, compreender “como é que o movimento negro foi gerado a partir da formação racial brasileira”.69 Ademais, a socióloga argumenta que a fundamentação do culturalismo por meio de entrevistas de um determinado grupo do movimento negro brasileiro é resultado da descuidada generalização do autor e da carência de contextualização histórica.
Contudo, o próprio Hanchard efetiva uma ressalva sobre sua obra — disposta no prefácio da edição brasileira —, uma vez que suas considerações teriam se efetivado antes de posicionamentos mais contundentes de militantes no campo político-partidário, sendo inviável aperceber-se da durabilidade da aproximação política partidária, vistas, até então, por ativistas com receio. Nesse sentido, admite que parte das críticas também indicam “que até as chamadas práticas culturalistas são, na verdade, práticas políticas, particularmente numa sociedade como o Brasil”.70
Nos Estados Unidos, embora a identificação do preterimento social e econômico fosse largamente compartilhada por sua população, a defesa do ensino de História da África e Afro-Americana era compreendida como meio de garantir a esse segmento o conhecimento sobre seu passado. No país, a exigência da incorporação desses estudos — ao menos no âmbito da Universidade — ocorreu entre os próprios estudantes que passaram a exigir, de suas universidades, a criação de Black Studies ou de Black History e a contratação de mais professores negros na década de 1960. Huey Newton e Bobby Seale, fundadores dos Black Panthers Party — grupo que deixava evidente a influência do já falecido Malcolm X —, por exemplo, organizaram um movimento com essa demanda ainda quando eram estudantes no Merrit College, segundo Philip Foner.71
A Universidade de Pittsburgh, por exemplo, também vivenciou esse processo no qual ativistas negros, estudantes e recém-formados exigiam ter sua cultura representada entre os cursos oferecidos, e o documento produzido por eles me foi disponibilizado. Nomeado Black Paper for Black Studies, o documento é datado em 1º de junho de 1969, tendo por redatora a Black Action Society, representada pelos nomes de Curtis E. Porter72 e Jack L. Daniel73. Bem estruturado, o documento explora: a definição; a relevância; como os estudos devem ser abordados nas diferentes áreas das ciências; e as previsões orçamentárias para a efetivação do centro de estudos.
No Brasil, a efetivação, via legislação, da inserção dos estudos sobre o continente africano e da história afro-brasileira só ocorreria no ano de 2003, com a aprovação da Lei Federal nº 10.639. Não se trata, porém, de uma lei “concedida” do alto para baixo. Na pauta desde a década de 1970, como o presente texto observou, a Lei Federal de 2003 é fruto da contínua articulação de militantes negros, seja dentro de entidades negras, seja nos quadros de professores das instituições de ensino superior. Nesse sentido, por exemplo, a relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana é a professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Petronilha Beatriz Gonçalves Silva, como mostra o Parecer n° CNE/CP 003, de 10 de março de 2004. Petronilha Silva possui uma produção acadêmica significativa sobre as questões raciais e fez da docência uma luta por representação positiva.
No cerne dessa preocupação com o ensino, está a defesa da existência de um passado histórico da raça negra, identificado nos Estados Unidos e no Brasil como originários no continente africano:
Ele [o negro] não tem cultura, não tem civilização nem um longo passado histórico. [...] O branco estava enganado, eu não era um primitivo, nem tampouco um meio-homem, eu pertencia a uma raça que há dois mil anos já trabalhava o ouro e a prata”74.
O uso aqui de uma citação da Frantz Fanon não se faz de forma inconsciente. O intelectual, nascido na Martinica e educado na França, faz parte das leituras dos militantes estadunidenses e brasileiros, bem como Aimé Cesaire, W. E. B. DuBois, dentre outros. Dessa informação denota o fato de que há entre esses grupos certa comunhão com elementos das discussões sobre as questões étnicas promovidas por intelectuais de diferentes países já no século passado.
Soma-se a esse cenário o contato de militantes brasileiros com outras fontes de informações sobre as lutas estadunidenses e seus ideais. Ivair Santos dos Alves, por exemplo, admite uma verdadeira adoração pelas reportagens apresentadas na revista Realidade, que, de acordo com Amauri Mendes Pereira, também consumidor da revista, trazia todos os acontecimentos das lutas negras nos Estados Unidos.75 Por sua vez, Carlos Alberto Medeiros narra a importância que a estética negra e as discussões raciais presentes na revista norte-americana Ebony causaram em suas reflexões sobre beleza e orgulho racial.76
É possível afirmar, porém, que a África é uma referência discursiva muito mais para Malcolm X e o MNU do que para Martin Luther King, cuja essência do discurso está centrado na união entre negros e brancos e na possibilidade de convivência pacífica de cristãos, como mostra a citação a seguir:
A pessoa que mais te odeia tem algo de bom nele; mesmo a nação que mais te odeia tem algo de boa nela; até mesmo a raça que te odeia tem algo de bom. E quando você chegar ao ponto de olhar na face de cada homem e enxergar lá no fundo o que a religião chama de “imagem de Deus”, você começa a amá-lo apesar disso. Não importa o que ele faça, você vê a imagem de Deus.77
Para Martin Luther King, como atesta seu discurso mais famoso, I Have a Dream, a essência do sonho dos afro-americanos é pertencer ao sonho americano já, supostamente, vivenciado pelos não negros. Assim, afirma:
E, mesmo assim, enfrentamos as dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. [...] Tenho um sonho de que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos ex-escravos e os filhos de ex-donos de escravos poderão sentar-se juntos na mesa da fraternidade.78
Posição antagônica à de Malcolm X, para quem, em especial no período em que estava ligado à NOI, a única saída era a separação de negros e brancos, uma vez que o problema americano era o negro:
Não só a América tem um problema muito sério, mas nossa gente tem um problema muito sério. O problema da América somos nós. Nós somos o problema dela. A única razão pela qual ela tem um problema é que ela não nos quer aqui.79
Cabe salientar que o discurso Message to Grass Roots foi escrito posteriormente ao I have a dream e em resposta a ele.
Na visão de Malcolm, existiam dois tipos de negros, os da casa grande e os do campo, sendo os negros da casa, repetidamente, nomeados de “Uncle Tom”. O termo faz referência ao romance Uncle Tom’s Cabin, da escritora estadunidense Harriet Beecher Stowe, publicado em 1853, que contribuiu para as discussões sobre a escravidão no Norte do país. No caso, Uncle Tom era um escravo bastante fiel ao seu dono, mas que, por infortúnio, foi vendido e conheceu as agruras de pertencer a senhores com posturas diversas, porém, sempre agiu com resignação à sua situação de flagelo. No Brasil, o romance tornou-se novela, exibida entre os anos de 1969 e 1970, e Uncle Tom virou Pai Tomás. Na adaptação, o ator que interpretava Pai Tomás — Sérgio Cardoso — era branco e pintava sua pele para entrar em cena.80
Segundo Malcolm X, os negros da casa, por receberem um melhor tratamento, amavam seus senhores. Por sua vez, os senhores usavam os negros da casa para manter os negros do campo em situação de submissão. Fazendo uma associação com o contexto do mundo escravista, Malcolm afirma que esses negros domésticos, no caso King, ainda serviam ao mesmo propósito.81 Os aliados deveriam vir, então, dos países que sofriam também a exploração econômica e psicológica experimentada pelos negros americanos, como mostra trecho do discurso The Ballot or the Bullet (O voto ou a bala):
Quando começamos a entrar nessa área, precisamos de novos amigos, precisamos de novos aliados. Precisamos expandir a luta pelos direitos civis para um nível superior ao nível dos direitos humanos. Sempre que você estiver em uma luta pelos direitos civis, quer você saiba ou não, você está se limitando à jurisdição do Tio Sam. Ninguém externo pode falar em seu nome, desde que sua luta seja uma luta pelos direitos civis. Os direitos civis entram nos assuntos domésticos deste país. Todos os nossos irmãos africanos e nossos irmãos asiáticos e nossos irmãos latino-americanos não podem abrir a boca e interferir nos assuntos domésticos dos Estados Unidos. E, enquanto são direitos civis, isso é da competência do Tio Sam.82
Ao aparelho repressor do Estado, associava-se o estímulo à violência por parte de outros militantes, como mostra a citação de King Jr.:
A outra força é de amargura e ódio, e vem perigosamente próxima de defender a violência. É expressada nos vários grupos nacionalistas negros que brotam em todo o país, sendo o maior e mais conhecido o Movimento Muçulmano de Elijah Muhammad.83 Alimentado pela frustração do negro sobre a persistência da discriminação racial, este movimento é composto por pessoas que perderam a fé na América, que repudiaram completamente o cristianismo e que concluíram que o homem branco é um “demônio” incorrigível.84
Malcolm, contudo, atuava em defesa e no fortalecimento da comunidade negra. Um exemplo disso é apontado por Manning Marable, para quem a carreira do ativista como líder nacional da campanha por direitos civis inicia-se em 26 de abril de 1957, quando três homens tentaram defender um homem negro no Harlem após uma discussão com a polícia. Um desses homens, Johnson Hinton, membro do Templo no 7, cujo responsável era Malcolm, ao interpelar os policiais com a frase “Vocês não estão no Alabama. Isto aqui é Nova York.”, foi violentamente agredido. Todos foram presos, inclusive Hinton, que, de acordo com o diagnóstico médico, sofreu contusão cerebral e hemorragia subdural. O auxílio médico e a insistência em manter Hinton preso até o dia seguinte, quando seria levado à presença de um juiz, foram acompanhados por cerca de 2.500 pessoas indignadas. Após ter estabelecido garantias para o jovem Johnson Hinton, Malcolm conseguiu que, de madrugada, sob seu controle, as pessoas se dispersassem de forma ordenada. No dia seguinte, a NOI pagou a fiança de Hinton, mas, o que ficou mais latente para o delegado foi a postura de Malcolm, pois, segundo ele, “Homem nenhum deveria ter tanto poder”.85
De acordo com a autobiografia de Malcolm X,86 os ensinamentos da NOI lhe mostraram como a história teria sido embranquecida, uma vez que era escrita por homens brancos. Para o ativista, o desejável não era o fim da segregação, pois isso ainda significaria controle, mas posicionava-se a favor da separação, uma vez que ocorreria de forma voluntária e seria realizada entre dois iguais.87 Nessa perspectiva, afirma que “O homem negro americano deveria focar cada esforço em direção à construção de seu próprio negócio, e moradias decentes pra si mesmos”,88 ou seja, sua postura era de valorização moral da comunidade negra, pregando o desenvolvimento de atividades econômicas para os negros que lhes pudessem prover sua independência.
Obviamente, não se espera que o mesmo tom de King Jr. ou de Malcolm X seja encontrado nas militâncias brasileiras contemporâneas. Militando num ambiente em que ainda era necessário atestar ser um mito a cordialidade racial brasileira e criar uma identificação com a herança negra, os brasileiros elaboraram outras formas de atuação. O texto já mencionado de Luiza Bairros indica parte dessas formas. Para ela, há elementos globais que forjam a identidade do negro em diferentes partes do mundo, mas, ainda assim, ela considera que, “em geral, militantes afro-brasileiros entenderam que a política racial tenderia a refletir especificidades que resultam de construções particulares da categoria raça e das relações raciais”.89 Das experiências dos diferentes militantes e entidades brasileiras, as estratégias estavam circunscritas pelo menos aos seguintes elementos:
- meios de atingir a unidade mínima necessária no interior do movimento, de superar a aparente contradição entre o que é político e o que é cultural, e de aumentar o grau de inserção no interior das comunidades;
- relação do movimento negro com as forças políticas dominantes, assim como os limites e possibilidades de alianças;
- trabalho desenvolvido por outros setores — Igreja, sindicatos, partidos políticos — em relação à questão racial e seu impacto na construção de um movimento negro autônomo;
- contribuição de negros em cargos eletivos ou executivos na elaboração de uma estratégia para ampliar a representação institucional e política negras;
- e lições tiradas da participação em organismos governamentais, do tipo Conselho do Negro, especialmente no que tange à elaboração e implementação de políticas públicas.90
Mas as ações estadunidenses constituem incontestes fontes de informação, identificação e orgulho. Ainda que lutando sob circunstâncias e em contextos diferentes, os estadunidenses foram também prova de que a militância negra poderia encontrar espaço político para suas demandas, ao mesmo tempo em que o sucesso das ações estadunidenses conferia legitimação às dos brasileiros.
Considerações parciais
Ao analisar o percurso e as demandas de militantes negros estadunidenses e brasileiros, com destaque para os que estiveram envolvidos com a formação e a atuação do Movimento Negro Unificado, é possível observar que suas demandas fundamentam-se no preterimento real para a construção de alternativas possíveis. O fenômeno, como aqui observado, não é exclusivo do Brasil. Defendo que a visibilidade alcançada pelos líderes estadunidenses e seus sucessos incontestáveis, tais como o Civil Rights Act, de 1964, e o Voting Rights Act, de 1965,91 configuraram, para os militantes brasileiros, uma fonte de orgulho e referência discursiva.
Uso o termo “referência discursiva” porque, de fato, era inviável desenvolver, no Brasil, a luta contra as mazelas do racismo como ela foi desenvolvida nos Estados Unidos. Mas certas estratégias, como a formação de entidades negras de união e assessoria, a luta pela inclusão dos estudos africanos e afro-brasileiros no ensino escolar foram estratégias possíveis dentro do contexto brasileiro.
Mas os brasileiros não apenas receberam essas influências, como já aqui evidenciado. Amílcar Pereira,92 por exemplo, afirma que a atuação do movimento negro começa a ter repercussão internacional na década de 1970, inclusive com um texto publicado no jornal The New York Times:
E é a partir de 1979, já como liderança do MNU, que Lélia Gonzalez começa seu périplo pelos Estados Unidos e por outros países, para divulgar o movimento negro brasileiro e, particularmente, o recém-criado MNU. Segundo seu currículo, nos anos 1979 e 80, Lélia fez 22 palestras fora do Brasil, sendo a grande maioria nos Estados Unidos.93
Para o historiador Amílcar Pereira, filho do militante Amauri Mendes Pereira,94 que é, portanto, a segunda geração de sua família a se dedicar ao estudo e à luta contra o racismo, a presença de lideranças do movimento negro brasileiro em eventos internacionais, políticos e acadêmicos era uma estratégia nova e bem sucedida, que ampliou a luta contra o racismo no Brasil.
Este texto objetiva contribuir para a compreensão de que é possível traçar linhas gerais sobre a luta contra o preterimento racial em diferentes contextos, dado o caráter transnacional do fenômeno. Mais do que isso, que a experiência de um país pode ser observada como uma referência, sem que, com isso, tenha-se a tentação de cunhar de “copistas” os próximos protagonistas de lutas semelhantes. Quando as militâncias negras brasileiras afirmam que estadunidenses e africanos são “referências”, não distinguem que elementos são apreendidos de cada uma delas, tão díspares em seus pensamentos e ações. Assim sendo, que essas experiências da luta contra o racismo possam ser entendidas dentro da concepção da circularidade de ideias, impulsionada pela experiência diaspórica africana.
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